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O voto facultativo como um passo da reforma política

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30/11/2016 às 15:50
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As manifestações populares reacendem a necessidade de uma reforma política: é necessário considerar o eleitor como agente na derrocada do cenário político, para que sejam observados os malefícios relacionados à qualidade da escolha do eleitor.

As questões políticas levantadas desde as manifestações populares em 2013 reacenderam a discussão acerca da necessidade de uma reforma política e quais medidas seriam bastante para frear a corrupção e o desvio de representatividade dos mandatários de cargos eletivos. A maior parte das medidas discutidas gira em torno do sistema eleitoral, não alcançando o eleitor. Este artigo se propõe a considerar o eleitor e sua contribuição como ativos na derrocada do cenário político, para que sejam, então, observados malefícios relacionados à qualidade da escolha do eleitor, causados pelo voto obrigatório.

A promulgação da Constituição Federal de 1988 assegurou direitos e garantias fundamentais como forma de redemocratização do país. Os expressamente previstos no art. 5º, caput, são: vida, liberdade, igualdade, segurança e propriedade.

Em razão do panorama da época, foram especialmente acautelados os direitos políticos, entre eles, o sufrágio universal. Ainda buscando conferir legitimidade às eleições, bem como resguardar aqueles que mantivessem posição partidária, foi realizada a escolha do voto obrigatório pela Constituinte.

As evoluções políticas e sociais demonstraram que o sistema eleitoral brasileiro permite o uso da máquina pública indevidamente, afligida por corrupção, nepotismo, perpetuação no poder e nenhuma fidelidade ao interesse do eleitor.

Ainda após dois anos da explosão social de 2013, não houve um plano consistente que pudesse oferecer a mudança urgente esperada. Entretanto, pequenas providências estão sendo acolhidas, que podem conferir reflexos a longo prazo. Por fim, entre as disposições levantadas, o voto facultativo foi solenemente derrotado, sem demais debates que pudessem alcançar os benefícios que proporcionaria esta escolha. Por este motivo, serão tecidas algumas considerações que buscam dimensionar qual seria a contribuição do voto não obrigatório.

O VOTO COMO INSTRUMENTO DA DEMOCRACIA REPUBLICANA REPRESENTATIVA

O Brasil é uma República democrática representativa, ou seja, sua forma de governo consiste na representatividade da sociedade através de mandatos outorgados pelo voto da maioria.

Em associação à forma de governo republicana, a democracia exige que o poder seja exercido em nome de todo o povo “a forma republicana não implica apenas que o poder seja contido pelas leis e se exerça para o povo, mas exige que seja exercido por todo o povo, ou em seu nome, quando se trata do princípio democrático representativo.” (CARVALHO, 2015, p. 219 ).

O sufrágio é universal, ou seja, todos possuem o direito de votar e ser votado, sem distinção e garante a disputa entre todos de forma equiparada. Cândido (2015diferencia sufrágio e voto nas seguintes linhas[1] :

“sufrágio e voto, portanto, não são sinônimos. O sufrágio é universal, isto é, todos os cidadãos, sem intermediários, tem o direito de escolher os titulares dos cargos eletivos. O voto é secreto e obrigatório, ou seja, cada cidadão dispõe do conhecimento da manifestação de vontade em que consiste seu conteúdo, sob pena de cancelamento da inscrição eleitoral. O voto é o exercício do direito ao sufrágio.”

O voto no Brasil foi instituído pela Constituição outorgada em 1824 e posteriormente ratificado pelas que se seguiram em 1824, 1934 e finalmente pela promulgada em 1988. Também confirmado pelo Código Eleitoral em 1932 e em 1965, no seu art. 6º.

A Assembléia Nacional Constituinte da atual Constituição levantou questionamentos acerca do tema e concluiu que “o Estado seria o tutor da consciência das pessoas, impondo sua vontade à vontade do cidadão até mesmo para obrigá-lo a exercer sua cidadania[2]. O que seria controverso ao artigo 1º, no qual a nossa própria Carta Política consagra a soberania e no seu parágrafo único confirma que todo poder emana do povo.

