O processo administrativo sancionador no âmbito da previdência complementar fechada.

Procedimentos práticos e questões jurídicas

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30/11/2016 às 09:26
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4. QUESTÕES NOS PROCESSOS ADMINISTRATIVOS SANCIONADORES NO ÂMBITO DA PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR FECHADA

4.1 RESPONSABILIDADE SUBJETIVA E INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA

O objetivo de um processo administrativo sancionador é analisar a conduta do agente, a fim de verificar se esta foi compatível com o que diz a norma legal. Se contrariar esta, aplica-se a pena prevista. Em caso contrário, ocorre a absolvição.

No âmbito da previdência complementar fechada, vigora o princípio da responsabilidade subjetiva, conforme o caput do art. 63 da LC 109/01:

“Art. 63. Os administradores de entidade, os procuradores com poderes de gestão, os membros de conselhos estatutários, o interventor e o liquidante responderão civilmente pelos dados ou prejuízos que causarem, por ação ou omissão, às entidades de previdência complementar.”

Desta forma, diferentemente da responsabilidade objetiva do Estado, a qual é presumida, nos fatos ocorridos no ambiente da previdência complementar fechada é preciso haver prova do nexo de causalidade entre a conduta e a irregularidade prevista na norma.

A legislação não trouxe responsabilização em abstrato, objetiva. Ao contrário, reforçou a responsabilidade subjetiva para todos os efeitos, não somente civis e patrimoniais, mas também administrativos. Este é o teor jurídico dos parágrafos 5º e 6º do art. 35 da mesma LC 109/01. Ou seja, é necessário averiguar se o agente de fato concorreu para o dano ou a infração. Não tendo concorrido, não se pode responsabilizá-lo.

A autoridade sancionadora deve buscar a verdade real, não presumida, sob pena de afronta ainda ao princípio da individualização da pena.

O Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o RESP 151.837/MG, definiu o princípio da individualização da pena do seguinte modo:

“O princípio da individualização da pena (Constituição, art. 5º, XLVI) materialmente significa que a sanção deve corresponder às características do fato, do agente e da vítima, enfim, considerar todas as circunstâncias do delito.” 42

O Supremo Tribunal Federal já decidiu que a individualização da pena é um direito público subjetivo do apenado.43

Assim, por exemplo, quando foi o gestor terceirizado dos investimentos quem praticou determinada conduta irregular, não se pode apenar o dirigente da EFPC, salvo se este tenha contribuído de alguma forma para o evento delituoso.

Tal entendimento foi consolidado no âmbito ainda da Secretaria de Previdência Complementar, quando editou a Nota Técnica nº 100/2007/SPC/DELEG, de 17 de dezembro de 2007. Tal Nota Técnica respondeu consulta da Diretoria de Fiscalização da SPC a respeito da equiparação da responsabilidade entre o dirigente de EFPC e o gestor ou administrador de fundo de investimento trazidas pelas Resolução CMN 3.121/03 e 3.456/0744.

Na referida Nota Técnica nº 100, pacificou-se o entendimento de que:

33. A equiparação prevista no art. 42 serve apenas e tão somente para os fins da própria Resolução nº 3.456/07, cujo objetivo declarado foi o de estabelecer diretrizes de aplicação dos recursos garantidores das entidades fechadas de previdência complementar

(...)

35. A equiparação contida no art. 42 da Resolução nº 3.456/07 não pode ser usada como regra de extensão das infrações administrativas tipificadas no Decreto nº 4.942/03.

39. O Conselho Monetário Nacional só pode expedir regulamento para as diretrizes de aplicação dos recursos garantidores das entidades fechadas. As infrações e as penalidades administrativas, por sua vez em decorrência do disposto no art. 65 da Lei Complementar 109/01, devem observar o disposto em outro regulamento (...). E, como é cediço, este regulamento é o Decreto nº 4.942,de 30 de dezembro de 2003.

56...... no âmbito do processo administrativo sancionador, na menos restritiva das hipóteses, só se poderia cogitar da responsabilidade objetiva nos casos especificados em lei o que não ocorre na lei que rege a previdência complementar.

...................................

58. Nota-se que a Lei Complementar, ressalvando que só haverá responsabilização dos dirigentes que ‘tenham concorrido’ para a prática de eventual ilícito, adota, claramente, a responsabilidade subjetiva.

Nessa esteira de entendimento, o extinto Conselho de Gestão da Previdência Complementar, sucedido atualmente pela Câmara de Recursos da Previdência Complementar, proferiu decisões excluindo de punição aqueles sobre os quais não há prova de que tenham efetivamente praticado ou concorrido para o evento irregular, podendo ser citados os seguinte julgados:

“APLICAÇÃO FINANCEIRA ATRAVÉS DE FUNDO DE INVESTIMENTO. CULPA OBJETIVA. IMPOSSIBILIDADE. Sendo a aplicação financeira feita através de gestor terceirizado, não pode a entidade ou o dirigente ser penalizado por eventual irregularidade na aplicação, vez que quem fez a aplicação foi terceira pessoa. Recurso de Ofício improvido.” 45

“Imputação de responsabilidade objetiva. Impossibilidade na lavratura do AI. Não é cabível a imputação de responsabilidade objetiva. Responsabilidade administrativa por infração à legislação complementar é subjetiva por culpa presumida. Recurso de ofício conhecido e negado provimento.” 46

Os princípios da responsabilidade subjetiva e da individualização da pena impedem que haja punições por presunções de responsabilidade, mesmo as legais, tal como ocorre em face do administrador tecnicamente responsável pelos investimentos da entidade de previdência, figura prevista no art. 35, § 5º, da LC 109/01. A situação do dirigente nessa condição não o torna desmerecedor das mesmas garantias e prerrogativas de qualquer acusado em processo administrativo, dentre as quais a de que sua conduta seja analisada à luz dos fatos e da busca da verdade real e não meramente presumida.

4.2 ABRANGÊNCIA DA ATUAÇÃO PUNITIVA DA PREVIC E O PRINCÍPIO DO NON BIS IN IDEM

O entendimento de que na previdência complementar fechada vigora o princípio da responsabilidade subjetiva embute outro, relativo ao alcance do poder sancionador da PREVIC.

De acordo com o art. 65 da LC 109/01 estão sujeitos à sanção administrativa qualquer pessoa física ou jurídica que cometa “infração de qualquer disposição desta Lei Complementar”, ou seja, não limitou a abrangência do órgão fiscalizador ao universo das entidades de previdência e seus dirigentes, mas também, ao dos prestadores de serviços, incluindo, evidentemente, os integrantes do sistema financeiro.

