1. Breves considerações sobre o histórico de corrupção no Brasil 2. Surgimento e Conceito de Compliance 3. Histórico recente da compliance 3.1. Generalidades 3.1.1. Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção e Decreto 5.687/06 3.1.2. Manual "A responsabilidade social das empresas no combate à corrupção" (CGU/06/2009) 3.1.3. Programa de Ética e Conformidade Anti-Corrupção para Empresas: Um Guia Prático (ONU/2013) 3.2. Compliance aplicada às empresas estatais brasileiras 3.2.1. Lei 12.846/13 3.2.2. Ofício-Circular CVM/SEP 02/2015 3.2.3. Decreto 8.420/2015 3.2.4. Portaria CGU 909/2015 3.2.5. Programa Destaque em Governança de Estatais (BM&FBovespa/09/2015) 3.2.6. Lei 13.303/2016 e as perspectivas trazidas pelo novo regime jurídico das estatais.
RESUMO:O presente artigo trata do instituto da compliance que recentemente foi importado ao ordenamento jurídico brasileiro, em especial nas legislações referentes à lavagem de dinheiro e questões ambientais. Todavia, o estudo se concentra na compliance adotada nas empresas estatais e em especial às disposições trazidas pela lei 13.303/2016 (Lei das Estatais). Palavras-chave: Compliance, Lei das estatais, Lei 13.303/2016.
ABSTRACT:This article deals with the compliance of the institute that was recently imported the Brazilian legal system, especially the laws relating to money laundering and environmental issues. However, the study focuses on compliance adopted in state enterprises and in particular the provisions in the Law 13,303 / 2016 (State of Law). Keywords: Compliance, State of Law, Law 13,303 / 2016.
INTRODUÇÃO
A corrupção passou a ser um tema de preocupação mundial desde meados da década de 90. Após uma série de escândalos, o Poder Público, em muitos países, aprovou leis de combate à corrupção, em especial sobre aquela produzida em decorrência da relação entre governo e empresas privadas. A Convenção das Nações Unidas contra a corrupção também foi um marco histórico, sendo assinada por muitos países, inclusive o Brasil. Nacionalmente, não raros casos ocorreram e foram objeto de inúmeras ações judiciais por fraudes em licitação, favorecimento em ordem de pagamento, contratos escusos ou financiamento de campanhas eleitorais. O vício na relação entre as sociedades empresárias e a administração pública tem sido permanentemente regulada e vigiada. Novas regras em licitação, fiscalização pelo Ministério Público, novas leis de responsabilidade, enfim, todos os holofotes na relação público-privado.
Todavia, o "Petrolão", como é conhecido popularmente, trouxe outra preocupação à sociedade brasileira. A corrupção não era mais privilégio das empresas privadas, mas tinha contaminado as empresas estatais. Nosso problema político-ético-econômico ganhou repercussão mundial chegando ao impeachtment da então presidente Dilma Roussef. A pressão social, jurídica e principalmente econômica deu ensejo a uma mudança normativa através de atos regulamentares e leis que entenderam que as estatais precisam inserir a compliance no seu dia a dia, sendo entendida como regras de integridade que vão muito além da simples principiologia. Por óbvio, não haveria mudança legislativa tão rápida e desinteressante para aqueles que abusam do dinheiro público. Contudo, as estatais, em especial a Petrobrás, movimentam uma grande soma de valores no mercado de ações. As fraudes ocorridas não se limitaram a uma conduta improba, mas prejudicaram a economia do país. As ações da Petrobrás diminuiram de valor vertiginosamente. As das demais estatais também sofreram perdas já que a confiança do investidor ficou abalada. Ainda, os valores mobiliários das empresas privadas caíram graças a instabilidade econômica do país e consequente desconfiança do investidor. Por conseguinte, as alterações do ordenamento jurídico brasileiro são essenciais para evitar novas fraudes, bem como para mostrar ao mundo que medidas de integridade (compliance) estão sendo tomadas. Assim, muitos poderão voltar a investir no país, e quem sabe, nossa economia voltar a crescer com base naquilo que não deveria ser obrigado por lei: conduta ética.