O direito político contidos nos arts. 14, 15 e 16 da Constituição da República possibilitam a participação popular na formação da vontade do Estado, através do qual é possível para o cidadão o sufrágio (direito de votar e ser votado) e a elegibilidade.

A Carta Magna de 1988 traz a obrigatoriedade do voto eleitoral para todos os cidadãos, exceto para os analfabetos, os menores com 16 e 17 anos e para os idosos maiores de 70 anos.

De acordo com a realidade fática da época em que a Constituinte foi reunida, existia grande instabilidade política em razão da tomada de poder e ditadura anteriormente instalada.

Em razão da supressão de direitos, opressão social e eminência de novo golpe de Estado, havia uma grande comoção social para que fossem reinstaladas garantias que impedissem a manutenção de condutas e institutos aplicados pelos militares.

Por esse motivo, vez que se apresentava o cenário de medo pela população e instabilidade das instituições, a instituição do voto obrigatório garantia que todos comparecessem as urnas e que o representante escolhido tivesse sido eleito pela maioria da população. Não seria bastante garantir o sufrágio, muito menos a simples possibilidade de votar. Era necessário que o voto fosse secreto, direto e obrigatório, para que o cidadão soubesse que sua escolha seria sigilosa, respeitada, e, como muitos temiam que o comparecimento às urnas gerasse qualquer risco a sua integridade física, obrigou-se a todos.

Em verdade, a obrigatoriedade do voto não é mais do que fictícia. Primeiro em razão da possibilidade de pagamento de multa no caso de abstinência injustificada, o que por si é uma forma de descumprimento. Em segundo, também está estabelecido o voto branco/nulo como meio de evitar um posicionamento direto acerca dos candidatos disponíveis.

Também é cabível o entendimento de que seria obrigatório o comparecimento às urnas, não necessariamente o voto, como preleciona Mendes (2015, pag. 716) e em seguida Silva (2014, pag. 363):

“A obrigatoriedade do voto refere-se tão somente ao dever de comparecer às eleições ou, no caso de impossibilidade, ao dever de justificar a ausência. A escolha que há de ser feita pelo eleitor é evidentemente livre, podendo ele tanto escolher os candidatos de sua preferência como, eventualmente, anular o voto ou votar em branco.”

“A liberdade de voto é fundamental para sua autenticidade e eficácia. Manifesta-se não apenas pela preferência a um candidato entre os que se apresentam, mas também pela faculdade até mesmo de depositar uma cédula em branco na urna ou de anular o voto. Essa liberdade deve ser garantia, daí por que mostramos que a obrigatoriedade do voto, exigida em nossa Constituição, não pode significar senão o comparecimento do eleitor, a deposição da cédula na urna e a assinatura da folha individual de votação. Quer dizer, é obrigatoriedade forma, que não atinge o conteúdo da manifestação da vontade do eleitor. O dever político-social do voto, já referido, é que exige uma tomada de posição positiva do eleitor, com efetiva participação no processo político e, por esse modo, nos órgãos governamentais por meio de seus representantes. Por isso é que também dissemos que, a rigor, o voto branco, o voto vazio, ou o voto nulo não são votos, porque não tem eficácia política.”

A Consultoria Legislativa do Senado Federal[3] expôs como principais argumentos para os que defendem a obrigatoriedade do voto:

  1. O voto é um poder-dever;
  2. A maioria dos eleitores participa do processo eleitoral;
  3. O exercício do voto é fator de educação política do eleitor;
  4. O atual estágio da democracia brasileira ainda não permite a adoção do voto facultativo;
  5. A tradição brasileira e latino-americana é pelo voto obrigatório;
  6. A obrigatoriedade do voto não constitui ônus para o País, e o constrangimento ao eleitor é mínimo, comparado aos benefícios que oferece ao processo político-eleitoral.