Desta forma, os atos praticados por quem quer que seja, atentatórios à legislação da previdência complementar fechada, devem ser punidos pelo seu órgão administrativo sancionador, a PREVIC, mediante processo administrativo próprio que analisará, no caso concreto, a existência ou não de bis in idem.

O princípio do non bis in idem não tem previsão expressa na nossa Constituição Federal, mas é tido pela doutrina e jurisprudência como um princípio geral de Direito presente nos processos civil e penal, bem como no Direito Administrativo. Indica que ninguém pode ser punido mais de uma vez pela mesma infração. Conforme aponta FÁBIO MEDINA OSÓRIO:

A idéia básica do non bis in idem é que ninguém pode ser condenado duas ou mais vezes por um mesmo fato. Já foi definida essa norma como ‘princípio geral de direito’, que, com base nos princípios da proporcionalidade e coisa julgada, proíbe a aplicação de dois ou mais procedimentos, seja em uma ou mais ordens sancionadoras, nos quais se dê uma identidade de sujeitos, fatos e fundamentos, e sempre que não exista uma relação de supremacia especial da Administração Pública.” 47

Em vários países o princípio do non bis in idem está positivado na respectiva Constituição. Nos Estados Unidos, consta da 5ª Emenda48. Na Alemanha, está presente no art. 103, inciso III49, e, em Portugal, faz parte do art. 25, 150. Na Espanha é caracterizado pelo Tribunal Constitucional daquele país como um direito fundamental51.

Em nosso país, o Judiciário albergou amplamente o princípio do non bis in idem.

No Direito Penal52: “1. Havendo duas condenações em processos distintos, ambos com trânsito em julgado, que versam exatamente sobre os mesmos fatos delituosos, deve prevalecer a que primeiro transitou em julgado, anulando-se a segunda. Ainda que a violação à coisa julgada não tenha sido suscitada pelo paciente no curso do segundo processo, a sua nulidade é flagrante, impondo-se a sua anulação.”

No Direito Civil53:“1. Nos casos de inscrição indevida do nome do consumidor em cadastros de proteção ao crédito, a condenação por danos morais já engloba tanto o constrangimento decorrente de uma tentativa de compra frustrada, quanto a impossibilidade efetiva de obter crédito no mercado. Nesse contexto, a condenação em danos morais somada à condenação por abalo de crédito configura bis in idem.”

No Direito Tributário54: “1. Em se tratando de contribuições recolhidas à entidade de previdência privada no período de vigência da Lei n. 7.713/88, não tem cabimento a cobrança de imposto de renda sobre ulterior resgate ou recebimento do benefício, até o limite do que foi recolhido pelo beneficiário sob a égide daquele diploma legal, uma vez que naquele período (janeiro de 1989 a dezembro de 1995) o tributo incidiu sobre as contribuições recolhidas em favor das entidades e novo desconto caracterizaria evidente bis in idem.

No Direito Administrativo, com a Súmula 19 do STF: “É inadmissível segunda punição de servidor público, baseada no mesmo processo em que se fundou a primeira.”

Assim, resta fora de dúvida que não se pode impor condenação a alguém duas vezes pelo mesmo delito ou ato ilícito, conforme pacíficas doutrina e jurisprudência de nosso ordenamento jurídico.

No campo do Direito Administrativo Sancionador, a ocorrência ou não do bis in idem é matéria que também demanda análise fática de cada caso concreto, dados os vários órgãos de governo com poderes fiscalizatórios, muitas vezes gerando conflitos de jurisdição administrativa.

O Ministro Ricardo Villas Boas Cueva, menciona, por exemplo, em texto doutrinário, o que ele chama de “clássico conflito – ou ao menos, a zona de penumbra – entre agências reguladoras e autoridade da concorrência” eis que “em virtude da existência de várias agências reguladoras, com competências específicas, de um lado, e, de outro, de uma autoridade da concorrência dotada de competência para proteger a livre concorrência em todos os setores da economia, sem exceção de qualquer atividade ou setor, inclusive os regulados, não é incomum aparecerem situações em que o CADE é chamado a manifestar-se em questões já examinadas por outras autoridades” 55

Para o referido Ministro, para se verificar a ocorrência ou não do bis in idem é necessário identificar em cada caso concreto se há identidade de sujeitos, de fatos e de fundamentos. Em ocorrendo identidade nesses três quesitos, fica patente o bis in idem. Se ausente qualquer dos elementos, não se pode falar em condenação repetida.

A análise da jurisprudência confirma este entendimento. Penas administrativas para um mesmo fato e com os mesmos sujeitos têm sido mantidas pelo Judiciário ao argumento, basicamente, de que o fundamento legal da condenação é diverso. A Procuradora da República Cristina Marelim Vianna, afirma que “nos casos em que houver fundamentos diferentes para a aplicação das sanções, não estará caracterizado o bis in idem.” 56

O exemplo mais evidente desse posicionamento dos nossos tribunais está no reconhecimento da possibilidade de que órgãos de defesa das relações de consumo possam aplicar sanções a empresas submetidas a regulação própria. Veja-se o seguinte julgado do STJ57 envolvendo uma empresa de seguros que alegava não se submeter ao PROCON tendo em vista as atribuições da SUSEP:

“ADMINISTRATIVO E CONSUMIDOR – PUBLICIDADE ENGANOSA – MULTA APLICADA POR PROCON A SEGURADORA PRIVADA – ALEGAÇÃO DE BIS IN IDEM, POIS A PENA SOMENTE PODERIA SER APLICADA PELA SUSEP – NÃO-OCORRÊNCIA – SISTEMA NACIONAL DE DEFESA DO CONSUMIDOR – SNDC – POSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DE MULTA EM CONCORRÊNCIA POR QUALQUER ÓRGÃO DE DEFESA DO CONSUMIDOR, PÚBLICO OU PRIVADO, FEDERAL, ESTADUAL, MUNICIPAL OU DISTRITAL.

1. A tese da recorrente é a de que o PROCON não teria atribuição para a aplicação de sanções administrativas às seguradoras privadas, pois, com base no Decreto n. 73/66, somente à Susep caberia a normatização e fiscalização das operações de capitalização. Assim, a multa discutida no caso dos autos implicaria verdadeiro bis in idem e enriquecimento sem causa dos Estados, uma vez que a Susep é autarquia vinculada ao Ministério da Fazenda, enquanto que o PROCON, às Secretarias de Justiça Estaduais.

