Epistemologia do pragmatismo.

Uma introdução ao pensamento pragmático

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29/10/2016 às 12:36
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2. A Epistemologia pragmatista de Dewey: o conceito de experiência

O Pragmatismo tem, então, como objetivo principal transcender ao tradicional celeuma entre teoria e prática. Sua inovação, do ponto de vista epistemológico, opera em um contexto de ruptura com o paradigma tradicional até então vigente. Segundo esta concepção, o conhecimento se juga à experiência, na medida em que ao indivíduo é impossível conceber ideias absolutamente novas. Ademais à vinculação prática, o conhecimento também se torna verdadeiro, já que depende da análise de seu contexto. Além do pioneirismo teórico desenvolvido por Charles Sanders Peirce e William James, John Dewey também se posiciona como outro grande expoente do Pragmatismo. Em virtude de sua vasta experiência no campo da Psicologia e da Filosofia, Dewey conseguiu trazer também à baila pedagógica as contribuições deste pensamento para o campo acadêmico.

Neste sentido, uma vez que a epistemologia, conforme pondera Souza (2012), se ocupa com a produção do conhecimento e com os processos do conhecer, não se podem ignorar as raízes sociais da produção do saber científico, porém a epistemologia procura analisar criticamente as teorias científicas. O pragmatismo se preocupa com a produção do conhecimento. Esta questão está muito presente no pensamento de Dewey onde os objetos estão inter-relacionados, a partir da lógica, no processo de construção do conhecimento. Permitindo, por isso, a conexão de uns com os outros, levando à aplicabilidade pragmática, uma vez que conhecer se trata de perceber essas conexões que ligam os objetos com um fim útil. Assim, continua o autor, a filosofia não deve apenas evitar as dualidades: razão e experiência; ideal e real; teoria e prática; indivíduo e sociedade, mas combatê-los, já que o conhecimento se dá na continuidade da experiência e não apenas em sua fragmentação. A inteligência investigativa ou pensamento reflexivo é que deve estabelecer essas relações que ligam e religam os objetos naturais.

Voltando-se à essência do pensamento pragmático, em sua obra Como Pensamos, Dewey analisa o processo psíquico que envolve o ato de pensar e, consequentemente a função reflexiva e educativa. Por meio de seu conhecimento psicológico, o pensador estadunidense discorre sobre o mecanismo cognitivo, na tentativa de entender como se desenvolve o fenômeno da aprendizagem e como seria possível educar, de modo a treinar sua capacidade reflexiva, sem tornar o educando um receptáculo de conhecimentos. Nesta trincheira, ao retomar o aspecto pragmático como propulsor da origem dos pensamentos, menciona Dewey:

Dizer-se de um modo geral a uma criança – ou a um adulto – que pense, abstraindo da existência, em sua própria experiência, de alguma dificuldade que os embarace ou perturbe seu equilíbrio, é tão ocioso como exigir que se ergam no ar a si mesmos, puxando os cordões de seus sapatos (DEWEY, 1959, p. 24).

Por meio desta citação é possível entender que de acordo com sua concepção, baseada no empirismo de Hume8 e, sobremodo, no pragmatismo de Pierce (1975), ao definir que, ao contrário da crença tradicional, a mente não originaria ideias absolutamente genuínas, ao contrário, apenas as transformaria, sua origem, pois, estaria relacionada com a vivência, a prática, a observação, ou seja, a experiência. Desse modo, não há como dissociar ideia de experiência, ou seja, toda construção simbólica desenvolvida pelo indivíduo é reflexo de alguma experiência por ele praticada. Para que haja a aprendizagem de determinado conhecimento, é necessário que anteriormente tenha havido uma experiência na qual o indivíduo tenha apreendeu e introjetou determinado saber. Por meio desta abstração, o indivíduo poderá refletir sobre ela e elaborar conexões mais complexas com outras abstrações – também advindas de experiências – resultando em construções mais elaboradas.

Do ponto de vista pedagógico, no contexto da relação entre educador e educando, o pensamento deweyano aponta que a experiência se refere aos conhecimentos já obtidos ao longo da trajetória de vida de cada um. O processo educativo de Dewey propõe uma educação construída a partir destes conhecimentos, de modo que o educando possa relacionar o conhecimento escolar com questões já vivenciadas por ele. De outro modo, quando o educador não deixa clara a relação entre o ministrado em aula e a prática cotidiana, o processo de aprendizagem se torna falho, pois se torna impossível que o educando estabeleça uma relação entre o conhecimento novo e seu repertório, impossibilitando uma construção crítica. Assim, afirma o autor que mesmo quando uma criança – ou adulto – se acha embaraçada com algum problema, é inteiramente inútil exortá-la a pensar a respeito, quando ainda não possui experiência própria em condições aproximadas às presentes (DEWEY, 1959)9.

