Muito se discute acerca de qual seria a duração da jornada de trabalho do advogado enquanto empregado. Afinal, o advogado é um profissional que propaga para a sociedade uma imagem de independência, autonomia ou mesmo insubmissão, enfim, trata-se de um profissional que transmite espontaneamente uma imagem próspera.
Mas convenhamos, pelo menos no Brasil a profissão vive uma crise, com quase de um milhão de advogados no país em um mercado extremamente concorrido, tornando tal profissional extremamente desvalorizado e fazendo com que a profissão fique exposta de forma implacável à lei da oferta e da procura. Esta realidade foi muito bem descrita por Maurício Gieseler no artigo "Por que o mercado da advocacia está tão mal das pernas?" publicado no Blog Exame da Ordem. Naquela ocasião o bem-aventurado autor foi feliz em demonstrar a "infelicidade" destes profissionais reconhecidos pela Constituição Federal como indispensáveis à administração da justiça, demonstrando uma realidade onde quem possui apenas ensino fundamental no currículo consegue salários melhores do que os apresentados em ofertas de emprego (bem comuns por sinal) disponibilizadas aos inscritos na ordem profissional da categoria.
Deixando esse drama um pouco de lado, vamos ao que interessa:
Art. 18. A relação de emprego, na qualidade de advogado, não retira a isenção técnica nem reduz a independência profissional inerentes à advocacia.
Parágrafo único. O advogado empregado não está obrigado à prestação de serviços profissionais de interesse pessoal dos empregadores, fora da relação de emprego. [1]
No artigo acima, disposto em capítulo próprio (capítulo V - Do Advogado Empregado) no Estatuto da Advocacia e a Ordem dos Advogados do Brasil, evidencia-se uma "relativização" de um dos requisitos para caracterização do contrato de trabalho: a subordinação, explanada com distinção por Vólia Bomfim Cassar [2]:
A expressão subordinação deriva do termo subordinare (sub - baixo; ordinare - ordenar), isto quer dizer imposição da ordem, submissão, dependência, subalternidade hierárquica.
A subordinação ou dependência hierárquica tem sido muito utilizada como critério diferenciador entre o contrato de emprego e os demais contratos de trabalho (autônomo, representação, mandato etc.)
Em face do poder de comando do empregador, o empregado tem o dever de obediência, mesmo que tênue (altos empregados) ou em potencial (profissionistas), podendo aquele dirigir, fiscalizar a prestação de serviços, bem como punir o trabalhador.
Todavia o Estatuto da OAB expõe de forma nítida que o advogado, mesmo subordinado, é um profissional independente e com isenção técnica, isto é, no que se refere à atuação técnica do advogado não se pode haver intromissão do empregador. Em outras palavras, o advogado em sua atuação técnica deve obedecer apenas à sua convicção ou lucidez profissional, pois apenas ele é habilitado para atuar na área e responsável por seus próprios atos. Trata-se de independência profissional, científica e ética. E aonde poderia o empregador interferir nesta história? Na parte administrativa, apenas. Lembrando aqui que estamos sempre nos baseando nos dispositivos legais e não necessariamente no mundo real, onde tudo pode acontecer.
De acordo com o artigo 20 do EOAB a jornada do advogado não pode exceder 4 (quatro) horas diárias e 20 (vinte) horas semanais, salvo acordo, convenção coletiva ou em caso de dedicação exclusiva:
Art. 20. A jornada de trabalho do advogado empregado, no exercício da profissão, não poderá exceder a duração diária de quatro horas contínuas e a de vinte horas semanais, salvo acordo ou convenção coletiva ou em caso de dedicação exclusiva.
§ 1º Para efeitos deste artigo, considera-se como período de trabalho o tempo em que o advogado estiver à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens, no seu escritório ou em atividades externas, sendo-lhe reembolsadas as despesas feitas com transporte, hospedagem e alimentação.
§ 2º As horas trabalhadas que excederem a jornada normal são remuneradas por um adicional não inferior a cem por cento sobre o valor da hora normal, mesmo havendo contrato escrito.
§ 3º As horas trabalhadas no período das vinte horas de um dia até as cinco horas do dia seguinte são remuneradas como noturnas, acrescidas do adicional de vinte e cinco por cento.
Importante mencionar que as regras acima expostas não se aplicam aos advogados públicos regidos pela CLT.
Como se pode perceber, embora exista a regra especial de que a jornada do advogado não possa exceder 4 horas diárias e 20 semanais, basta um acordo entre as partes (teoricamente, ainda que verbal) para que o regime de trabalho do advogado seja de 8 horas diárias e 40 horas semanais. Bomfim explica que o que não se pode admitir é o ajuste tácito. E o que seria ajuste (ou acordo) tácito?
Acordo tácito é aquele em que as partes, sem declarar ou mencionar suas intenções, agem de forma consonante ao longo do tempo, de maneira que dessa relação passam a existir direitos e obrigações. [3]
Vólia Bomfim Cassar ainda elucida:
Os demais requisitos (norma coletiva e dedicação exclusiva) só deverão estar presentes quando não houver provas da vontade das partes, pois o simples ajuste individual é suficiente para dilatação da jornada especial.