2. Não se há falar em bis in idem ou enriquecimento sem causa do Estado porque à Susep cabe apenas a fiscalização e normatização das operações de capitalização pura e simples, nos termos do Decreto n. 73/66. Quando qualquer prestação de serviço ou colocação de produto no mercado envolver relação de consumo, exsurge, em prol da Política Nacional das Relações de Consumo estatuída nos arts. 4º e 5º do Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/90), o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor – SNDC, que, nos termos do art. 105 do Código de Defesa do Consumidor, é integrado por órgãos federais, estaduais, municipais e do Distrito Federal, além das entidades privadas que têm por objeto a defesa do consumidor. Recurso ordinário improvido.

O STJ58 julgou no mesmo sentido um outro caso envolvendo instituição financeira, que alegava que a autoridade sancionadora era o Banco Central e não o PROCON. A Corte entendeu que:

“5. ... a penalidade foi aplicada, não em decorrência de qualquer violação às normas que regem as instituições financeiras, mas, em verdade, em razão da omissão da autarquia em responder o pleito administrativo formulado por correntista que solicitara esclarecimentos acerca de débito desconhecido em sua conta, caracterizando-se, portanto, como uma infringência consumerista.

6. O ato administrativo de aplicação de penalidade pelo PROCON à instituição financeira por infração às normas que protegem o Direito do Consumidor não se encontra eivado de ilegalidade, porquanto inocorrente a usurpação de competência do BACEN, autarquia que possui competência privativa para fiscalizar e punir as instituições bancárias quando agirem em descompasso com a Lei nº 4.565/64, que dispõe sobre a Política e as Instituições Monetárias, Bancárias e Creditícias.”

Nas instâncias administrativas também há reconhecimento de que inexiste bis in idem quando o fundamento da penalidade é diferente entre um órgão sancionador e outro. A esse respeito, o Ministro Ricardo Villas Boas Cueva59 afirma:

Um exemplo é a Terminal Handling Charge, ou THC, um preço cobrado aos armadores pelos portos para a descarga e movimentação de contêineres. Os terminais portuários de Santos começaram a cobrar dos chamados ‘portos secos’ um segundo preço, ou THC2, ao argumento de que havia um custo adicional na movimentação e entrega dos contêineres. A Agência Nacional dos Transportes Aquaviários (ANTAQ) havia proferido decisão, ainda sujeita a recurso, no sentido de que tal prática não seria ilícita. O CADE, entretanto, entendeu que a nova cobrança (THC2) visava a aumentar os custos dos rivais naquilo em que competiam com os terminais portuários - a armazenagem de contêineres - razão por que infligiu multa a vários terminais do porto de Santos. É importante notar, por outro lado, que o art. 7º, II, da Lei nº 8.884/94 atribui ao Plenário do CADE a competência para ‘decidir sobre a existência de infração à ordem econômica e aplicar as penalidades previstas em lei’. Trata-se de competência exclusiva do CADE, o que afasta a possibilidade de bis in idem interautárquico.”

Em resumo, a identificação do bis in idem não é apriorística, mas sim, fruto da análise de cada caso concreto, que avaliará, como já mencionado, a coincidência ou não dos mesmos agentes, dos mesmos fatos e dos mesmos fundamentos.

4.3 SANÇÕES E DOSIMETRIA DA PENA

As sanções aplicadas no âmbito da previdência complementar estão previstas no artigo 65 da LC 109/01: advertência, suspensão, inabilitação e multa.

As penalidades administrativas poderão ser atenuadas caso seja verificada a inexistência de prejuízos à EFPC, ao plano de benefícios por ela administrado ou ao participante e na hipótese da regularização do ato que ensejou a infração, até a decisão administrativa de primeira instância (Dec. 4.942/03, art. 23).

Porém, serão agravadas as penalidades no caso de reincidência, cometimento de infração com a obtenção de vantagens indevidas, de qualquer espécie, em benefício próprio ou de outrem e não-adoção de providências no sentido de evitar ou reparar atos lesivos dos quais tenha tomado conhecimento (Dec. 4.942/03, art. 23).

Conforme já decidido pelo pleno do Supremo Tribunal Federal, sob relatoria do Ministro Ayres Brito, “o processo de individualização da pena é um caminhar no rumo da personalização da resposta punitiva do Estado”, competindo “ao juiz sentenciante o poder-dever de impor ao delinqüente a sanção criminal que a ele, juiz, afigurar-se como expressão de um concreto balanceamento ou de uma empírica ponderação de circunstâncias objetivas com protagonizações subjetivas do fato-tipo.” 60

Assim, a ausência de avaliação, quando da dosimetria da pena, sobre as atenuantes e agravantes no caso concreto, gera a nulidade na aplicação da sanção administrativa, como ocorre no Direito Penal, eis que não atendidos os princípios e garantias da responsabilidade subjetiva e da individualização da pena.

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4.4 A PRESCRIÇÃO

Quando ocorre uma infração administrativa, nasce para a Administração a pretensão de punir o infrator, mediante atividade repressiva originada do seu Poder de Polícia. A satisfação dessa pretensão punitiva ocorrerá quando houver a aplicação da penalidade que for cabível a cada caso concreto, ao final do regular processo administrativo.

Mas vale dizer que, uma vez ocorrida a infração, não poderá a Administração punir o infrator a qualquer tempo, indefinidamente. O Estado deve iniciar e concluir o devido processo administrativo em certo lapso de tempo, sob pena de ficar caracterizada sua inércia e conseqüentemente, extinta a sua pretensão punitiva.

Se o titular do direito de punir (Estado) queda-se inerte por determinado período, prescreve o seu direito à aplicação da pena. Por conseqüência surge para o sujeito passível da punição o direito à extinção da punibilidade pelo ato praticado, decorrente da prescrição.

A questão é assim tratada por Hely Lopes Meirelles :

“A prescrição administrativa opera a preclusão da oportunidade de atuação do Poder Público sobre a matéria sujeita a sua apreciação. Não se confunde com a prescrição civil, nem estende seus efeitos às ações judiciais, pois é restrita à atividade interna da Administração, (…) e se efetiva no prazo que a norma legal estabelecer. Mas mesmo na falta de lei fixadora do prazo prescricional, não pode o servidor público ou o particular ficar perpetuamente sujeito a sanção administrativa por ato ou fato praticado há muito tempo. A este propósito o STF já decidiu que a “regra é a prescritibilidade”.61

O mesmo doutrinador afirma ainda que o instituto da prescrição administrativa encontra justificativa na necessidade de estabilização das relações entre o administrado e a Administração, em obediência ao Princípio da Segurança Jurídica.

