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Opinião pública versus Poder Judiciário: pressão pela efetivivação dos direitos das minorias

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3. Conceito de Minorias

Sabe-se que o termo minorias abarca uma complexidade de fatores e, por isso, dá ensejo a diversas definições, sejam estas no campo sociológico, antropológico e na seara do direito, enquadrando minorias a uma categoria jurídica.

Nesse contexto, uma vez compreendida a evolução das minorias no decorrer da historia, faz-se relevante adentrar a discussão acerca de suas características e concepções atuais.

Inicialmente, a primeira tentativa se conceituar o termo minorias ocorreu na Subcomissão para Prevenção da Discriminação e Proteção das Minorias, em 1950, a qual dispunha que, para se enquadrar como minoria, deve-se observar três requisitos essenciais, conforme descreveu Francesco Capotorti:

(i) the term minority includes only those non-dominant groups in population which possess and wish to preserve stable ethnic, religious or linguistic traditions or characteristics markedly different from those of the resto f the population; (ii) such minorities should properly include a number os persons sufficient by themselves to preserve such traditions or characteristics; (iii) such minorities must be loyal to the State of which they are nationals (CAPOTORTI, 1979, p. 6).

Infere-se dessa concepção que os grupos minoritários são aqueles não-dominantes que possuem características comuns entre si em termos de etnia, religião ou lingüísticas estáveis e, também, que pessoas pertencentes a esses grupos sejam nacionais.

Posteriormente, na tentativa de se esclarecer o termo minorias, Francesco Capotorti, em seu relatório “Estudos dos direitos pertencentes às minorias étnicas, religiosas e linguísticas”, publicado em 1979, expôs que o termo minorias pode ser compreendido como

um grupo numericamente inferior ao resto da população de um Estado, em posição não dominante, cujos membros – sendo nacionais desse Estado – possuem características étnicas, religiosas ou lingüísticas diferentes das do resto da população e demonstre, pelo menos de maneira implícita, um sentido de solidariedade, dirigido à preservação de sua cultura, de suas tradições, religião ou língua[4] (ROULAND, 2004, p. 233).

Extrai-se desse conceito que a classe minoria pode ser relacionada ao quantitativo, de modo que se associe minoria a um grupo pertencente a uma classe numericamente inferior. Outrossim, nota-se que esses grupos devem se encontrar em uma posição não dominante, além do fato de, embora serem nacionais, possuírem características comuns entre si e opostas as da população majoritária.

O autor Rouland retoma o conceito delineado pela Convenção de Proteção das Minorias, elaborado pela Comissão Européia da Democracia para o Direito, em 1991, o qual o limita essa classe a “um grupo numericamente inferior ao resto da população de um Estado, cujos membros [...] possuam características diferentes das do resto da população e são animados da vontade de preservar sua cultura, suas tradições, sua religião e sua língua” (ROULAND, 2004, p. 249).

Contudo, tais visões genéricas mostram-se insuficiente. Primeiro porque nem sempre um grupo numericamente inferior a maioria da população pode ser considerado minoria. A título de exemplo, pode-se citar a população negra na África do Sul, que, embora numericamente ultrapasse a quantidade de pessoas pertencentes a raça branca, historicamente nota-se uma submissão com relação a esta. Tal fato pode ser corroborado com a discriminação vigente à época do regime político do Apartheid (NÓBREGA, MARTINS, 2009, p. 683). Além disso, em muitas localidades há um número superior de mulheres em relação aos homens. Todavia, historicamente, as mulheres eram vistas como minorias, já que nem direitos reconhecidos em âmbito constitucional havia com relação à mulher. Ademais, não há um consenso acerca de qual seria o quantitativo numérico para se definir uma categoria como minoritária.

Segundo porque essas definições clássicas, ao se basearem no fato de que as minorias constituem-se em grupos com características que se diferem do resto da população, excluem mulheres, crianças, idosos que não apresentam traços étnicos, raciais ou religiosos que os diferem da maioria populacional (NÓBREGA, MARTINS, 2009, p. 684).

Um terceiro ponto reside no fato de que, ao se conferir um sentido se solidariedade, os conceitos arrolados denotam as minorias um conceito mais ligado ao fato do que à vontade. Assim sendo, não se atribui valor à vontade de um indivíduo pertencer a certo grupo, o que limita o enquadramento a critérios objetivos (NÓBREGA, MARTINS, 2009, p. 684).