Outrossim, ainda em relação ao exercício de pensamento e reflexão humano, Dewey discorre sobre importância da dúvida e do questionamento enquanto ferramenta precisa de desenvolvimento cognitivo e interpretação da experiência, de modo a compreender melhor os estímulos a sua volta e as dinâmicas que ocorrem em sociedade. Para pensar verdadeiramente bem, diz o autor, cumpre estar disposto a manter e prolongar esse estado de dúvida, que é o estímulo para uma investigação perfeita, na qual nenhuma ideia se aceite, nenhuma crença se afirme positivamente, sem que lhes tenham descoberto as razões justificativas (DEWEY, 1959).

A prática se coloca, pois, como elemento mais importante no processo de construção humana, porque é por meio da experiência que o indivíduo entrará em contato com o universo, refletindo sobre ele e, na medida de suas possibilidades, modificando-o. Contudo, de acordo com a proposição de Dewey, o que pode ser entendido por experiência? Talvez pareça óbvio, em princípio, o conceito de experiência, uma vez que se trata de um termo bastante recorrente no senso comum, mas será que seu significado comum, relacionado com a prática e a observação, está adequado com a filosofia deweyana? Na tradução da obra de Vida e Educação, na introdução intitulada Educação como reconstrução da experiência, Anísio Teixeira se dedica a esquadrinhar o conceito de educação de forma bastante lúcida. De acordo com o autor, seu conceito está relacionado com toda ação ocorrida no universo, com ou sem a interferência humana. Os corpos, no sentido natural, agem uns sobre os outros, de forma física, química, biológica e psíquica, é por meio destes fenômenos que ocorrem as experiências.

Esse agir sobre o outro corpo e sofrer de outro corpo uma reação é, em seus próprios termos, o que chamamos de experiência. Nosso conceito de experiência, longe, pois, de ser atribuído puramente ao homem, alarga-se à atividade permanente de todos os corpos, uns com os outros (TEIXEIRA in DEWEY, 1964, p. 10).

O conceito de experiência para Dewey se torna tão amplo que abrange qualquer acontecimento, observável ou não ao homem, sequer relacionado a ele. Sua definição, embora filosófica, transcende, então, a própria existência humana, já que ela opera independentemente na natureza. Mais uma vez esta concepção pragmática supera a tradicional dicotomia entre cultura e natureza, construção humana e ambiente. Todo o Universo existe e independe da existência ou da análise humana, a experiência deixa de fazer parte de uma operação cognitiva da racionalidade para se inserir como elemento da própria natureza10. No plano humano, de acordo com a compreensão de Dewey (1964), experiência não é, portanto, alguma coisa que se oponha à natureza, – pela qual se experimente, ou se prove a natureza. Experiência é uma fase da natureza, é uma forma de interação, pela qual os dois elementos que nela entram – situação e agente – são modificados.

No entendimento de Anísio Teixeira (In Dewey, 1964), o agente, no contexto da educação, remete ao próprio homem que se insere em determinada experiência, não se resume aos adultos, mas aos jovens e às crianças, que também estão inseridas no processo educativo. Em suma, o agente é o sujeito ativo no processo, aquele que sente a experiência. Não obsta asseverar, contudo, que dada a grande abrangência do conceito de experiência, relativo a qualquer relação física ou química do Universo, agente também pode ser qualquer corpo que, ao ser tomado como eixo da perspectiva, se torna o elemento principal da relação. Assim, o choque entre dois asteroides na órbita terrestres, será agente aquele que for eleito como tal, segundo a perspectiva com que analisa, sendo o outro corpo mero elemento da situação.