Há dois tipos de prescrição nos processos administrativos para apuração de infração à legislação da previdência complementar fechada: a prescrição punitiva e a intercorrente.

A prescrição punitiva, ou qüinqüenal, está prevista no art. 31 do Decreto 4.942, de 30 de dezembro de 2003, prevendo que o direito que a PREVIC tem de punir infrações à legislação da previdência complementar fechada prescreve em cinco anos, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente, do dia em que tiver ela cessado ou, no caso de infração continuada, do último ato praticado.

A prescrição intercorrente se dá quando o procedimento administrativo restar inerte por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, sendo os autos arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, de acordo com o art. 32 do mesmo Decreto.

A prescrição, em ambos os casos, será interrompida pela notificação do autuado, inclusive por meio de edital; por qualquer ato inequívoco que importe apuração do fato ou pela decisão condenatória recorrível (art. 33), ressaltando que interromper o prazo significa fazer com que se inicie novamente, ao contrário da suspensão, que tão somente faz com que o prazo seja reiniciado do ponto em que foi suspenso.

4.4.1 PRESCRIÇÃO PUNITIVA

A questão quanto ao início do processo administrativo sancionador e a consequente incidência da prescrição parece óbvia a uma primeira leitura. Começa da lavratura do auto de infração ou da instauração do inquérito administrativo. Entretanto, a matéria não tem tido esse entendimento por parte da PREVIC e da CRPC. A conseqüência prática é que processos referentes a fatos ocorridos há muito têm sido julgados sem que se tenha reconhecida a prescrição.

A polêmica se instaura quando se observa as causas interruptivas da prescrição, previstas no art. 33 do Decreto 4.942/0362:

“Art. 33. Interrompe-se a prescrição:

I – pela notificação do autuado, inclusive por meio de edital;

II – por qualquer ato inequívoco que importe apuração do fato; ou

III – pela decisão condenatória recorrível”

O entendimento que prevalece atualmente na PREVIC e na CRPC é o de que atos de fiscalização precedidos de intimação das partes para obtenção de provas ou esclarecimentos, mesmo ocorridos antes da lavratura do auto de infração, teriam o condão de interromper a prescrição punitiva.

Entretanto, em que pesem as brilhantes razões descortinadas nos pareceres e votos produzidos a respeito, não concordamos com tal posicionamento. E pelas seguintes razões.

O Estado tem até cinco anos contados da data da ocorrência de determinado fato considerado irregular para instaurar o respectivo processo administrativo sancionador. Se não o fizer dentro desse prazo, prescreve o seu direito de punir, ocorrendo a chamada prescrição punitiva. O art. 1º da Lei nº 9.873/99, estabelece que:

Art. 1º Prescreve em cinco anos a ação punitiva da Administração Pública Federal, direta e indireta, no exercício do poder de polícia, objetivando apurar infração à legislação em vigor, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado.

Tal dispositivo é repetido pelo art. 31 do Decreto 4.942/[03].

A 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o RESP 380.006-RS (DJU 07.03.2005), pacificou o entendimento de que os processos administrativos sancionadores têm prazo prescricional de cinco anos. Pelo didatismo, cabe ser transcrito o voto do relator, Ministro PEÇANHA MARTINS:

Penso assistir razão aos recorrentes. Leciona o Mestre Orlando Gomes:

‘Objeções inspiradas em considerações éticas e lógicas levantam-se contra o instituto da prescrição. Não obstante, é universalmente aceito. Discute-se, ainda, seu fundamento. Alguns justificam-se como sanção à negligência do titular do direito. Sua inércia torna presumível a intenção de abandoná-lo, em última análise. Quem se conserva inativo, desinteressando-se do direito que possui, deve perdê-lo. 'Dormientibus non succurrit jus'. Outros, porém, explicam-na motivos de ordem social. É a segurança do comércio jurídico que exige a consolidação das situações jurídicas pelo decurso do tempo. Trata-se, portanto, de medida política e jurídica, ditada no interesse da harmonia social. Segundo Savigny, o fundamento principal da prescrição é a necessidade de serem fixadas as relações jurídicas incertas, suscetíveis de dúvidas e controvérsias, encerrando-se a incerteza em determinado lapso de tempo.’(Introdução ao Direito Civil, Forense 1965, pág. 424).

No âmbito do Direito Administrativo, Hely Lopes Meirelles pontifica:

‘A prescrição administrativa opera a preclusão da oportunidade de atuação do Poder Público sobre a matéria sujeita à sua apreciação. Não se confunde com a prescrição civil, nem estende seus efeitos às ações judiciais (v. adiante, item V), pois é restrita à atividade interna da Administração, e se efetiva no prazo que a norma legal estabelecer. Mas mesmo na falta de lei fixadora do prazo prescricional, não pode o servidor público ou o particular ficar perpetuamente sujeito a sanção administrativa por ato ou fato praticado há muito tempo. A esse propósito o Supremo Tribunal Federal já decidiu 'a regra é a prescritibilidade' e que esta ocorre no prazo de quatro anos para as penalidades disciplinares do funcionalismo federal'. Entendemos que, quando a lei não fixa o prazo da prescrição administrativa, este deve ocorrer em cinco anos, à semelhança da prescrição das ações pessoais contra a Fazenda Pública (Decreto 20.910/32), das punições dos profissionais liberais (Lei 6838/80) e para a cobrança do crédito tributário (Código Tributário Nacional, art. 174)." (Direito Administrativo Brasileiro, RT 16ª ed., pág. 577).

O festejado administrativista reafirma o entendimento consoante o qual as relações entre a Administração e os Administrados ou servidores hão de ser estáveis, não podendo ficar sujeitas a indefinição por tempo que ultrapasse os limites da razoabilidade que, obviamente, há de ser o mesmo (5 anos) estabelecido na legislação por ele citada.

Finalmente cumpre lembrar que a Lei 9873/99 dispõe:

"Art. 1º - Prescreve em cinco anos a ação punitiva da Administração Pública Federal, direta e indireta, no exercício do poder de polícia, objetivando apurar infração à legislação em vigor, contados da data da prática do ato ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado.

