A decisão que determina o arquivamento do inquérito policial contém a qualidade de produzir os efeitos da coisa julgada material?

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O pedido de arquivamento dirige-se ao juiz, que poderá, concordando com os fundamentos do requerimento, acatá-lo. Entretanto, tal decisão contém a qualidade de produzir efeitos da coisa julgada material? É o que será abordado a seguir no presente artigo.

1. Introdução

O inquérito policial é um procedimento administrativo realizado pela polícia judiciária para servir de sustentação à denúncia ou queixa, conferindo justa causa à ação penal, tendo como finalidade formar a convicção do órgão acusatório (Ministério Público, na ação penal pública, ou do ofendido, através de seu advogado, na ação penal privada) e colher provas urgentes e perecíveis.

Ademais, o inquérito policial tem como fundamento evitar acusações levianas, garantindo a dignidade da pessoa humana, bem como agilizar o trabalho do Estado na busca de provas da existência do crime e de seu autor.

 Entretanto, somente o Ministério Público, titular da ação penal, órgão para o qual se destina o inquérito policial, pode pedir o arquivamento, dando por encerradas as possibilidades de investigação.

Todavia, não é atribuição da polícia judiciária dar por findo o seu trabalho, nem do juiz, concluir pela inviabilidade do prosseguimento da colheita de provas.

O pedido de arquivamento dirige-se ao juiz, que poderá, concordando com os fundamentos do requerimento, acatá-lo. Entretanto, tal decisão contém a qualidade de produzir efeitos da coisa julgada material? É o que será abordado a seguir no presente artigo.

2. Desenvolvimento

Inicialmente, após as investigações policiais serem encerradas, os autos do inquérito policial são remetidos ao Ministério Público, onde há 04 (quatro) providências que o titular da ação penal pode tomar: a) oferecer denúncia; b) requerer a extinção da punibilidade (ocorrência de prescrição, por exemplo); c) requerer o retorno dos autos à polícia judiciária para a continuidade da investigação, indicando as diligências a realizar; d) requerer o arquivamento.

O pedido de arquivamento deve ser expresso, não existindo pedido implícito, tácito ou indireto, em que o Ministério Público omite na denúncia algum ou alguns dos indiciados, deixando de requerer quanto a eles o arquivamento. Ademais, o juiz somente deverá acolher os pedidos devidamente fundamentados.

O arquivamento do inquérito policial, embora não faça coisa julgada, impede o ajuizamento da ação penal, no que diz respeito aos fatos investigados, enquanto não surgirem novas provas, todavia, não gerando coisa julgada material.

Por outro lado, desacolhendo o pedido de arquivamento, o magistrado deve remeter o inquérito ou as peças de informação ao Procurador-Geral, que deliberará a respeito. Contudo, não se trata de uma avaliação de conveniência e oportunidade, mas de legalidade e justa causa para a ação penal.

Ocorre que a autoridade policial, independentemente da instauração de outro inquérito, pode proceder a novas pesquisas (diligências), o que significa sair em busca de provas que surjam e cheguem ao seu conhecimento. Se assim o fizer, remeterá aquilo que colheu a juízo, para que o Ministério Público, tendo acesso ao material colhido, possa oferecer denúncia, conforme dispõe o artigo 18 do Código de Processo Penal, in verbis:

“Art. 18. Depois de ordenado o arquivamento do inquérito pela autoridade judiciária, por falta de base para a denúncia, a autoridade policial poderá proceder a novas pesquisas, se de outras provas tiver notícia”.

Será necessário que as provas coletadas sejam substancialmente novas, aquelas realmente desconhecidas anteriormente por qualquer das autoridades, que revelem a autoria ou a materialidade da infração, sob pena de se configurar um constrangimento ilegal.

Nesse sentido, a súmula 524 do Supremo Tribunal Federal:

 “Arquivado o inquérito policial por despacho do juiz, a requerimento do Promotor de Justiça, não pode a ação penal ser iniciada, sem novas provas” (STF, súmula 524).

A vedação incide também nos casos em que a ação penal seja de iniciativa privada, de modo que o arquivamento do inquérito policial impede a propositura da ação penal privada por parte do ofendido.

Todavia, se o arquivamento ocorrer com fundamento na prova da atipicidade do fato (irrelevante penal), estando o promotor de justiça convencido de que existe lastro suficiente que faça concluir que o fato é atípico, e se o pedido for homologado nestes exatos termos, é possível a decisão, de forma excepcional, fazer coisa julgada material, devendo esta ser considerada definitiva.

Desse modo, não seria admissível denúncia nem mesmo se surgissem novas provas, por ofensa à coisa julgada material.

No entanto, deve-se distinguir os limites objetivos da coisa julgada, se apenas formal ou se formal e material, conforme o fundamento da decisão homologatória da promoção de arquivamento do inquérito policial realizada pelo Ministério Público.

A decisão homologatória da promoção de arquivamento do inquérito policial produzirá coisa julgada formal, viabilizando a reabertura da persecução penal, quando seu fundamento consistir em:

a) Falta de justa causa para a propositura da ação penal, quando esta significar insuficiência de elementos informativos para suporte da petição inicial acusatória. Todavia, arquivado o inquérito policial, este só pode ser reaberto diante da notícia de prova nova.

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b) Ausência de pressupostos processuais ou de condições da ação penal: como o exame de tais elementos são logicamente anteriores ao exame do mérito da demanda, o arquivamento do inquérito policial apoiado na falta de pressuposto processual de existência ou de validade para o regular e válido andamento do processo penal, assim como na carência de condição da ação penal, produzem, em regra, coisa julgada tão somente formal.

Ademais, constituirá coisa julgada material (impedimento de instauração de nova persecução penal lastreada nos mesmos fatos), a decisão que homologada o arquivamento do inquérito policial, quando estiver baseada em:

a) Atipicidade do fato ou inexistência de crime: se o Ministério Público requerer o arquivamento com fundamento de ser o fato atípico ou inexistir crime, a decisão judicial que homologar o arquivamento forma coisa julgada material, impedindo nova apuração do fato ou rediscussão jurídica da matéria. Assim, o arquivamento com este fundamento é ato irrevogável e irretratável.

b) Existência manifesta de causa excludente de ilicitude: reconhecida legítima defesa ou outra excludente de ilicitude pelo Ministério Público, a decisão que concorda com a promoção de arquivamento também forma coisa julgada material. Foi decidido recentemente pelo Superior Tribunal de Justiça, que a decisão de arquivamento do inquérito policial que reconhece legítima defesa exige certeza jurídica, razão pela qual sobre ela se forma coisa julgada material.

c) Existência manifesta de causa excludente de culpabilidade, salvo a inimputabilidade: como a inimputabilidade não é hipótese de rejeição de inicial, mas de absolvição imprópria, impondo medida de segurança, o arquivamento só pode acontecer quanto realizado com base em outras excludentes de culpabilidade, tal como coação irresistível. Assim, arquivado com este fundamento, haverá coisa julgada material sobre a decisão judicial, impedindo uma nova persecução penal.

d) Reconhecimento de causa extintiva de punibilidade: as causas extintivas de punibilidades, elencadas no artigo 107 do CP, podem ser invocadas na promoção de arquivamento do inquérito policial, fazendo com que a decisão homologatória proferida nesses termos, também produz coisa julgada material.

3. Conclusão

Podemos concluir que, antes da denúncia, deve o juiz aguardar a manifestação do Ministério Público, no sentido do arquivamento sob tal fundamentação.

Contudo, não pode o juiz arquivar o inquérito sem o requerimento do órgão acusatório, o qual analisará as peças de informação, evitando acusações levianas, garantindo a dignidade da pessoa humana, bem como agilizar o trabalho do Estado na busca de provas da existência do crime e de seu autor.

Com efeito, cada vez mais as súmulas e jurisprudências vêm pautando a vida das pessoas e que se tornaram fontes imprescindíveis para o direito.

Por fim, a entrada em vigor de leis que proclamam o sistema de súmulas vinculantes é uma manifestação clara da aproximação dos sistemas judiciais, momento em que o que se espera é apenas uma harmonia entre eles, de modo a beneficiar a todos aqueles que dependem desta para garantia de sua dignidade.

Referências Bibliográficas:

BRASIL. Código de Processo Penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.

BONFIM, Edilson Mougenot Bonfim. Curso de Processo Penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

OLIVEIRA, Eugênio Pacelli. Curso de Processo Penal. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2012.

TÁVORA, Nestor. ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal. 10. ed. Salvador: JusPodivm, 2015.

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Sobre a autora
Marcelle Barroso Mozer da Silva

Advogada. Graduada em Direito pela Universidade Cândido Mendes - Nova Friburgo/RJ. Pós-graduação em Direito Processual Moderno - Processo Civil e Processo Penal (Universidade Anhanguera-Uniderp/2013).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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