A situação, por sua vez, ainda no entendimento do autor, se relaciona com o contexto e a dinâmica de interação entre os corpos. No contexto educacional, enquanto o agente se relaciona ao educando, aquele que apreende, a situação se refere ao meio em que se dá o processo de aprendizagem, ou seja, onde e como ocorreu o fato transformador do conhecimento. Fora do exemplo educacional, a situação é também entendida como o contexto em que ocorre a interação dos corpos, originando uma modificação. Neste sentido, conforme esquema apresentado por Teixeira (In Dewey, 1964), a experiência representa uma interação entre um agente e uma situação, de modo a criar um novo agente e uma nova situação. Pelo exemplo dando, tanto os asteroides que se chocam quanto o educando na sala de aula, ambos os agentes – o asteroide e o aluno – ao término da situação, tornar-se-ão novos agentes, o asteroide em foco terá perdido ou ganhado massa graças ao impacto, enquanto o aluno terá ganhado agregado ou transformado determinado conhecimento.

Há atividade mútua e mútua capacidade de reação. Não sendo primariamente cognitiva, essa mútua readaptação pode ser puramente orgânica, não envolvendo percepção das modificações que se processaram entre o agente e a situação, e o novo agente e a nova situação posterior à experiência (TEIXEIRA in DEWEY, 1964, p. 115).

Por este entendimento, pode-se dizer que, quer sem a presença do homem quer com, a experiência sempre implicará na relação de dois corpos que, por meio da relação ocorrida entre eles, ambos se transformam em novos corpos. Fora do ambiente cultural, por exemplo, a física, a química e a biologia apresentam infinitos exemplos de reações e fenômenos em que a interação de dois corpos físicos resulta em outros diferentes. Já no ambiente cultural, onde há presença humana, a relação entre os corpos ocorre por meio da interação entre um agente e uma situação que, consequentemente, resulta em um novo agente e uma nova situação. Esta relação entre experiência, situação e agente é a base do processo da educação. Ao admitir que cada nova experiência gera uma situação que transforma o agente em outro, a cada novo conhecimento aprendido, o indivíduo se transforma, adquirindo uma nova consciência.

De acordo com Dewey (1964), a experiência educativa é essa experiência inteligente em que participa o pensamento, através do qual é possível a perceber relações e continuidades antes não percebidas. Todas as vezes que a experiência for assim reflexiva, isto é, que se atentar no antes e o depois do seu processo, a aquisição de novos conhecimentos, conhecimentos mais extensos do que antes, será um dos seus resultados naturais. A experiência alarga, deste modo, os conhecimentos, enriquece o espírito humano e dá, dia a dia, significação mais profunda à vida. Por este entendimento, do ponto de vista educativo, a experiência não apenas é essencial para os processos humanos, seu fenômeno é inerente à sua própria existência. Não há, então, como compreender a educação sem vinculá-la com a experiência.

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Anísio Teixeira conceitua educação como “o processo e reorganização da experiência, pelo qual lhe percebemos mais agudamente o sentido, e com isso nos habilitamos a melhor dirigir o curso de nossas experiências futuras” (In DEWEY, 1964, p. 14). Por meio desta afirmação, a educação, assim como a experiência, se apresenta como entidades necessárias e essenciais à existência humana. A cada comportamento, a cada pensamento, o indivíduo está influenciado por uma experiência, numa cadeia de acontecimentos tão complexa que impossibilita a própria percepção. Todavia, este acontecimento é fundamental para que haja a transformação do conhecimento.

A educação, neste sentido, aponta para um processo contínuo, universal e autônomo de construção do indivíduo e não se confunde, em absoluto, com a educação formal – denominada também por Teixeira (In DEWEY, 1964) de educação direta. É contínuo, pois, assim como as experiências, ocorre num fenômeno de encadeamento progressivo. Também é universal, pois não está relacionado a aspectos culturais específicos, seja qual for o contexto em que esteja inserido, o indivíduo manterá sua relação de experiência com o meio ao seu redor. Por fim, é autônomo porque não depende da vontade individual ou manifestação de consentimento para que ocorra, o processo de educação se manterá. Por este motivo, na tentativa de diferenciá-la da formal, este sentido recebe o nome de educação indireta.

A educação informal ou direta, de certa forma, se equivale à educação indireta, embora decorra de um método pedagógico, utiliza-se do mesmo processo do ponto de vista psíquico, na medida em que o fenômeno de introjeção do conhecimento e transformação deste decorre da experiência. Contudo, baseado na filosofia deweyana, Teixeira (In DEWEY, 1964) faz uma ressalva ao perigo da supervalorização da educação formal, porque, segundo o autor, ela tem função substitutiva, não devendo se transformar numa obrigação de doutrina insípida e contraproducente. É por este motivo que um dos grandes méritos de Dewey foi o de restaurar o equilíbrio entre a educação tácita e a não formal recebida diretamente da vida, e a educação direta e expressa das escolas, integrando a aprendizagem obtida através de um exercício específico a isto destinado, com a aprendizagem diretamente absorvida nas experiências sociais.

A crítica de Anísio Teixeira à supervalorização da educação formal aponta, primeiramente, ao contexto histórico em que tanto ele quanto Dewey viveram, qual seja, o início no século XX. Neste momento histórico o modelo pedagógico dominante ainda era o tradicional11, aluno era visto como um receptáculo de informação, enquanto o professor era o único detentor do conhecimento. Não havia preocupação em como este conhecimento deveria ou estaria chegando ao aluno, de modo que lhe restava memorizar, ao passo que ao professor restava profetizar. Dewey rompe com o modelo tradicional ao focar a educação no educando, e não no educador, além disso, para que o conhecimento ministrado em aula não seja simplesmente decorado de forma acrítica, faz-se necessário que haja uma relação com a realidade do educando, de modo a possibilitar que próprio educando consiga elaborar e construir o conhecimento, a favorecer uma formação muito mais crítica, baseada na análise e reflexão.

Por outro lado, a crítica trazida por Anísio Teixeira também demonstra que, por mais que as sociedades complexas tenham dado grande estima pela educação formal, é por meio de educação informal que o indivíduo forma a maior parte de seus conhecimentos. Já que, como mencionada anteriormente, a relação entre introjeção de conhecimento e experiência operam continuamente, a todo instante o indivíduo está tendo contado com o universo a seu redor e captando informações. Este fluxo ocorre de forma tão rápida e encadeada que muitas vezes é absorvida de forma inconsciente. O processo de educação, então, representa instrumento vital para o indivíduo e a única ponte entre ele e o restante. Sendo assim, embora as práticas formais da educação sejam importantes para que se tenha uma formação mínima e necessária, de nada adiantaria o contato com este conhecimento se o indivíduo já não tivesse uma bagagem de sabedoria – a qual, ressalta-se novamente, advinda unicamente da experiência. Contudo, ressalta Dewey que:

A crença de que toda educação verdadeira é fruto da experiência não significa que todas as experiências são verdadeiramente ou igualmente educativas. Experiência e educação não são diretamente equivalentes umas a outra. Algumas experiências são deseducativas. Qualquer experiência que tenha o efeito de impedir ou distorcer o amadurecimento para futuras experiências é deseducativo (DEWEY, 2011, p. 26-27).

Sobre a vinculação entre educação e experiência, grosso modo, se discorreu que todas as experiências são educativas na medida em que propiciam ao indivíduo o contato com determinado objeto. Sendo assim, qualquer que seja o estímulo se gera também uma experiência, que mesmo imperceptível, corresponde a uma aprendizagem e, consequentemente, a uma educação. Não obstante esta concepção genérica de experiência e educação, segundo Dewey (2011), algumas experiências acabam por se tornar deseducativas quando impedem que o indivíduo possa vir a ter novas experiências ou retarde este processo. Neste caso, o autor está se referindo a uma educação num sentido mais específico e próprio de sua teoria, uma educação crítica e oposta ao modelo tradicional. É claro que toda experiência, seja boa ou ruim, gera a absorção de um conhecimento, mesmo que seja de forma traumática, o que por sua vez está relacionado com a educação. Todavia, para o autor, experiências negativas que tornam o indivíduo receoso, prejudicam o processo educativo, pois impossibilita que ele possa entrar em contato com novas experiências.

Ao pensar na educação no sentido de informação, o cotidiano guarda diversos exemplos de como uma experiência negativa pode inibir o surgimento de outras. A criança, com sua curiosidade própria, se fascina com o fenômeno da combustão, contudo, talvez ignore seu perigo. Ao atear fogo em um amontoado de gravetos a criança está entrando em contato com conhecimentos da química e da física por meio da experiência. Ela poderá observar que os materiais se transformam ao serem carbonizados, que há produção de fumaça e que este processo gera uma elevação da temperatura. Imagina-se, porém, que ao ignorar a temperatura da brasa, a criança toque no graveto em chamas. Evidentemente, ela se queimará e, é possível, que esta experiência lhe traumatize e acabe com sua curiosidade. Então, embora tenha havido introjeção de conhecimento por meio da experiência, pela perspectiva deweyana, ela se tornou deseducativa, na medida em que, doravante, a criança temerá se queimar novamente e apagará em si a curiosidade por novas experiências que envolvam a combustão.