§ 1º - Incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação, se for o caso."

Em face do exposto, conheço do recurso e lhe dou provimento para, reconhecendo a ocorrência da prescrição, reformar o acórdão impugnado declarando-a, e inverter os ônus da sucumbência.

No que tange à previdência complementar fechada, estabeleceu o Decreto 4.942/03, em seu art. 2º, que a lavratura de Auto de Infração ou a instauração de Inquérito Administrativo iniciam o processo administrativo. Sob a legislação anterior da previdência complementar, vigorava o mesmo sistema, conforme se verifica do art. 79 da revogada lei 6.435/77:

Art. 79. As infrações serão apuradas mediante processo administrativo que tenha por base o auto, a representação ou a denúncia positiva dos fatos irregulares, cabendo aos órgãos normativos dispor sobre as respectivas instaurações, recursos e seus efeitos, instâncias, prazos, perempção e outros atos processuais.

Portanto, antes da lavratura do auto de infração ou da instauração do inquérito administrativo não há (e nem havia sob a égide da Lei 6.435/77) processo administrativo.

O art. 66 da LC 109/01 e o art. 2º do Decreto 4.942/03 informam que o processo administrativo é o instrumento de apuração de responsabilidades no ambiente da previdência complementar fechada. Tanto que o art. 9º, IV, do Decreto 4.942/03, estabelece que a defesa ao auto de infração deve conter, dentre outros requisitos, todas as provas que o autuado pretende produzir de forma justificada, inclusive o rol de eventuais testemunhas, conferindo ao processo administrativo uma fase instrutória acerca da autoria e materialidade da infração.

E tudo isso, por óbvio, visa resguardar o direito fundamental ao contraditório e à ampla defesa, previsto no art. 5º, LV, da Constituição Federal, que impede que seja apurada conduta à margem de um processo administrativo regularmente instaurado. Vicente Ráo leciona que:

“... nos processos administrativos, por meio dos quais se defendem ou pleiteiam direitos, hão de ser respeitadas as mesmas garantias fundamentais que regem nos processos contenciosos e jurisdicionais, tais, entre outras asseguradas em leis especiais: a) a notificação ou ciência da instauração do processo e de seus atos e termos aos legítimos interessados; b) o direito de defesa e o de produção das provas; c) rigorosa subordinação dos processos aos preceitos legais e regulamentares que os disciplinam; d) a proibição de se aplicarem cominações não previstas expressamente pelas normas, materiais ou formais, em vigor ao tempo em que o ato apurado se verificou; e) a irrepetibilidade do processo regulamente feito e encerrado, no qual os interessados se houverem defendido; f) a ilegitimidade da alteração posterior à defesa, das acusações ou infrações imputadas aos administrados (funcionários, ou não) e a ilegitimidade de mudança da qualificação jurídica das mesmas imputações, feita em momento e de modo a privar o acusado de sua defesa efetiva.”63

O que importa salientar é que atos administrativos praticados antes da lavratura do auto de infração ou da instauração do inquérito administrativo não constituem atos processuais em sentido estrito e, portanto, não têm o condão de interromper prescrição. Portanto, só se pode interpretar a expressão contida no art. 33, II, do Decreto 4.942/03 (“ato inequívoco que importe apuração do fato”) como sendo um procedimento administrativo que ocorre no âmbito de um processo administrativo.

Conforme a doutrina do Ministro José de Castro Meira, “processo e procedimento são conceitos distintos, em que este não é mais do que uma forma de manifestar daquele, caracterizado como uma seqüência preordenada de atos com vistas à realização de um fim, conforme a sua natureza”.64 Ora, o fim almejado pelo processo administrativo é a apuração do fato e a consequente aplicação de sanção se, da apuração, resultar caracterizada a irregularidade. Sendo uma sequência de atos no sentido da apuração do fato e aplicação de sanção, evidencia-se que, dentro do processo, estará o procedimento administrativo de tal apuração – ou o ato inequívoco dessa apuração.

A Administração tem o poder-dever de apurar fatos dentro dos seus diversos órgãos e competências sancionadoras. A PREVIC tem uma diretoria de Fiscalização que, como o nome diz, tem a função precípua de fiscalizar a atuação das EFPC. Mas o sentido da legislação, para efeito de interrupção de prescrição, não é o de que atos ordinários de fiscalização tenham o condão de interrompê-la. Se não fosse assim, a garantia dada ao cidadão acerca do prazo de cinco anos para a prescrição punitiva cairia por terra. A cada ofício genérico de fiscalização estar-se-ia interrompendo a prescrição ad infinitum. E, evidentemente, não é esse o pressuposto da legislação. Ao contrário, ela estabelece um critério temporal objetivo para a interrupção da prescrição.

Assim sendo, a interpretação que tem sido dada à matéria no âmbito dos órgãos sancionadores da previdência complementar fechada alarga indevidamente o sentido do art. 33, II, do Decreto 4.942/03. Se, como princípio constitucional e norma positivada, só se pode apenar alguém após um processo administrativo no qual sejam garantidos o contraditório e a ampla defesa, e considerando que o início do processo administrativo é o Auto de Infração (ou a instalação do Inquérito Administrativo), o ato inequívoco que importe apuração do fato, para fins de interrupção de prescrição, só pode abranger atos praticados dentro do processo administrativo. Não antes.

Deve ser registrado que, contrariando a jurisprudência dominante na CRPC, houve decisões que reconheceram a prescrição para fatos ocorridos antes de cinco da lavratura do auto de infração:

O processo administrativo sancionador no âmbito da previdência complementar fechada tem início com a lavratura do auto de infração ou da instauração do inquérito administrativo. Inteligência do artigo 66 da LC 109/01 e do artigo art. 2º do Decreto n° 4.942/03. Auto de Infração lavrado quando decorridos mais de cinco anos dos fatos apontados como irregulares. Prescrição quinquenal reconhecida."65

O extinto Conselho de Gestão da Previdência Complementar, em reunião ocorrida em 14.12.2009 já havia proferido proferiu decisão no mesmo sentido:

“Auto de Infração lavrado quando decorridos mais de cinco anos dos fatos apontados como irregulares. Prescrição qüinqüenal reconhecida. Recurso de ofício improvido.”66

4.4.2 A PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE

A prescrição intercorrente existe nos processos administrativos em geral por força do disposto no § 1º do art. 1º da Lei nº 9.873, de 23 de novembro de 199967, que estabelece:

§ 1º Incide a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, cujos autos serão arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação, se for o caso.

