Breves considerações acerca da Lei Maria da Penha

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a Lei nº 11.340/2006, conhecido como a Lei Maria da Penha, especificamente seus aspectos jurídicos e a deficiência na sua implementação, tendo como objetivo demonstrar que a violência doméstica contra a mulher é um problema social grave ainda subestimado.


RESUMO

O presente trabalho trata sobre a Lei nº 11.340/2006, conhecido como a Lei Maria da Penha, especificamente seus aspectos jurídicos e a deficiência na sua implementação, tendo como objetivo demonstrar que a violência doméstica contra a mulher é um problema social grave ainda subestimado pelo Estado, que necessita ser sanado, vez que os danos causados se tornam irreparáveis, como a saúde mental e física que é afetada em muitas mulheres. Inicialmente será realizada uma análise jurídica, ao passo se que faça possível demonstrar as falhas do Estado em cumprir com o texto legal.

Palavras-Chave: Violência doméstica. Aplicação. Lei Maria da Penha.


ABSTRACT

The present monograph is about the Law 11.340/2006, knowledge as “Maria da Penha's Law”, specifically its juridical aspects and the deficiency in its implementation, having as objective to demonstrate that the domestic violence against women it's a major social problem still underestimated by the State, that needs to be healed, once the damages became irreparable, such as mental and physical health of women that is frequently affected. By start will be realized a juridical analyze, while became possible to demonstrate the flows of the State in accomplish the legal text.

Key-Words: Domestic violence. Application. Maria da Penha's Law.

INTRODUÇÃO

A Lei nº 11.340/2006 é conhecida popularmente como Lei Maria da Penha, é uma Lei elaborada para a defesa das mulheres que são vítimas de seus companheiros e familiares em razão desse vínculo e situação de vulnerabilidade. Foram décadas de abusos às mulheres, invisíveis perante a sociedade, sua função era “servir”, realizar os trabalhos de casa, cuidar do marido, dos filhos, e sem qualquer reconhecimento.
Ainda há muitas mulheres que vivem sob o “controle” de seus companheiros, estes, as anulam, impedem que trabalhem, e as que o fazem sofrem dentro de casa com a desaprovação de seus companheiros, e têm que se desdobrar para realizar serviços domésticos, sem reconhecimento social ou familiar.
A Lei nº 11.340/2006 foi um marco importantíssimo à defesa das mulheres, mas muito tem a ser feito, o Estado ainda não está preparado para dar suporte às mulheres que necessitam do que lhes é garantido pela lei, e tão pouco aos agressores que precisariam de uma reeducação, receberem uma nova educação cultural, o que consiste no problema que será abordado, que se traduz na falta de implementação dos dispositivos criados pela Lei.
Durante este trabalho, serão apontados os aspectos jurídicos e pontos relevantes e controversos dessa Lei, bem como os dispositivos legais que ainda carecem de implementação do Estado, o que pôde ser observado através de consulta aos órgãos envolvidos no processo, as Polícias e o Judiciário.
Foram elencadas, também, hipóteses do que motivou a não implementação dos dispositivos criados pela Lei, como a ausência de interesse do interesse do executivo ante a pouca popularidade desse tipo de obra frente aos seus custos, a subvalorização que é dado a essas causas e a perpetuação da discriminação contra a mulher.
Por fim, aponta algumas possíveis soluções, como primordialmente uma melhor educação de crianças e jovens sobre convívio em sociedade, o fortalecimento das unidades familiares e por fim a implementação integral dos dispositivos de atendimento e proteção trazidos na Lei.
O método utilizado para a realização do trabalho é o dedutivo, com pesquisa bibliográfica, sendo utilizado para tanto livros jurídicos, doutrinas, jurisprudências, artigos jurídicos eletrônicos e a legislação brasileira. Pode-se citar as principais obras utilizadas nesse trabalho, quais sejam “A Lei Maria da Penha na Justiça” por Maria Berenice Dias, “Maria da Penha: Lei com Nome de Mulher” por Leda Maria Hermann, “O Que É Violência Contra a Mulher” por Maria Amélia de Almeida Teles, textos publicados on-line no site da ONU Mulheres e Geledés – Instituto da Mulher negra, e a legislação que regula esses assuntos, como a própria Lei nº 11.340/2006 os Códigos Penal e de Processo Penal, a Lei nº 9.099/1995, a Constituição Federal e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Doméstica ou “Convenção de Belém do Pará”, além de decisões dos tribunais superiores.