1. Breves considerações sobre o histórico de corrupção no Brasil
A corrupção existe no Brasil desde antes dele ser chamado com esse nome. Há registros de cartas de Pero Vaz de Caminha pedindo para o rei dar um emprego pro filho dele. Nepotismo evidente. Um outro ato histórico e que hoje seria corrupção passiva no mínimo, foi a doação da melhor casa do Rio de janeiro (a Quinta da Boa Vista) à família real quando chegaram no Brasil. O "doador", um traficante de escravos, ganhou título de barão e depois de visconde, bem como várias benesses. Criou-se inclusive à época versos que diziam: “Quem furta pouco é ladrão, quem furta muito é barão e quem furta mais e esconde passa de barão a visconde”. A burocracia era tão grande quanto à corrupção para livrar-se dela.
O país evoluiu, ou ao menos o tempo passou. Aqueles que não aceitam essas práticas improbas se utilizaram das leis para tentar impedir as irregularidades, ou mesmo da atividade judicante para detê-las. Sem falar em cada indivíduo, que mesmo em um gesto de honestidade solitário durante mais de 500 anos, ajudou o Brasil a ser melhor. Nas últimas décadas, notamos um esforço legislativo para extirpar a corrupção no nosso país. A Constiituição Federal de 1988 trouxe várias formas de controle da administração pública, seja interno ou externo, também criou entidades como o Ministério Público que fiscaliza o poder público e aciona o judiciário contra atos lesivos. Acrescente-se aí a lei de licitação, lei de ação pouplar, lei da ação civil pública, mandado de segurança, habeas data, mandado de injunção e habeas corpus. A lei de improbidade administrativa também foi um grande marco após a redemoocratização do país. A emenda constitucional 19 de 1998 reformou a administração pública, saindo de um modelo burocrático e aproximando-a do modelo gerencial com alterações significativas. A lei da ficha limpa, de origem popular, cobrou idoneidade de nossos políticos. Todas estas medidas não foram capazes, entretanto, de acabar com a corrupção. Parece que o "jeitinho brasileiro" se adequa às leis e cria sempre novas possibilidades de fraudes. Mensalinho, mensalão, petrolão, lava-jato, são muitas nomenclaturas atuais famosas a respeito da corrupção no Brasil. E ela parece instalada do mais simples trabalhador até a Presidência da República.
2. Surgimento e Conceito de Compliance
Apesar de termos alcançado uma grande repercussão mundial, a corrupção não é mérito (ou demérito) do nosso país. Assim, uma preocupação mundial a respeito do assunto surgiu. Inicialmente, muita preocupação com a relação existente entre poder público e empresas privadas, onde aqueles ganhavam bens ou valores monetários em troca de favores irregulares que geravam benefícios indevidos à pessoas indevidas. Neste contexto surge o termo compliance, palavra que abrange confiança, ética, observância de regras, integridade. Não é uma palavra vaga como pode parecer inicialmente, mas se traduz em uma série de medidas tomadas a fim de manter a transparência dos negócios, controlá-los, inclusive interferindo nas regras empresarias que tradicionalmente eram de liberdade dos sócios como a composição da Administração e do Conselho Fiscal. As empresas devem possuir um departamento de compliance. Este setor tem como responsabilidade garantir a aplicação correta de leis e regulamentos, bem como monitorar as atividades desenvolvidas. Esse departamento não serve apenas para inibir práticas delituosas dentro da corporação, mas também evitar erros causados por desconhecimento da lei, procedimentos, dentre outros. Muita empresas questionaram inicialmente o custo de manutenção de um departamento novo, mas calcula-se que é menor do que o custo decorrente do pagamento de diversas sanções legais causadas por inobservância de determinadas regras. Parece ingênuo acreditar que as regras de governança corporativa trazidas pela compliance tenham sido resultado do esforço ético de algumas pessoas "do bem". A verdade é que muitas crises econômicas foram resultado de práticas escusas de grandes empresas, onde vários investidores eram enganados por informações manipuladas. Estas situações não são boas nem para o mercado, nem para o poder público, pois a economia do país é abalada (reflexamente do mundo inteiro graças a globalização). O mercado financeiro notou que ética não é apenas um princípio adotado por algumas pessoas, mas uma obrigação das empresas para que a economia se mova da forma esperada. No Brasil, a obrigação da integridade nasceu com a lei de lavagem de capitais (lei nº 9.613/98, alterada pela lei nº 12.683/12. Ela obrigou as empresas a adotar procedimentos internos que evitassem a lavagem de dinheiro através delas. Há a obrigação de comunicarem ao Conselho de Atividades Financeiras (COAF) o nome de pessoa que realize transações acima do valor estipulado em lei, bem como manter o cadastro atualizado de sues clientes. Muitas chamam de compliance antilavagem. Esse sistema de integridade também foi adotado no Despacho Aduaneiro, entitulado de Linha Azul. A receita federal criou um procedimento para despacho aduaneiro que consiste em um cadastro prévio junto à RFB das empresas que preencham determinados requisitos, em especial a qualidade de seus controles internos para o cumprimento das obrigações tributárias e aduaneiras, e desde que permitam o monitoramento permanente pela fiscalização. Ainda, a compliance foi adotada na Resolução 4.327/14, criando a Política de Responsabilidade Socioambiental a ser implementado pelas instituições financeiras para avaliação de riscos quando realizarem atividades econômicas aptas a causar danos ambientais. A busca pelo cumprimento de preceitos de integridade nas empresas chegou ao Brasil da mesma forma como no mundo, voltada ao setor privado. Entretanto, após diversos escândalos no país, a compliance foi inserida no estatuto das estatais como abordaremos a seguir.
