A ineficácia da Constituição quanto à apreciação dos vetos pelo Congresso Nacional

Exibindo página 2 de 2
30/11/2016 às 12:29
Leia nesta página:

4. A INEFICÁCIA DA CONSTITUIÇÃO QUANTO À APRECIAÇÃO DE VETOS

Pelo visto até aqui, a Constituição de 1988 determina que haja apreciação do veto pelo Congresso Nacional, estabelece um prazo que isso ocorra e impõe uma sanção em caso de descumprimento. Conforme já mencionado, os vetos no Brasil são classificados como suspensivos ou superáveis. Entretanto, o que se observa, na prática é que, em muitos casos, na prática, tem vigorado o veto absoluto, pela ausência de votação dos vetos pelo Congresso Nacional. E quando são votados, não se observa o prazo previsto no § 4.º do art. 66. da Constituição Federal, restando inócua a sanção prevista no § 6.º do mesmo artigo.

Um dos motivos determinantes para tal situação está no texto do Regimento Interno do Congresso Nacional (denominado de Regimento Comum), mesmo com as alterações promovidas pelas Resoluções CN nº 01, de 01.07.2013, e nº 01, de 11.03.2015.

Na redação original do art. 104. do referido Regimento Interno, havia uma contrariedade frontal ao § 4.º do art. 66. da Constituição, que dizia que o prazo de 30 dias para votação seria contado a partir de seu recebimento. O Regimento Interno afirmava, em confronto com o texto constitucional, que: “o prazo de que trata o § 4.º do art. 66. da Constituição será contado a partir da sessão convocada para conhecimento da matéria”.

Ou seja, apenas e tão somente quando ocorre convocação para sessão do Congresso Nacional destinada a apreciar os vetos, é que começaria a correr o prazo de 30 dias. O resultado é que vetos passavam anos sem ser apreciados, em evidente desconformidade com a Constituição Federal.

A partir da alteração havida em julho de 2013, o Regimento Interno do Congresso Nacional passou a, corretamente, contar o prazo de 30 dias a partir do recebimento do veto na Presidência do Senado Federal (art. 104, § 3º).

Entretanto, persiste a inconstitucionalidade na apreciação dos vetos, eis que a sanção prevista no § 6.º do art. 66. da Constituição Federal, de sobrestamento das demais proposições até votação final do veto, também não tem tido aplicabilidade, eis que o § 3º do art. 106. do Regimento Interno do Congresso Nacional estipula que o sobrestamento se dá tão somente nas matérias que tenham tramitação concentrada.12

Daí porque não se verifica o chamado “trancamento de pauta” de votações da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, isoladamente, como ocorre quando há medidas provisórias que tenham vencido o prazo de 45 dias para votação em cada Casa congressual (Constituição Federal, art. 62, § 6.º).

O que se poderia indagar é se, em realidade, o legislador constituinte originário pretendeu que a sanção de sobrestamento de votações incidisse apenas e tão somente nas matérias de competência do Congresso Nacional ou se quis que nada mais fosse votado no âmbito do Congresso Nacional (o que incluiria matérias tramitando em cada Casa separadamente) até que se ultimasse a deliberação sobre veto presidencial.

Parece evidente que a segunda hipótese é a que mais se amolda à intenção do legislador. Sob pena, diga-se, de ferir-se outro princípio constitucional pétreo, o a segurança jurídica, conforme apontado por FERREIRA FILHO (2001, p. 224):

“Sem dúvida, é vantajoso que as disposições estabelecidas pelo Congresso e aprovadas pelo Presidente possam desde logo ser aplicadas. Todavia, se superado o veto, ocorre o inconveniente tantas vezes sentido entre nós de uma mesma lei ter vigorado com um texto (o da publicação sem a parte vetada, até a publicação do texto com a parte que fora vetada incluída) e passar a vigorar com outro texto. (...) Dessa situação (em vigor a parte não vetada, pendente a parte vetada) resulta sempre incerteza sobre o alcance e o verdadeiro sentido da lei, o que redunda necessariamente em insegurança jurídica.”

Evidentemente, se existe insegurança jurídica no veto superável, essa insegurança torna-se ainda maior quando este é apreciado meses ou anos após o seu recebimento pelo Congresso Nacional.

Veja-se, portanto, que a votação dos vetos, mesmo após a reforma ocorrida no Regimento Interno do Congresso Nacional em 2013 e 2015, segue, indevidamente, não obedecendo os trâmites e prazos previstos na Constituição Federal.


CONCLUSÃO

Como pudemos averiguar, o procedimento que vem sendo adotado pelo Congresso Nacional na análise dos vetos, é inconstitucional, transmudando, em muitos casos, o que seria veto superável em veto absoluto.

Tal quadro agride a repartição dos Poderes e a legitimidade do processo legislativo. Se o Poder Legislativo não tem o monopólio da edição de normas gerais no Brasil, o Poder Executivo não tem o direito de dar a última palavra, pelo veto. Essa prerrogativa é do Congresso Nacional.