1 DADOS HISTÓRICOS

A Lei nº 11.340/2006 é conhecida popularmente como Lei Maria da Penha, Maria da Penha Maia Fernandes é uma farmacêutica brasileira, que sofria agressões de seu marido, chegando a atingi-la com tiro de espingarda, tiro este que a deixou paraplégica, ficou vários meses no hospital, devido há necessidade de inúmeras cirurgias, após esses meses internada, Maria, voltou para casa, mas não foi nada fácil voltar, seu marido, o Professor Antônio Heredia Vívero, mais uma vez tentou colocar fim a sua vida, na tentativa de eletrocutá-la durante o banho, mas não obteve sucesso e Maria da Penha, mais uma vez não se entregou a tentativa de ser colocado fim a sua vida e sobreviveu.
Após as absurdas tentativas de assassinato pelo seu marido, a justiça concedeu a Maria da Penha, ordem judicial para que pudesse ser afastada da convivência do seu esposo, em seguida, Maria da Penha começou árdua batalha para que seu agressor fosse punido, enfrentando várias recusas, até mesmo no judiciário sob alegações de irregularidades, fazendo com que seu agressor continuasse em liberdade e a protelação do processo por mais longos anos.
Após 15 anos, o processo seguia sem nenhuma decisão condenatória, até que Maria da Penha juntamente com o CEJIL-Brasil (Centro para a Justiça e o Direito Internacional) e o CLADEM-Brasil (Comitê Latino-americano do Caribe para a defesa dos Direitos da Mulher), encaminharam para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos petição contra o Estado Brasileiro, relativo ao caso de violência doméstica por ela sofrida. (Caso Maria da Penha nº 12.051).
Em 2001 o Brasil foi condenado pela comissão OEA (Organização dos Estados Americanos), por negligência, omissão e tolerância, à violência doméstica contra as mulheres.
Foram denunciados a violação da Convenção Interamericana dos Direitos Humanos, em seus artigos, 1º, 8º, 24º, 25º, que dizem respeito à Obrigação de respeitar os Direitos, Garantias Judiciais, Igualdade Perante a lei, Proteção Judicial, além da Declaração dos Direitos e Deveres do Homem.
Após os ocorridos, a presidência da república encaminhou o projeto de Lei 37 de 2006 para votação, o que culminou com a aprovação no dia 07 de agosto de 2006, e a conversão na Lei nº 11.340/2006.
As mulheres que passam por problemas com seus companheiros como os que Maria da Penha passou, até mesmo com menor gravidade, ou seja, sem a tentativa de assassinato, adoecem emocionalmente, se sentem fragilizadas, impotentes, passando a acreditar que não são capazes de viverem sozinhas, que não sabem cuidar da casa, que tudo oque fazem está errado, isso leva a mulher a pensar que dependem daquele homem, este por sua vez a isola do mundo externo, obtendo assim maior controle sobre ela. O homem sempre atribui a culpa à mulher, justificando sua má conduta no comportamento dela, alegando que a vítima quem começou, que não faz as coisas como ele manda, fazendo com que a vítima entenda que parte da culpa pela briga foi dela, que se ela não tivesse dado motivo, não teria acontecido.
“Desde que o mundo é mundo Humano, a mulher sempre foi discriminada, desprezada, humilhada, coisificada, objetificada, monetarizada”. (MARIA BERENICE DIAS, 2008, p. 15).
Depois de um episódio de violência, vem o arrependimento, as flores, pedido de perdão, demonstram cenas de ciúmes como prova de amor, fazendo com que a mulher fique lisonjeada, e vem a esperança que o homem que elas amam ou amaram, possa voltar a ser um homem apaixonado, carinhoso e atencioso como no começo da relação, e por sua fragilidade cede ao pedido do agressor, que quando se vê em segurança, fora da punibilidade, volta a praticar a agressão.