Además, se ha argumentado que se deben tener en cuenta criterios subjetivos, tales como la voluntad de los miembros de los grupos en cuestión de preservar sus propias características, así como el deseo de las personas de que se trate de que se las considere como parte de ese grupo, unidos a ciertos requisitos objetivos específicos, tales como los enumerados en la definición de Capotorti. Actualmente se conviene en general en que el reconocimiento de la condición de minoría no incumbe exclusivamente al Estado sino que debe basarse en criterios tanto objetivos como subjetivos (NAÇÕES UNIDAS, 2010, p. 4).

Nesse trâmite, constata-se que o conceito de minorias deve ser atrelado a elementos objetivos e subjetivos. Sob o primeiro aspecto, têm-se o enquadramento como grupos minoritários aqueles que têm, historicamente, traços étnicos, linguísticos e culturais em comum. Lado outro, o aspecto subjetivo envolve o fato de o indivíduo se reconhecer como parte daquela categoria ou grupo social.

Por fim, muito se discute se as minorias devem, necessariamente, ser nacionais. É nesse diapasão que surge a diferenciação de antigas e novas minorias. Os conceitos elencados atribuem como requisito de grupos minoritários a condição de ser cidadão do país, de modo que os critérios objetivos sejam vistos como sinônimo de minoria nacional (ROULAND, 2004, p. 251).

Contudo, há doutrinadores que entendem que não é imprescindível a cidadania como condição para se enquadrar no conceito de minoria, o que dá ensejo a formação das novas minorias. Destarte, os imigrantes que passam a se inserir na cultura adotada naquela sociedade desenvolvem um sentimento de que pertencem àquela coletividade, daí a relevância do elemento subjetivo para a definição de minorias.

Nos Estados Unidos, a partir do caso Graham v. Richardson (1971), a Corte Suprema passou a dar uma proteção aos estrangeiros, considerados como “uma minoria identificável que está sujeita a um processo discriminatório e, bem por isso, demanda um exame rigoroso de leis – especialmente estaduais e locais – que estabeleçam distinções” (APPIO, 2008, p. 200).

Nesse mesmo sentido, ampliou-se o conceito grupos minoritários, a fim de se incluir às minorias tradicionais, diversos grupos sociais que possuem valores em comum, sentimento de identidade ou pertença coletivos, ou passaram por uma mesma experiência de marginalização (NÓBREGA, MARTINS, 2009, p. 685).

No entanto, antes de se especificar como as minorias podem ser compreendidas na modernidade, faz-se relevante aludir às concepções sociológicas e antropológicas de minorias, uma vez que estas, posteriormente, serviram para embasar o enquadramento das minorias como categoria jurídica.

Na sociologia, o termo minoria induz a uma noção meramente quantitativa, incluindo um subgrupo de pessoas que ocupam menos da metade da população total. Já sob o aspecto antropológico, relaciona-se ao conteúdo qualitativo, a fim de se incluir grupos minimizados socialmente no contexto nacional (MORENO, 2009, p. 152).

Percebe-se, assim, que há uma variedade de definições a depender da concepção a ser abordada para se trabalhar com ideia de minorias. Para o presente estudo, recorre-se a definição sob o ponto de vista jurídico, de modo que o conceito de minorias seja relacionado ao contexto semântico do direito.

Transcreve-se, por derradeiro, o ensinamento de Canotilho:

Minoria será, fundamentalmente, um grupo de cidadãos de um Estado, em minoria numérica ou em posição não dominante nesse Estado, dotado de características étnicas, religiosas ou lingüísticas que diferem das da maioria da população, solidários uns com os outros e animados de uma vontade de sobrevivência e de afirmação da igualdade de facto e de direitos com a maioria (CANOTILHO, 2003, p. 387).

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Segundo dicionário jurídico, pode-se definir minorias como

Minorias. Em sentido político, assim se designa o agrupamento de pessoas, originadas da mesma raça, falando o mesmo idioma e tendo a mesma religião e costumes, existente em localidade não pertencente ao país de origem: mas, mantendo uma vontade de ser uma parte da terra de origem (DE PLÁCIDO E SILVA, 2014).

Percebe-se que minorias sob o ponto de vista jurídico engloba categorias sociais de forma mais abrangente, formadas por pessoas que são passíveis de sofrer uma discriminação e intolerância por parte da sociedade.

Nesse ponto, cabe frisar que a acepção minorias não deve se confundir com grupos vulneráveis. Isso porque minorias conglomeram grupos que ocupam uma posição não dominante, ligados entre si por características de autoidentificação e de solidariedade, como tradições religiosas, lingüísticas ou étnicas. A título de exemplo, têm-se ciganos, índios, quilombolas, negros, praticantes de religiões não ocidentais (SIQUEIRA E SILVA, 2013, p. 149).

Já grupos vulneráveis incluem cidadãos que, embora sejam reconhecidos como sujeitos de direito e, até mesmo, possam ter garantias reconhecidas expressamente pelo ordenamento jurídico, são fragilizados na proteção de seus direitos. À guisa de exemplo, pode-se citar migrantes, crianças, mulheres, idosos, homossexuais, pessoas portadoras de necessidades especiais, dentre outros (SIQUEIRA E SILVA, 2013, p. 149).

Existe certa confusão entre minorias e grupos vulneráveis. As primeiras seriam caracterizadas por ocupar uma posição não-dominância no país onde vivem. Os grupos vulneráveis podem se constituir num grande contingente numericamente falando, como mulheres, crianças e idosos. Para alguns são grupos vulneráveis, posto destituídos de poder, mas guardam a cidadania e os demais elementos que poderiam transformá-los em minorias (SÉGUIN, 2002, p. 12).

Assim, apesar das diferenças conceituais entre esses dois grupos, nota-se que ambos são sujeitos de discriminação e intolerância. Há doutrinadores que partem da premissa que grupos vulneráveis constituem uma categoria mais ampla, compondo o gênero do qual são espécies grupos vulneráveis específicos e minorias[5]. Outros entendem que grupos vulneráveis consistem em novas minorias, o que inclui mulheres, negros ou afrodescendentes, portadores de necessidades especiais e homossexuais, “reconhecidas por serem vítimas de preconceito por uma construção histórica que lhes fora adversa” (MARTINS e MITUZANI, 2011, p. 333).

Para o desenvolvimento da presente pesquisa, no entanto, não se faz relevante maiores aprofundamentos, tendo em vista que as características de discriminações históricas e necessidade de reconhecimento por parte do Poder Público são comuns tanto em grupos minoritários quanto em grupos vulneráveis, os quais buscam proteção jurídica embasados nos mesmos dispositivos normativos e princípios constitucionais.

Essas classes seriam, na verdade, aquelas que histórica, social e politicamente podem ser constadas em uma luta significativa para a afirmação de direitos. Assim, cumpre obtemperar que não existe uma classificação restrita e taxativa de quem seria socialmente excluído.

Esclarecidas essas questões, faz-se relevante uma análise acerca da tutela jurídica conferida às classes minoritárias e vulneráveis, principalmente na esfera do Poder Judiciário brasileiro. Todavia, essa questão não pode ser levada adiante sem um diagnóstico dos princípios constitucionais existentes no Estado Democrático de Direito, os quais prezam pela efetividade dos direitos humanos e da democracia inclusiva.

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Sobre as autoras
Carolline Ribas

Mestre em Estudos Culturais Contemporâneos pela Universidade Fumec. Especialista em Direito Público pela PUC MINAS e especialista em Gestão pública pela UEMG. Assessora Jurídica no Governo do Estado de Minas Gerais.

Astreia Soares

Doutora em Ciência Humanas - Sociologia pelo PPGSA/IFCS da Universidade Federal do Rio de Janeiro (2006), com bolsa sanduiche na Universidade de Estocolmo/Suécia; Mestre em Sociologia da Cultura (1993) e Graduada em Ciências Sociais (1981) pela Universidade Federal de Minas Gerais

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBAS, Carolline ; SOARES, Astreia. Opinião pública versus Poder Judiciário: pressão pela efetivivação dos direitos das minorias. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4846, 7 out. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/52610. Acesso em: 26 abr. 2024.

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