Também é comum a existência de dúvidas acerca do que se poderia entender por "dedicação exclusiva". A dedicação exclusiva pode ser presumida (ao que tudo indica) na hipótese do horário de trabalho ser incompatível com mais de um emprego ou se houver possibilidade de concorrência com o empregador. Todavia, a existência de outro emprego (dois empregos simultâneos por exemplo) do advogado afasta a caracterização de dedicação exclusiva. O que se observa na prática é que em tese o artigo 12, caput, do Regulamento do Estatuto da Advocacia e da OAB, deve ser observado em sua literalidade:
Art. 12. Para os fins do art. 20 da Lei nº 8.906/94, considera-se de dedicação exclusiva o regime de trabalho que for expressamente previsto em contrato individual de trabalho.
Parágrafo único. Em caso de dedicação exclusiva, serão remuneradas como extraordinárias as horas trabalhadas que excederem a jornada normal de oito horas diárias. [4]
Como exemplo prático de discussões que envolvem o presente tema, segue abaixo trecho de jurisprudência do TRT mineiro [5] que aplica a teoria à vida real:
(...)
Como sabido, nos termos do art. 20 da Lei 8.906/94, a jornada de trabalho do advogado empregado, no exercício da profissão, não poderá exceder a duração diária de quatro horas contínuas e a de vinte horas semanais, salvo acordo ou convenção coletiva ou em caso de dedicação exclusiva. Inexistindo instrumento normativo aplicável ao reclamante, cabe verificar se ele estava submetido a regime de dedicação exclusiva, o qual, conforme o art. 12 do Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia, deve ser expressamente previsto no contrato individual de trabalho.
In casu, o contrato firmado entre as partes (f. 17/18) não previu o regime de exclusividade, nos termos do comando contido no artigo acima mencionado. Além disso, a prova oral comprovou que o autor atendia clientes particulares e, dessa forma, não há falar em regime de dedicação exclusiva.
Nesse contexto, entendo que a pendência instaurada sobre a matéria em debate foi solucionada de forma escorreita pelo juízo de primeira instância, com fulcro na prova documental e oral produzidas, razão pela qual utilizo sua fundamentação como razões de decidir (f. 668/669):
Como visto, a jornada de trabalho do advogado empregado, no exercício da profissão, não poderá exceder de 4 horas diárias e 20 horas semanais, salvo em caso de dedicação exclusiva, cujo regime de trabalho deve ser expressamente previsto em contrato individual de trabalho. No caso dos autos, o contrato firmado entre as partes (f. 17/18) não previu o regime de exclusividade, nos termos do comando contido no artigo acima mencionado.
Além disso, a prova oral comprovou que o autor atendia clientes particulares e, dessa forma, não há falar em regime de dedicação exclusiva tão somente pelo fato de o reclamante ter laborado 8 horas por dia ou mais.
(...)
Portanto, o autor faz jus às horas laboradas após a 4ª diária ou 20ª semanal como extras. (...) [5]
A dedicação exclusiva, como podemos observar na jurisprudência levantada, deve estar expressa no contrato individual de trabalho ou, pelo menos, esse é o entendimento predominante. Quando há, então, dedicação exclusiva, são remuneradas como extraordinárias apenas as horas trabalhadas que excederem a jornada de oito horas diárias e quarenta horas semanais. Ademais, caso o contrato seja anterior à edição do EOAB, presume-se que o advogado empregado esteja sujeito ao regime de dedicação exclusiva, independentemente de previsão expressa no contrato de trabalho e desde que, claro, cumpra as quarenta horas semanais.
O que se observa na prática são profissionais do Direito (advogados) tentando comprovar em processos judiciais a ausência de dedicação exclusiva, o que pode acabar por obrigar o empregador a pagar as horas que excederem a jornada normal especial (4 horas diárias e 20 horas semanais) com adicional não inferior a cem por cento sobre o valor da hora normal, conforme previsão constante no § 2º do artigo 20 do EOAB. De outro lado, empresas e escritórios tentam comprovar a existência de dedicação exclusiva, havendo alta chance de êxito quando previsto referido requisito no contrato de trabalho.
Notas
[1] BRASIL. Lei nº 8.906. Brasília, 04 de julho de 1994. Disponível em:. Acesso em 21/06/2016.
[2] CASSAR, Vólia Bomfim. Direito do Trabalho. 9. Ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2014.
[3] R7. Dicionário Informal. Disponível em:. Acesso em: 22 de jun. 2016.
[4] Regulamento Geral do Estatuto da Advocacia e da OAB.
[5] JURISDIÇÃO. Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Embargos de Declaração. Processo 7.0001229-39.2014.5.03.0052 ED - 01229-2014-052-03-00-8 ED. Relator: Convocado Jose Nilton Ferreira Pandelot. Publicação: 03/06/2016.