No ambiente escolar, a educação formal aponta talvez um aspecto mais nefasto das experiências deseducativas, pois, em tese, este deveria ser um ambiente educacional por excelência e não um ambiente repressor. Seria um exemplo de experiência deseducativa a criança que é repreendida pelo professor ao fazer uma pergunta ou ao errar determinada pergunta feita por ele. As crianças são seres em desenvolvimento e, talvez mais que os adultos, são mais curiosas por estarem sendo introduzidas no sistema escolar, onde tudo ainda parece novo. O contato traumático no ambiente escolar, pela figura do professor, por exemplo, poderia ser violento ao ponto de tornar a criança tímida para realizar novas perguntas, o que prejudicaria muitíssimo seu progresso. A repressão do professor, a humilhação dos demais colegas, não deixam de ser experiências – inclusive até mesmo metodológicas, em uma visão tradicional –, todavia, para Dewey, não podem ser consideradas educativas, visto que inibem o educando para novas experiências.

É sua tarefa [do educador] estar alerta para ver quais atitudes e tendências de hábito estão sendo criadas. Nesse sentido, ele deve, como educador, ser capaz de avaliar quais atitudes realmente conduzem ao crescimento contínuo e quais lhe são prejudiciais. Além disso, ele deve possuir aquela compreensão e simpatia pelos indivíduos enquanto indivíduos que o possibilitem ter uma ideia do que está realmente se passando pela mente dos que estão aprendendo (DEWEY, 2011, p. 39).

O educador é o mediador no processo educacional, é ele quem deve construir uma ponte entre o educando e a experiência. Por este motivo, ele deve estar atento para quais métodos despertariam uma relação com a experiência da forma mais saudável possível e menos traumática, ou seja, no ambiente escolar suas práticas pedagógicas devem sempre despertar no aluno a curiosidade pelo saber – por novas experiências. É sua função também possibilitar a reflexão, por meio de atividades que se afastem do dogmatismo. A experiência educacional deve ser construída pelo educando e orientada pelo educador, desta forma, a educação de Dewey deve se distanciar das formulações derradeiras. Por este motivo, as experiências escolares devem fazer referência ao contexto do educando.

Ninguém questionaria o fato de que uma criança que mora na favela tem uma experiência diferente de uma criança que mora em um lar de uma família de classe média culta; que a criança da zona rural tem um tipo de experiência diferente em relação ao tipo de experiência da criança da zona urbana, ou que um menino do litoral tem experiências diferentes das de um menino do sertão (DEWEY, 2011, p. 40).

Como já mencionado, o propósito da educação de Dewey aponta para o educando como partícipe de seu processo educativo e não como mero receptáculo de conhecimento. É por meio do exercício ativo na construção do conhecimento que ele poderá refletir o que está aprendendo. Porém, se a experiência é uma atividade individual, como seria possível ao professor favorecer a construção baseada na reflexão? Em realidade, só seria possível refletir sobre um conhecimento se este já tiver sido, de alguma forma, absorvido, caso contrário, haveria apenas memorização que em pouco tempo seria esquecida. Em outras palavras, para que o educando possa construir determinado conhecimento de forma crítica, é necessário que ele já tenha tido alguma experiência sobre aquilo. Por isto, é importante que o educador faça um vínculo entre a matéria que será lecionada e algum aspecto do contexto em que o educando vive. Conhecer o aluno, sua história e sua realidade são imprescindíveis para que haja uma correspondência entre experiência educacional – ou seja, as atividades realizadas em sala e que deverão ser apreendidas – e as experiências pretéritas individuais12.

Entretanto, não é apenas o passado que deve ser considerado na educação, o educador também deve estar atento ao futuro, ele deve ser perguntar: experiências serão necessárias aos educandos? O que eles devem apreender hoje para que seja proveitoso no futuro? É com base nisso que Dewey (2011) desenvolve o princípio da continuidade, pois a experiência educacional deve ser vista como um processo contínuo. Segundo o autor, este princípio, quando aplicado à educação, significa que o futuro deve ser considerado em cara estágio do processo educativo. Essa ideia é facilmente mal compreendida e terrivelmente distorcida na educação tradicional. A perspectiva tradicional acredita que adquirindo certas habilidades e aprendendo certas matérias que seriam mais tarde necessárias os alunos estarão sendo naturalmente preparados para as necessidades e circunstâncias futuras. Em suma, a educação é contínua, pois deve estar baseada no passado, para que seja possível que o educando vincule a experiência nova com sua bagagem de experiências, a possibilitar uma construção crítica do conhecimento. Ademais, as experiências educacionais devem estar preocupadas também com o futuro, pois é importante que aquilo vivenciado em sala faça eco com as experiências que estarão por vir, ou o conhecimento ensinado em sala estaria fadado à inutilidade.

Outrossim, a relação entre educador e educando também constitui objeto fundamental da análise de Dewey. Ao avesso do modelo tradicional, em que o professor se colocava como centro do conhecimento e portador – quase que onisciente – do conhecimento, de acordo com o pensamento deweyano, o novo educador não deve se colocar como tal, a se manter apenas como orientador no processo educativo, ou então, como coautor na construção do conhecimento. Sendo assim, ambos se colocam como agentes ativos e passivos, visto que ao mesmo tempo em que constroem e transmitem conhecimento, por meio da experiência, também absorvem. Por mais novos e – em princípio – inexperientes, os educandos devem ter a mesma legitimidade intelectual que seus educadores, na medida em que todos são indivíduos pensantes e testemunhas de experiências ignoradas pelos outros.

O plano educacional, de acordo com Dewey (2011), deve ser resultado de um esforço de cooperação, e não uma imposição. A sugestão do educador não é um molde para um resultado forjado, mas um ponto de partida para ser desenvolvido em um plano através de contribuições a partir da experiência de todos os envolvidos no processo de aprendizagem. O desenvolvimento ocorre através de trocas recíprocas em que o educador recebe, mas também não tem medo de dar. O ponto essencial é que o propósito cresce e toma forma através do processo de comunicação e inteligência.

Dewey em Experiência e Educação se utiliza continuamente das expressões progressiva e nova acompanhando a palavra educação, muitas vezes a fazer um contraste com o que ele chama de educação tradicional ou antiga. Contudo, ao concluir seu texto faz a ressalva de que, em sua opinião a questão fundamental da educação e que se baseia sua filosofia não se refere à nova versus a velha educação, nem a educação progressiva versus a tradicional. A questão do que se resume sua crítica filosófica consiste na questão: qual educação se quer?

A questão básica consiste na natureza da educação sem nenhum adjetivo prefixo. O que queremos e do que precisamos é educação pura e simples e obteremos progresso mais seguro e rápido quando nos dedicarmos a descobrir apenas o que é educação e quais condições devem ser atendidas para que a educação possa ser uma realidade e não um nome ou um rótulo. É por esta razão que enfatizei a necessidade de uma sólida e segura filosofia da experiência (DEWEY, 2011, p. 94).

No capítulo intitulado Filosofia da Educação, correspondente ao vigésimo quarto do original Democracia e Educação, Dewey (2007) discorre sobre o cunho filosófico que permeia seu pensamento e baliza o próprio pragmatismo. A filosofia da educação aparece como uma forma de abarcar, ou seja, reunir os variados detalhes do mundo e da vida em um todo inclusivo e único, que pode consistir em uma unidade ou, então, reduzir os muitos detalhes a um pequeno número de princípios finais. Ademais, prossegue ele, toda vez que a filosofia foi levada a sério, assumiu-se que ela significava alcançar uma sabedoria capaz de influenciar a condução da vida. De sorte que é por meio da filosofia que se torna possível abrir o debate do que ocorre na experiência e viabilizar uma análise do ponto de vista global.

Cabe à ciência dizer quais generalizações sobre o mundo são sustentáveis e o que, precisamente, elas são. Contudo, quando perguntamos, sobre o tipo de disposição permanente para agir diante do mundo, as descobertas científica exigem que levantemos uma questão filosófica (DEWEY, 2007, p. 77).

A citação de Dewey reflete a posta dicotomia entre conhecimento científico e filosófico, que, de forma simplista, aponta que, enquanto a ciência se envereda pelo empirismo, pautado em uma metodologia ainda bastante cartesiana, a filosofia se distancia do objetivo analisado e propõe um debate menos detalhado e mais universalista, o que, invariavelmente, acaba por distanciá-la da praticidade e viabilidade. Assim, embora o pragmatismo verse em combater a dualidade entre teoria e prática, na medida em que propõe como base do conhecimento a experiência, não há como negar que a reflexão filosófica aponte se distancie da prática ao passo que nomeia como fundamento a reflexão. Todavia, tal argumento não deve ser encarado como desprestígio ao conhecimento filosófico, pelo contrário, em consonância com a própria afirmação de Dewey, ambos gozam de mesma importância. Ao passo que a ciência se atem à investigação específica e à comprovação prática, a filosofia se incumbe de criticá-la. Igualmente, e de forma cíclica, as reflexões filosóficas se ancoram na ciência, visto que novamente precisam ser comprovadas.

Outrossim, propõe Dewey (2007), que a filosofia, em que pese sua incidência da educação, tem dupla finalidade: em primeiro lugar, fazer a crítica dos objetivos existentes tendo em vista o atual estado da ciência, indicando os valores que se tornaram obsoletos ante o comando de novos recursos, mostrando até que ponto os valores são meramente sentimentais por não existirem os meios para sua realização; e, em segundo lugar, interpretar os resultados da ciência especializada em suas relações com iniciativas sociais futuras. Neste sentido, conforme esclarece Cunha (In DEWEY, 2007), a filosofia visa discutir os valores envolvidos nas ações e nas aspirações que cercam os produtos oferecidos pela ciência. Esses valores são eminentemente sociais, relativos à vida atual da sociedade, e se forma por meio da educação, pois esta deve atuar sobre a constituição moral do homem, levando-o a refletir sobre o que almeja no presente e no futuro.

Dewey (2007) também classifica a filosofia como um modo de pensar que é incerto no conteúdo da experiência, visando localizar a natureza da perplexidade e elaborar hipóteses para que sua explicação seja testada na ação. O pensamento filosófico se diferencia pelo fato de as incertezas com que ligam serem encontradas nos diversos objetivos e condições sociais, consistindo em um conflito de interesses organizados e reivindicações institucionais. Destarte, pode-se entender que, enquanto a ciência é o conhecimento da verdade, ou pelo menos que se espera ser, baseada em uma comprovação metódica, a filosofia se apresenta como o conhecimento da dúvida, pois não se pauta na busca por respostas, mas simplesmente na busca. É, então, nesta medida que a presente dissertação se coloca, engajada num viés pragmático e se utilizando do pensamento Dewey ano, pretende corroborar para uma crítica ao ensino jurídico, sem, contudo, ter como objetivo encontrar uma resposta derradeira, mas sim, reavivar o debate e promover a reflexão.

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Sobre o autor
Felipe Adaid

Advogado e consultor jurídico em Direito Penal e Direito Penal Empresarial no Said & Said Advogados Associados. Foi Diretor de Gerenciamento Habitacional da Secretaria de Desenvolvimento Social e Habitação e Primeiro Secretário do Conselho de Habitação do Município da Valinhos, SP. Mestre em Educação e Políticas Públicas pela PUC Campinas. Ingressou em primeiro lugar no mestrado e foi contemplado com a bolsa CAPES durante os dois anos de curso. Cursou disciplinas de pós-graduação na Unicamp. É especializando em Direito Penal, Processo Penal e Criminologia, pela PUC Campinas. Na graduação, tem 5 semestres de créditos no cursos de Psicologia, também pela PUC Campinas. Durante a graduação de Direito também foi bolsista de iniciação científica, CNPq, e foi monitor em diversas disciplinas, tanto no curso de Direito como no curso de Psicologia. Foi membro do grupo de pesquisa Direito à Educação do Programa de Pós-Graduação da PUC Campinas. É corretor de revistas científicas pedagógicas e jurídicas. É autor de 11 livros, sendo 3 ainda em fase de pré-lançamento, e organizador de outros 10 livros, além da autoria de 44 capítulos de livros publicados no Brasil, no Chile e em Portugal. É autor de mais de 100 publicações científicas, entre artigos científicos, resenhas e anais, nacionais e internacionais. Ademais, também escreve periodicamente ensaios e artigos para jornais e blogs. No âmbito acadêmico, suas principais bases teóricas são: Foucault, Lacan, Freud, Dewey e Nietzsche. Por fim, tem interesse sobre os seguintes temas: Direito, Direito Penal, Criminologia, Psicologia, Psicologia Forense, Psicanálise, Sexualidade, Educação e Filosofia.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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