Introdução
Faremos um breve ensaio sobre o assunto “auxilio reclusão e trabalho do preso”, um tema cercado de grandes polemica e, infelizmente, causador de enorme desgosto popular. São institutos diferentes, mas com peculiaridades em comum. Trataremos dos pontos mais relevantes. Não objetivamos esgotar todo o assunto
1. Considerações iniciais
A tendência da sociedade é ter um comportamento punitivo. Achando que os delinquentes não são dignos de direitos. É nato e consagrado em nosso sistema jurídico, obviamente, que toda pessoa é capaz de direitos.
Vale lembrar que delinquentes não deixam de serem pessoas, membros da nossa sociedade, por estarem presas pagando por algum erro que cometeram.
O primeiro tema deste trabalho é cercado de muita polemica e crenças equivocadas por parte da maioria da população.
Acreditam que o “auxílio-reclusão” é custeado pela própria população e que são os próprios presos favorecidos com o beneficio. Cria-se uma ideia de “bolsa-crime”.
Já o ultimo tema “trabalho do preso”, não fica tanto nos holofotes. É atraente a ideia dos “presos” estarem se sustentando.
Veremos no correr deste trabalho que auxilio reclusão difere-se da ideia implantada na sociedade que seja um auxilio social e o trabalho do preso por mais que seja cruel a realidade dos presídios é um dever social de todos.
2. Auxílio-Reclusão e Trabalho do preso
Nossa constituição cidadã prevê como direito fundamental o salário-família pago em razão dos dependentes para o trabalhador de baixa renda nos termos da lei. Desta forma, o auxílio-reclusão é uma espécie de salário-família regulamentado pela Lei previdenciária nº 8.213, de 24 de julho de 1991 e pelo Decreto nº 3.048, de 06 de maio de 1999.
Tem-se, portanto, que o auxílio-reclusão é um benefício previdenciário devido aos dependentes do preso que está cumprindo pena em regime fechado ou semiaberto.
Esta lei o equipara às mesmas condições da pensão por morte:
Assim dispõe seu artigo 80
“o auxílio-reclusão será devido nas mesmas condições da pensão por morte, aos dependentes do segurado recolhido à prisão, que não receber remuneração da empresa nem estiver em gozo de auxílio-doença, de aposentadoria ou outro abono de permanência em serviço”.
Assim posto, quem recebe o auxílio não são os presos e sim seus dependentes. Para a família ser beneficiaria do auxilio o preso tem que ser contribuinte do INSS a época da prisão e não receber nenhum outro benefício como: aposentadoria; auxílio-doença e outros.
O auxílio-reclusão nada tem a ver com execução de penas, tanto é que não está disciplinada pela Lei de Execução penal e sim por normas previdenciárias.
Possui alguns requisitos que veremos a seguir.
2.1 Quem tem direito e quem se beneficia
Em cumprimento à Constituição de 1988, o salário-família em razão do dependente deve ser pago ao trabalhador considerado de baixa renda, ou seja, só os detentos que contribuía para a previdência social e que recebia um salario de até R$1.089 que terá direito ao auxilio-reclusão para seus dependentes.
Além destes requisitos o segurado deve estar cumprindo pena em regime fechado ou semiaberto. Se ele estiver cumprindo pena em regime aberto perde ou não recebe.
A Lei nº 8.213 traz outra condição para o direito ao beneficio. O segurado não pode estar recebendo remuneração da empresa para qual trabalha nem estar recebendo qualquer outro benefício previdenciário.
Desta forma, nem toda pessoa que está presa recebe o auxilio-reclusão. Na verdade uma pequena parte dos presos o recebe.
Importante ressaltar a questão do menor infrator. Como sabemos o menor não comete crime nem fica preso em prisão. Ele fica internado (por mais semelhante que possa parecer) em instituição de reeducação. Todavia, se o menor for segurado e tiver dependentes este também terá direito ao benefício.
Vale dizer que a renda mensal deste auxílio é correspondente ao valor do salario que o preso recebia. Ou seja, mesmo que haja vários dependentes o valor vai ser proporcional ao salario de até R$1.212,64.
Diante o exposto quem é beneficiado com o Auxilio-reclusão são os dependentes do preso.