Existe uma polêmica acerca do voto se tratar de um dever ou de um direito. Como já explanado, a obrigatoriedade é simplesmente formal, ou seja, a obrigação reside na presença do cidadão na urna para que deposite uma cédula, mas não no ato de escolher um representante, pois poderá votar nulo. Assim, escolher o seu representante é atitude facultada ao cidadão, motivo pelo qual a obrigatoriedade como participação social no processo eleitoral é mitigada.

Também não é razoável considerar que se trata da representatividade da maioria, pois se forem somados aqueles que pagaram a multa ou justificaram o voto, mais aqueles que votaram nulo ou branco, e, ainda, aqueles que votaram sem qualquer consciência social acerca do seu representante, seria totalmente questionável a legitimidade daquele que teve a maior parte das intenções.

Finalmente, quanto ao voto obrigatório forçar a educação política no Brasil, este não é a realidade brasileira.

O IMPACTO DA QUALIDADE DO VOTO NAS ELEIÇÕES

A baixa escolaridade, aliada ao desinteresse político do brasileiro são responsáveis pela apatia social que adormece as mudanças necessárias. Uma pesquisa feita pelo IBGE[4] em quatro estados (Pará, Pernambuco, São Paulo, Rio Grande do Sul) e o Distrito Federal, com mais de cinco mil entrevistados, foi apresentada em agosto de 2013 e apontou que a leitura ocupa escassos 6 minutos do tempo diário das pessoas, enquanto passam a média de 2 horas e 35 minutos assistindo à televisão.

O IBOPE[5] divulgou a “Pesquisa Brasileira de Mídia 2014” em que restou constatado que 75% dos entrevistados nunca lê jornal e 85% nunca lê qualquer revista. No extremo oposto, apenas 6% dos brasileiros leem jornais diariamente. Dados estarrecedores para uma massa pensante de eleitores que deveriam estar supostamente se informando acerca do candidato.

A programação televisiva é voltada para entretenimento, o que formata até os programas voltados para o público adulto como os jornais e debates em formatos pockets ou fast foods, ou seja, de fácil digestão e aparência atrativa.

Apesar do espaço televisivo se tratar de uma concessão pública, a maior parte dos canais são geridos por empresas com investimento de fundo religioso ou de parcialidade política, o que facilita a manipulação das informações e a ocultações de dados de forma tendenciosa.

Por este motivo, muitos brasileiros não aprofundam seu interesse político, acreditando que em razão de assistir a programas televisivos com efeitos informativos superficiais seriam o bastante para formar uma base de conhecimento acerca do candidato.

De acordo com pesquisa do Vox Populi[6] realizada entre 31 de outubro a 05 de novembro em 170 municípios, a maioria da população (69%) não conversam regularmente sobre política e apenas 4% acham relevante o partido político do candidato na hora de votar.

De certo que o mérito da ausência de esclarecimentos sobre o processo político e eleitoral no Brasil tem como base a presença de uma educação deficiente e a cultura do pão e circo, ainda vigente. Ainda assim, não há qualquer motivo razoável a obrigar os eleitores incluídos nas porcentagens já citadas a comparecer às urnas, vez que seu voto não é consciente.

Se a adoção do voto obrigatório fosse aumentar a consciência política e social pela condução coercitiva à cabine de votação, os países que adotassem tal regime teriam que estar entre os melhores IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do mundo, o que não é verdade[7].

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A afirmação do benefício da obrigatoriedade do voto cai por terra ao se verificar que termina por forçar diversos cidadãos sem condições de comparecer ao local da votação a se submeter à troca do voto pela condução, ou ainda, por alguns benefícios que se tratam de condições básicas ainda não atendidas pelo Estado.

O índice de analfabetismo brasileiro é considerado ainda alto, são cerca de 13 milhões de pessoas em quase 200 milhões e o índice de analfabetismo funcional alcança 27% da população[8].