Portanto, a situação atualmente verificada quanto à análise de vetos presidenciais continua a acarretar uma maior concentração de poder pelo Executivo, além de aumentar a insegurança jurídica pela demora de votação de matéria vetada.


BIBLIOGRAFIA

  • BASTOS, Celso. Curso de Direito Constitucional. 22.ª ed. São Paulo, Saraiva, 2001.

  • CUNHA, Alexandre Sanches. Todas as Constituições Brasileiras – Edição Comentada. Campinas-SP, Bookseller, 2001.

  • FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Do Processo Legislativo. 4.ª ed. São Paulo, Saraiva, 2001.

  • HORTA, Raul Machado. Direito Constitucional. 3.ª ed. Belo Horizonte, Del Rey, 2002.

  • JACQUES, Paulino. Curso de Direito Constitucional. 4.ª ed. Rio de Janeiro, Forense, 1964.

  • MORAES, Alexandre. Direito Constitucional, 11.ª ed. São Paulo, Editora Atlas, 2002.

    Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
    Publique seus artigos
  • RÁO, Vicente. O Direito e a Vida dos Direitos. 5.ª ed. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1999.

  • SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 20.ª ed. São Paulo, Malheiros Editores, 2002.


Notas

2 BASTOS, Celso. Curso de Direito Constitucional. 22.ª ed. São Paulo, Saraiva, 2001, p. 376.

3 HORTA, Raul Machado. Direito Constitucional. 3.ª ed. Belo Horizonte, Del Rey, 2002, p. 519.

4 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 20.ª ed. São Paulo, Malheiros Editores, 2002, p. 112-113.

5 RÁO, Vicente. O Direito e a Vida dos Direitos. 5.ª ed. São Paulo, Editora Revista dos Tribunais, 1999, p. 283.

6 LUCIFREDI, Roberto. Atti complessi. In Novissimo Digesto Italiano. 3.ª ed. Turim, 1957, v. 1, t. 2, p. 1500-1501. Apud FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Do Processo Legislativo. 4.ª ed. São Paulo, Saraiva, 2001, p. 206.

7 Há ainda, no caso de emendas constitucionais, as chamadas vedações implícitas, que impossibilitam o poder constituinte derivado de alterar as vedações materiais, bem como de mudar o titular do poder constituinte derivado. Cf. MORAES, Alexandre. Direito Constitucional, 11.ª ed. São Paulo, Editora Atlas, 2002, p. 347-348.

8 A Constituição Federal prevê sessões unicamerais deliberativas do Congresso Nacional nas seguintes hipóteses: apreciação da lei orçamentária (CF, art. 48, II, e 166); apreciação de vetos (CF, art. 57, § 3.º, IV, e 66, § 4.º) e delegação de autorização para o Presidente da República editar lei delegada (CF., art. 69). O Congresso ainda se reúne unicameralmente para inaugurar a sessão legislativa (CF, art. 57, § 3.º, I); dar posse ao Presidente e Vice-Presidente da República (CF, art. 57, § 3.º, II) e elaborar ou reformar o Regimento Comum (CF, art. 57, § 3.º, II).

9 JACQUES, Paulino. Curso de Direito Constitucional.. 4.ª ed. Rio de Janeiro, Forense, 1964, p. 146.

10 Paulino Jacques ressalta a importância da publicação no processo legislativo. No dizer dele, a publicação “é conseqüência lógica da sanção ou da promulgação, porque a lei só obriga depois de publicada. A sanção ou a promulgação dão à lei a executoriedade; a publicação dá-lhe a obrigatoriedade. A publicação não é ato consensual nem declaratório; mas, tão-só, divulgatório”. (JACQUES, 1964, p. 146).

11 CUNHA, Alexandre Sanches. Todas as Constituições Brasileiras – Edição Comentada. Campinas-SP, Bookseller, 2001, p. 27.

12 § 3º Após o esgotamento do prazo constitucional, fica sobrestada a pauta das sessões conjuntas do Congresso Nacional para qualquer outra deliberação, até a votação final do veto.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Alexandre Maimoni

Alexandre Brandão Henriques Maimoni, Advogado especializado em Direito Administrativo e previdência complementar fechada, Membro titular da Câmara de Recursos da Previdência Complementar, Possui graduação em Direito pela Universidade de São Paulo(1993), graduação em Comunicação Social - Jornalismo pelo Centro Universitário de Brasília(1999), especialização em Direito da Medicina pela Universidade de Coimbra(2014), especialização em Health Strategic Management for the Executive Manager (HESTRAM) pela University of Miami(2015) e aperfeicoamento em Curso Avançado de Direito Constitucional pelo Instituto Brasiliense de Direito Público(2001). Atualmente é Sócio em escritório de advocacia da Maimoni Advogados Associados. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Público.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos