Direito humano à alimentação adequada: apontamentos à previsão constitucional

Considerações às mudanças promovidas no artigo 6º da Constituição Federal e o desconhecimento acadêmico da matéria

Leia nesta página:

O DHAA, como defendido pela Abrandh, é imprescritível, irrenunciável e impenhorável. Como explicar, contudo, que mesmo em ambiente acadêmico conheça-se tão pouco sobre a matéria?

                      

INTRODUÇÃO

Pretende-se com o presente fazer breve abordagem a respeito do direito humano à alimentação. Este, conforme reconhecido pelo Pacto Internacional de Direitos Humanos, Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC), trata-se de direito básico, ratificado por 153 países, dentre os quais o Brasil. Como resultado oportuno de pesquisa quantitativa realizada no campus do Centro Universitário São Camilo Espírito Santo busca-se evidenciar o, não raro, desconhecimento da normatização protetiva mesmo em ambiente acadêmico.

MATERIAL E MÉTODOS

Recepcionado pela Emenda Constitucional nº 64, o Direito Humano à Alimentação encontra-se previsto na Constituição Federal de 1988 como direito social, com base no disposto pelo artigo 6º da Carta Magna brasileira. Trata-se, portanto, de lei e, como tal, exigível por meios administrativos, políticos e/ou judiciais.  Este breve preâmbulo tenciona explicitar parte da metodologia adotada pelos autores na produção científica intermediária hora em tela. Além do necessário levantamento bibliográfico, buscou-se fundamentá-la em pesquisa quantitativa, caracterizada pela coleta de dados por meio de questionários no âmbito do campus universitário supracitado. Destarte, durante três dias foram entrevistados acadêmicos dos mais distintos cursos e níveis de graduação, excetuando-se apenas os de Direito em razão da natureza da pesquisa.

DESENVOLVIMENTO

É concepção corrente em setores do meio acadêmico que o conceito de Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) constitui matéria relativamente nova e encontra-se ainda em construção.  Para compreender o quão recente, basta lembrar que somente a partir de fevereiro de 2010 a alimentação foi incluída entre os direitos sociais previstos na Constituição Federal.

 Alimentar-se de forma adequada, na quantidade e com a qualidade necessárias, é imperativo básico associado tacitamente ao próprio direito à vida. É também prerrogativa legal de todos os cidadãos e obrigação do Estado. Neste sentido asseveram Burity et al. (2010):

A promoção da realização do Direito Humano à Alimentação Adequada está prevista em diversos tratados e documentos internacionais e em vários instrumentos legais vigentes   no Estado brasileiro tendo sido também incorporada em vários dispositivos e princípios da  Constituição Federal, de 1988. A existência deste marco legal estabelece a promoção da realização do DHAA como uma obrigação do Estado brasileiro e como responsabilidade de todos nós. (Burity et al., 2010, p. 6).

Essa noção basilar ajuda a nortear as recentes interpretações legais sobre o tema. Importa observar que por obrigação infere-se que compete ao Estado respeitar, proteger e realizar este direito.

Tal raciocínio faz-se mister para reforçar a noção de que o DHAA é imprescritível, irrenunciável e impenhorável, não podendo ser objeto de compensação, conforme documento da Ação Brasileira pela Nutrição e Direitos Humanos (2013) citado por Erhardt. Nas palavras da autora, “o não cumprimento da obrigação de alimentação a todos por parte do Estado constitui ilícito, embora o conceito de alimentação adequada não seja conhecido por todos como parte dos direitos fundamentais e, consequentemente, passível de reclamação” (BRASIL, ABRANDH, 2013; BRASIL, Ideias na Mesa, 2014).

Dentro desta perspectiva faz-se necessário, portanto, a leitura atenta dos dados extraídos da pesquisa local que evidenciam e reforçam o pensamento elencado.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Ao considerar a abordagem que melhor permitisse explicitar o desconhecimento do DHAA como direito protegido constitucionalmente, os autores optaram pela pesquisa quantitativa, método que permite “inovar o conhecimento e compreender fenômenos jurídicos de maior complexidade”. (GUSTIN; LARA; COSTA; 2012; p. 291).  

Como ilustrado pelo gráfico abaixo, do universo de 150 pessoas entrevistadas apenas 26 informaram conhecer o DHAA. Outras 21 confirmaram já ter ouvido falar, mas a maioria, 103, sequer sabia o que eram. 

Gráfico 1: Você sabe o que é Direito Humano à Alimentação Adequada?

Fonte: Os autores, 2016.