Nas cidades em que há predominância financeira e, conseqüentemente, política de um grupo, este estabelece aos seus subordinados/empregados/dependentes que o voto seja direcionado e, na oportunidade do voto ser facultativo, o seu controle é facilitado, chamado voto de cabresto.

O emprego do voto como moeda de troca não necessariamente cessaria quando estabelecido o voto facultativo, vez que a corrupção se trata do maior entrave político/social do país atualmente. Entretanto, forçar o eleitor em estado de vulnerabilidade a ter mais um dispêndio com o dever com o Estado, quando este não tem qualquer interesse em participar do processo eleitoral, termina por estimular o uso do voto desse eleitor como moeda de troca.

A fiscalização e vigilância do Estado não alcançam todos os cantos de um país de proporções continentais e onde não há presença deste, os riscos sociais empurram os cidadãos ao limite da precariedade e da marginalidade.

Sendo assim, existe o entrave da corrupção, que aterroriza a sociedade e chega a levantar o fantasma da intervenção militar como uma possível solução.O Brasil possui mais de 80% (oitenta por cento) de sua população residente nos grandes centros urbanos, com amplo acesso à informação, o que descaracteriza o perigo do voto de cabresto ser utilizado de forma agressiva a abalar a legitimidade da votação de forma facultativa.

A compra de votos é uma infeliz realidade que permanecerá a ocorrer enquanto não houver a educação maciça da sociedade, fazendo parte do grande movimento de progresso social.

A conseqüência dessa situação é o comparecimento em massa de eleitores conduzidos por ganho direto na votação e o afastamento daqueles que não possuem um proveito e parcialidade, mas deveriam estar envolvidos no interesse político da nação.

Enquanto o voto facultativo é amplamente adotado pelos países desenvolvidos e visto como uma característica de progresso e consolidação da democracia. Segundo a Agência Central de Inteligência dos EUA, dos 236 países em que se há eleições, em apenas 31 deles o voto é obrigatório.

Logo, apesar do voto obrigatório ser uma tradição latino-americana, apenas 13% dos países do mundo ainda o exercem dessa forma. Ou seja, a grande divergência quanto ao voto facultativo reside na dúvida acerca da maturidade do eleitor brasileiro e da democracia das instituições.

Muitos brasileiros são avessos à política e, desacreditados, se afastam do processo eleitoral. A facultatividade do voto iria afasta-los ainda mais da discussão política e agregaria certamente apenas aqueles com envolvimento político direto, o que pode ser positivo ou não.

Inobstante a grande ameaça de alimentar o controle do voto, a obrigatoriedade deste também encaminha diversos cidadãos revoltados e avessos a deveres públicos às urnas, o que é comprovado pelo alto índice de votos nulos, brancos e de protesto.

Conforme dados da eleição presidencial de 2014, na primeira fase da eleição os votos bancos e nulos alcançaram a margem de 10%, recorde desde 1994[9].

O Instituto Internacional para Democracia e Assistência Eleitoral (IDEA), esclarece que eleitor obrigado a comparecer às urnas contra a sua vontade termina por votar em um candidato de forma aleatória, o que compromete a qualidade dos candidatos eleitos[10]:

“Another consequence of mandatory voting is the possible high number of "random votes". Voters who are voting against their free will may check off a candidate at random, particularly the top candidate on the ballot. The voter does not care whom they vote for as long as the government is satisfied that they fulfilled their civic duty. What effect does this immeasureable category of random votes have on the legitimacy of the democratically elected government?”

A tese de que a maioria dos eleitores participa do processo eleitoral é mitigada quando consideradas as abstenções, multas, justificativas e votos de cabresto. Dessa forma, caso fosse implementada a discricionariedade na escolha do ato de votar, muitos desses votos não seriam computados, mas também não podem ser hoje considerados como legitimadores do eleito.

