Capa da publicação A controvérsia das interceptações telefônicas
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Interceptações telefônicas: entenda a controvérsia

17/02/2017 às 14:00
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Comentam-se as expectativas relacionadas ao julgamento do Recurso Extraordinário 625.263, pelo STF e seus desdobramentos no âmbito das investigações criminais e ações penais em curso.

Recentemente repercutiu na imprensa nacional a notícia sobre o julgamento do Recurso Extraordinário nº 625263, pelo Supremo Tribunal Federal, onde será discutido e decidido o limite de renovações de interceptações telefônicas, para fins de investigação criminal. O julgamento é visto com certa apreensão por vários órgãos ligados à segurança pública, sobretudo pelo fato de que a decisão tomada afetará inúmeras investigações criminais em curso no país, dentre elas a Operação Lava a Jato.

A decisão prolatada pelo STF, qualquer que seja, terá efeito vinculante em todo o território nacional, haja vista que a Suprema Corte reconheceu a repercussão geral da matéria tratada no RE nº 625263 no ano de 2013, mas até o momento o recurso não foi julgado. Diante dessa situação, o Ministro Marco Aurélio Mello suspendeu o julgamento de vinte e três suspeitos de contravenção em máfia de caça-niqueis no Estado do Rio de Janeiro, marcado para o dia 9 na Justiça Federal por entender que antes, o STF deve decidir sobre o tempo máximo que pode durar uma escuta telefônica em investigações criminais, lembrando ainda que desde 2013, está parado no Supremo aguardando para ser julgado, o RE nº 625263, relatado pelo Ministro Gilmar Mendes.

Para que o leitor compreenda melhor os fatos, traçamos logo abaixo um breve histórico, extraído do próprio site do STF:

O RE 625263 foi interposto pelo Ministério Público Federal (MPF) contra decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que, ao conceder habeas corpus, anulou todas as provas obtidas a partir de escutas telefônicas que duraram mais de dois anos, ininterruptamente, em investigação criminal realizada no Paraná. Apontando “evidente violação do princípio (constitucional) da razoabilidade”, o STJ considerou ilícitas as provas, determinou que os autos retornassem à primeira instância (2ª Vara Criminal da Seção Judiciária do Paraná) para que fossem excluídas da denúncia as referências a tais provas. No Supremo, o MPF afirma que as escutas foram realizadas no contexto de uma ampla investigação conhecida como Caso “Sundown”, que apurou a prática de crimes graves, como delitos contra o Sistema Financeiro Nacional, corrupção, descaminho, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro. Ainda segundo o MPF, a decisão do STJ “abriu espaço” para a invalidação de centenas de operações policiais que investigaram organizações criminosas e delitos complexos em todo o território brasileiro por meio de escutas que tenham durado mais de 30 dias. No recurso, o MPF pede a anulação da decisão do STJ e o reconhecimento da validade das interceptações telefônicas e das provas delas decorrentes. A votação unânime quanto à existência de repercussão geral da matéria foi realizada no Plenário Virtual do STF.

Nesse passo, importa destacar o que estatui o inciso XII da Constituição da República:

É inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal.

Percebe-se no texto constitucional a preocupação do legislador com a intimidade e a privacidade, direitos fundamentais do homem. Cuida-se, é bom frisar, de norma constitucional de natureza limitada, porquanto necessitava de outra norma, infraconstitucional, que a regulamentasse e tornasse possível a realização de escutas telefônicas no âmbito do direito penal e processual penal. Tal lacuna veio a ser suprida com o advento a Lei 9.296 de 24 de julho de 1996, também conhecida como Lei da Escuta Telefônica, a qual regulamenta a interceptação de comunicações telefônicas, de qualquer natureza, para prova em investigação criminal e em instrução processual penal. Convém observar que consoante dispõe o parágrafo único do art. 1º, a lei também se aplica à interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática.

Indo além, o art. 2º traça, nos incisos I, II e III, as hipóteses em que não será admitida a interceptação de comunicações telefônicas. Assim, não será admitida a interceptação quando não houver indícios razoáveis da autoria ou participação em infração penal; quando a prova puder ser feita por outros meios disponíveis; e quando o fato investigado constituir infração penal punida, no máximo, com pena de detenção. Importa esclarecer que em qualquer hipótese a situação objeto da investigação, inclusive com a indicação e qualificação dos investigados, deve ser descrita com clareza, exceto diante de impossibilidade manifesta, devidamente justificada.

Resta evidente que escuta ou interceptação telefônica representa uma ferramenta indispensável no combate ao crime, mormente o crime organizado, onde se percebe uma maior coordenação e complexidade das operações ilícitas. Essa medida poderá ser determinada pelo juiz, ex officio ou a requerimento da autoridade policial (na fase de investigação criminal) ou do representante do Ministério Público, este último tanto na investigação criminal, quanto na instrução processual penal, devendo o pedido de interceptação demonstrar que a sua realização é necessária à apuração de infração penal, com indicação dos meios a serem empregados. Diante do requerimento da autoridade policial ou do Parquet, o juiz decidirá sobre o pedido, fundamentadamente (sob pena de nulidade), no prazo máximo de vinte e quatro horas.

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Ocorre que em relação à duração da interceptação, a segunda parte do art. 5º da Lei 9.296/96 estabelece que a escuta não poderá exceder o prazo de quinze dias, renovável por igual tempo, uma vez se comprovada a indispensabilidade do meio de prova. E é justamente daí que surge a controvérsia a ser decidida pelo STF, e o receio quanto às possíveis consequências que a decisão poderá acarretar.

De acordo com o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, José Robalinho Cavalcanti, se o Supremo estabelecer que o art. 5º é uma regra rígida de 30 dias, grandes prejuízos serão causados não só para as investigações da operação Lava Jato, mas para inúmeras outras investigações em andamento no país. Ressaltou ainda o Procurador que o STF “já têm jurisprudência em sentido contrário, de que havendo um crime continuado, uma organização criminosa, o crime continua sendo praticado e sendo devidamente justificada pelo Poder Judiciário, a prorrogação para mais de 30 dias é cabível”.

Ainda que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tenha regulamentado a atuação dos magistrados nas escutas, por meio da Resolução nº 59 de 09 de setembro de 2008, permitindo mais pedidos de prorrogação desde que seja indispensável como meio de prova, não foram eliminados os conflitos no meio judiciário, tendo em vista que naquele mesmo ano o STJ anulou a apuração da Polícia Federal, baseada em quase dois anos de interceptações telefônicas no caso “Sundown” no Estado do Paraná.

Portanto, cabe agora ao Supremo Tribunal Federal julgar o recurso extraordinário, e pacificar a matéria.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Lei 9.296 de 24 de julho de 1996.

______. Resolução nº 59 de 09 de setembro de 2008, do Conselho Nacional de Justiça – CNJ.

Prazo de escutas telefônicas é matéria com repercussão geral reconhecida. Disponível em <http://www.stf.jus.br/PORTAL/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=242810> Acesso em 06/11/2016.

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Sobre o autor
Robson Souto

Servidor do TJSE, autor de obras jurídicas.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOUTO, Robson. Interceptações telefônicas: entenda a controvérsia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4979, 17 fev. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/53699. Acesso em: 18 nov. 2024.

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