3. Histórico recente da compliance
3.1. Generalidades
A compliance no Brasil e no mundo teve vários formatos e normativas até chegar às empresas estatais. Tratamos dessa evolução que dá a fundamentação e suporte necessário ao tema.
3.1.1. Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (2003) e Decreto 5.687/06
Na década de 90 uma preocupação mundial sobre a corrupção se difundiu. Algumas convenções foram firmadas, mas assinadas por poucos signatários. Nesse contexto nasce a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção abordando temas como prevenção, penalização, recuperação de ativos e cooperação internacional. A convenção foi dotada pela Assembléia-Geral das Nações Unidas em 31 de outubro de 2003 e assinada pelo Brasil em 9 de dezembro de 2003. Foi ratificada pelo Decreto Legislativo nº. 348, de 18 de maio de 2005, e promulgada pelo Decreto Presidencial nº. 5.687, de 31 de janeiro de 2006. Segundo ela, os Estados Partes devem: - implementar políticas contra a corrupção com a participação da sociedade; - adotar sistemas de seleção e recrutamento com critérios objetivos de mérito; - aumentar a transparência no financiamento de campanhas de candidatos e partidos políticos; - desenvolver códigos de conduta que incluam medidas de estímulo a denúncias de corrupção por parte dos servidores, e de desestímulo ao recebimento de presentes, ou de qualquer ação que possa causar conflito de interesses; - propiciar a ampla participação nos processos licitatórios, além de dispor de critérios pré-estabelecidos, justos e impessoais; - adotar medidas para ampliar o acesso às contas públicas para os cidadãos e estimular a participação da sociedade nesse processo; - adotar medidas preventivas à lavagem de dinheiro; - permitir que suas autoridades cumpram uma ordem de confisco ou de congelamento por um tribunal de outro Estado Parte solicitante; - tipificação de crimes de corrupção, suborno e desvio de recursos públicos; - garantir a independência do Poder Judiciário; dentre outras. A convenção contempla medidas de prevenção à corrupção no setor público e privado como desenvolvimento de padrões de auditoria e de contabilidade além de sanções civis, administrativas e criminais.
Também enfatiza sobre a cooperação internacional anticorrupção. A extradição deve ser garantida nestes casos, e estes crimes não podem ser considerados como crimes políticos. Muitas determinações da convenção já eram reguladas no Brasil como a lei de improbidade administrativa e a de lavagem de capitais. Quanto às regras que precisavam ser criadas ou modificadas, está sendo realizada essa adequação, como por exemplo através do projeto de lei que cria o crime de enriquecimento ilícito. No tocante à fiscalização, a Controladoria-Geral da União (CGU), criada em 2003, realiza auditoria e apuração de fraudes e desvios de recursos. A Polícia Federal, o Ministério Público Federal e os Ministérios Públicos dos Estados também exercem papel essencial no combate à corrupção.