A necessidade do comparecimento dos eleitores à urna irá estimular os candidatos a prover debates e discussões frutíferas. Se até então poderiam contar que o voto de desinformados, desinteressados ou até ignorantes politicamente, a partir da alteração deverão se preocupar em atrair este público, o que gera maior educação política.

De acordo com Murillo de Aragão, na sua obra “Reforma Política: o debate inadiável”, este seria um dos motivos da derrocada do sistema eleitoral:

“(...) Em geral, os programas partidários no Brasil são feitos para cumprir a regra e preencher discursos vazios. São letra morta. Poucas vezes existe um debate onde se relaciona a conjuntura política e econômica e os programas partidários. Até mesmo as propagandas partidárias na televisão terminam sendo mais mensagens de cunho eleitorall do que programática. Falta um regramento claro da justiça eleitoral no sentido do uso correto do espaço gratuito dos partidos na televisão.” (ARAGÃO, 2014, p.71)

O resultado da corrida dos candidatos pelos eleitores que não pretendem ir às urnas será um ganho social, vez que o investimento na importância do voto e da sua qualidade estará a cargo do candidato. Assim, este estará à disposição do eleitor, e não o contrário.

Diversos candidatos têm buscado angariar votos através de personagens ou características inusitadas como palhaços, atletas, modelos, entre outros, e são eleitos como forma de protestos pela população, prejudicando o processo eleitoral tão fielmente protegido pelo voto obrigatório.

Celebridades como o estilista Clodovil (deputado federal de 2007 a 2009), o palhaço Tiririca (deputado federal desde 2010), o jogador de futebol Romário (deputado federal desde 2011) e alguns antigos participantes de programas de realty show foram eleitos. Também já foram destaque animais como um rinoceronte eleito vereador, um macaco que alcançou o terceiro lugar da prefeitura do Rio de Janeiro e o mosquito Aedes Aegypti, foi eleito prefeito de Vila Velha, no Espírito Santo[11], o que deixa claro que o voto obrigatório é amplamente usado como voto de protesto, comprometendo a discussão eleitoral.

Nossa democracia ainda não foi estabelecida de forma categórica, mas já alcançou progressos. As últimas discussões políticas após a eleição presidencial de 2014 refletem o amadurecimento do eleitor, que busca interagir, discutir, questionar e, além disso, participar do processo político e encaminhamento das medidas políticas/sociais.

DA SÚPLICA POPULAR POR MUDANÇAS

Em razão do clamor social, desde a década de 80 se busca a reforma política e ajustes que afastem a corrupção e agreguem qualidade aos serviços públicos: no fim dos anos 70 extinguiu-se o bipartidarismo imposto pelo regime militar, institui-se o uso da urna eletrônica e aprovou-se a lei n.º 9.504/97, houve o fortalecimento da fidelidade partidária por decisões do Supremo Tribunal Federal, em 2009 foi aprovada a lei n.° 12.034 que regulamenta doações a candidatos e em 2010 aprovou-se a Lei da Ficha Limpa, proposta através de iniciativa popular.

Outras medidas pontuais também fortaleceram a democracia, como o crescimento de conselhos de direitos de cidadania, a vedação da transferência de recursos da União de forma discricionária para outros Entes Federativos no período eleitoral, ou, ainda, que nesse mesmo período ninguém poderá ser contratado ou demitido no funcionalismo público. 

Além das medidas que foram implementadas, muitas ainda estão sendo discutidas, vez que englobam alterações importantes para o funcionamento do sistema eleitoral e partidário do Brasil de forma íntegra.

Inclusive, o Ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Roberto Barroso, em entrevista ao jornal O Globo de 28/08/2013 afirmou que tanto o sistema eleitoral, quanto o partidário são “indutores da criminalidade”. Uma pesquisa do IBOPE encomendada pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) e publicada pelo site[12] do Estadão, revelou que 85% dos brasileiros são a favor da reforma política.

