VI – Conclusões.
Depois de todas as considerações invocadas, o que nos resta a refletir e entender é que o processo civil moderno encontra-se em evidente processo de desburocratização, ou seja, há um consenso na doutrina e nos legisladores de que o processo é um instrumento para a aquisição ou proteção de um direito e não um fim em si mesmo.
Com isso, várias mudanças foram feitas na legislação processual, todas primando à satisfação eficaz dos direitos guerreados na demanda e, no caso do §7.º, do art. 273 do Código de Processo Civil, com vista a proteger o bem tutelado que se encontra em risco, não se importando, para tanto, com maiores rigores formalísticos.
A instituição da fungibilidade entre as tutelas de urgência demonstra que, não só por observância ao princípio da economia processual, mas por questão de preservação de uma garantia Constitucional (art. 5.º, XXXV, CF), deve o Poder judiciário colocar à frente das questões eminentemente teóricas o direito a que se busca, a proteção que se pretende com o pedido, sob pena de naufragar em infortunadas regras de formalidade.
O reconhecimento legal da fungibilidade entre tutela cautelar e antecipatória, além de conferir maior grau de eficácia às mesmas, abriu ao hermeneuta todas as possibilidades inerentes ao fato de serem espécies de um mesmo gênero. Dessa forma é lícito pregar a aplicação das regras gerais do Código de Processo Civil a respeito da tutela cautelar ao pedido de antecipação de tutela, sem maiores diferenciações que não aquelas impressas necessariamente na essência de cada uma delas.
Em suma, pode-se concluir que o sistema legal pátrio se depara, hodiernamente, com um gênero que carece de maiores especulações doutrinárias: o gênero das tutelas de urgência. Nele estão incluídos os procedimentos de cognição sumária que visam a preservação dos efeitos da ação (tutela cautelar – não satisfativa), ou mesmo a antecipação de seus efeitos (tutela antecipatória – satisfativa mas atrelada ao decisório final).
Seus objetivos e horizontes já aparecem na doutrina de vanguarda, mas não se encontram ainda totalmente conhecidos ou delineados. A extensão desse "poder" que as técnicas de cognição sumária podem alcançar somente será testada e conhecida a partir da experiência prática, onde os operadores do direito haverão de assumir e desenvolver seus conceitos e sua profundidade final.
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Notas
1 Cfr. Pontes de Miranda. Tratado das ações, tomo I. p. 244.
2 Idem, Op. cit. p. 245.
3 Cfr. Humberto Theodoro Júnior. Curso de direito processual civil, vol. I. p. 44.
4 Cfr. Ovídio Araújo Baptista da Silva. Teoria geral do processo civil. 3 p. 339.
5 Luiz Guilherme Marinoni destaca os objetivos da técnica de cognição sumária que, levando ao parecer do julgador a possibilidade acerca dos juízos de probalidade e verossimilhança, tem por fito: "Podemos dizer, resumidamente, que as tutelas de cognição sumarizadas no sentido vertical objetivam:(a) assegurar a viabilidade da realização de um direito ameaçado por perigo de dano iminente (tutela cautelar); (b) realizar, em vista de uma situação de perigo, antecipadamente um direito (tutela sumária satisfativa); (c) realizar, em razão das peculiaridades de um determinado direito e em vista do custo do processo ordinário, antecipadamente um direito (liminares em determinados procedimentos especiais); (d) realizar, quando o direito do autor surge como evidente e a defesa é exercida de modo abusivo, antecipadamente um direito (tutela antecipatória fundada no art. 273, inciso II do Código de Processo Civil" (Cfr. Luiz Guilherme Marinoni. A antecipação da tutela. p. 26.)
6 Cfr. Ovídio Araújo Baptista da Silva. Op. cit. p. 341-350.
7 Cfr. Nelson Nery Junior. Código de processo civil comentado e legislação..., p. 1213.
8 No tocante ao termo "pedir", parece-nos relevante ressaltar o estudo feito por DINAMARCO, que se apresenta de forma contrária ao texto legal, onde expresso está "requerimento" da tutela antecipada, uma vez que "É menos adequado falar, como naquele texto está, em ‘requerer’ uma tutela antecipada. Em direito processual, ‘requerem-se’ providências no curso do processo (realização de provas, juntada de documentos, designação de audiência, adiamento desta etc.) mas ‘pedem-se’ tutelas jurisdicionais de toda ordem (principal, cautelar, antecipada etc.)". (Cfr. Cândido Rangel Dinamarco. A reforma da reforma. p. 92).
9Art. 273. O Juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente,, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial, desde que, existindo prova inequívoca, se convença da verossimilhança da alegação e:
10 Cfr. Nelson Nery Junior. Código de processo civil comentado e legislação..., p. 748.
11 Cfr. Walter Vechiato Junior. Curso de processo civil. p. 228.
12 Nelson Nery Junior aventa breve consideração sobre o tema ao concluir: "Com a instituição da tutela antecipatória dos efeitos da sentença de mérito no direito brasileiro, de forma ampla, não há mais razão para que seja utilizado o expediente das impropriamente denominadas ‘cautelares satisfativas’, que constitui em si uma ‘contradictio em terminis’, pois as cautelares não satisfazem: se a medida é satisfativa, é porque, ‘ipso facto’, não é cautelar" (Nelson Nery Junior. Código de processo civil comentado e legislação..., p. 748)
13 Cfr. Cândido Rangel Dinamarco. A reforma da reforma. 90.
14Eduardo Talamini. Tutela relativa aos deveres de fazer e não fazer: e sua..., p. 365.
