I – NEXUM E A MANCIPATIO
Na história do direito, destaco o nexum, que é considerado o mais antigo contrato formal romano.
Revestia-se do mesmo ritual da mancipatio, processando-se, per aes et libram, presentes cinco testemunhas e o libripens. A passagem do dinheiro era, a principio real, depois passou a ser fictícia. O nexum, era inicialmente um empréstimo, tornou-se, depois, em Roma, um processo para criar quaisquer obrigações em dinheiro.
Nexum era uma forma de mancipatio , uma transferência simbólica dos direitos que envolveu um conjunto de balanças, pesos de cobre, e um juramento de fórmulas, como disse Lívio(A história de Roma, VIII, 28). Nos termos do contrato Nexum, um homem livre se tornou um escravo ligação ou nexo, até que pagasse a sua dívida ao credor, ou obaeratus.
Varro deriva a palavra Nexum desuum nec "e não a própria," e embora esta etimologia seja incorreta à luz da ciência moderna lingüística.
Além disso, não há formalmente um único contrato Nexum, é possível que houvesse muitas variações do contrato Nexum, e que os detalhes de contratos Nexum foram trabalhados em uma base caso a caso.
Servidão por dívida existia no início da República, em grande parte como resultado da crescente controle sobre o ager publicus , ou terras públicas, por indivíduos que adquiriram riqueza desproporcional e poder, e distorceram o ideal republicano de uma comunidade . Como os agricultores e trabalhadores perderam o acesso à terra que teoricamente foi realizado em comum pelas povo romano (Populus Romanus), eles foram incapazes de ganhar a vida, e ao Nexum recorreram como garantia de dívidas.
Apesar de ser constrangedor, em afronta à liberdade (libertas), os contratos Nexum eram uma alternativa em Roma preferível à escravidão para os devedores, uma vez que os escravos podiam ser vendidos ou mortos por seus mestres na vontade. Embora NEXI eram frequentemente espancados e abusados por sua obaerati, mantiveram (se, por vezes, apenas em teoria) a sua cidadania romana e direitos(A Cambridge História Antiga 2ª Ed. Vol. Vol VII. II: The Rise of Rome a 220 aC Cambridge University Press.. Grã-Bretanha: 1990. p 209). Os credores poderiam lucrar mais com um contrato Nexum, uma vez que recebiam um trabalhador de forma motivada, em vez de um escravo. Uma dívida pater famílias , ou a cabeça legal da família Romana, poderia oferecer seu próprio filho para Nexum ao invés de si mesmo.
A mancipatio, como resumiu Renato Avelino de Oliveira Neto (Mancipatio) é um dos modos de aquisição derivada da propriedade; é um negócio jurídico do ius civile formal e bilateral. É ato mediante o qual alguém transfere a outrem a propriedade ou poder semelhante a propriedade sobre determinadas coisas. Serve para adquirir direitos dominicais sobre pessoas ou coisas
O seu ritual clama a presença de no mínimo cinco testemunhas convocadas para o ato e o libripens intervêm como portador da balança. Na presença do alienante (mancipio dans) e das pessoas já mencionadas, o adquirente (mancipio accipiens) coloca a mão sobre a coisa ou pessoa a adquirir ("daí mancipatio, mais antigo: mancipium de manus e capere")[ [e recita a fórmula : hunc ego hominem ex iure Quiritium meum esse aio isque mihi emptus esto hoc aere aeneaque libra. [Ao mesmo tempo que pronuncia a fórmula, o adquirente pesa o cobre na balança, que representa certa quantia em dinheiro, e o libripens bate com o metal (raudusculum) na balança para se certificar da qualidade do mesmo e entrega o cobre já pesado ao alienante. Tudo se passa sob a inspeção do portador da balança.
É uma compra em dinheiro, em que a propriedade se adquire por troca, contra um preço pago em simultâneo. Isto nos remete a tempos em que o dinheiro em Roma ainda não era em moeda cunhada, e sim barras de cobre não amoedado, cujo valor dependia do peso. Por isso, a mancipatio do direito antigo apresenta-se como uma permuta, uma venda real realizada sempre à vista, pois as barras metálicas eram os instrumentos de troca e sua pesagem era real.