Apesar de todo o crescimento econômico, político e social da República Federativa do Brasil desde sua promulgação, alguns marcos continuam sustentados, como a obrigatoriedade do voto.

Por esse motivo, muitos acreditam que será um avanço necessário ao longo da marcha da evolução do nosso país, conforme o presidente do

Tribunal Superior Eleitoral, ministro Marco Aurélio: “A escolha dos representantes se faz considerado o exercício de um direito, o direito de escolher seus representantes. Eu penso que vamos chegar ao dia em que deliberaremos a respeito do voto obrigatório afastando-o”.[13]

O voto facultativo não fere o princípio republicano e democrático, vez que aquele que se ausenta de comparecer às urnas o faz voluntariamente e, por este motivo, dá ao outro cidadão que compareceu às urnas a prerrogativa que eleja o representante por si.

Preleciona Kildare Golçalves Carvalho que o ideal republicano de representatividade utilizado no renascimento não poderá ser reproduzido fielmente, vez que a dimensão geográfica e a densidade demográfica, associadas à desigualdade econômica são verdadeiros obstáculos:

(...) Com efeito, diante da grande desigualdade social, em países como o Brasil, o estabelecimento das virtudes civis se mostra tarefa de difícil realização. Em contraponto, a atualidade dos ideais republicanos está em que seu conteúdo é principiológico. (...) (CARVALHO, 2014, p.219)

Logo, resta claro que o voto facultativo é legítimo, pois não é do comparecimento obrigatório de todos os eleitores às urnas que emerge sua legitimidade.

Mesmo após as mudanças sociais e políticas o Brasil precisa continuar avançando quanto a direitos e obrigações, para que através da pressão social os políticos criem interesse em realmente governar para a maioria.

No segundo semestre de 2013 manifestações sociais eclodiram em diversas cidades do país por uma reforma política urgente. Entre os órgãos nacionais se destacam a OAB e a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil). Essa última foi responsável por um documento de três páginas

 intitulado “Manifesto da sociedade civil por uma reforma política democrática”[14]  que deixa clara a insatisfação do brasileiro frente as suas instituições e “instâncias da Democracia Brasileira”, identificadas como o Poder Legislativo, o Poder Judiciário e o Poder Executivo.

Outro acréscimo à caminhada da transparência política no cenário brasileiro foi a aprovação da proposta de lei complementar (PLC 14/2013) que dificulta a criação de novos partidos que foi objeto de Mandado de Segurança (MS) 32033, impetrado pelo senador Rodrigo Rollemberg (Supremo Tribunal Federal, 2013)[15] e a ação direta de inconstitucionalidade (ADI 4650) ajuizada pela Ordem dos Advogados do Brasil que pretende a regulamentação de doações.

Assim, resta claro que diversos progressos estão sendo lentamente conquistados para que se alcance a real reforma política, necessária para democracia e a soberania popular de forma efetiva. Afinal, como Bolívar Lamounier preleciona que o Brasil, estaria vivendo uma crise por causa do esgotamento de seu sistema político, um tripé "extremamente problemático" formado por "arranjos excessivamente consociativos na esfera eleitoral-partidária, corporativismo na área sindical e presidencialismo plebiscitário" (Lamounier, 1992, p. 39).

Logo, um ponto crucial para a configuração da plena e estruturada democracia desejada é a instituição do voto facultativo, reconhecendo que este se trata de um direito, e não um dever, vez que enquanto o Estado obriga a condução do eleitor às urnas, este deixa de exercer um direito, para cumprir uma obrigação, supostamente sob o risco do Estado não garantir a manutenção da democracia. Ainda assim, os argumentos dos adversários do voto obrigatório foram elencados pela consultoria legislativa do Senado Federal[16] :

a) o voto é um direito e não um dever;

b) o voto facultativo é adotado por todos os países desenvolvidos e de tradição democrática;

c) o voto facultativo melhora a qualidade do pleito eleitoral pela participação de eleitores conscientes e motivados, em sua maioria;

d) a participação eleitoral da maioria em virtude do voto obrigatório é um mito;

e) é ilusão acreditar que o voto obrigatório possa gerar cidadãos politicamente evoluídos;

f) o atual estágio político brasileiro não é propício ao voto facultativo;

Apesar de amplamente discutidos e esclarecidos todos os pontos, permanece a resistência à implementação da facultatividade do voto e conclui-se que a atual situação política brasileira ainda não seria adequada a sua adoção.