15 Na visão de Talamini, a questão envolve ainda alguma celeuma doutrinária, na medida em que "É freqüente a afirmação de que a diferença de conteúdo entre a tutela cautelar e antecipada implicaria necessária diferença de essências. A ‘satisfação’ advinda do adiantamento de parte ou da integralidade do resultado prático do provimento final afastaria a tutela antecipada do terreno da cautelaridade – o qual circunscreveria a medidas meramente conservativas, ‘colaterais’ (no dizer de Watanabe, não geradoras dos mesmos efeitos que surgiriam com a tutela definitiva" (Eduardo Talamini, op. cit., p. 367)
16 Para Ovídio Araújo Baptista da Silva, as conseqüências do pensamento, na sua visão errôneo, consubstanciado na equiparação dos conceitos de tutela cautelar e antecipatória irá acarretar: "Ao que tudo indica, porém, estamos na iminência de inverter o emprego dos dois conceitos, teimando em conjugar o pressuposto do ‘periculum in mora’ com as cautelares, para ligar o ‘receio de dano irreparável’ às antecipações satisfativas, quando eles, para manterem-se fieis às suas origens históricas e dogmáticas, deveriam inverter as respectivas posições, passando o ‘periculum in mora’ a determinar a ‘execução urgente’, reservando-se a alegação de ‘receio de dano irreparável’ para a tutela cautelar"(Cfr. Ovídio Araújo Baptista da Silva. Curso de processo civil: processo..., p. 141).
17 A visão expressada por Ovídio Araújo Baptista da Silva, também referendada por autores de renome como Eduardo Marinoni, Watanabe e Arakem de Assis, deve ser vista sob o prisma da moderna função das tutelas de urgência e, principalmente, sob a ótica da fungibilidade agora expressa em ambas, o que leva a indicar que o posicionamento deva ser revisto ainda mais porque, nos dizeres de Eduardo Talamini, o grau de satisvidade vinda com a antecipação da tutela nunca será total, mas parcial e dependente do que se decidir no decisório final. (Eduardo Talamini, op. cit., mesma página, nota 32).
18 Marcelo Abelha Rodrigues, Elementos de direito processual civil, vol. 02, p. 190.
19 Cfr. Cândido Rangel Dinamarco. Op. cit.,. p. 90.
20 Nelson Nery Junior já pregava que "Não sendo o caso de se conceder uma espécie determinada de medida cautelar, pode o juiz aplicar o princípio acima referido e adaptar o pedido do autor, concedendo-lhe a medida que julgar conveniente para o caso" (Cfr. Nelson Nery Junior. Código de processo civil comentado e legislação..., p. 1214).
21 Cfr. RESP. 351.766-SP, j. 06-5-2002, v.u. (conhecendo o recurso, mas negando provimento). Disponível em www.stj.gov.br. Acesso em 02-12-2003.
22 Moacyr Amaral Santos define o princípio da economia processual da seguinte forma: " Recomenda o princípio que se obtenha o ‘máximo resultado’ na atuação da lei com o ‘mínimo emprego’ possível de atividades processuais" (Cfr. Moacyr Amaral Santos. Primeiras linhas de direito processual civil. P. 68).
23 Assim o voto da Eminente Min. Relatora: "Inicialmente, cumpre salientar que, tecnicamente, o caso não é de antecipação de tutela, mas sim de típica cautelar porque a finalidade do pedido de suspensão da execução é assegurar o resultado útil do processo que se pretende seja julgado novamente. Não se trata de um adiantamento da prestação jurisdicional.
Contudo, a tendência que vem se firmando é a da ‘fungibilidade’ das medidas urgentes, constando, inclusive, do Projeto de Lei na Câmara dos Deputados n. 144/2001, ainda pendente de votação pelo plenário do Senado Federal, a criação do § 7.º do art. 273 do CPC, ‘in verbis’:(...)
De fato, tal providência se justifica em atendimento ao princípio da economia processual, evitando à parte a necessidade de requerer, em novo processo, medida cautelar adequada ao caso"(Ibidem).
24 Cfr. Cândido Rangel Dinamarco. Op. cit., p. 90.
25 Cfr. AGR. 271.037-4/6-00, j. 17-12-2002, v.u. (provimento parcial). Disponível em www.tj.sp.gov.br/pesquisas. Acesso em 02-12-2003.
26 Cfr. Eduardo Talamini. Tutela relativa aos deveres de fazer e de não fazer.... p. 371.
27 Alexandre de Moraes prega a relevância do princípio, insculpido no inciso XXXV do art. 5.º da Magna Carta: "Importante, igualmente, salientar que o Poder Judiciário, desde que haja plausibilidade da ameaça ao direito, é obrigado a efetivar o pedido de prestação judicial requerido pela parte de forma regular, pois a indeclinabilidade da prestação judicial é princípio básico que rege a jurisdição, uma vez que a toda violação de um direito responde uma ação corretiva, independentemente de lei especial que a outorgue" (Cfr. Alexandre de Moraes. Direito constitucional. P. 103).
28 O entendimento encontra vazão nas palavras de Luiz Rodrigues Wambier e Tereza Arruda Alvim Wambier que entendem que " A resposta genérica que, num primeiro momento, em nosso entender se poder dar a estas pergunta é a de que ‘razões de ordem formal não devem obstar que a parte obtenha a seu favor provimento cujo sentido e função sejam o de gerar condições à plena eficácia da providência jurisdicional pleiteada ou a final, ou em outro processo, seja de conhecimento, seja de execução’.
É indispensável que, como regra geral, nas ‘zonas de penumbra, se decida a favor dos valores fundamentais’" (Cfr. Luiz Rodrigues Wambier. Breves comentários à 2.ª fase da reforma do Código... P. 61).
29 Cfr. Eduardo Talamini. Op. cit, p. 369-371.
30 Cfr. Cândido Rangel Dinamarco. Op. cit., p. 92.