A Lei nº 6.838, de 29 de outubro de 1980, que dispõe sobre o prazo prescricional para a punibilidade de profissional liberal já previa, em seu art. 3º, que:

Art. 3º Todo processo disciplinar paralisado há mais de 3 (três) anos pendente de despacho ou julgamento, será arquivado ex offício , ou a requerimento da parte interessada.

O Estatuto da Advocacia (Lei nº 8.906, de 04 de julho de 1994) prevê dispositivo no mesmo sentido no § 1º do seu artigo 43 para os processos disciplinares contra advogados. Igualmente o Conselho Federal de Medicina, conforme prevê o art.62 da Resolução CFM nº 1.617, de 16 de julho de 2001, e também o Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional68 e a Comissão de Valores Mobiliários, estes últimos por força do mencionado § 1º do art. 1º da Lei nº 9.873/99.

Em todos esses órgãos a existência da prescrição intercorrente é causa de extinção da punibilidade.

O Decreto 4.942/03, ao tratar da prescrição intercorrente no âmbito dos processos administrativos conduzidos pelo órgão fiscalizados da previdência complementar fechada, o faz do seguinte modo:

Art. 32. Ocorre a prescrição no procedimento administrativo paralisado por mais de três anos, pendente de julgamento ou despacho, sendo os autos arquivados de ofício ou mediante requerimento da parte interessada, sem prejuízo da apuração da responsabilidade funcional decorrente da paralisação, se for o caso.

Se o art. 33, que trata das hipóteses de interrupção da prescrição, se refere aos seus dois tipos, a conclusão a que se pode chegar é que todos devem ser analisados de maneira conjunta, integrativa, tendo como pressuposto que a prescrição é uma garantia dada ao cidadão de que não terá ad eternum uma espada de Dâmocles armada sobre seu pescoço. Se o Estado entendeu haver ilicitude administrativa em determinada atitude, que puna em determinado prazo. Não o fazendo, ficará o administrado isento de pena, eis que presumido o desinteresse em punir.

Assim, se o art. 32 fala em prescrição quando o processo estiver “pendente de decisão ou despacho”, o sentido dessa alocução deve ser buscado no dispositivo subseqüente. Das hipóteses ali trazidas, a que mais se harmoniza com seu sentido, complementando-o, é a que diz que a interrupção ocorrerá por qualquer “ato inequívoco que importe apuração do fato”.

Deste modo, a interrupção da prescrição, no que se refere a despacho, ocorreria quando este se referisse à apuração do fato, e não qualquer um, como o de mero expediente, que é aquele que se destina a prover o andamento do processo, sem interferir no conflito de interesses entre as partes. É considerado como ato ordinatório pelo § 4º do art. 162 do Código de Processo Civil, que, de tão insignificante para o resultado da causa, não necessita ser praticado pelo juiz, podendo sê-lo pelo funcionário do cartório.

Entretanto, está-se diante de mais um item em que caberá ao intérprete delimitar o sentido e o alcance da norma, tendo como parâmetros outras regras e os princípios gerais de Direito, eis que a Lei 9.873/99, reproduzida pelo Decreto 4.942/03, não exaure nem identifica plenamente as hipóteses interruptivas da prescrição. Nesse passo há quem reclame da ausência de norma legal para essa finalidade, dentre os quais Sidio Rosa de Mesquita Junior, para quem, o vácuo da legislação

“pode criar em favor da Administração Pública o entendimento de que é admissível a imprescritibilidade. Estando a prescrição sujeita a inúmeras causas interruptivas, ou seja, podendo ser interrompida a ‘cada ato inequívoco de apuração dos fatos’, poderá o prazo estender-se indefinidamente, por meio de diligências vazias de objetivos, sem escopo prático significativo.” 69

Para se evitar exatamente essa extensão indefinida do processo administrativo, que acaba por torná-lo imprescritível, é que, no nosso entendimento, não se pode admitir que qualquer despacho, inclusive os ordinatórios, interrompa a prescrição intercorrente.

No Parecer 02/2006/SPC/DELEG, datado de 27 de abril de 2006, a Diretoria do Departamento de Legislação e Normas da Secretaria de Previdência Complementar do Ministério da Previdência, após extensas e bem fundamentadas considerações sobre o instituto jurídico da prescrição nos vários ramos do Direito, exarou o entendimento de que qualquer despacho serve para interromper a prescrição intercorrente nos processos administrativos relativos à previdência complementar fechada. Nas conclusões ao dito Parecer foi afirmado o seguinte:

“171. As causas interruptivas da prescrição intercorrente estão previstas no próprio art. 32. Qualquer despacho ou decisão (inclusive a decisão-notificação) proferida no curso do procedimento e que importe sua regular movimentação, seja no âmbito da SPC, seja no âmbito do CGPC, terá o efeito de interromper o prazo prescricional”.

Antes, no item 157 do mesmo parecer, está dito que:

“... qualquer despacho terá o efeito de interromper a prescrição, tenha ele conteúdo decisório ou não. Ou seja, os chamados despachos de mero expediente também movimentam o processo e, assim, interrompem o curso do prazo prescricional intercorrente.”

Ora, a Lei 9.873/99, secundada pelo Decreto 4.942/03, surgiu para determinar prazos máximos para o direito de punir do Estado. Ao admitir que despachos ordinatórios interrompam tais prazos, o intérprete contraria os pressupostos e os ditames da lei, atentando contra o direito fundamental à segurança jurídica e contra os princípios constitucionais da celeridade processual e da eficiência administrativa.

Caso se admitisse tal hipótese, estar-se-ia contrariando frontalmente o sentido da Lei 9.873/99, dando ao Estado a prerrogativa de adiar indefinidamente a perspectiva de punição, gerando insegurança jurídica ao administrado.

Veja-se que, na exposição de motivos à MP 1.708, de 30 de junho de 1998, convertida posteriormente na Lei 9.873/99, o Executivo Federal justifica-a utilizando, dentre outros, o seguinte argumento:

“A previsão da prescrição no âmbito administrativo tem por objetivo dar fim aos embaraços a que são submetidos os administrados quando, em razão da ausência de norma legal que preveja a extinção do direito de punir do Estado, são indiciados em inquéritos e processos administrativos iniciados muitos anos após a prática de atos reputados ilícitos.”

Conclui-se que o objetivo maior do legislador foi conferir maior segurança jurídica ao cidadão, estabelecendo prazo para o Estado punir.