Outro dado que chama a atenção na pesquisa refere-se ao conhecimento sobre como o Estado deve garantir o DHAA. Sobre essa questão em particular os números são ainda mais surpreendentes. Considerada a totalidade de entrevistados, 75% (112 pessoas) informaram desconhecer totalmente o assunto. Apenas 19, ou 12%, afirmaram ter ciência.

Gráfico 2: Você sabe como o Estado deve garantir o DHAA?

Fonte: Os autores, 2016.

Por fim, e não menos importante, dos 150 entrevistados, significativa maioria, 130 pessoas ou 87%, admitiu não saber como os titulares de direitos podem exigir o Direito Humano à Alimentação Adequada. Somente oito pessoas, ou 5%, confirmaram conhecer os trâmites, enquanto outras 12, ou 8%, informaram já ter ouvido falar.

Gráfico 3: Você sabe como os titulares de direitos podem exigir o DHAA?

Fonte: Os autores, 2016.

Com base nos dados informados, o principal problema a ser destacado diz respeito ao considerável número de entrevistados que afirmam desconhecer totalmente o que são os DHAA. Importa ressaltar novamente tratar-se de público qualificado, formado em essência por acadêmicos dos diferentes cursos do Centro Universitário São Camilo Espírito Santo. Passadas cinco décadas da assinatura do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) parece estranho haver ainda percentual tão significativo de pessoas que sequer tenham conhecimento a respeito do tema.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

 Ao esboçar questionamentos, o objetivo do exposto foi suscitar no leitor reflexão sobre a evidente necessidade de ampliar o debate a respeito do DHAA. Em vez de tão somente descrever, de modo simplista, passagens da doutrina sobre o assunto hora exposto, optou-se por reproduzir, por meio de pesquisa, experiência que permitisse mensurar didaticamente o tamanho do problema. Para bem da verdade, observa-se na persecução de respostas manifesto desafio a ser enfrentado na busca por assegurar que todos, como preceitua a norma, tenham direito a alimentação adequada.

REFERÊNCIAS

ABRANDH, Ação Brasileira pela Nutrição e Direitos Humanos. O Direito Humano à Alimentação Adequada e o Sistema de Segurança Alimentar e Nutricional. Brasília, 2013.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em 07 jun. 2016.

__________. Decreto n. 591, de 6 de julho de 1992. Atos Internacionais. Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. Promulgação. Disponível em < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1990-1994/d0591.htm>. Acesso em 07 jun. 2016.

BRASIL. Educação Alimentar e Nutricional: Uma estratégia para a promoção do Direito Humano à Alimentação Adequada. Ideias na Mesa, Brasília, 2014.

BURITY, Valéria et al. Direito humano à alimentação adequada no contexto da segurança alimentar e nutricional. Brasília, DF: Abrandh, 2010.

ERHARDT, Caroline. O direito humano à alimentação adequada como direito fundamental. Disponível em: < http://jorneb.pucpr.br/wp-content/uploads/sites/7/2015/02/O-DIREITO-HUMANO-%C3%80-ALIMENTA%C3%87%C3%83O-ADEQUADA-COMO-DIREITO-FUNDAMENTAL.pdf>. Acesso em: 07 jun. 2016.

GUSTIN, Miracy Barbosa de Sousa; LARA, Mariana Alves; DA COSTA, Mila Batista Leite Corrêa. Pesquisa quantitativa na produção de conhecimento jurídico. Revista da Faculdade de Direito da UFMG, n. 60, p. 291-316, 2012.


                                               

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Sobre os autores
Wellington Cacemiro

Advogado, jornalista e pesquisador jurídico com publicações em revistas nacionais e internacionais. Graduado em Direito pela faculdade Multivix Cachoeiro Ensino, Pesquisa e Extensão Ltda., pós-graduado em Direito Processual Penal pelo Instituto Damásio de Direito da Faculdade Ibmec-SP, pós-graduado em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela mesma instituição e pós-graduando em Direito Penal pelo Instituto Damásio de Direito da Faculdade Ibmec-SP.

Andréa Cristiane Reis Tussini

Graduanda do Curso de Direito do Centro Universitário são Camilo-ES, [email protected];

Sanqueize Hilário Pereira

Acadêmico do curso de direito do Centro Universitário São Camilo Espírito Santo

Raphaella Lopes Gazzani Marvila

Acadêmica do curso de direito do Centro Universitário São Camilo Espírito Santo

Tatiana Mareto Silva

Doutoranda no programa de Pós-Graduação strictu sensu em Direitos e Garantias Fundamentais da FDV/ES (2015), Centro Universitário São Camilo-ES

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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