Na Época Arcaica e durante toda a Época Clássica do Direito Romano, a mancipatio, cujo objetivo era dar publicidade ao ato de transferência de propriedade perante cinco testemunhas, foi muito utilizada. "As últimas referências legislativas datam dos anos 355 e 395"
Só podem ser objeto de mancipatio res mancipi [que são os prédios itálicos, os escravos, gado grosso (bois, cavalos e burros) e servidões rústicas (que tenham finalidade agrícola) v.g., servidão de passagem e águas. Todas as outras coisas são res nec mancipi, cuja propriedade é transferida mediante traditio.
Este fato de dar preferência a estes tipos de coisas (res mancipi), explica-se, pois na época rural eram eles os bens mais valiosos.
Ela começa a perder a importância já no final da Época Clássica, como explicou Bonfarte(Corso di diritto romano , II, 1928) quando a transmissão não formal de res mancipi produz a propriedade bonitária. No período justinianeu, o imperador através das interpolações acaba com a distinção entre res mancipi e nec mancipi, desaparecendo assim a mancipatio, que foi substituída pela "E se ainda há vestígios nos séc VI e VII e nas épocas lombardas e franca, estamos perante puras fórmulas notarias que revelam, todavia, a força que sua tradição obteve nos espíritos"
Veja-se o procedimento.
No fim de 30 dias podia o credor intentar a legis actio per manus iniectionem a qual o autorizava, se o devedor não pagasse nem apresentasse quem o fizesse(vindex), a prender o devedor(nexus) em sua prisão doméstica durante 60 dias, acorrentando-o e fazendo-o trabalhar servorum loco. Se esse último prazo se esgotasse sem que fosse feito o pagamento ou um acordo, o credor podia matar o devedor ou vende-lo como escravo, além do Tibre.
O credor do nexum não precisava, por conseguinte, de uma sentença para proceder a execução. O contrato, por si, só tinha força executiva, proporcionando imediatamente a sujeição física do devedor ao credor. Essa eficácia do nexum, na lição de Ebert Chamoun(Instituições de direito romano, 1968, pág. 355) depois de ocasionar batalhas entre patrícios credores e os plebeus devedores, foi abolida, pela Lei Poetelia, de 326 a.C, que suprimiu a condição dos nexi. A partir daquela lei não o corpo do devedor, mas seus bens é que podiam ser responsabilizados pelos seus débitos ou por débitos alheios.
De acordo com historiador Tito Lívio, o Nexum foi abolida por causa da excessiva crueldade e luxúria de um único usurário, Lúcio Papirio. Em 326 aC, um jovem rapaz chamado Gaius Publilius foi fiador à dívida de seu pai, tornando-se o nexo de Papirio(em outra versão, Dionísio de Halicarnasso registra que Publilius havia emprestado o dinheiro para o funeral de seu pai). O rapaz era conhecido por sua juventude e beleza, e Papirio o desejava sexualmente. Ele tentou seduzir Publilius com "lasciva conversa ", mas quando o menino não respondeu, Papirio ficou impaciente e lembrou o menino de sua posição como escravo vínculo. Quando o menino novamente recusou seus avanços contundentes, Papirio lhe tinha despojado das amarradas. O menino ferido correu para a rua, e um clamor entre as pessoas levou os cônsules a convocar o senado, resultando na Lex Poetelia Papiria, que proibiu fossem segurados devedores em cativeiro por sua dívida e exigiu que a propriedade do devedor fosse usada como garantia. Todas as pessoas confinadas ao abrigo do contrato Nexum foram libertadas e o Nexum como uma forma de contrato legal foi proibido depois, conforme Tilo Livio(História de Roma, VIII, 28).
Cicero considerada a abolição do Nexum principalmente uma manobra política para acalmar temporariamente os plebeus.
É importante ter em mente o que segue:
1. Embora o Nexum como um contrato legal foi abolida, servidão por dívida persistiu no caso de devedores em falta, uma vez que um tribunal pode conceder aos mutuantes o direito de tornar insolventes devedores como escravos de títulos, segundo Brunt( Conflitos Sociais na República romana, Chatto & Windus Ltd. Londres:. 1971. pp 56-57)
Depois dessa lei, privado que foi de sua característica fundamental , que era também a sua grande vantagem, o nexum ficou reduzido a um conjunto de formalidades difíceis e incômodas.