Desta maneira, consentir que despachos ordinatórios possam interromper a prescrição intercorrente seria, antes de mais nada, atentar contra o sentido da Lei 9.873/99. Pelo ângulo dos direitos do administrado, seria ferir a proteção geral à segurança, inscrita no art. 5º, caput, da Constituição Federal, tendo em vista que, na prática, o direito de punir do Estado seria tornado imprescritível, algo que afronta a ordem jurídica, conforme descrito pelo Ministro Marco Aurélio ao se manifestar sobre a prescrição em processo administrativo contra servidor público:

“É sabido que dois valores se fazem presentes: o primeiro, alusivo à Justiça, a direcionar a possibilidade de ter-se o implemento a qualquer instante; já o segundo está ligado à segurança jurídica, à estabilidade das relações e, portanto, à própria paz social que deve ser restabelecida num menor tempo possível” 70.

De maneira secundária, mas não menos importante, a hipótese atentaria contra o direito fundamental à celeridade dos processos judiciais e administrativos, cláusula pétrea incluída no art. 5º, LXXVII, da Constituição pela Emenda Constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004.

Analisando a matéria pelo prisma dos deveres do administrador, a hipótese de interrupção de prescrição intercorrente por despacho ordinatório atenta contra o princípio constitucional da eficiência da Administração, previsto no caput do art. 37 da Constituição, introduzido pela Emenda Constitucional nº 19, de 04 de junho de 1998.

Assim, o arrastar-se de um processo administrativo por anos a fio sem um deslinde revela desídia, incompetência, inércia, enfim, condutas todas incompatíveis com a eficiência à que está obrigada a Administração por força de dispositivo constitucional.

Na pouca doutrina específica sobre o tema, pode-se citar a posição do ex-Conselheiro do Conselho de Recursos do Sistema Financeiro, Silvânio Covas, para quem: “Os atos endoprocessuais, salvo aqueles de mero expediente, interrompem a prescrição intercorrente, posto que a sua realização elimina a paralisia do feito.”71

Na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: A prescrição intercorrente se consuma apenas na hipótese em que a parte, devendo realizar ato indispensável à continuação do processo, deixa de fazê-lo, permitindo o transcurso do lapso prescricional.72

O Tribunal Regional Federal da 2ª Região interpretou a prescrição intercorrente como o direito de julgar em determinado prazo, findo o qual deve ser declarada a extinção da punibilidade:

- Conforme estabelece o artigo 1º, da Lei nº 6.838/80, a punibilidade de profissional liberal, por falta sujeita a processo disciplinar, através de órgãos em que esteja inscrito, prescreve em 5 (cinco) anos, contados da data de verificação do fato respectivo.

- Ademais, consta ainda do § 1º, do artigo 1º, da Lei nº 9.873/99, a existência de prescrição intercorrente de 3 (três) anos para os processos administrativos pendentes de julgamento.

- Assim, tendo o suposto fato ocorrido em 1973, e a abertura do procedimento investigatório datado de 1990, sendo que até a presente data o mesmo não se concluiu, nos termos dos mencionados dispositivos legais, não resta dúvida que o direito de apurar o fato foi plenamente fulminado pela prescrição.73

4.4 CONSEQUÊNCIAS DA CONDENAÇÃO ADMINISTRATIVA PARA O DIRIGENTE DE EFPC

O parágrafos 3º e 4º do art. 35 da LC 109/01, estabelecem os requisitos para o exercício de cargo na Diretoria Executiva e nos Conselhos Deliberativo e Fiscal de entidade fechada de previdência complementar (EFPC):

§ 3º Os membros do conselho deliberativo ou do conselho fiscal deverão atender aos seguintes requisitos mínimos:

I - comprovada experiência no exercício de atividades nas áreas financeira, administrativa, contábil, jurídica, de fiscalização ou de auditoria;

II - não ter sofrido condenação criminal transitada em julgado; e

III - não ter sofrido penalidade administrativa por infração da legislação da seguridade social ou como servidor público.

§ 4º Os membros da diretoria-executiva deverão ter formação de nível superior e atender aos requisitos do parágrafo anterior.

A LC 108/01 traz os mesmos requisitos em seus artigos 18 e 20.

Da leitura dos dispositivos, verifica-se que qualquer condenação administrativa constitui um impedimento à assunção de cargo de direção em EFPC, sendo causa de sua destituição, caso a condenação sobrevenha quando ainda no cargo.

As penas na previdência complementar fechada são de advertência, multa, suspensão e inabilitação (LC 109/01, art. 65), conforme a gravidade da infração cometida, cujo rol encontra-se no Decreto 4.942/03. O impedimento para assumir cargo de direção em EFPC ocorre mesmo quando a pena aplicada seja de advertência ou multa? E qual o prazo para o impedimento?

No nosso entender, as Leis Complementares 108/01 e 109/01 são inconstitucionais ao não delimitar qual tipo de penalidade sujeitaria o agente ao referido impedimento, bem como ao não fixarem um limite temporal dentro do qual o agente punido ficaria impedido de assumir cargo de direção em EFPC.

Há, in casu, uma afronta aos princípios da proporcionalidade e da vedação a penas perpétuas.

Paulo Bonavides explana que “há violação do princípio da proporcionalidade, com ocorrência de arbítrio, toda vez que os meios destinados a realizar um fim não são por si mesmos apropriados e ou quando a desproporção entre meios e fim é particularmente evidente, ou seja, manifesta.” 74

Não se pode admitir, sob pena de ferir o citado princípio constitucional, que qualquer penalidade administrativa sujeitaria o agente a impedimento de assumir cargo diretivo em EFPC.

O princípio constitucional da proporcionalidade visa averiguar a adequação dos meios aos fins colimados pelo legislador. No tocante à legislação da previdência complementar, há claramente definido o fim almejado pelo legislador: moralizar o sistema, retirando do cenário de direção das EFPC os maus administradores e evitando, assim, oportunidades para desvios e desfalques que poderiam pôr em risco os recursos dos planos de benefícios.

A finalidade é nobre e desejável. Trata-se de cláusula cujo sentido é dos mais justos e socialmente aceitáveis. Mas os meios que utiliza são, a nosso ver, excessivamente rigorosos – caso sejam tomados ao pé da letra -, tornando inviável sua aplicação e injustas as suas conseqüências práticas. Sua inconstitucionalidade reside nesse ponto.

