3. ANÁLISE COMPARATIVA ENTRE OS EMBARGOS INFRINGENTES NO CPC 1973 E A SISTEMÁTICA DO ART. 942, NCPC
3.1 Críticas realizadas à manutenção dos embargos infringentes no sistema recursal pátrio
Ainda sob a égide do CPC de 1973, os embargos infringentes sofriam severas críticas por parte da doutrina processualista. Para muitos, o referido recurso representava um instituto arcaico, não condizente com a realidade moderna do processo civil. Para reforçar esse ponto de vista, constatava-se que o Brasil era o único país que ainda possuía tal previsão recursal, haja vista que até o direito português, o qual deu origem aos embargos infringentes, não mais adotava esse meio recursal. Além disso, os defensores da sua extinção afirmavam que se tratava de um desnecessário “segundo tempo do recurso de apelação” (DIDIER; CUNHA, 2011, p. 217).
No entanto, o argumento principal e reiterado para extinção do recurso de embargos infringentes era a incompatibilidade do seu procedimento com o princípio da celeridade processual. Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha (2011, p. 217) resumem, de maneira bastante elucidativa, as possíveis ofensas à celeridade processual, ao salientar que:
As críticas formuladas contra a manutenção dos embargos infringentes fundam-se, basicamente, em razões históricas ou no excesso de recursos que acarretariam a demora da entrega final da prestação jurisdicional. É que, com a interposição dos embargos infringentes, haveria, mais uma vez, o rejulgamento da causa, prolongando, ainda mais, o andamento do processo. Tal reapreciação da causa, dizem as críticas, já é feita no exame da apelação, sendo excessivo e repetitivo proceder-se a ela, outra vez, com os embargos infringentes. Ademais, não poderia admitir-se o cabimento de um recurso apenas em razão da existência de um voto vencido, eis que contrário à efetividade do processo um recurso com tal finalidade.
3.2 Argumentos favoráveis à manutenção do recurso de embargos infringentes no sistema recursal pátrio
Para parte da doutrina, os embargos infringentes possuíam uma importante função, no contexto do processo civil brasileiro, ao prestigiar a segurança jurídica.
Desse modo, para aqueles que defendiam a manutenção do referido recurso no direito positivo pátrio, seria importante possibilitar a revisão da matéria decidida quando, no âmbito do próprio tribunal se encontra presente divergência. Argumentam ainda, que o reexame da causa permitiria a correção de eventual decisão equivocada, já que o órgão responsável pelo julgamento dos infringentes é composto por um número maior de magistrados, o que torna sua decisão, em tese, mais segura. Ademais, a presença de um voto vencido teria o condão de legitimar o referido recurso, pois a decisão não unânime recorrida não seria apta a atingir os objetivos de certeza e segurança jurídica almejados pelo direito (GENERALI, 2007, p. 4).
3.3 Duração razoável do processo
Conforme o disposto no art. 5º, LXXVIII, da Constituição Federal: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.
Da mesma forma, a Convenção Americana de Direitos Humanos, Pacto de São José da Costa Rica, dispõe sobre a duração razoável do processo no seu art. 8, 1, o qual estabelece que:
Toda pessoa tem direito a ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável, por um juiz ou tribunal competente, independente e imparcial, estabelecido anteriormente por lei, na apuração de qualquer acusação penal formulada contra ela, ou para que se determinem seus direitos ou obrigações de natureza civil, trabalhista, fiscal ou de qualquer outra natureza.
Logo, resta demonstrado que o ideal da busca pela celeridade na prestação jurisdicional é perseguido no plano internacional, além de se encontrar insculpido no rol dos direitos fundamentais protegidos pela Carta Magna com status de cláusula pétrea. Tal constatação evidencia a importância dada pelo Poder Constituinte à prestação jurisdicional célere.
Seguindo esta tendência, o art. 4º, do novo CPC prevê que: “As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa”. Reforçando a atenção que o legislador dedicou a tal tema, o art. 6º, do mesmo diploma normativo, afirma que “Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva”. O CPC de 2015 procura, portanto, estabelecer uma convivência harmônica entre o princípio da primazia da resolução do mérito com a duração razoável do processo.
É cediço que a morosidade na prestação jurisdicional pode causar graves prejuízos à sociedade como um todo. Por um lado, as partes individualmente consideradas não recebem, durante período considerável de tempo, aquilo que postulam ou sofrem com a extensão demasiada do estado de insegurança causado pela lide que não foi solucionada. Por outro lado, o Estado, em especial o Poder Judiciário, é enfraquecido politicamente e pode perder a confiança dos seus cidadãos (NEVES, 2014, p. 97).
A respeito dos problemas ocasionados à sociedade, em virtude da lentidão na prestação jurisdicional, Antonio do Passo Cabral (2013, p. 75) explica que:
Em verdade, a demora na solução do litígio impõe a todos os litigantes um prejuízo: autor e réu perdem simultaneamente em razão do prolongamento injustificado da lide. Trata-se de um dano que não decorre da derrota em relação à pretensão deduzida, mas um “dano marginal”, na feliz expressão que foi popularizada na doutrina italiana por Enrico Finzi. O dano marginal é aquele que sofrem os litigantes em razão de deficiências na tramitação dos processos, e esta demora afeta a ambos, autor e réu, vencedor e vencido.
(...)