II – TEORIA DUALISTA
Veio a teoria dualista.
Alois (Aloys) Ritter von Brinz foi o percursor da Teoria Dualista das Obrigações, dividindo o vínculo obrigacional em Schuld (débito) e Haftung (responsabilidade), o que equivaleria ao debitum e à obligatio do direito romano. Isso foi feito a partir de uma releitura das fontes. Isso no século XIX.
Na Itália, a materia foi desenvolvida por Pacchioni.
É antiga a noção pelal qual o vínculo é elemento da obrigação. Das Institutas de Justiniano consta que “obligatio est iuris vinculum, quo necessitate adstringimur alicuis solvendae rei secundum nostrae civitatis iura”.
O vínculo, constituído pelo enlace dos poderes conferidos ao credor com os correlativos deveres impostos ao titular passivo da relação, forma o núcleo central da obrigação, o elemento substancial da economia da relação.
A teoria dualista foi aperfeiçoada, no século XX, por Von Gierke, decompondo a obrigação em dois momentos: schuld, como um dever legal em sentido amplo, mas em sentido estrito é a dívida autônoma em si mesma, que tem por conteúdo um dever legal; e haftung, que consiste na submissão ao poder de intervenção daquele a quem não se presta o que deve ser prestado.
O primeiro elemento consiste no dever de prestar, na necessidade de observar certo comportamento e o segundo na sujeição dos bens do devedor ou do terceiro aos fins próprios da execução, ou seja, na relação de sujeição que pode ter por objeto, tanto a pessoa do devedor(antigo direito romano) como uma coisa ou complexo de coisas do devedor ou de terceiro.
Enquanto a dívida consiste no dever de prestar, a responsabilidade é prerrogativa conferida ao credor de tomar bens do devedor para a satisfação da dívida.
Cabe ao mutuário entregar bem equivalente em quantidade e qualidade ao emprestado(dívida ou schuld). Seus bens se sujeitam ao adimplemento da obrigação (responsabilidade ou haftung). Se entregar a prestação primária se extingue. Se não, pode o credor colocar em ação a prerrrogativa de tomar bens do devedor(haftung).
Na lição do Ministro José Carlos Moreira Alves (Direito romano, volume I, pág. 5), duas são as importantes distinções entre dívida e responsabilidade. A primeira é que surgem em dois momentos diversos: a dívida desde a formação da obrigação e a responsabilidade posteriormente quando o devedor não cumpre a prestação devida. A segunda é que o debitum é elemento não coativo(o devedor é livre para realilzar ou não a prestação), já a obligatiio é um elemento coativo.
Para Serpa Lopes (Curso de direito civil, 2º volume, 1995, pág. 11) o debate se coloca nos seguintes termos: “onde, pois, assenta o núcleo essencial da obrigação? Estará na obrigação do devedor de cumprir a prestação ou no poder do credor de contra ele agir coativamente e, definitivamente, no poder de agressão em sobre o seu patrimônio, no caso do inadimplemento?” O autor esclarece que para os clássicos a essência da obrigação esta na dominação do credor sobre certo ato do devedor e a segunda pretende situá-la nos próprios bens a que o devedor é obrigado a prestar.
Fica a máxima no direito moderno: dever de pagar as obrigações e responsabilidade patrimonial caso não pagas. É a teoria dualista, que envolve o SCHULD e HAFTUNG. O princípio da responsabilidade patrimonial no processo de execução moderno, origina-se da distinção entre débito (Schuld) e responsabilidade (Haftung), admitindo a sujeição dos bens de terceiro à excussão judicial, nos limites da previsão legal.
Na lição de Fábio Konder Comparato (Essai d´analyse dualiste de l´obligation em droit privé, 1964, pág. 8) “o grande aporte da teoria dualista da obrigação à doutrina contemporânea foi o de demonstrar que a obrigação não é uma relação simples e unitária, mas que se compõe de dois elementos: a relação de crédito e de débito, schuld, que nós chamamos de dever e a relação de coerção e de responsabilidade(haftung), a que nós chamaremos de vinculo".