Conseqüentemente, a comissão da Reforma Política decidiu não propor a mudança para o voto facultativo em 2011. Ainda assim, a PEC n.º 55/2012, do Senador Ricardo Ferraço com esse objeto foi rejeitada na CCJ e a matéria continua a tramitar, nos termos do art. 332 do Regimento Interno e do Ato da Mesa nº 2, de 2014.

DO RESULTADO PERANTE O CLAMOR PÚBLICO

É sabido que existe uma crise política atualmente instalada no país, que apesar da instabilidade econômica famigerada, termina por favorecer um cenário de discussões e mudanças que devem ser alimentadas.

De acordo com Fung (2011, p.857), professor de Harvard, em um texto sobre o desenvolvimento brasileiro, está ocorrendo uma reinvenção da democracia, o que pode parecer estranho em um país ainda cercado de dificuldade, pobreza e corrupção, mas será inevitável.

Reflexo disso foi a iniciativa popular ter proposto a Lei da Ficha Limpa (Lei Complementar nº. 135 de 2010) , que foi resultado de liderança do juiz Márlon Reis entre outros juristas que reuniu cerca de 1,6 milhão de assinaturas para atender aos anseios populares que demandavam punição mais rigorosa para os condenados por corrupção e maior criteriosidade para a elegibilidade.

A maior participação social e o seu estímulo através de medidas inovadoras é uma das soluções para a atual crise. Outro resultado dessa interação foi a criação do Orçamento Participativo, que oferece à sociedade a oportunidade de debater as prioridades orçamentárias no município, ganhou projeção internacional e exemplifica como o cidadão chamado para aderir ao movimento social/político possui interesse e envolvimento muito mais produtivo do que aquele que atende a um dever/obrigação cívica.

Pontes de Miranda assevera que a democracia, liberdade e igualdade andam juntas e devemos ampliar uma para que as outras também possam ser expandidas:

“Liberdade (fundo), igualdade (fundo) e democracia (forma) são três caminhos distintos, precisos, claros. São como três caminhos, três dimensões, pelas quais se anda: sobe-se por uma; por outra, vai-se para os lados; pela terceira, marcha-se para frente, ou para trás. Não se pode por uma só linha caminhas pelas três; nem avançar de um ponto, por uma delas, significa avançar pelas três. Cada uma existe independentemente das outras.”

Nesse interim, apesar de liberdade, igualdade e democracia serem conceitos diferentes, não podem caminhar separadamente: não há como continuar a progredir se forem mantidas antigas tradições e institutos que comprovadamente atrasam o progresso social, como é o caso do voto obrigatório.

O cidadão coagido a votar não necessariamente o faz com interesse cívico e munido de informações e dados necessários aquele desempenho.

Cada cidadão deve faze-lo de acordo com sua livre e espontânea vontade e conhecimento político para que venha a acrescentar no progresso social.

O voto deve ser realizado em razão do dever moral e cívico do cidadão de acordo com seu despertar político, o que qualificaria sua opinião, em consonância aos ensinamentos de Kant ( WEFFORT, 2006, p.51):

A metafísica da moral, como filosofia moral pura, é dividida em duas partes. A primeira diz respeito à justiça; a segunda, à virtude. Ambas tratam das leis da liberdade, por oposição às leis da natureza; mas a legalidade se distingue da moralidade pelo tipo de motivo pelo qual as normas são cumpridas. A mera conformidade da ação à norma caracteriza a legalidade; para que a ação seja moral, é preciso que a ação se realize pelo dever. As leis jurídicas são externas ao indivíduo, e podem coagi-lo ao seu cumprimento. As leis morais, tornando obrigatórias certas ações, fazem ao mesmo tempo da obrigação o móbil do seu cumprimento (cf, MEJ, p.19; Terra, passim).