O Supremo Tribunal Federal já julgou questões relativas à atuação estatal, concluindo ser inconstitucional atos estatais desarrazoados, desproporcionais e, portanto, incompatíveis com os direitos fundamentais, conforme se vê na ementa seguinte que, apesar de tratar de legislação tributária, adota como razão de decidir o princípio da proporcionalidade:

Poder Público, especialmente em sede de tributação, não pode agir imoderadamente, pois a atividade estatal acha-se essencialmente condicionada pelo princípio da razoabilidade, que traduz limitação material à ação normativa do Poder Legislativo. - O Estado não pode legislar abusivamente. A atividade legislativa está necessariamente sujeita à rígida observância de diretriz fundamental, que, encontrando suporte teórico no princípio da proporcionalidade, veda os excessos normativos e as prescrições irrazoáveis do Poder Público. O princípio da proporcionalidade, nesse contexto, acha-se vocacionado a inibir e a neutralizar os abusos do Poder Público no exercício de suas funções, qualificando-se como parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material dos atos estatais. - A prerrogativa institucional de tributar, que o ordenamento positivo reconhece ao Estado, não lhe outorga o poder de suprimir (ou de inviabilizar) direitos de caráter fundamental constitucionalmente assegurados ao contribuinte. É que este dispõe, nos termos da própria Carta Política, de um sistema de proteção destinado a ampará-lo contra eventuais excessos cometidos pelo poder tributante ou, ainda, contra exigências irrazoáveis veiculadas em diplomas normativos editados pelo Estado. 75

Além da afronta ao princípio da proporcionalidade, o impedimento para assumir cargo de direção em EFPC assume conotação de pena adicional, não prevista pelo legislador. Assim, uma condenação de advertência não seria apenas de advertência, mas também de inabilitação, assim como a de suspensão seria também de inabilitação… E a de inabilitação traria como conseqüência uma inabilitação adicional. Enfim, trata-se de um efeito danoso, não desejado pelo legislador e completamente desarrazoado, ofensivo ao princípio da proporcionalidade.

Para verificar a extensão da inconstitucionalidade aqui apontada, podemos comparar as citadas normas das LC 108/01 e 109/01 com a Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, que trata das inelegibilidades e dos impedimentos para os agentes políticos, com as alterações introduzidas pela Lei Complementar nº 135, de 04 de junho de 2010, conhecida popularmente como “Lei da Ficha Limpa”.

A “Lei da Ficha Limpa” aumentou os prazos e introduziu no ordenamento jurídico uma série de situações de inelegibilidades decorrentes de condenações judiciais, para os mais diversos delitos. Entretanto – e é o que importa para a presente análise – delimitou seu campo de abrangência, ou seja, não é qualquer condenação judicial que torna o sujeito inelegível, mas somente aquelas ali elencadas – e que se referem, grosso modo, a questões relacionadas com a gestão da coisa pública.

Ao assim proceder, a citada Lei da Ficha Limpa, obedecendo um grande clamor por moralidade na política, atendeu o princípio da proporcionalidade, restringindo e elencando os casos em que será aplicada.

Tal não ocorre, como já verificado, nos casos de condenação administrativa no âmbito da previdência complementar fechada. Os artigos 18 e 20 da LC 108/01, e os parágrafos 3º e 4º do art. 35 da LC 109/01, não trazem qualquer ressalva, levando à conclusão de que não importa o tipo de condenação, seja ela a mais branda, penalizada com advertência, ou a mais grave, de inabilitação pelo prazo de 10 anos, qualquer delas irá conduzir ao mesmo efeito de impedimento o exercício de cargo de direção em EFPC. É evidente que esses dispositivos ofendem o mínimo senso de justiça, são dasarrazoados e, portanto, inconstitucionais.

Além disso, como já observado, tais dispositivos das LC 108/01 e 109/01 não fixaram prazos de impedimento, o que contraria o art. 5º, XLVII, da Constituição Federal, que veda a existência de penas perpétuas. Novamente importa compará-los à “Lei da Ficha Limpa”. Esta fixou prazos de inelegibilidade – em torno de oito anos - a fim de não se criar penas eternas, como as que se verifica na legislação da previdência complementar. Findo o prazo de inelegibilidade, o candidato deixa de ser “Ficha Suja”.

De acordo com a lição de Alexandre de Moraes, “a vedação às penas de caráter perpétuo decorre do princípio da natureza temporária, limitada e definida das penas e compatibiliza-se com a garantia constitucional à liberdade e à dignidade humana”.76

Trata-se de uma garantia constitucional de natureza fundamental, a ser observada em toda a legislação que imponha penalidades, mesmo as que não tenham natureza penal em sentido estrito, conforme, inclusive, já decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

RECURSO ESPECIAL. … CONCURSO PÚBLICO. PERITO DA POLÍCIA FEDERAL. INVESTIGAÇÃO SOCIAL. LAUDO DE DEPENDÊNCIA QUÍMICA. FATO OCORRIDO HÁ MAIS DE 10 ANOS DO AJUIZAMENTO DA AÇÃO. ELIMINAÇÃO DO CANDIDATO. MÉRITO ADMINISTRATIVO. POSSIBILIDADE DE ANÁLISE, EM ALGUNS CASOS, PELO PODER JUDICIÁRIO. DESPROPORCIONALIDADE.

…………………

3. Afigura-se desarrazoada e desproporcional a eliminação de um candidato na fase de investigação social de concurso para perito da polícia federal, em razão de fato ocorrido 10 anos antes do certame. Perpetuação de fato que não se amolda ao balizamento constitucional que veda a existência de penas perpétuas.77

Deste modo, em resumo, temos a inconstitucionalidade dos citados dispositivos legais como decorrência da desproporção entre o fim almejado pelo legislador e a ausência de critério para o impedimento ao exercício de cargo diretivo em EFPC, bem como pela inexistência de limite temporal desse impedimento, ofensiva à vedação de penalidades de natureza perpétua.

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Sobre o autor
Alexandre Maimoni

Possui graduação em Direito pela Universidade de São Paulo(1993), graduação em Comunicação Social - Jornalismo pelo Centro Universitário de Brasília(1999), especialização em Direito da Medicina pela Universidade de Coimbra(2014), especialização em Health Strategic Management for the Executive Manager (HESTRAM) pela University of Miami(2015) e aperfeicoamento em Curso Avançado de Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público(2001). Atualmente é Sócio em escritório de advocacia da Maimoni Advogados Associados. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Público (Texto gerado automaticamente pela aplicação CVLattes)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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