3.1.2. Manual "A responsabilidade social das empresas no combate à corrupção" (CGU/06/2009)
A Controladoria Geral da União lançou em junho de 2009 o Manual com o tema: "A responsabilidade social das empresas no combate à corrupção". Essa obra tratou sobre os tratados internacionais contra a corrupção, mas com o enfoque de integridade das empresas. Demonstrou casos de corrupção no setor privado especificando os atos a serem evitados pelas empresas para manter a sua sua integridade. Compilou também iniciativas de Organizações Internacionais e Não Governamentais para a integridade nas empresas como o Pacto Global, o Pacto Empresarial pela Integridade e contra a Corrupção , a Iniciativa de Parceira contra a Corrupção (PACI), a Convenção da OCDE , o EITI – Extractive Industries Transparency Initiative, e o Manual para Pequenas Empresas do Banco Mundial. Pelos pactos citados se percebe que toda a atenção foi dada ao setor privado, ele sendo visto como porta de entrada para a corrupção do setor público. Por isso o Manual estabeleceu um rol de boas práticas para uma empresa íntegra, a saber: - Instituição de um Programa de Integridade e Combate à Corrupção com a elaboração de Códigos de Conduta, implantação de política de comunicação permanente, criação de Comitê de Ética, Sistema de recrutamento centrado em ética, e instituição de sistemas de controle interno e auditoria; - Medidas de transparência e relacionamento com stakeholders através da Integridade e transparência de informações contábeis e financeiras, bem como transparência de regras e procedimentos no relacionamento com o setor público; e - Gerenciamento de integridade com suas respectivas funções, processos de desenvolvimento e responsabilidades dos participantes do sistema de integridade. Ressaltou também a transparência e responsabilidade no financiamento político que sempre foi uma grande fonte de preocupação na relação públicoprivada.
3.1.3. Programa de Ética e Conformidade Anti-Corrupção para Empresas: Um Guia Prático (ONU/2013)
Esse guia da ONU deriva da Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção (CNUCC) e considera o envolvimento do setor privado como essencial para a luta contra a corrupção. Por todos os temas abordados no guia é possível ver as empresas como protagonistas, e mais, muitas vezes como sujeito passivo em uma conduta corrupta. Concentra-se esforços em medidas anti-corrupção, elaboradas pelos setores de compliance das corporações, como um componente essencial de seus mecanismos para proteger sua reputação e os interesses de seus investidores e acionistas. Remonta-se em aumento de custos devido a pagamentos corruptos ou oportunidades de negócio perdidas em mercados distorcidos. O guia aborda o quadro jurídico internacional para combater a corrupção, a avaliação de riscos, o desenvolvimento e implementação de programas de ética e de conformidade anti-corrupção, o apoio e empenho da alta administração para a prevenção da corrupção, a supervisão do programa anti-corrupção, políticas detalhadas para áreas de risco específicas, aplicação do programa anti-corrupção aos parceiros comerciais, dentre outros temas. O programa anticorrupção é visto como uma grande conquista para as empresas. Um aspecto relevante abordado, mesmo que com relação à iniciativa privada, são as atividades de “ação coletiva” com outros parceiros que possam enfrentar os mesmos riscos. A ação coletiva é resultado da colaboração entre as corporações. Uma união para combater riscos semelhantes, podendo assumir diversas formas, desde acordos de curto prazo até iniciativas de longo prazo com execução externa. As empresas que participam nas iniciativas podem prosseguir os seus objetivos comuns de forma muito mais eficaz num esforço conjunto e concentrado do que individualmente.
3.2. Compliance aplicada às empresas estatais brasileiras
3.2.1. Lei 12.846/13
É conhecida como Lei Anticorrupção. Ponto nevrálgico da lei: acordo de leniência. As políticas de leniência são aquelas em que um Estado abre mão de sancionar severamente uma corporação a fim de descobrir fatos novos que resultem na punição de outras pessoas. Os EUA adotaram na década de 90 tal prática, influenciando em seguida a Europa. No Brasil, muitas foram as dificuldades em punir crimes relacionados à corrpução pela ausência de vítimas ou testemunhas. A lei em comento trouxe então a possibilidade de estabelecer o acordo de leninência a fim de decobrir a verdade sobre a materialidade e autoria de muitos crimes. Todavia, o instituto da leniência já era previsto na legislação antitruste desde o ano 2000, tendo rendido ao CADE vários acordos realizados. Já na CGU não encontramos os mesmos números em acordos de leniência anticorrupção. A Medida Provisória 703, de 18 de dezembro de 2015 (que teve seu prazo de vigência encerrado no dia 29 de maio de 2016), alterou o regramento do acordo de leniência previsto nos arts. 16 a 17-B da Anticorrupção. A MP passou a prever a presença do Ministério Público e a participação da advocacia pública, aumentando o incentivo econômico para as empresas, permitindo a total exclusão da multa para a primeira que colaborar sobre um determinado conjunto de fatos e afastando possíveis restrições ao direito de licitar e de contratar com o Poder Público, sem prejuízo de manter a obrigação de a empresa reparar integralmente o dano causado.