No contexto exibido é necessário entender o “dever” como devoção moral e não obrigação cívica. Resta muito claro que, uma vez que o ato do voto adstrito ao cumprimento da lei expurga a intenção de atender a tarefa moral de acordo com a consciência do indivíduo. Já as leis morais, uma vez caracterizadas sua importância social, serão cumpridas de forma satisfatória.

O dever social e a consciência política devem ser os motivos ensejadores do voto, não uma coação estatal que termina por permitir o uso do voto de forma fraudulenta, tendenciosa ou como protesto.

Esse entendimento, inclusive, foi transbordado por Silva (2014, pag. 362), nas seguintes palavras:

“Daí se conclui que o voto é um direito público subjetivo, uma função social (função da soberania popular na democracia representativa) e um dever, ao mesmo tempo. Dever jurídico ou dever social? Não resta dúvida que é um dever social, dever político, pois “sendo necessário que haja governantes designados pelo voto dos cidadãos, como é da essência do regime representativo, o indivíduo tem o dever de manifestar sua vontade pelo voto”. Esse dever sociopolítico do voto independe de sua obrigatoriedade jurídica. Ocorre também onde o voto seja facultativo. Mas, como simples dever social e político, seu descumprimento não gera sanção jurídica, evidentemente.”

Existem diversos entraves necessários de serem enfrentados pela reforma política como o abuso de poder econômico e político, a distorção da representação política da população, mau uso dos recursos públicos, entre outros, mas a ausência de debate e a precariedade no uso da propaganda política no rádio e televisão seriam relativizadas através da facultatividade do voto.

Em verdade, não existe uma proposta pronta e acabada que resolvesse os problemas da estagnação política e social do Brasil, mas as mudanças a vista são os próximos passos para dar continuidade à marcha lenta do progresso e a facultatividade do voto não poderá estar a par destas.

A intenção do voto facultativo é aprofundar a discussão política, que exigiria uma procura do candidato pelo eleitorado através dos meios de comunicação disponíveis e elevando a discussão para além do rasteiro.

Enquanto as medidas sociais expandem a escolarização e educação de forma geral, deverá ser enfrentada a obrigatoriedade do voto, como fator que prejudica a qualidade dos candidatos e sua campanha.

Não seria correto aduzir que a manutenção do voto obrigatório reforçará a democracia ou que sua facultatividade impedirá que o cidadão mantenha seu dever cívico, pois todos seriam governados pela escolha de alguns, pois as experiências passadas no Brasil e nos outros países demonstram o contrário.

Nessa mesma linha, também não é possível afirmar a adoção do voto facultativo irá transformar de forma instantânea a política brasileira, mas faz parte de um conjunto de medidas que agregados ao maior alcance da educação irão transformar a sociedade.

Finalmente, existem mais méritos em acolher o volto facultativo, do que em afastá-lo na atual conjuntura política e social brasileira, bem discrepante daquela realidade pós ditadura.

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Sobre a autora
Cássia Campos Almeida

Mestranda em Políticas Sociais e Cidadania pela Universidade Católica do Salvador - UCSal, Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela JusPodivm (2012) e em Direito Eleitoral pela Faculdade UnyLeya (2016). Graduada em Direito pela UCSal em 2010. Monitora de da disciplina Direito Constitucional no Complexo de Ensino Renato Saraiva - CERS. Advogada. http://lattes.cnpq.br/1717713399899970

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA, Cássia Campos. O voto facultativo como um passo da reforma política. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 21, n. 4900, 30 nov. 2016. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/54211. Acesso em: 21 nov. 2024.

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