Miguel Reale trabalhou a ideia de tridimensionalidade do direito em sua obra acadêmica e filosófica. O autor trouxe a noção de fato, valor e norma, o que possibilitou aos operadores jurídicos um aprimoramento da construção discursiva e uma melhor compreensão da realidade jurídica.
Reale atacou o viés meramente positivista, propondo diálogos com outros ramos do conhecimento em sua obra culturalista. É bem verdade que o método positivista prima pela fundamentação precisa a ser indicada para uma dada repercussão decorrente de uma violação ou concessão de direito. Porém, o discurso meramente positivista de certa forma até mesmo empobrece o debate a ser levado em juízo, vez que desconsidera a realidade de uma sociedade de consumo na qual o consumidor é uma parte vulnerável e inserida em situações de risco dos das mais diversas espécies. A sociedade de risco preconizada por Ulrich Beck e a sociedade de consumo de que tratam Zygmunt Bauman, Lívia Barbosa, Jean Baudrillard, dentre outros, precisam ser elementos considerados no discurso.
As sustentações a respeito de cabimento de dano moral são, muitas vezes, generalistas, desconsiderando-se, também, a própria ideia do diálogo das fontes, a teoria que propõe a interação entre as fontes legislativas para que haja solução de antinomias. O diálogo das fontes é que permite o próprio diálogo entre o Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil, por exemplo, não se olvidando de que, hoje, fala-se num Direito Civil Constitucional, muito atento aos princípios culturalistas da socialidade, operabilidade e eticidade.
Deve-se também lembrar que o art. 5º, XXXII da Constituição é um imperativo de tutela. Determina ao Estado condutas no sentido de tutela do consumidor (dimensão positiva do direito fundamental), podendo-se dizer que o próprio Código de Defesa do Consumidor configura uma vedação de retrocesso em matéria legislativa nesse aspecto.
As empresas que causam lesões aos consumidores os expõem à situação de superendividamento, comprometendo o próprio mínimo existencial numa perspectiva patrimonial. O superendividamento deve ser fortemente combatido no Brasil, devendo existir esforços por parte das instituições do sistema de justiça nesse sentido. Porém, tal exposição não pode ser considerada um dano moral. Pare-se para refletir o seguinte: dano moral é violação a direito da personalidade. Seria portanto lesão à honra, à imagem, ao nome do consumidor.
A exposição à situação de superendividamento pode ser atribuída a uma cobrança indevida por parte de uma empresa prestadora de serviços? Sim, mas está mais associada a uma necessidade de educação para o consumo, que não é trabalhada pelas mídias. Inclusive, o mercado pode avaliar os consumidores quanto à inadimplência. Veja-se o seguinte julgado do Superior Tribunal de Justiça:
RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA (ART. 543-C DO CPC). TEMA 710/STJ. DIREITO DO CONSUMIDOR. ARQUIVOS DE CRÉDITO. SISTEMA "CREDIT SCORING". COMPATIBILIDADE COM O DIREITO BRASILEIRO. LIMITES. DANO MORAL. I - TESES: 1) O sistema "credit scoring" é um método desenvolvido para avaliação do risco de concessão de crédito, a partir de modelos estatísticos, considerando diversas variáveis, com atribuição de uma pontuação ao consumidor avaliado (nota do risco de crédito). 2) Essa prática comercial é lícita, estando autorizada pelo art. 5º, IV, e pelo art. 7º, I, da Lei n. 12.414/2011 (lei do cadastro positivo). 3) Na avaliação do risco de crédito, devem ser respeitados os limites estabelecidos pelo sistema de proteção do consumidor no sentido da tutela da privacidade e da máxima transparência nas relações negociais, conforme previsão do CDC e da Lei n. 12.414/2011. 4) Apesar de desnecessário o consentimento do consumidor consultado, devem ser a ele fornecidos esclarecimentos, caso solicitados, acerca das fontes dos dados considerados (histórico de crédito), bem como as informações pessoais valoradas. 5) O desrespeito aos limites legais na utilização do sistema "credit scoring", configurando abuso no exercício desse direito (art. 187 do CC), pode ensejar a responsabilidade objetiva e solidária do fornecedor do serviço, do responsável pelo banco de dados, da fonte e do consulente (art. 16 da Lei n. 12.414/2011) pela ocorrência de danos morais nas hipóteses de utilização de informações excessivas ou sensíveis (art. 3º, § 3º, I e II, da Lei n. 12.414/2011), bem como nos casos de comprovada recusa indevida de crédito pelo uso de dados incorretos ou desatualizados. II - CASO CONCRETO: 1) Não conhecimento do agravo regimental e dos embargos declaratórios interpostos no curso do processamento do presente recurso representativo de controvérsia; 2) Inocorrência de violação ao art. 535, II, do CPC. 3) Não reconhecimento de ofensa ao art. 267, VI, e ao art. 333, II, do CPC. 4) Acolhimento da alegação de inocorrência de dano moral "in re ipsa". 5) Não reconhecimento pelas instâncias ordinárias da comprovação de recusa efetiva do crédito ao consumidor recorrido, não sendo possível afirmar a ocorrência de dano moral na espécie. 6) Demanda indenizatória improcedente. III - NÃO CONHECIMENTO DO AGRAVO REGIMENTAL E DOS EMBARGOS DECLARATÓRIOS, E RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE PROVIDO (REsp 1419697/RS, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 12/11/2014, DJe 17/11/2014)
A análise da "qualidade" de cada consumidor enquanto bom ou mau pagador é lícita.
Perceba-se que por trás da questão da inadimplência existirão fatores sociológicos a serem considerados e isso deve ser relatado no processo.
Por derradeiro, apenas para reforçar a ideia inicial desse artigo, mencione-se que os operadores do direito precisam trabalhar, no discurso processual, a questão da justiça social e do humanismo, fatores que estão diretamente associados ao diálogo das fontes. O direito do consumidor não deve ser divorciado de uma noção de justiça distributiva e nem do princípio pro homine.
Diante do exposto, afirma-se que a tridimensionalidade do direito e as investigações zetéticas precisam ser valorizadas e colocadas em prática. É dizer: se o Código de Processo Civil traz como norma fundamental um princípio de cooperação processual, as partes devem trabalhar num sentido de construção da decisão, juntamente com o juiz. É um trabalho conjunto, dialogado e fundamentado não apenas em transcrições de letra de lei de de julgados, mas também de um discurso jurídico bem trabalhado.