Também houve falhas como a a inconstitucionalidade da revogação da proibição à celebração de acordo ou transação contida na Lei de Improbidade Administrativa, norma de natureza processual civil, portanto vedada às medidas provisórias. De qualquer forma, a MP perdeu a validade e pontos importantes que deveriam estar em vigor. A lei reza sobre a responsabilização de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública. Nesse tempo a intenção era a sanção às empresas privadas, contudo, depois dos escândalos envolvendo estatais como a Petrobrás, institutos dessa lei podem vir a ser utilizados na apuração de infraçôes praticadas nas empresas públicas e sociedades de economia mista.
3.2.2. Ofício-Circular CVM/SEP 02/2015
Após o escândalo da Lava-Jato os valores da Petrobrás despencaram nas bolsas de valores. Outras estatais também perderam, por consequência, a confiança do investidor. Até mesmo as empresas privadas foram prejudicadas pela via oblíqua. O dólar aumentou demasiadamente. A economia do país restou altamente prejudicada. Quase de imediato forma tomadas posturas para dar novamente credibilidade sobre nossos valores mobiliários aos investidores. A Comissão de Valores Mobiliários expediu o Ofício Circular 02/2015, em fevereiro de 2015, no qual fixou orientações gerais sobre procedimentos a serem observados pelas companhias abertas, estrangeiras e incentivadas. A Superintendência de Relações com Empresas (SEP) da Comissão de Valores Mobiliários emite ofícios-circulares a fim de orientar os emissores de valores mobiliários sobre os procedimentos que devem ser observados no envio de informações periódicas e eventuais. Através deste ofício, a SEP fomenta a divulgação das informações corporativas de acordo com as modernas formas de gestão, tendo por objetivo a transparência e a equidade no relacionamento com os investidores e o mercado. Desta forma busca minimizar eventuais desvios, como os gerados pela corrupção. Como esta orientação do ofcío-circular 02/2015 é voltada às companhias abertas, elas se aplicam às sociedades de economia mista (SEM) que possuem capital aberto com valores mobiliários negociáveis. Neste momento a transparência deixa de ser exigida apenas das empresas da iniciativa privada e passam às SEM.
3.2.3. Decreto 8.420/2015
Em março de 2015, foi o editado o referido decreto que regulamentou diversos aspectos da lei anticorrupção, tais como critérios para o cálculo de multa e para a celebração dos acordos de leniência, bem como disposições sobre os cadastros nacionais de empresas punidas. A lei confere à Controladoria-Geral da União (CGU) competência exclusiva para instauração, instrução e julgamento dos atos que sejam lesivos à administração pública, tendo também competência para a gestão do Cadastro Nacional de Empresas Punidas (Cnep) e do Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas (Ceis). Também dispôs sobre parâmetros para avaliação de programas de compliance, com mecanismos e procedimentos de integridade, auditoria, aplicação de códigos de ética e conduta dentro das empresas, além de incentivos que devem ser realizados para que ocorra a denúncia de irregularidades no âmbito corporativo que serão monitorados pela CGU. A compliance deve ser estruturada de acordo com os riscos da atividade de cada pessoa jurídica, sendo que ela deve sempre aprimorar o programa de integridade. Assim como a lei que o decreto regula, as empresas estatais não formam o foco da regulamentação, entretanto, por serem regras para as pessoas jurídicas em geral, se aplicam às empresas estatais (empresa pública e sociedade de economia mista).
3.2.4. Portaria CGU 909/2015
A portaria da CGU nº 909, de 7 de abril de 2015 dispõe sobre a avaliação de programas de integridade de pessoas jurídicas dispostos no Decreto nº 8.420/2015. Para que seu programa de integridade seja avaliado, a pessoa jurídica deverá apresentar o relatório de perfil e o relatório de conformidade do programa. O relatório de perfil trata de informações sobre áreas gerais do funcionamento da empresa. Já o relatório de conformidade do programa avalia a adequação e eficácia do programa de integridade. O Decreto nº 8.420/15 estabeleceu privilégios para empresas que possuem programa de integridade, mas para isso, a portaria estabece critérios para avaliar se o programa instituído é meramente formal ou se resulta em diminuição dos riscos da empresa se envolver em práticas irregulares. De acordo com essa avaliação será ou não adotada as vantagens trazidas pelo decreto.