Para família receber o auxilio deve levantar junto a penitenciaria documento que comprove que o segurado esteja cumprindo pena em regime fechado ou semiaberto. Não existe prazo de carência para concessão.
3. Trabalho do condenado
O trabalho é intrínseco da natureza humana. É alimento para alma e desenvolvimento humano. Um dos fundamentos da Republica Federativa Brasileira é garantir uma sociedade em que a pessoa viva com dignidade e garantindo os valores sociais que o trabalho propicia.
A seara do direito penal em obediência a carta maior segue seus passos. A Lei de Execução Penal em seu artigo 28 dispõe sobre que “o trabalho do condenado como dever social e condição de dignidade humana, terá finalidade educativa e produtiva”. O referente artigo demonstra que O escopo essencial do trabalho é educar o preso ou internado em relação ao labor, tendo também a intenção de transforma-lo em pessoa produtiva.
Neste mesmo sentido ensina Sidio Rosa de Mesquita Junior:
“O trabalho é um direito e uma obrigação do condenado, sendo que os preceitos constantes na LEP, bem como os insertos no Código Penal, têm vasto apoio doutrinário. Historicamente, a preocupação com o trabalho sempre esteve presente em nosso ordenamento jurídico, o que se pode verificar com a inserção de vários artigos regulamentando o trabalho penitenciário”.
Infelizmente nossa realidade está muito distante disso. Na pratica, o trabalho acaba sendo uma “oportunidade valiosa” que milhares de presos almejam, tendo em vista que os benefícios que o trabalho traz no computo da pena. Todavia, os presídios não estão aparelhados para dar eficácia na lei e o Estado se mantem inerte o que significa um direito não garantido.
A Lei de Execução Penal determina que os condenados a pena privativa de liberdade são obrigados a trabalhar na medida de suas capacidades e aptidões, nos termos do art. 32.
Assim dispõe o artigo:
Na atribuição do trabalho deverão ser levadas em conta a habilitação, a condição pessoal e as necessidades futuras do preso, bem como as oportunidades oferecidas pelo mercado.
§ 1º Deverá ser limitado, tanto quanto possível, o artesanato sem expressão econômica, salvo nas regiões de turismo.
§ 2º Os maiores de 60 (sessenta) anos poderão solicitar ocupação adequada à sua idade.
§ 3º Os doentes ou deficientes físicos somente exercerão atividades apropriadas ao seu estado.
A constituição proíbe trabalhos forçados, em consonância a seu mandamento mesmo o trabalho sendo um dever o condenado poderá recusar, não podendo ser sancionado por isso. Acarretará, portanto em falta disciplinar de natureza grave (LEP; art. 50,VI) trazendo prejuízo na hora do pedido de benefícios.
Para o preso provisório o trabalho é facultativo, e se for anuente, só poderá trabalhar no interior do estabelecimento penal.
O condenado por crime político não está obrigado ao trabalho (art. 200 da LEP).
De acordo com o Código Penal em seu artigo 39, “o trabalho do preso será sempre remunerado, sendo garantidos os benefícios da Previdência Social”. Ou seja, ocorrendo acidentes de trabalho este será assistido pela previdência além de estar contribuindo para previdência.
Quanto a remuneração, será mediante tabela prévia não podendo ser inferior a três quartos do salário mínimo. Na pratica o salario foi fixado neste valor, ou seja, ¾ do salario mínimo que dá um total de R$ 591,00, atualmente.
A LEP trás a destinação dessa renda, ela deverá atender à:
I) possíveis indenizações resultantes do crime;
II) assistência à família;
III) pequenas despesas pessoais
IV) ressarcimento ao Estado pelas despesas do condenado, atendidas primeiro as hipóteses anteriores.
Após atender todas as destinações, sobrando alguma parte esta será depositada em caderneta de poupança, o chamado pecúlio, que será entregue ao condenado posto em liberdade.
Provém dizer a problemática nascente. Conforme pesquisa cada preso custa para o Estado cerca de dois mil reais e com esse salario descontadas as destinações não sobra muita coisa para custear essa despesa.
Os serviços prestados à comunidade não serão remunerados. O art. 46 §3° do Código Penal determina que as tarefas serão atribuídas conforme a aptidão do condenado não podendo ultrapassar a 1 hora por dia de modo a não prejudicar o seu trabalho oficial.
Neste sentido Norberto Avena explica:
“Como se vê, o trabalho que se impõe ao sentenciado nessa modalidade de restrição de direitos deve ser um plus sobre ao trabalho habitualmente desenvolvido por ele, sendo essa a razão pela qual o art.30 da LEP estabelece a sua não remuneração”.
A LEP possibilita a remição de parte do tempo da pena pelo trabalho. Ou seja, de acordo com art. 126 da lei, a cada 3 dias de trabalho equivale a 1 dia de pena. Se caso o preso sofra um acidente e fique impossibilitado de trabalhar o tempo da remição correra normalmente.
3.1 Trabalho interno
O trabalho interno são os serviços executados dentro do estabelecimento prisional. Pode ser serviços de mão de obra para construção eu manutenção do prédio; cozinha; enfermagem e outros, de acordo com a aptidão dos condenados.
O trabalho poderá ser gerenciado diretamente pelo Estado através de Fundação ou Empresa Publica. Nestes casos as próprias entidades públicas pagará a remuneração dos presos. Com a entrada da Lei 10.972 de 2003 os governos da federação poderão celebrar convenio com empresas privadas para implantação de oficinas de trabalho dentro dos presídios. Nesta hipótese a remuneração dos presos será paga por elas.
O trabalho (interno) do preso não está na égide da CLT. Isto quer dizer que não existe vinculo empregatício entre o Estado ou as conveniadas e os presos, desta forma, não estão obrigadas a pagarem impostos sociais sobre a mão de obra.
Vale um breve parêntese para falar um pouco sobre o vinculo empregatício no trabalho externo que logo mais será objeto deste trabalho.
Assim como no trabalho interno o trabalho do preso, em regime fechado, executado fora do presídio não esta sobre a proteção das leis do trabalho. No regime aberto é pacificado pelos Tribunais que tem o vinculo determinado pela CLT já o regime semiaberto está, também, quase pacificado que não existe impedimento para o vinculo.
Nos termos da LEP, a jornada de trabalho deverá ser entre 6 a 8 horas por dia, com descansos aos domingos e feriados, sendo concedido aos presos que executam os serviços de conservação e manutenção dos presídios horários especiais. Ocorre que diversas vezes o apenado trabalha aquém do mínimo ou além do máximo, nessas hipóteses o que fazer na hora da remição da pena? O professor Norberto Avena (Execução Penal esquematizado, 2015) explica que há duas correntes: a primeira entende que as horas extras não podem ser consideradas na hora da remição da pena e a segunda e DOMINANTE entende que o trabalho realizado pelo preso não pode ser desconsiderado na hora da remição, contabilizando todas as horas dando um dia de trabalho a cada 6 horas trabalhadas.
Ainda sobre este assunto o mestre ensina:
“Independentemente da regra geral da jornada não inferior a seis e nem superior a oito horas, permite a LEP atribuição de horário especial de trabalho aos presos designados para os serviços de conservação e manutenção do estabelecimento penal, tais como os que desempenham atividades em cozinhas, lavanderias, enfermarias etc. Isso ocorre porque esses serviços não podem ser interrompidos, exigindo sua prestação em horários diversos daqueles estabelecidos para as atividades normais, inclusive nos dias de descanso.
Os bens e produtos decorrentes deste trabalho por via de regra será sempre destinado á venda a particulares (ultima parte do art. 35). Não sendo possível, a lei estabelece que os órgãos da administração direta ou indireta dos entes federativos adquirirão com dispensa a concorrência publica e as importâncias arrecadadas com essas vendas serão revertidas em favor da fundação ou empresa publica e na falta destas em favor do estabelecimento penal.
3.2 Trabalho externo
O trabalho realizado fora do presidio é uma forma do Estado dar uma oportunidade ao condenado reingressar progressivamente ao convívio social.
O trabalho externo pode ser atribuído aos condenados em regime fechado e no semiaberto (art. 36 da LEP e art. 34,§3° e 35, §2° do CP). Para os condenados em regime aberto é natural que trabalhem fora dos presídios, sendo pacificado que seu trabalho prestado não configura trabalho prisional, permitindo assim o vinculo empregatício, como já mencionado no capitulo anterior.
No tocante ao regime fechado a LEP trouxe regras que devem ser observadas na hora da admissão de trabalho extramuros: os presos em regime fechado somente trabalharão em serviços ou obras publicas realizadas por órgãos públicos ou entidades privadas desde que tomadas cautelas contra fuga e indisciplina. De acordo com Norberto Avena, sobre essa questão o STJ vem entendendo a impossibilidade pratica da concessão da medida ao passo que não há como designar um policial para vigiar diariamente os presos.
No regime semiaberto não existe as mesmas regras do regime fechado sendo admissível o trabalho externo inclusive com possibilidade de vinculo empregatício.
O limite máximo de preso por obra deve ser de 10%.
O §3° do art. 36 da LEP dispõe que sempre que a prestação de serviço externo for para entidade privada dependerá do consentimento do preso. “evita-se que o preso se veja obrigado ao trabalho para entidade que tem, precipuamente, o intuito de lucro, com a utilização inclusive do trabalho prisional, o que poderia ser visto por ele como tendo um sentido de exploração econômica”.
Além dessas regras, para autorização do trabalho externo deve-se observar os pressupostos legais: objetivos e subjetivos.
O pressuposto objetivo refere-se ao lapso temporal. De acordo com a LEP o preso em regime fechado deve cumprir ao mínimo um sexto da pena para concessão da benesse. Quanto ao regime semiaberto por não haver previsão legal o STJ criou uma sumula (40) sugerindo a observância do lapso de cumprimento da pena de um sexto. Porém, a jurisprudência dominante, atualmente, é que não precisa ser cumprido este lapso para a contemplação do trabalho externo.
Os pressupostos subjetivos diz respeito á: aptidão, disciplina e responsabilidade. Nos dizeres de Avena a aptidão diz respeito a regra geral que todo trabalho executado pelo preso tem que ser observada. A disciplina tem a ver com o mérito do preso, como foi sua conduta e comportamento entro da prisão e a responsabilidade diz respeito ao desempenho adequado dado as tarefas a ele confiadas.
De suma importância dizer sobre quem tem a competência para autorização do trabalho externo. Apesar do artigo 37 dispor que a autorização parte da direção do presidio a jurisprudência e doutrina dominante é de que “compete ao juiz de execução deliberar sobre a autorização ao passo que o juiz deve zelar pelo correto cumprimento da pena.
Por fim, a autorização de trabalho externo será revogado se o preso praticar algum crime, for punido por falta grave ou desobedecer aos requisitos estabelecidos para o trabalho externo.
Norberto Avena ensina que mesmo que seja revogada a autorização para o trabalho externo inexiste previsão legal para que seja cumprido mais um sexto da pena, desta forma, é possível o deferimento da benesse em momento posterior.
4. Conclusão
Muitas vezes cegos em nossas convicções e pré-conceitos não buscamos entender o que realmente seja verdade. Apesar do preconceito que o auxilio-reclusão sofre por grande parte da sociedade é preciso entender que o principal objetivo deste benefício é amparar os dependentes do preso garantindo o mínimo de dignidade diante da ausência do provedor.
O trabalho do preso igualmente sofre uma ânsia por parte da sociedade. Muitos apoiam outros vários desaprovam. Mas o que acontece na infeliz realidade é uma considerada população carcerária que sofre com a inercia do Governo ao ver seu direito “fundamental” do trabalho não ser garantido.
Ora não é este o fundamento da Republica Brasileira? Construir uma sociedade justa e solidaria, garantindo os valores sociais do trabalho com o principio da dignidade da pessoa humana? Deste fundamento se extrai que há muito que se fazer e esta tarefa está principalmente nas mãos da toda poderosa sociedade.
Referências
BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1998. 168 p.
BRASIL. Decreto-lei n° 2.848, de 7 de Dezembro de 1940. Código Penal..
Lei n. 7.210, de 11 de Julho de 1984. Lei de Execução Penal
Execução penal:esquematizado/NorbertoCláudioPâncaroAvena.–2.ed.rev.eatual.–RiodeJaneiro:Forense;SãoPaulo:MÉTODO,2015.
MESQUITA JUNIOR, Sidio Rosa de. Manual de execução penal: teoria e prática. Sidio Rosa de Mesquita Junior – 3. Ed. – São Paulo : Atlas, 2003