De fato, ao dormitar pelo Judiciário, a falta de solução torna-se uma “pendencia” de vida, gerando incerteza sobre como aquela relação jurídica controversa será desenhada e definida judicialmente, quais os contornos da responsabilidade das partes a respeito, a repercussão patrimonial ou pessoal que uma solução futura terá, dentre outras considerações que podem influenciar decisões de vida sobre mudança de domicílio, fazer uma viagem, comprar um imóvel, pagar uma dívida, etc. Como dizia Carnelutti, se a lide é uma doença social, tem que ser curada rapidamente. “Quanto menos dura a doença, mais vantajoso é para a sociedade”.
No entanto, a doutrina processualista pátria alerta para os perigos que decorrem de uma preocupação exacerbada com a “rapidez” do processo, em detrimento da solução completa e adequada do caso submetido à apreciação do órgão jurisdicional. A simples demora na solução de um conflito não seria capaz de, por si só, configurar mácula ao princípio da celeridade processual. Trata-se, na realidade, de uma consequência do direito fundamental ao devido processo, o qual pressupõe uma série de atos obrigatórios, os quais deverão ser cumpridos para garantir o respeito ao mencionado direito fundamental. Logo, institutos do direito probatório, a obediência ao contraditório, os recursos, dentre outros atos processuais, podem mitigar a duração razoável do processo, mas se tratam de garantias que não podem ser desconsideradas pelo legislador e pelos operadores do direito (DIDIER; CUNHA, 2011, p. 65)
Não destoa desse entendimento o magistério de Humberto Theodoro Jr. (2015, versão ebook posição 3225), que trata do tema, à luz do NCPC, nos seguintes termos:
Percebe-se que, no Novo CPC, a questão da duração razoável há de ser lida a partir de um referencial mais amplo do que a mera aceleração ou desformalização dos procedimentos. Isso porque a duração razoável de um processo está ligada à celeridade, mas também à solução integral do mérito – e por solução integral o Novo CPC já esclarece que não se está falando apenas de decisão de mérito, mas na efetiva satisfação do direito, ou seja, aqui se fala da primazia do julgamento do mérito que induz o máximo aproveitamento da atividade processual mediante a adoção do aludido novo formalismo democrático ou formalismo conteudístico.
Isso porque já se percebeu que não adianta tão somente andar rápido nas atividades, uma vez que o trabalho malfeito induz retrabalho e tal situação é facilmente visível durante o processo quando se profere, por exemplo, uma decisão de modo superficial ou com formalismo exacerbado que induz o uso de recursos, reforma e refazimento do mesmo pronunciamento judicial.
O debate bem realizado induz melhor aproveitamento e menor tempo quando se enxerga o processamento de modo panorâmico, mesmo que, momentaneamente, o gasto cronológico seja superior. Quando se parte dessa premissa, a redução de tempo que uma atividade processual bem realizada provoca é evidente.
No entanto, a concretização do referido princípio processual na praxe forense não depende única e exclusivamente do correto funcionamento dos órgãos do Poder Judiciário. Também é imprescindível que as partes no processo se portem de acordo com os ditames da boa-fé, nos termos do art. 5º do novo CPC. A atuação dos litigantes no sentido de ocasionar dilações desnecessárias ao processo, por meio de incidentes manifestamente infundados, requerimento de provas que não possuem qualquer relevância para o deslinde da controvérsia ou através da interposição incessante de recursos com intuito manifestamente protelatório devem ser duramente coibidas pelo magistrado. Caso assim se mantenha omisso, deixando de punir de maneira severa as partes processais que se utilizam de expedientes de má-fé, violação a Constituição Federal e a legislação ordinária, o juiz estará se mostrando conivente com a correspondente morosidade processual (NEVES, 2014, p. 97).
Sensibilizado com tal realidade, o legislador procurou coibir a atuação dolosa das partes que procuram procrastinar a marcha processual. Ilustrativo dessa preocupação é a redação dos incisos II e III do art. 77, verbis:
Além de outros previstos neste Código, são deveres das partes, de seus procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participem do processo:
II - não formular pretensão ou de apresentar defesa quando cientes de que são destituídas de fundamento;
III - não produzir provas e não praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou à defesa do direito;
Além disso, o art. 80, também do novo CPC, afirma que será considerado litigante de má-fé aquele que: opuser resistência injustificada ao andamento do processo (inciso IV); provocar incidente manifestamente infundado (inciso VI); interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório (inciso VII).
Outrossim, além de combater tais condutas, o NCPC mostra uma preocupação em trazer disposições, as quais almejam tornar o processo mais célere e eficiente. São exemplos dessa orientação: a previsão de que os juízes e tribunais atenderão, de maneira preferencial, à ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão (art. 12); o prestígio aos precedentes por meio de institutos como o incidente de resolução de demandas repetitivas (art. 976); a disciplina relativa aos atos processuais praticados por meios eletrônicos (art. 193 e subsequentes); a importância dada aos meios alternativos de resolução de litígios (art. 3, §3º).