3.2.5. Programa Destaque em Governança de Estatais (BM&FBovespa/09/2015)
Em decorrência do cenário conturbado que atingiu a confiança dos investidores no Brasil recentemente, em especial, nas sociedades de economia mista abertas, foi necessário buscar formas de diminuir as incertezas que cercam a gestão e a divulgação de informações. Nesse diapasão, a BM&FBOVESPA desenvolveu o Programa Destaque em Governança de Estatais a fim de incentivar as companhias controladas pelo governo a aprimorar suas práticas de governança corporativa. O Programa é voltado a estatais abertas ou em processo de abertura de capital. Entretanto, a adesão ao Programa Destaque em Governança de Estatais é voluntária, o que pode fazer com que não surta o efeito desejado ante a inobrigatoriedade. O Programa certifica as estatais de acordo com as medidas que forem implementadas na governança corporativa. Será certificada como de Categoria 1 se implementar as 25 (vinte e cinco) medidas de governança previstas; e serão certificadas como de Categoria 2 as que impelmentarem 6 (seis) medidas obrigatórias e obter 27 pontos dos 37 disponíveis em relação às medidas opcionais. É a primeira disposição específica para as empresas estatais e que, por ser recente, levará algum tempo para vermos se gerou resultado.
3.2.6. Lei 13.303/2016 e as perspectivas trazidas pelo novo regime jurídico das estatais
Se o Programa da BM&FBovespa era voluntário, com a Lei 13.303/16 as regras de compliance nas estatais brasileiras tornaram-se obrigatórias. Ou pelo menos se tornarão já que possuem um prazo de 24 (vinte e quatro) meses para se adequarem aos ditames da lei. Essa lei tem sido chamada de Estatuto Jurídico da Estatais, Lei de Responsabilidade das Estatais, ou simplesmente Lei das Estatais. De qualquer forma, disciplinou a exploração da atividade econômica realizada diretamente pelo estado nos termos do art. 173 da Cosntituição Federal. A lei das estatais trouxe um conceito moderno para empresa pública, socedade de economia mista, já pacificados na doutrina administrativista. Importante destacar que a lei não trata apenas da empresa pública (EMP) e sociedade de economia mista (SEM) exploradoras de atividade econômica, mas também regula as prestadoras de serviços públicos. A jurisprudência sempre foi chamada a se manifestar sobre diversas questões, prncipalmente licitatórias, que eram tratadas de forma distinta dependendo se a EMP e a SEM exploravam atividade econômica ou prestavam serviço público. O regime jurídico das estatais uniformiza alguns procedimentos em todos os entes da federação. Essencial também observar que a lei federal obriga as estatais federais, estaduais e municipais. A autonomia dos entes em direito administrativo sempre foi um problema no país que gera disparidades dentro do território nacional. Há outras regras importantes sobre o regime societário das estatais e as formas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade trazidas pelo referido diploma normativo. Com relação à aplicação da compliance nas estatais, essa lei estabeleceu vários mecanismos de transparência e governança. Dentre eles estão as regras para divulgação de informações, formas de fiscalização pelo Estado e pela sociedade, práticas de gestão de risco, códigos de conduta, constituição e funcionamento dos conselhos e requisitos para nomeação de dirigentes. Apesar da lei obrigar todos os entes federados e trazer disposições unas, com relação às regras sobre práticas de gestão de risco e controles internos, bem como a indicação de administradores comportam exceção. A lei estabeleceu que as EMP e SEM com receita operacional bruta inferior a R$ 90 milhões no exercício anterior, podem não se sujeitar às regras impostas.
Para estas estatais de menor porte, a lei permitiu que o Poder Executivo ao qual estão vinculadas crie normas de governança próprias. Se, entretanto, o Poder Executivo não editar essas regras no prazo de 180 (cento e oitenta) dias, suas estatais ficarão submetidas às diretrizes da Lei 13.303/16. Mas uma das disposições da Lei das estatais que gera maior repercussão, ou impecilho, nas práticas reiteradas de corrupção ocorridas no país é a mudança nos requisitos para escolha dos seus administradores. Qualquer cidadão brasileiro, por menor que seja seu envolvimento político, e em qualquer ente federativo brasileiro, já recebeu da mídia a informação de um senador/deputado/vereador que licencia-se para assumir um cargo por nomeação do chefe do Executivo. Ou ouviu reclamação de algum conhecido porque quem está dirigindo um determinado órgão ou entidade governamental é uma pessoa que apesar de indicada pela pessoa competente, não tem conhecimento nem capacidade técnica para atuar na área. Popularmente, muitos são entitulados como o braço do governo para desviar dinheiro de determinada instituição. A nomeação ad nutum sempre gerou discussões que pendiam entre a necessidade de uma pessoa de confiança ou a capacidade técnica. A lei alcançou o meio termo. Ainda há o processo de escolha, mas agora com requisitos mínimos. Analisando o art. 17 da lei 13.303/16 é fácil entender o porquê das modificações e sua repercussão futura.