2 ANÁLISE JURÍDICA DA LEI

A Lei nº 11.340/2006 traz materialmente o princípio da igualdade, uma isonomia, equilibrando lados opostos que possuem pesos diferentes, tornando o hipossuficiente capaz de opor ao seu opressor. Assim, não há que se falar em inconstitucionalidade da Lei Maria da Penha por ofensa ao artigo 5º, pois o que ocorre é exatamente o contrário, é a materialização daquela igualdade pretendida. Assim também entende o STF- Supremo Tribunal Federal, conforme decisão na Ação Direta de Constitucionalidade 19, onde afirma que a Lei traz uma desigualdade meramente formal, para se alcançar a isonomia substancial. É um exemplo de discriminação positiva ou ação afirmativa.

2.1 Incidência da Lei nº 11.340/2006

É clara a intenção de tal diploma legal a defesa da mulher em situação de vulnerabilidade, pois está expressamente previsto em seu artigo 1º e preâmbulo. Assim, pode-se verificar que a Lei prevê como sujeito passivo a mulher vítima, porém, não há qualquer limitação quanto ao sujeito ativo dos delitos, podendo ser tanto homem quanto mulher. 
Porém, não basta a vítima ser mulher, a violência deve ser em ambiente doméstica ou familiar, onde se verifica a situação de vulnerabilidade da mulher, pois os crimes são praticados fora dos olhos da sociedade, podem ser facilmente ocultados, não obstante a aceitação social dessas práticas, o que torna ainda mais difícil de serem alcançadas pelo poder público.
Há ainda um terceiro requisito que é claramente a prática de uma violência ou grave ameaça, mas estas não devem ser vistas como aquelas do Código Penal, pois a própria Lei trouxe o que deve ser considerado como violência, trazendo tipos mais amplos e que condizem com o tipo de infração e o ambiente em que ela se dá.

2.1.1 Sujeitos passivos e ativos

A Lei nº 11.340/2006 não traz em si tipificações penais, mas altera a aplicação das demais quando preenchidos alguns requisitos. O primeiro deles é quanto ao sujeito passivo, que deve obrigatoriamente ser mulher, e quanto ao sujeito ativo do delito este pode ser qualquer pessoa, não fazendo quaisquer limitações, ou seja, é possível a aplicação do rigor da Lei Maria Penha quando ocorrida violência doméstica ou familiar praticada por mãe, irmã, filha e outras, desde que o sujeito que sofreu a ação seja do sexo feminino.
É importante citar ainda sobre os transexuais, pois estes, quando por decisão judicial são considerados mulheres, os são para todos os efeitos e, portanto, são também protegidos pela Lei. Em relação aos que não passaram pelo crivo do judiciário, há correntes doutrinárias em ambos os sentidos, parte defendendo que deve ser observado a posição social que ocupa e seu auto reconhecimento, e a outra parte que defende a plena inaplicabilidade por falta de previsão legal.

2.1.2 Situação de vulnerabilidade

O artigo 5º da Lei nº 11.340/2006 traz a limitação e definição quanto ao que é ambiente doméstico e familiar, ou seja, define o alcance em que uma mulher vítima de violência será ou não atendida por tal diploma legal. É um rol taxativo, porém, não se requer a cumulação das condições, atendida apenas uma delas é o suficiente.
O artigo 5º, inciso I, define o âmbito de unidade doméstica, expressado como o espaço físico em si, de convívio permanente de pessoas ainda que esporadicamente, com destaque para a prescindibilidade de vínculo familiar. Nesse contexto, a empregada doméstica pode ser vítima de violência doméstica praticado por seus patrões, pois o que deve ser considerado é o espaço físico de convivência.
Já em seu inciso II, há a definição de âmbito familiar, onde são abarcados os laços biológicos ou consanguíneos (pais e irmãos), laços de afinidade (sogros e cunhados), laços sócio-afetivos (madrinhas e “mães de criação”) e vontades expressas (filhos adotivos e o marido e mulher). Nestes casos, é dispensável a convivência em mesmo local.
Por fim, o inciso III trás a relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a vítima, e dispensa que tenha ocorrido a coabitação, assim alcançando namorados e ex-namorados, desde que a violência tenha se dado em virtude da relação. É importante destacar que não há previsão de tempo para extinguir esse laço, e, conforme decisão do STJ, basta que tenha havido o relacionamento e que a violência tenha se dado em razão dele.

2.1.3 Espécies de violência abarcadas pela Lei nº 11.340/2006

O legislador teve o cuidado, e bastante consciência dos problemas concernentes a conflitos domésticos, de determinar quais os tipos de violência seriam alcançados pela lei, e ampliou o entendimento de tal assuntos, ampliando o que se entende por violência dentro do Código Penal.
Em seu artigo 7º, a Lei traz um novo rol, também taxativo, e determina como sendo violências abarcadas por ela, a violência física, a psicológica, a sexual, a patrimonial e a moral.
A violência sexual foi reconhecida pela Convenção Interamericana, que ficou conhecida como convenção de Belém do Pará, como crime de violência contra a Mulher, porém a resistência no judiciário e na doutrina foi grande, em aceita-la no âmbito doméstico como crime, sendo vista como obrigação da mulher, obrigação de esposa aceitar a relação sexual. O Código Penal em seu artigo 61, inciso II, alínea f é mais severo em relação aos crimes praticados “contra ascendentes, descendentes, irmão ou cônjuge”, sendo inserido pela Lei Maria da Penha mais uma hipótese “Com a violência contra a mulher na forma da lei específica”.
Deve dar destaque para a violência psicológica que traduz aquela violência mais silenciosa, onde se pretende evitar um desenvolvimento psicológico saudável através de condutas que atingem a autoestima da vítima, abarcando ameaças, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insultos e outros previstos no inciso II do artigo 7º da Lei nº 11.340/2006. “A violência psicológica encontra forte alicerce nas relações desiguais de poder entre os sexos”. (MARIA BERENICE DIAS, 2008, p. 48).
Além da psicológica, a Lei traz a novidade da violência patrimonial, e elenca condutos como retenção, subtração e destruição de bens da vítima. Assim, tem-se uma violência praticada contra um objeto que é entendida como sendo praticada diretamente a vítima, pois tem a intenção de atingi-la. 
Nesse tema de violência patrimonial, houve a discussão se há a ou não a aplicação da isenção de pena prevista no artigo 181 do Código Penal, relativa aos crimes contra o patrimônio. A princípio havia duas correntes, a primeira defendia a não aplicação referido artigo, pois era incompatível com o rigor trazido pela Lei nº 11.340/2006, e a segunda corrente afirmava ser obrigatória a aplicação de tal artigo, pois em se tratando de crimes, a aplicação ou não de determinado dispositivo deve estar expressamente prevista. O STJ decidiu de acordo com o esse segundo entendimento, e usou como parâmetro o Estatuto do Idoso, lei de características semelhantes a Lei Maria da Penha, que afastou expressamente a aplicação do artigo 181 do Código Penal, portanto, se o legislador pretendesse a não aplicação de tal dispositivo e o teria deixado expresso.

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2.1.4 As medidas protetivas mais requeridas, sua necessidade e efetividade. 

As medidas protetivas são os instrumentos trazidos pela lei que pretendem concretizar seus efeitos no mundo real, possibilitando a vítima segurança suficiente para que ela retome suas atividades, dentro de um padrão de maior normalidade e sem a interferência indeseja do agressor. O rol de medidas está contido em alguns artigos espalhados no texto, e é meramente exemplificativo, podendo o Juiz adotar outras medidas que entender necessárias.
Para saber quais as medidas mais requeridas, faz-se necessário primeiro uma distinção entre as que a Autoridade Policial pode realizar de imediato, e portanto independem de autorização judicial, e aquelas que necessitam de judicialização, garantindo ao agressor portanto a ampla defesa e o contraditório.
Segundo as informações obtidas na 1ª Vara Criminal desta comarca de Varginha, as medidas mais requeridas e deferidas em juízo são as contidas no artigo 22 e seus incisos II, III e IV, que se traduzem em afastar o agressor do convívio onde praticou a violência, e garantir a subsistência da vítima. Diante dessa informação, pode-se concluir que a justiça tem garantido a vítima uma forma digna de seguir com a vida e se refazer dos danos sofridos.
As demais medidas protetivas previstas no art. 22, I e artigo 24 da Lei 11340/2006 fogem da realidade da grande maioria dos casos que chegam ao judiciário, pois abordam um aspecto patrimonial que indica certa renda, incompatível com tal parcela da população, que, via de regra, são de classe média/baixa.
Já as medidas que são determinadas pela Autoridade Policial, conforme informações prestadas pelo Delgado da DEAM em Varginha, estão previstas nos artigos 11 e 12 da Lei 11340/2006, e são adotadas diuturnamente em sua grande maioria, exceto o inciso III do artigo 11, visto a inexistência de "abrigo", mas que também é comum conduzir a vítima até a casa de familiares, ou mesmo retornar para a casa onde convivia com o agressor quando este estiver preso.
Segundo o delegado, as medidas de competência da polícia são de fácil e efetiva aplicação, porém, a falta de servidores da área já gerou alguns entraves.
A dúvida sobre a efetividade das medidas recai sobre àquelas expedidas pelo judiciário, que dependem do comportamento de vítima e agressor longe dos olhos da justiça ou da polícia. Assim, é possível que a concessão das medidas se traduzam em uma solução real, mas também ocorre de ser apenas mais uma folha de papel. E para os agressores que testam esse limite, apesar de não haver o crime de desobediência, é possível subsidiar um pedido de prisão preventiva.

2.2 Consequências Jurídicas da Aplicação da Lei nº 11.340/2006

A Lei Maria da Penha apesar de não trazer tipos penais em seu texto, ela gera alterações tanto no campo Penal quanto no Processual Penal, além de trazer textos de conteúdo civil. Tem-se, por exemplo, a criação e inclusão do § 9º no artigo 129 no Código Penal, a alteração da competência para julgar as suas ações e medidas protetivas para estabelecer visita a filhos e pensão alimentícia.
Em virtude da seriedade que foi atribuída aos crimes de violência doméstica, a Lei, de forma bastante coerente, afastou a aplicação integral dos dispositivos da Lei nº 9.099/1995, trazendo diversas alterações materiais e instrumentais. Assim, por força desse dispositivo, e reiterado no artigo 14 da Lei nº 11.340/2006, nunca tramitarão em varas Juizados Especiais Criminais os crimes em que incidam a Lei Maria da Penha. Na verdade, tal artigo determina a criação de Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, onde deveriam correr tais ações, e não havendo, serão processados na Vara Criminal Comum.
Afastar a aplicação da Lei nº 9.099/1995 também retira a necessidade de representação para procedibilidade de ação quando o crime for de lesão corporal, não importando a extensão, o que foi julgado na ADI 4424. Assim, a ação deixa de ser condicionada a representação, como era entendido por parte da doutrina até 2012, passando a ser pública incondicionada. Impede ainda a suspensão condicional do processo, composição civil e transação penal.
Considerando a existência de medidas de caráter eminentemente civil dentre as medidas protetivas, poderia se cogitar um possível conflito de competência entre a Vara Criminal e a Vara Cível para processar tal pedido, porém, seguindo entendimento do artigo 14 da Lei nº 11.340/2006, ficam cumuladas as competências para ambas as matérias ao juízo criminal. 
Um detalhe importante, que gerou certa confusão, é que pode haver a aplicação por analogia das medidas protetivas de caráter civil previstas no artigo 22, II, IV e V da Lei nº 11.340/2006 aos homens, o que não é o esmo de se aplicar a Lei Maria da Penha quando a vítima for homem. É importante lembrar que o direito penal, em regra, não aceita a analogia, porém, as medidas são do âmbito civil, assim, de acordo com o caso concreto poderão ser aplicadas por analogia.
Ainda seguindo a tendência de maior rigor, tal Lei traz também um maior rigor para a “renúncia” a representação, que de acordo com o artigo 16 deve ser feita em audiência especialmente designada para tal finalidade, antes do oferecimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.
No parágrafo anterior, o termo “renúncia” foi grafado entre aspas por se tratar na verdade de uma retratação. Se manifestada inicialmente a renúncia propriamente dita, o procedimento não terá seguimento por falta de condição de procedibilidade. Assim, se a autoridade policial instaurar Inquérito Policial sem que a vítima tenha manifestado seu interesse na ação penal, poderá tal autoridade responder por crime de abuso.
Por fim, temos a criação dos §§9º, 10 e 11 do artigo 129 do Código Penal, nos quais se percebe que o legislador pretendeu também dar mais rigor as penas impostas pela prática de lesão corporal em ambiente doméstico familiar que àquelas dada as lesões corporais ordinárias, porém, menos gravosa que às praticadas no mesmo ambiente tendo vítima mulher. Assim, não há aplicação da Lei Maria da Penha quando se trata de violência doméstica com vítima homem, mas em virtude desta lei, há uma maior rigor, pois, o quantum da pena foi aumentada, e não tramitará mais perante Juizados Especiais Criminais, sendo obrigatório a lavratura da prisão em flagrante, concedido o direito de fiança.