3.4 Segurança jurídica
A Constituição Federal prevê, em seu art. 5º, XXXVI, que: “ a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Encontra-se umbilicalmente conectado ao direito adquirido o princípio da segurança jurídica. O art. 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro possui disposição semelhante, estabelecendo que:
A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada
§ 1º Reputa-se ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou
§ 2º Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por êle, possa exercer, como aquêles cujo comêço do exercício tenha têrmo pré-fixo, ou condição pré-estabelecida inalterável, a arbítrio de outrem
De acordo com a doutrina do direito constitucional, o princípio da segurança jurídica diz respeito a um corolário da noção de direito adquirido. Desse modo, a ideia de segurança jurídica tem relação com a necessidade da presença de cláusulas de transição, nos casos em que determinado instituto ou estatuto jurídico é objeto de alguma alteração radical em sua sistemática. Em regra, tal situação se manifesta quando a modificação substancial de determinados modelos jurídicos ou a adoção de novos sistemas é capaz de provocar dúvidas significativas no contexto da segurança jurídica (MENDES; COELHO; BRANCO, 2010, p. 583)
No entanto, a segurança jurídica não é, em regra, abordada de maneira completa pela doutrina processualista. Na maior parte das vezes, o princípio da segurança jurídica é abordado, pelos estudiosos do processo civil, apenas como um meio de resolver eventuais conflitos no campo do direito processual intertemporal (FUX, 2016).
Destarte, não há qualquer menção expressa ao referido princípio, seja na Código de Processo Civil de 2015, seja no texto da Lei Fundamental. Isso não significa que o ordenamento jurídico pátrio não o abarcou, mas que o trouxe na forma de um princípio constitucional implícito. Trata-se de instituto que se mostra inerente à noção de Estado Democrático de Direito, pois é imprescindível para a manutenção da ordem pública que os cidadãos possuam confiança na estabilidade da ordem jurídica de uma nação, além de se mostrarem seguros de que as relações jurídicas individualmente consideradas serão efetivamente respeitadas pela Administração Pública e pelos demais membros da sociedade (PENARIOL, 2012).
Ademais, ainda que adotado de forma implícita pelo direito positivo brasileiro, o princípio da segurança jurídica ostenta natureza de sobreprincípio, haja vista sua função norteadora no ordenamento jurídico, a qual é efetivada por vários outros princípios que decorrem da noção de segurança jurídica. Dessa forma, o referido sobreprincípio pode ser analisado, indiretamente, pelo estudo de princípios pertinentes à relação jurídica processual como o do devido processo legal, do juiz natural, do duplo grau de jurisdição e o da decisão colegiada dos tribunais (PENARIOL, 2012).
O novo CPC, embora não tenha feito alusão expressa ao princípio da segurança jurídica, o prestigiou ao disciplinar a aplicação dos precedentes judiciais. Não destoa de tal afirmação, o teor do art. 926, primeiro dispositivo legal Livro III do mencionado diploma normativo, referente aos processos nos tribunais e aos meios de impugnação das decisões judiciais, o qual prevê que: “Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente”. Além disso, o NCPC é um conjunto de leis processuais que devem ser interpretadas de acordo os direitos e garantias fundamentais contidos na Constituição Federal, sejam estes manifestados de maneira implícita ou explicita (FUX, 2016).
Ao analisar a adoção, por parte do art. 926 novo CPC, de uma disciplina inspirada no sistema de common law, a qual opta por conceder maior força ao precedente judicial e evitar a insegurança na jurisprudência dos tribunais pátrios, Bruno Dantas (2013, p. 135) afirma que:
Entre as principais funções dos recursos se encontra a uniformizadora que se dirige à conformação de uma unidade jurídica e à garantia do respeito aos princípios da igualdade perante a lei e da igualdade. Em outras palavras, busca-se que haja uniformidade na aplicação e interpretação das regras e princípios jurídicos em todo o território submetido à sua vigência.
Como, modernamente, o juiz assume o papel de realizar a ordem jurídica, mediante a investigação da solução mais justa e adequada para cada caso, dando concretude a regras e princípios que compõem o ordenamento jurídico, dessa criatividade judicial é natural que decorram interpretações conflitantes. O que não é natural, todavia, é que essas decisões conflitantes se cristalizem, ensejando a quebra do princípio da igualdade perante a lei.
(...)
Por óbvio, a aplicação do princípio da igualdade perante a lei ao processo de realização do direito no caso concreto importa ter como verdadeiro que a mesma regra jurídica, incidente sobre suportes fáticos suficientemente idênticos, no mesmo momento histórico, deve ensejar a produção dos mesmo efeitos jurídicos. Da mesma forma, suportes fáticos idênticos, levados ao Judiciário no mesmo momento histórico, devem ensejar a aplicação da mesma norma jurídica e, consequentemente, produzir os mesmo efeitos jurídicos.
3.5 Breve histórico da discussão travada no Congresso Nacional acerca da manutenção dos embargos infringentes
Os embargos infringentes haviam sido extintos do ordenamento processual pelo anteprojeto original, da Comissão de Juristas, apresentado ao Senado Federal. Com efeito, na exposição de motivos do mencionado anteprojeto, a justificativa dada para a supressão do recurso de embargos infringentes, é a seguinte:
Uma das grandes alterações havidas no sistema recursal foi a supressão dos embargos infringentes. Há muito, doutrina da melhor qualidade vem propugnando pela necessidade de que sejam extintos. Em contrapartida a essa extinção, o relator terá o dever de declarar o voto vencido, sendo este considerado como parte integrante do acórdão, inclusive para fins de prequestionamento.