"Art. 17. Os membros do Conselho de Administração e os indicados para os cargos de diretor, inclusive presidente, diretor-geral e diretorpresidente, serão escolhidos entre cidadãos de reputação ilibada e de notório conhecimento, devendo ser atendidos, alternativamente, um dos requisitos das alíneas “a”, “b” e “c” do inciso I e, cumulativamente, os requisitos dos incisos II e III:
I - ter experiência profissional de, no mínimo:
a) 10 (dez) anos, no setor público ou privado, na área de atuação da empresa pública ou da sociedade de economia mista ou em área conexa àquela para a qual forem indicados em função de direção superior; ou
b) 4 (quatro) anos ocupando pelo menos um dos seguintes cargos: 1. cargo de direção ou de chefia superior em empresa de porte ou objeto social semelhante ao da empresa pública ou da sociedade de economia mista, entendendo-se como cargo de chefia superior aquele situado nos 2 (dois) níveis hierárquicos não estatutários mais altos da empresa; 2. cargo em comissão ou função de confiança equivalente a DAS-4 ou superior, no setor público; 3. cargo de docente ou de pesquisador em áreas de atuação da empresa pública ou da sociedade de economia mista;
c) 4 (quatro) anos de experiência como profissional liberal em atividade direta ou indiretamente vinculada à área de atuação da empresa pública ou sociedade de economia mista;
II - ter formação acadêmica compatível com o cargo para o qual foi indicado; e III - não se enquadrar nas hipóteses de inelegibilidade previstas nas alíneas do inciso I do caput do art. 1o da Lei Complementar no 64, de 18 de maio de 1990, com as alterações introduzidas pela Lei Complementar no 135, de 4 de junho de 2010. (...)
§ 2o É vedada a indicação, para o Conselho de Administração e para a diretoria:
I - de representante do órgão regulador ao qual a empresa pública ou a sociedade de economia mista está sujeita, de Ministro de Estado, de Secretário de Estado, de Secretário Municipal, de titular de cargo, sem vínculo permanente com o serviço público, de natureza especial ou de direção e assessoramento superior na administração pública, de dirigente estatutário de partido político e de titular de mandato no Poder Legislativo de qualquer ente da federação, ainda que licenciados do cargo;
II - de pessoa que atuou, nos últimos 36 (trinta e seis) meses, como participante de estrutura decisória de partido político ou em trabalho vinculado a organização, estruturação e realização de campanha eleitoral;
III - de pessoa que exerça cargo em organização sindical;
IV - de pessoa que tenha firmado contrato ou parceria, como fornecedor ou comprador, demandante ou ofertante, de bens ou serviços de qualquer natureza, com a pessoa político-administrativa controladora da empresa pública ou da sociedade de economia mista ou com a própria empresa ou sociedade em período inferior a 3 (três) anos antes da data de nomeação;
V - de pessoa que tenha ou possa ter qualquer forma de conflito de interesse com a pessoa político-administrativa controladora da empresa pública ou da sociedade de economia mista ou com a própria empresa ou sociedade.
§ 3o A vedação prevista no inciso I do § 2o estende-se também aos parentes consanguíneos ou afins até o terceiro grau das pessoas nele mencionadas. (...)
§ 5o Os requisitos previstos no inciso I do caput poderão ser dispensados no caso de indicação de empregado da empresa pública ou da sociedade de economia mista para cargo de administrador ou como membro de comitê, desde que atendidos os seguintes quesitos mínimos:
I - o empregado tenha ingressado na empresa pública ou na sociedade de economia mista por meio de concurso público de provas ou de provas e títulos;
II - o empregado tenha mais de 10 (dez) anos de trabalho efetivo na empresa pública ou na sociedade de economia mista;
III - o empregado tenha ocupado cargo na gestão superior da empresa pública ou da sociedade de economia mista, comprovando sua capacidade para assumir as responsabilidades dos cargos de que trata o caput".
Notamos que vários requisitos cumulativos agora são necessários para escolha dos membros do conselho de administração e diretores, limitando expressamente os favores que nosso país sempre conheceu para investidura em tais cargos. Mesmo em caso de empregado da EMP ou SEM há requisitos a serem obedecidos. Ainda, há vedação expressa nos casos elencados. Sobre a composição do Conselho de Admistração também repousam requisitos e vedações para a participação:
"Art. 22. O Conselho de Administração deve ser composto, no mínimo, por 25% (vinte e cinco por cento) de membros independentes ou por pelo menos 1 (um), caso haja decisão pelo exercício da faculdade do voto múltiplo pelos acionistas minoritários, nos termos do art. 141 da Lei no 6.404, de 15 de dezembro de 1976.