3 ATUAÇÃO DO PODER PÚBLICO NO COMBATE À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

Nadine Gasman (ISTOE), representante do escritório da ONU Mulheres, no Brasil, durante debate organizado pela ONU Mulheres e pelo Consulado Geral da França no Rio de Janeiro para tratar do papel da mulher na vida pública, diz que “o Brasil tem sido reconhecido Internacionalmente, devido ao avanço de suas políticas públicas e legislações de defesa dos direitos das mulheres”.
A violência doméstica anteriormente à Lei nº 11.340/2006 era competência dos Juizados Especiais Criminais, considerada de pequena lesividade. Com a vigência da Lei, o legislador não deixou dúvidas de que a violência doméstica não é crime de pequeno potencial ofensivo, como determina a redação do artigo 14 da Lei nº 11.340/2006:

Artigo 14 Os Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, órgãos da justiça Ordinária com competência cível e criminal, poderão ser criados pela União, no Distrito Federal e nos Territórios, e pelos Estados, para o processo, o julgamento e a execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher.
Parágrafo Único - Os atos processuais poderão realizar-se em horário noturno, conforme dispuserem as normas de organização. (LEI 11.340/2006)

O artigo regula a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, vinculados à Justiça Ordinária e atribuindo competência Cível e Criminal.
Qualquer pessoa pode denunciar a violência doméstica, inclusive de forma anônima pelo número 181, o ideal seria a mulher procurar a Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (DEAM), no entanto, qualquer delegacia pode e deve efetuar o registro da ocorrência e encaminhas as medidas protetivas de urgência.
A Lei traz em seu artigo 8º as diretrizes de atuação do Estado e ações não-governamentais para atingir o objetivo da lei, o que ontologicamente significa que partiriam do conteúdo daqueles incisos o mínimo existencial para a execução da lei. Porém, não muito distante da realidade de seu “irmão mais velho” o Estatuto da Criança e Adolescente, parte desse mínimo inicial não foi ainda realizado, ou seja, o problema é a não implementação dos dispositivos legais.
Cabe destaque para alguns pontos, a princípio a criação das Delegacias Especializadas em Atendimento da Mulher (DEAM) e a capacitação policial para esse tipo de atendimento, contidas nos incisos IV e VII do artigo 8º da Lei nº 11.340/2006.
A situação da Polícia Civil em Minas Gerais é crítica e a ausência de funcionários, principalmente Delegados de Polícia, torna a criação dessas delegacias meras alterações administrativas, não há uma estrutura ou funcionários específicos, nem treinamento ou atualizações periódicas para os servidores. 
Na Comarca de Varginha, houve a criação da DEAM, que recebeu impressora e viatura específica para atendimento, o que ocorreu há cerca de 04 anos, bem como houve a nomeação de uma Delegada para tal área que cumulava além do atendimento a mulher a investigação de crimes sexuais, e contava ainda com uma psicóloga voluntária para auxiliar no atendimento das vítimas. Porém, desde então, não houve qualquer manutenção da estrutura, a Delegada foi já transferida, a impressora recolhida para manutenção, ainda sem data para retorno, não há mais voluntários e nenhum treinamento foi ministrada a escrivã da área. Hoje, o delegado responsável, Dr. