III. Considerações Finais
A sociedade evoluiu, modernizou-se, mas a violência continua a se destacar, em todas as suas facetas, como o problema central da humanidade, não tendo sido encontrada ainda uma forma eficaz de freá-la, erigindo-se como o grande desafio de cada século. Da mesma maneira, a violência contra a mulher não se trata de assunto novo, vindo a ganhar a devida atenção apenas na sociedade contemporânea, sendo verdade que suas raízes germinam desde as fases mais longínquas da história, gerando sofrimentos e cicatrizes tanto para as vítimas como para todos os membros da entidade familiar.
Com efeito, a violência contra a mulher atenta contra o direito à dignidade, que se constitui direito fundamental de todas as pessoas, independentemente da sua classe social, raça, etnia, idade, religião, orientação sexual, renda, cultura ou nível educacional.
No Brasil, a igualdade de gênero foi inserida pelo legislador constituinte no vasto catálogo de direitos e garantias fundamentais, quando da promulgação da Carta Constitucional, em 05.10.1988, o que representou um grande passo na luta contra a discriminação da mulher. No entanto, percebeu-se que a violência contra a mulher continuava a assombrar os lares brasileiros, causando aos membros da família sequelas irreparáveis ou de difícil reparação, o que exigiu do legislador a edição de um regramento específico que conferisse proteção e assistência às vítimas de violência doméstica e familiar.
Num cenário de sofrimento e desesperança, a Lei n.º 11.340, de 07 de agosto de 2006, conhecida popularmente como Lei Maria da Penha, foi elaborada ante a necessidade de o Brasil criar uma legislação específica que coibisse a violência doméstica e familiar contra a mulher, no intuito de atender ao mandamento previsto no Estatuto Político de 1988 (art. 226, § 8º), representando uma mudança de paradigma no enfrentamento da violência contra a mulher no País, pois, até o seu advento, tal espécie de violência era tratada apenas como uma infração penal de menor potencial ofensivo, nos termos da Lei n.º 9.099/95, e, a partir de então, passou a ser concebida como uma violação aos direitos humanos, no momento em que a Lei Maria da Penha reconhece que “a violência doméstica e familiar contra a mulher constitui uma das formas de violação dos direitos humanos” (art. 6º), sendo expressamente vedada a aplicação da Lei n.º 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais).
A Lei Maria da Penha, feliz tanto pelo nome que a inspirou, como por toda a esperança que prometia às mulheres vítimas de violência, tornou-se rapidamente conhecida e, a ela, mulheres de toda raça, classe social, religião e cultura têm se socorrido para buscar abrigo do Estado nos casos de violência doméstica e familiar, seja ela física, psicológica, sexual, patrimonial ou moral. Em verdade, trata-se da lei que mais se popularizou no Brasil nos últimos anos, tendo em vista que há uma imediata associação da Lei Maria da Penha com o seu objeto de tutela, que é a saúde física e mental da mulher, tendo representado um grande avanço legislativo no País na proteção e efetivação dos direitos fundamentais.
Portanto, o Supremo Tribunal Federal vem reconhecendo que a Lei Maria da Penha foi editada com o intuito de compensar todo o histórico de discriminação e violência vivenciado pela mulher ao longo da história da humanidade e, sem dúvida, representa uma das maiores conquistas após o advento da Constituição Republicana de 1988 não só para as mulheres, mas para toda a coletividade que ainda vê o Direito como o melhor instrumento para a redução de desigualdades e injustiças.
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Notas
[1] TELES, Maria Amélia de Almeida. Breve história do feminismo no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1993, p. 19.
[2] FREITAS, Teixeira de. Esboço do Código Civil. Brasília: Ministério da Justiça, 1983, v. 1, p. 287.
[3] TELES, op. cit., p. 18.
[4]BRASÍLIA. STF. ADI n.º 4.424/DF. Rel. min. Marco Aurélio. Tribunal Pleno, julgado em 09.02.2012, publicado em 01.08.2014.
[5] Art. 12. Em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, feito o registro da ocorrência, deverá a autoridade policial adotar, de imediato, os seguintes procedimentos, sem prejuízo, daqueles previstos no Código de Processo Penal;
I - ouvir a ofendida, lavrar o boletim de ocorrência e tomar a representação a termo, se apresentada;
[6] Art. 16. Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.
[7] BRASÍLIA. STF. ADI n.º 4424/DF. Rel. Min. Marco Aurélio. Tribunal Pleno, julgado em 09.02.2012, publicado em 01.08.2014.
[8] Idem.
[9] BRASÍLIA. STF. ADC n.º 19/DF. Rel. Min. Marco Aurélio. Tribunal Pleno, julgado em 09.02.2012, publicado em 29.04.2014.
[10] Art. 1º. Esta Lei cria mecanismos para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência contra a Mulher, da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher e de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.
[11] Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;
[12] NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 1.128.
[13] BRASÍLIA. STF. RHC n.º 112.698/RS. Rel. Min.ª Cármen Lúcia. Segunda Turma, julgado em 18.09.2012, publicado em 02.10.2012.