Impera no Brasil a mentalidade de Estado Mínimo. Libertários defendem o Estado Mínimo, contudo, somente garantir os direitos políticos e civis não é suficiente para diminuir as desigualdades sociais.
A birra contra o Estado Social se deve às divergências, em plena Guerra Fria, entre os blocos Capitalista e Socialistas. O Capitalista defendia tão somente os direitos civis e políticos, por serem autoaplicáveis, sendo os direitos sociais, econômicos e culturais programáticos – ou seja, implementação progressiva destes direitos. O Socialismo entendia que os direitos sociais, econômicos e culturais representavam a finalidade basilar do Estado – não podemos esquecer que essa ideologia deriva de Karl Marx, principalmente com o advento da Revolução Russa de 1917. Os czares viviam como monarcas absolutos, enquanto os proletariados e camponeses viviam na miséria.
Se compararmos a Revolução Francesa com a Revolução Russa, os princípios de Liberdade, Igualdade e Fraternidade se assemelham, principalmente quanto ao Estado moderno, o Estado democrático de Direito.
Foi necessária a Organização das Nações Unidas [ONU] colocar um ponto final nas discussões. A ONU sempre afirmava que direitos civis e políticos não podem ser dissociados dos direitos sociais, econômicos e culturais, e vice-versa. Não há divisibilidade nos direitos humanos.
Em 17 de Novembro de 1988, no Décimo Oitavo Período Ordinário de Sessões da Assembleia Geral, foi adicionado à Convenção Americana o PROTOCOLO DE SAN SALVADOR. Assim, os direitos econômicos, sociais e culturais ganharam, finalmente, o status devido nas democracias: não há dignidade humana se o Estado não fomenta estes direitos. Portanto, os direitos econômicos, sociais e culturais são importantes para a materialização dos direitos humanos nas democracias modernas.
A DIGNIDADE HUMANA SERVE PARA QUEM?
Com o término do Golpe Militar [1964 a 1985], a CF/88 consubstanciou vontades de indivíduos que queriam paz, igualdade, respeito. Juntamente com as transformações mundiais, como a destruição do Muro de Berlim, em 1989, os direitos humanos foram sendo mais e mais exigidos pelos cidadãos de todos os povos. Os governantes, sejam pelos motivos próprios ou por pressões dos cidadãos, não tiveram outra alternativa senão garantir e desenvolver os direitos humanos.
Legisladores também tiveram que se adequar aos novos ventos libertadores dos direitos humanos. Por exemplo, a Súmula nº 11 do STF foi editada após evento violando a dignidade [princípio da dignidade da pessoa humana] do preso. A polícia chegou, prendeu o meliante, que ainda estava de cueca, e a imprensa filmando. Atos assim foram praticados durante o Golpe Militar. Cidadãos eram presos, torturados, sem ao menos os militares terem plena convicção de que estes cidadãos representavam real perigo ao Estado. Além disso, os militares brasileiros não tiveram alternativa: ou acatariam às ordens dos EUA, ou seríamos mais um país isolado, como aconteceu com Cuba, após a Crise dos Mísseis, em 1962.
Necessário mencionar que a Carta Cidadã é promulgada, e sua essência [silogismo e hermenêutica] é a dignidade humana. A Carta é pós-militar, e disto decorre a maximização do princípio da dignidade da pessoa humana. Claro que o policial, que também é ser humano, tem que se proteger. Porém, a proteção que tanto é recriminada, de que a CF é para bandido, não é arbitrária. Aos operadores do Direito, principalmente docentes e doutrinadores na área Constitucional, o espírito da CF é evitar que o Estado aja arbitrariamente, com abuso de poder. De 1500 a 1988, quantas violações foram cometidas para assegurar o interesse público, a ordem pública das castas oligárquicas e aristocráticas?
De 1891 a 1990, o que o Estado fez para assegurar os direitos sociais, culturais e econômicos, principalmente dos indivíduos considerados "desiguais"? Fernando Henrique Cardoso, apesar de tudo, iniciou o Estado Social, sendo Lula e Dilma fomentadores.
Tanto PSDB como PT, pelas denúncias diárias, cometeram violações aos direitos humanos. Não justifico qualquer crime, porém, o Estado Social, desde a década de 1990, sempre foi chancelado de Estado Paternalista aos preguiçosos, aos desordeiros. As ações afirmativas são associadas ao comunismo. Estes querem criar desordem ao Brasil.
E pensar que os EUA desde a década de 1960 aplica o Estado Social. Após a década de 1980, o Estado Social deu lugar à meritocracia. Atualmente, os EUA estão no topo dos países com desigualdades sociais abissais. A maioria dos presos são afrodescendentes e hispânicos, enquanto os brancos recebem penas leves, como serviço comunitário.
No Brasil, os crimes com arma de fogo são colocados aos holofotes. Enquanto isso, os crimes de trânsito não comovem autoridades e cidadãos. Numa pesquisa rápida [acidentes de trânsito e armas de fogo: quem mata mais?] os acidentes de trânsito, em certos períodos, estão acima dos acidentes e mortes provocadas por arma de fogo. E o alerta já foi dado pela OMS.
Tenho pesquisado sobre violência, e seus tipos. Já tive e-mails de operadores de Direito perguntando sobre alguns termos que uso, e até algumas informações. Quantas 'cifras negras' existem no Brasil? Antes da vergonhosa postura do Brasil, o qual sofreu vexame internacional, de não proteger mulheres de violência doméstica, quantos crimes aconteceram e, mesmo assim, os operadores de Direito riam para as mulheres? Muitas delas ficavam caladas...
Por isso, é preciso muito cuidado com posturas extremistas. A balança da Justiça sempre deve estar lubrificada, para não condenar sem proporcionalidade, ou retornaremos ao Estado Déspota, com seus vassalos garantindo 'lei e ordem'. Há os péssimos policiais? Sim. Há os bons policiais? Sim. Há indivíduos que não têm condições de retornar para o seio social? Sim. E há os que podem ser ressocializados? Sim.
Pergunto, o Sistema Prisional brasileiro tem condições de ressocializar? Claro que não. A sociedade em si proporciona condições para os ex-criminosos se ressocializarem? Não. A própria cultura brasileira garante que crimes sejam contumazmente praticados. A normose do furto de energia elétrica, profissionais da área de saúde que recitam remédios sem necessidade para conseguir gratificações das indústrias farmacêuticas, operadores de Direito que lesam os analfabetos, agentes de trânsito que negociam o “cafezinho” com o motorista infrator, o fiscal da Secretaria Municipal de Saúde que “perdoa”, mediante cesta farta natalina, o fornecedor cujos produtos estão com datas vencidas.
Os OBSERVADORES PUNITIVOS E SELETIVOS
Escuto muito que "Bandido bom, é bandido morto!". Vamos fazer filas e mais filas para prender os criminosos que furtam energia elétrica, fraudam o processo de habilitação, lesam os consumidores, fraudam o INSS, incitam o racismo e o preconceito, de gênero, de sexualidade, de etnia.
Cria-se, então, um Direito para condenar certos indivíduos considerados potencialmente perigosos [Direito Penal do inimigo, que foi muito usado pelos nazistas]. E quem são os selecionados para virar réus? Quem viola o contrato social perde todos os seus direitos, e, sendo uma alta traição contra o Estado, o indivíduo deve ser tratado não como súdito, mas inimigo. Quem ameaça constantemente a sociedade e o Estado, também é inimigo. Aos cidadãos, que respeitam o contrato social, o devido processo legal. Porém, o inimigo é um [antropológica criminal] indivíduo específico, com características determinadas. E essas características, no Brasil, motivaram perseguições aos ditos delinquentes: quem não tinha os traços de sangue azul — que não tenham alcançado uma posição socioeconômica ou possuem certos traços étnicos considerados perigosos: afrodescendentes, nordestinos.
A Criminologia Radical também ganhou nuances macabras no Brasil cujos perturbadores dos meios de produção e da ordem social eram, e ainda são, os proletariados. Principalmente os que exigem seus direitos trabalhistas.
O que fazer? Temos que pegar exemplos de países que possuem taxas ínfimas de desigualdades sociais, os quais aplicam mais na educação, nos direitos sociais, econômicos e culturais. Que aplicam os direitos humanos, substancialmente e sem distinções. Na Califórnia [EUA], por exemplo, investe-se mais em presídios, aparelhagem coatora do Estado, enquanto os direitos sociais, econômicos e culturais recebem investimentos medíocres.
“A penalidade neoliberal apresenta o seguinte paradoxo: pretende remediar com um ‘mais Estado’ policial e penitenciário o ‘menos Estado’ econômico e social que é a própria causa da escalada generalizada da insegurança objetiva e subjetiva em todos os países, tanto do Primeiro como do Segundo Mundo. Ela reafirma a onipotência do Leviatã no domínio restrito da manutenção da ordem pública — simbolizada pela luta contra a delinquência de rua — no momento em que este se afirma e verifica-se incapaz de conter a decomposição do trabalho assalariado e de refrear a hipermobilidade do capital, as quais, capturando-a como tenazes, desestabilizam a sociedade inteira. E isso não é uma simples coincidência: é justamente porque as elites do Estado, tendo se convertido à ideologia do mercado total vinda dos Estados Unidos, diminuem suas prerrogativas na frente econômica e social que é preciso aumentar e reforçar suas missões em matéria de "segurança", subitamente relegada à mera dimensão criminal.” [1]
Existem, sim, criminosos que são considerados psicopatas, isto é, não podem retornar ao seio social. E isso é gravíssimo um problema mundial. Porém, não são todos os psicopatas que desenvolvem comportamentos destruidores. Alguns ficam “adormecidos” e podem exteriorizar tal patologia por condições ambientais, como o tipo de política, de comportamento social. Porém, esses indivíduos existem em pequenas quantidades. Os maiores delinquentes são pessoas sem qualquer traço, formação cerebral [lobo frontal] característico dos sociopatas. Temos, então, educação, a forma de ensinar a se comportar.
No Brasil vigoram premissas como: “Cada qual se vira como pode!”, “Eles [políticos] fazem, então faço também!”. Há justificativa para se delinquir, pois, se fazem, pode-se fazer. Sem noção de comunidade, de sociedade, não há comportamentos coesos para o bem comum. É o problema do Brasil e de muitos países que ensinam individualismo, como meritocracia. Meritocracia não pode estar desvinculada da responsabilidade social, ambiental. Sem essas responsabilidades, o puro comportamento narcisista, e até sádico.
REFERÊNCIAS:
Giorgi, Alessandro De. A miséria governada através do sistema penal. Alessandro De Giorgi. - Rio de Janeiro: Revan: ICC, 2006. (Pensamento criminológico; v. 12).
WACQUANT, Loic. Punir os pobres: a nova gestão da miséria nos Estados Unidos / Loic Wacquant. - Rio de Janeiro: F. Bastos, 2001, Revan, 2003.
[1] — WACQUANT, Loic. As prisões da miséria. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1999.