Dessa forma, o art. 861, do anteprojeto do novo Código de Processo Civil tratava da votação nos processos julgados por órgãos colegiados, afirmando que:
Proferidos os votos, o presidente anunciará o resultado do julgamento, designando para redigir o acórdão o relator ou, se vencido este, o autor do primeiro voto vencedor
§ 1º Os votos poderão ser alterados até o momento da proclamação do resultado pelo presidente.
§ 2º No julgamento de apelação ou de agravo de instrumento, a decisão será tomada, no órgão fracionário, pelo voto de três juízes.
§ 3º O voto vencido será necessariamente declarado e considerado parte integrante do acórdão para todos os fins legais, inclusive de prequestionamento.
Posteriormente, o anteprojeto do NCPC se tornou o Projeto de Lei do Senado nº 166/2010. No Senado Federal, a extinção dos embargos infringentes foi mantida. Logo, o referido recurso não estava presente no rol de recursos previstos no art. 991 do texto final do mencionado projeto de lei (STRECK; HERZL, 2015).
No entanto, quando o projeto do novo CPC passou a tramitar na Câmara dos Deputados, a discussão a respeito da manutenção dos embargos infringentes no sistema recursal brasileiro tomou força.
Destarte, o parecer do deputado federal Paulo Teixeira (p. 60) a respeito dos projetos de Lei 6025/2005 e 8046/2010 defende a aplicação de uma solução conciliadora entre a extinção definitiva dos embargos infringentes e a sua permanência no ordenamento processual, afirmando que:
Houve muitos pedidos de retorno dos embargos infringentes ao projeto. Tal recurso havia sido retirado na versão oriunda do Senado Federal.
Os argumentos favoráveis a esse recurso são fortes: prestigia-se a justiça da decisão, com a possibilidade de reversão do julgamento, em razão da divergência.
Sucede que sua previsão traz também alguns problemas.
Há intermináveis discussões sobre seu cabimento, o que repercute no cabimento do recurso especial e do recurso extraordinário, que pressupõem o exaurimento das instâncias ordinárias. Há inúmeras decisões do STJ que se restringem a decidir se os embargos são ou não cabíveis.
Assim, neste relatório se propõe o acolhimento de sugestão que, de um lado, garante à parte o direito de fazer prevalecer o voto vencido, com a ampliação do quórum de votação, e, de outro, acelera o processo, eliminando-se um recurso e discussões quanto ao seu cabimento.
Cria-se, pois, uma técnica de julgamento muito simples: sempre que, no julgamento de apelação ou ação rescisória, houver voto divergente,
o julgamento não se conclui, prosseguindo-se na sessão seguinte, com a convocação de um número de desembargadores que permita novo julgamento e, se o julgamento assim concluir, a reversão da decisão.
Com isso, simplifica-se o procedimento: não há necessidade de se recorrer, não há prazo para contrarrazões nem discussões sobre o cabimento do recurso de embargos infringentes. Havendo divergência, simplesmente o processo prossegue, com a ampliação do quórum e a continuidade do julgamento.
Alcança-se o mesmo propósito que se busca com os embargos infringentes, de uma maneira mais barata e célere, além de ampliada, pois a técnica tem aplicação em qualquer julgamento de apelação (e não em apenas alguns) e também no caso de agravo, sobre o qual silenciava o CPC/73 em tema de embargos infringentes.
Proferidos os votos, o presidente anunciará o resultado do julgamento, designando para redigir o acórdão o relator ou, se vencido este, o autor do primeiro voto vencedor
Portanto, surgiu na Câmara dos Deputados a ideia de introduzir a técnica de julgamento da ampliação subjetiva do colegiado. Tal instituto foi acolhido nesta casa legislativa, na forma como havia sido apresentado na proposta que foi adotada pelo parecer definitivo anteriormente citado (NÓBREGA; BECKER, 2015).
Para ilustrar o dissenso que teve origem na Câmara, faz-se mister citar o seguinte resumo feito por Marcelo Navarro Ribeiro Dantas (2013, p. 729) das diferentes opiniões defendidas por diversos juristas a respeito da importância de se manter os embargos infringentes no sistema recursal ou favoráveis à sua extinção:
Ditas vozes discordantes se elevaram quando chegou o assunto à Câmara, porque – como se pode extrair do parecer do seu Relator-Geral, Deputado Sérgio Barradas Carneiro – ali não houve acordo nesse assunto, quando se relembram as opiniões dos que se manifestaram expressamente a respeito.
Vejam-se os seguintes exemplos, todos do citado parecer, contra a supressão dos embargos infringentes: Nelson Juliano Schaefer Martins, pois reputa tratar-se de recurso que propicia um julgamento mais justo (fls. 101); Ronnie Preuss Duarte, por achar que esse recurso não seria causa de morosidade processual (fls. 102); Luiz Carlos, por entender que a ótica da reforma deve ser a da sociedade, e não apenas a dos operadores do Direito (fls. 102); d) Frederico Neves,porque enxerga neles meio de fomentar a segurança jurídica sem, de forma alguma, comprometer a celeridade processual (fls. 116); e) Marcelo Milagres (o texto não revela o porquê, fls. 121).
Da mesma forma, mas a favor da eliminação deles: a) Flávio Maia Fernandes dos Santos, por considerar que os infringentes, na prática, representam um empecilho para a celeridade processual (fls. 102); b) Luiz Fux, porque só existem no Brasil e os entende ineficientes (fls. 124); c) Alexandre Câmara (o texto não explica seus fundamentos, fls. 124).
No entanto, quando o projeto do novo CPC retornou à apreciação do Senado Federal, a referida técnica de julgamento, conhecida também pela alcunha de “embargos infringentes automáticos” foi alvo de intensa polêmica e ampla discussão.
A princípio, a técnica de ampliação subjetiva do colegiado em hipótese de divergência havia sido retirada pelo relatório apresentado pelo Senador Vital do Rêgo, o qual foi aprovado em 27 de novembro de 2014 (NÓBREGA; BECKER, 2015). A justificativa apresentada para a supressão do referido instituto foi a seguinte:
Apesar de louvável preocupação do dispositivo com o grau de justiça do julgamento colegiado em sede de apelação, ele incorre em um excesso que merece ser podado. É que a parte derrotada nessa instância poderá, ainda, reivindicar reanálise do pleito na via dos recursos excepcionais, respeitadas as limitações objetivas das instâncias extraordinárias.
E mais. Problemas de alocação de desembargadores em órgãos fracionários dos tribunais surgiriam, dada a necessidade de convocação de novos julgadores para complementação de votos. Na prática, “poderia haver estímulo à alteração dos tribunais, a fim de que os órgãos fracionários passassem a contar com pelo menos cinco julgadores, o que, sem ampliação do número total de membros da Corte, implicaria redução no número de órgãos fracionários e, por extensão, da capacidade de julgamento do Tribunal.
Porém, na votação definitiva do projeto do novo CPC, prevaleceu a opção de reinserir no ordenamento processual o instituto da ampliação subjetiva do colegiado em caso de decisão não unânime, o qual ficou consolidado no art. 942, do CPC de 2015 (NÓBREGA; BECKER, 2015).
Conforme observam Lenio Luiz Streck e Ricardo Augusto Herzl (2015), a referida técnica de julgamento reapareceu de maneira súbita, durante as discussões travadas no Senado Federal. Para demonstrar tal situação, os eminentes juristas citam e comentam a argumentação invocada pelos parlamentares no plenário da mencionada casa legislativa, nos seguintes termos:
Acompanhamos de perto a discussão acerca do tema travada no Plenário do Senado Federal. Mais que isso: gostaríamos de compartilhar das notas taquigráficas com todos os leitores (clique aqui e leia as páginas 524 e 525 do Diário do Senado Federal publicado dia 18.12.2014) onde, em detalhes, é possível verificar a maneira como o artigo 955 ressurge das cinzas — e já nos desculpamos de antemão pela longa citação —, in verbis:
Vital do Rêgo — Sr. Presidente, em relação ao art. 955 do CDC, que prevê uma sistemática do julgamento fracionado das apelações, quando o resultado não for unânime, confesso aos senhores e tenho dividido isso com o Autor, Senador Aloysio Nunes Ferreira, que vivo um drama muito grande de entendimento. De um lado, o espírito do projeto recomenda-me pela rejeição. De outro lado, algumas exceções têm me tomado preocupações. Quero ir ao encontro do pensamento do Ministro Fux, dos juristas que nos acompanharam, tanto da Câmara quanto do Senado, e indicar à rejeição, mesmo, Sr. Presidente, com profundas dúvidas intelectuais.
[...]
Aloysio Nunes Ferreira — Sr. Presidente, eu vejo que a minha tese será derrotada no plenário, e respeito a opinião do Relator. Apenas queria dizer que, quando propus o restabelecimento do texto da Câmara nesta matéria, eu não estava pensando em criar mais um recurso, mas simplesmente alterar a sistemática do julgamento da apelação, quando houvesse um placar apertado, digamos assim – dois a um, em uma turma em que participam três julgadores –, e que houvesse uma controvérsia sobre matéria de fato. Uma vez concluído o julgamento em segunda instância, não haveria a possibilidade de rediscussão de questões de fato em recurso ao STJ, por exemplo, ao Tribunal Superior. Então, com receio de que isso pudesse prejudicar, digamos assim, a segurança do julgamento é que eu previa o restabelecimento do texto da Câmara, chamando dois novos julgadores para se buscar um quórum maior. Mas eu compreendo que há questões de ordem prática que foram arguidas com muita procedência pelo Relator, nas conversas que tivemos anteriormente. De modo que, vendo aqui que se forma uma maioria muito sólida em favor da tese esposada pelo Relator, eu me curvo à maioria.
[...]
Cássio Cunha Lima — Eu vou pedir vênia ao Relator, mesmo que vencido, mas acompanho a posição do Senador Aloysio (...). Aqui não há, com a máxima vênia ao Relator, ao Ministro Fux, qualquer confronto ao espírito de celeridade das decisões do Poder Judiciário. (...) E o que se pede não é um recurso novo, é a convocação de dois outros desembargadores, para que, num placar de 2 a 1... E nós conhecemos o funcionamento da Justiça brasileira, em que temos a representação do Ministério Público, temos a representação do quinto constitucional e dos juízes de carreira. Eu ainda insisto com o Relator para que possamos analisar a possibilidade da aprovação do destaque (...). [grifo nosso]
Vital do Rêgo — Eu reconheço lucidez e procedência nas manifestações do Senador Cássio. (...)