§ 1o O conselheiro independente caracteriza-se por:
I - não ter qualquer vínculo com a empresa pública ou a sociedade de economia mista, exceto participação de capital;
II - não ser cônjuge ou parente consanguíneo ou afim, até o terceiro grau ou por adoção, de chefe do Poder Executivo, de Ministro de Estado, de Secretário de Estado ou Município ou de administrador da empresa pública ou da sociedade de economia mista;
III - não ter mantido, nos últimos 3 (três) anos, vínculo de qualquer natureza com a empresa pública, a sociedade de economia mista ou seus controladores, que possa vir a comprometer sua independência;
IV - não ser ou não ter sido, nos últimos 3 (três) anos, empregado ou diretor da empresa pública, da sociedade de economia mista ou de sociedade controlada, coligada ou subsidiária da empresa pública ou da sociedade de economia mista, exceto se o vínculo for exclusivamente com instituições públicas de ensino ou pesquisa;
V - não ser fornecedor ou comprador, direto ou indireto, de serviços ou produtos da empresa pública ou da sociedade de economia mista, de modo a implicar perda de independência;
VI - não ser funcionário ou administrador de sociedade ou entidade que esteja oferecendo ou demandando serviços ou produtos à empresa pública ou à sociedade de economia mista, de modo a implicar perda de independência;
VII - não receber outra remuneração da empresa pública ou da sociedade de economia mista além daquela relativa ao cargo de conselheiro, à exceção de proventos em dinheiro oriundos de participação no capital".
Entendemos ainda, que as EMP e SEM de menor porte, sobre as quais os entes federados poderão ditar regras próprias, não poderão ir contra os preceitos da lei 13.303/15, retirando restrições para nomeação de gestores sob pena de declaração de inconstitucionalidade das referidas leis. Tais regras trazidas este ano refletem a necessidade de atingir a função social da empresa pública e a sociedade de economia mista, a saber, a realização do interesse coletivo ou de atendimento a imperativo da segurança nacional expressa no instrumento de autorização legal para a sua criação.
CONCLUSÃO
Por muito tempo o foco do combate à corrupção foi o controle/fiscalização da atividade privada, e não sem motivo, pois muitos casos de fraudes foram conferidos à relação entre sociedades empresárias e o poder público. Atualmente, e graças a episódios fatídicos, essa preocupação/normatização ética foi trazida às empresas estatais. Fato necessário e esperado pelos que lutam por uma país melhor. Contudo, devemos ponderar que não só as empresas privadas e as estatais estão relacionadas à corrupção no Brasil. Primeiramente, porque a corrupção tem sido um problema cultural que precisa ser tratado de forma educativa e preventiva. Além disso, autarquias, fundações públicas e privadas, associações públicas e privadas, bem como a própria administração pública direta está eivada de vícios, sejam culposos ou dolosos, que não observam as normas regulamentares. A integridade deve ser buscada em cada órgão e entidade do poder público, e em cada pessoa jurídica de direito privado.
Não basta tomar medidas de cunho midiático ou apenas emergencial. O Brasil precisa de um programa generalizado de busca de integridade. A lei 13.303/16 promete atingir esse objetivo, mas só com o tempo comprovaremos sua eficiência. De qualquer forma, apenas com um compromisso sério poderemos tornar nossa economia forte, e nossa política estável, gerando o que se espera da Administração Pública: bem estar e justiça social.
REFERÊNCIAS
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Breves comentários sobre a convenção das nações unidas contra a corrupção. Disponível em: http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr5/publicacoes/ publicacoes-diversas/comentarios_cnucc.pdf. Acesso em 27/10/16.
Convencao da ONU. Disponível em: http://www.cgu.gov.br/sobre/perguntasfrequentes/articulacao-internacional/convencao-da-onu. Acesso em 23/10/16.
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TAFFARELLO, Rogério Fernando. Lei Anticorrupção: acordo de leniência e polêmicas suscitadas pela MP 703. Disponível em: http://politica. estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/lei-anticorrupcao-acordo-de-leniencia-epolemicas-suscitadas-pela-mp-703/. Acesso em 19/10/16.