[...]
Aloysio Nunes Ferreira — Senador Vital, a aprovação desse texto da Câmara significará um acréscimo ao substitutivo daquela Casa. Portanto, ele poderá, eventualmente, se aprovado aqui, ser vetado. O Congresso, depois, dará a última palavra, ao examinar o veto. Estou certo? [...] Então, veja, se há dúvidas no espírito de V. Exa, sobretudo depois da intervenção do Senador Cássio, por que não aprovar? Se nós fecharmos a porta agora, está feito. Se nós deixarmos essa porta aberta, existirá a possibilidade de, no exame de um eventual veto, o Congresso dar a última palavra nessa matéria – é o tempo que nós teremos, então, para aprofundar o nosso... [grifo nosso]
[...]
Vital do Rêgo — Sr. Presidente, eu mudo o meu direcionamento (...). E vamos esperar que a Casa Civil e os órgãos de assessoramento do Governo Federal possam, com os juristas do País, aprofundar essa questão.
Renan Calheiros — Eu quero cumprimentar a todos. (...). Em votação. As Senadoras e os Senadores que aprovam permaneçam como se encontram. (Pausa.) Aprovado.
Os eminentes doutrinadores prosseguem suas críticas ao modo como a mencionada discussão foi travada no Senado Federal. Destacam que a declaração dada pelo Senador Cássio Cunha Lima, quando afirma que “(...) nós conhecemos o funcionamento da justiça brasileira” implicaria na adoção de uma nova técnica de julgamento em virtude de uma presunção de incompetência do Poder Judiciário. Além disso, apontam ainda que os senadores aparentemente aprovaram o referido instituto, apesar das inúmeras dúvidas por ele suscitadas, transferindo a responsabilidade legislativa para o momento de um eventual veto por parte do Poder Executivo, agindo, portanto, de forma contrária à democracia (STRECK; HERZL, 2015).
Por fim, o novo CPC adotou a contestada técnica de julgamento, a qual foi disciplinada pelo seu art. 942. A exposição de motivos do NCPC (p. 13) traz a seguinte justificativa para a extinção do recurso de embargos infringentes e adoção da ampliação subjetiva do colegiado em hipótese de julgamento não unanime:
Uma das grandes alterações havidas no sistema recursal foi a supressão dos embargos infringentes. Há muito, doutrina da melhor qualidade vem propugnando pela necessidade de que sejam extintos. Em contrapartida a essa extinção, o relator terá o dever de declarar o voto vencido, sendo este considerado como parte integrante do acórdão, inclusive para fins de pre-questionamento.
3.6 Síntese dos argumentos favoráveis e contrários à substituição do recurso de embargos infringentes pela nova técnica de julgamento da ampliação subjetiva do colegiado
Conforme já foi anteriormente apontado, as críticas feitas por parte considerável da doutrina à presença dos embargos infringentes no ordenamento processual brasileiro são antigas e sempre se mostraram presentes sob a égide do CPC/1973.
No entanto, o advento da técnica de julgamento do art. 942, do novo CPC fez com que a referida polêmica retornasse com força total, pois este instituto, embora não se confunda com o antigo recurso de embargos infringentes, surgiu como forma de conciliar as razões para a extinção definitiva dos embargos infringentes e os argumentos utilizados em favor da permanência do mesmo.
Aqueles que defenderam a supressão dos embargos infringentes alegavam que o mencionado recurso ofendia o direito fundamental à razoável duração do processo, pois as discussões travadas na sua apreciação, mormente aquelas relativas ao cabimento recursal, colaboravam para o agravamento do problema da morosidade processual (DANTAS; 2013, p. 730).
Argumentavam ainda que os embargos infringentes teriam se mostrado ineficientes no cumprimento da sua função de aperfeiçoar o julgamento proferido de maneira não unânime, já que ele era, em regra, seguido da interposição de recurso extraordinário ou especial, os quais tornavam inútil qualquer alteração eventual realizada pelos tribunais inferiores, em sede de infringentes (DANTAS; 2013, p. 730).
Outrossim, aduziam que a previsão do art. 941, §3º, do NCPC - no sentido de garantir que o voto vencido será necessariamente declarado e considerado parte integrante da votação, inclusive para fins de prequestionamento – estaria apta a propiciar à parte interessada amplas possibilidades de obter a reforma do julgado perante o manejo de recursos extraordinário ou especial perante os tribunais superiores (DANTAS, 2013, p. 730).
Por outro lado, os defensores da manutenção dos embargos infringentes no sistema recursal pátrio afirmavam que tal recurso não pode ser considerado responsável pela morosidade processual. Além disso, as estatísticas reforçariam o argumento anterior, já que a quantidade de embargos infringentes em comparação com os demais recursos não é tão grande, e, portanto, não seria determinante no problema da quantidade de processos que atrapalham o funcionamento efetivo e célere do Poder Judiciário. Por fim, entendem que os dados estatísticos também apontam a importância do referido meio de impugnação das decisões colegiadas proferidas por maioria de votos, em virtude do alto percentual de provimentos dos embargos infringentes (DANTAS, 2013, p. 730).
3.7 Problemas decorrentes da aplicação do art. 942, do NCPC
O art. 942, do NCPC, ao introduzir no ordenamento jurídico pátrio a figura da ampliação subjetiva do colegiado em hipótese de divergência, criou uma técnica de julgamento que chega a ser mais abrangente que o extinto recurso de embargos infringentes, por ser aplicável a diversas situações que não estavam presentes nas hipóteses de cabimento do referido recurso, previstas no art. 530, do CPC/1973.
Com efeito, os embargos infringentes poderiam ser interpostos contra decisão colegiada não unânime que determinasse a reforma, em apelação, de uma sentença de mérito ou julgasse procedente, por maioria de votos, a Ação Rescisória, na forma do art. 530, do Código Buzaid. Nota-se, portanto, que a legislação processual revogada restringia o cabimento do mencionado recurso aos casos em que o tribunal julgava o mérito e realizava a reforma da sentença proferida pelo juízo a quo ou, em sede de ação rescisória, julgava o pedido procedente. A disciplina do art. 942, do NCPC, por outro lado, será aplicada em caso de julgamento de julgamento não unânime de apelação, independente da configuração de reforma da sentença ou da análise do mérito da demanda por parte do Tribunal. Além disso, o art. 942, §3º, do NCPC determina incidência da regra de ampliação subjetiva do colegiado em hipótese de divergência também nos julgamentos proferidos em ação rescisória – desde que o resultado seja a rescisão da sentença – e em sede de agravo de instrumento – quando houver reforma da decisão que julgar parcialmente o mérito.
Além disso, importante destacar que, devido ao fato de o instituto disciplinado pelo art. 942, do CPC/2015 não se confundir com recurso, as restrições inerentes a tal espécie de meio de impugnação de decisões judiciais não lhe serão aplicáveis. Desse modo, o julgamento proferido por maioria de votos não será encerrado enquanto o procedimento de ampliação subjetiva do colegiado, tal como previsto na legislação seja observado. Logo, a continuação do debate pelos tribunais deverá ocorrer independentemente da vontade das partes, da realização do preparo, observância da tempestividade, comprovação de seu interesse recursal, dentre outros requisitos que são inerentes à sistemática recursal.
Outrossim, um dos motivos para defender que o recurso de embargos infringentes não deveria ser definitivamente eliminado da legislação processual era a possibilidade de ocorrência de um eventual empate na adição de todas as decisões de mérito proferidas até aquele momento no processo (o voto da sentença somado com o voto vencido do acordão, contra os votos vencedores do acordão que determinaram a reforma sentença). A sistemática inaugurada pelo art. 942, do NCPC, se mostra mais uma vez excessivamente abrangente, quando comparada com o recurso extinto, já que o procedimento em questão deverá ser observado ainda que se verifique um resultado de três a um na soma de todas as decisões do processo (o voto representado pela sentença mais dois votos vencedores no acordão, em contraponto a apenas um voto divergente no acórdão). Tal opção legislativa representa um verdadeiro retrocesso, pois remonta à redação original do art. 530 do CPC/1973, o qual regulava os embargos infringentes, antes das alterações promovidas pela Lei 10352/01 (STRECK; HERZL, 2015).
Com muita propriedade, Lenio Luiz Streck e Ricardo Augusto Herzl (2015) atentam para o fato de que o Legislador terminou por criar uma espécie de “embargos infringentes com remessa necessária”. Destarte, o acordão proferido por maioria de votos, assim como as sentenças submetidas ao reexame necessário (art. 496, do novo CPC), não produzirá efeitos enquanto o julgamento não estiver efetivamente concluído, o que somente ocorrerá quando este for submetido a uma reapreciação por um órgão colegiado formado por uma quantidade superior de julgadores. Além disso, a técnica de julgamento do art. 942 possui outra semelhança com a remessa necessária, qual seja: a não observância do seu procedimento impede o trânsito em julgado da decisão não unânime. Logo, a parte interessada fica impedida de praticar certos atos processuais, como a execução definitiva ou a interposição de embargos de declaração (STRECK; HERZL, 2015).
Ademais, a doutrina mais autorizada defende que a mera constatação de que a decisão colegiada teve um voto vencido não deveria ser suficiente para culminar na reapreciação do julgamento, pois a ausência de unanimidade não tem o condão de configurar uma decisão injusta. Se a decisão proferida por maioria de votos é acompanhada de uma fundamentação coerente e obedece ao conjunto de normas do ordenamento jurídico, mormente aos mandamentos e princípios presentes no texto da Constituição Federal, a simples ausência de unanimidade não deveria ser utilizada como critério para submeter o feito a um novo julgamento (STRECK; HERZL, 2015).
A técnica de julgamento do art. 942, do NCPC, foi confeccionada como uma espécie de procedimento mais simples do que o julgamento de embargos infringentes, para solucionar uma eventual divergência demonstrada no acórdão colegiado (DANTAS, 2013, p. 731). Entretanto, a aplicação prática de tal instituto deve se mostrar ainda mais complexa do que o antigo recurso, haja vista o potencial entrave que pode ser causado no funcionamento dos tribunais pátrios, tornando inviável a obediência, no plano fático, do princípio constitucional da duração razoável do processo.
A respeito da dificuldade na aplicação prática da ampliação subjetiva do colegiado em caso de divergência, Marcelo Navarro Ribeiro Dantas (2013, p. 731) assinala que:
Data máxima vênia, não se trata, de modo algum, de técnica simples.
E isso porque a experiência de julgamentos em tribunais de segundo grau, especificamente, Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça, sedes por excelência desse tipo de julgado, faz, desde logo, surgir a pergunta: de onde virão esses novos julgadores (pelo menos dois, diante de um voto divergente) para a composição do colegiado ampliado, que concluirá o julgamento?
Veja-se que dos trinta e dois tribunais de segundo grau da Justiça Comum (cinco da Justiça Federal, mais vinte e sete das Justiças Estaduais, incluída entre estas a do Distrito Federal), nas apelações e agravos, a imensa maioria das cortes brasileiras estabelece o julgamento por turmas ou câmaras constituídas:
1.por apenas três Desembargadores – portanto totalmente incapazes de dar cumprimento à técnica de julgamento preconizada para o caso de decisão por maioria – nos seguintes tribunais:
(...)
b) por quatro Desembargadores – ainda assim, insuficientes para obedecer à técnica adotada no caso de formação de maioria – nos tribunais a seguir:
(...)
c) por cinco Desembargadores:
(...)
d) por sete Desembargadores, unicamente, no Tribunal de Justiça do Estado do Amapá, ex vi do art. 3º, §§ 1º e 3º, combinado com o 19, II, a e b, do RITJAP.
Ou seja, dos trinta e dois tribunais, vinte e três (os quinze cujas camaras ou turmas são de três Desembargadores, mais os 8 cujas câmaras ou turmas são de quatro) terão imensa dificuldade em funcionar com a nova técnica de julgamento – supostamente simples – que substitui os embargos infringentes.
Porque os julgadores a mais virão de outras turmas ou câmaras! O princípio do juiz (rectius, juízo) natural, portanto, fica claramente maculado. O feito será julgado por uma composição turmária antinatural.
Outro problema também poderá surgir se o voto condutor, no julgamento realizado pelo órgão colegiado mais numeroso, for proveniente de um desembargador que compõe uma turma ou câmara diversa. Nessa hipótese, o relator para o acórdão seria um julgador o qual não faz parte do juízo natural do processo. Tal fato culmina em mais uma ofensa ao princípio do juiz natural (DANTAS, 2013, p. 734).
Da mesma forma, outra peculiaridade do instituto em análise pode dificultar bastante a sua aplicação, tornando problemático o funcionamento dos Tribunais de Justiça e dos Tribunais Regionais Federais. A necessidade da convocação de outros juízes para promover a ampliação subjetiva do órgão colegiado pode se mostrar improdutiva e ineficiente quando estes magistrados estiverem, simultaneamente, reunidos em outra sessão, ou se encontrarem praticando diversas atividades, judiciais ou administrativas, inerentes à sua função, tais como: o atendimento de partes e advogados, a elaboração de votos ou decisões monocráticas, dentre outras (DANTAS, 2013, p. 734). As repercussões negativas decorrentes de tais dificuldades podem se mostrar prejudiciais tanto aos membros dos tribunais pátrios quanto às partes e procuradores.
Mesmo que se tente solucionar os problemas citados aumentando o número de julgadores em cada um dos órgãos fracionários, tal medida se mostrará inócua, em virtude da exigência legal de submeter o julgamento a uma reapreciação por um órgão colegiado composto por número superior de magistrados. Nessa linha, Marcelo Navarro Ribeiro Dantas (2013, p. 734) assinala que:
Dirá algum desavisado: então, basta aumentar todas as turmas ou câmaras para cinco membros.
Ora. Isso não resolverá nada. Antes, criará novos problemas, porque aumentando o número de integrantes de cada órgão divisionário mínimo (turma ou câmara), evidentemente diminuirá o número deles, e, por conseguinte, a capacidade de julgamento do Tribunal, o que implicará desaceleração da Justiça, maior tempo para os julgamentos e menor eficácia da jurisdição!
Além de todas as dificuldades já analisadas, Rodrigo Frantz Becker e Guilherme Pupe da Nóbrega (2016) apontam mais uma problemática que poderá surgir, como decorrência da trabalhosa aplicação prática da técnica de julgamento introduzida pelo art. 942, do novo CPC, qual seja: o fim da divergência nos julgamentos colegiados. Em virtude de todos os problemas relativos à estrutura, composição e funcionamento dos Tribunais, é possível imaginar que – nos julgamentos de apelação, ação rescisória ou agravo de instrumento – as turmas e câmaras simplesmente passem a proferir julgamentos sempre de maneira unânime, ainda que seus membros possuam entendimentos diferentes. Tal expediente seria adotado simplesmente como uma opção pragmática dos desembargadores que podem temer todas as repercussões decorrentes da ampliação subjetiva do colegiado em caso de divergência e a eventual postergação do julgamento definitivo.
Portanto, a inovação feita pelo novo CPC se mostra pior do que a mera manutenção do recurso dos embargos infringentes no ordenamento jurídico processual pátrio. A técnica de julgamento do art. 942, do referido diploma normativo resulta em um entrave à duração razoável do processo, muito mais danoso do que o extinto recurso. Ainda que assim não fosse, todos os argumentos favoráveis à extinção do referido recurso podem ser usados para defender o erro do legislador ao prever o novo instituto, o qual não traz real valorização ao princípio da segurança jurídica, além de configurar um verdadeiro entrave na busca por uma solução judicial mais célere dos conflitos de interesse apresentados ao Poder Judiciário.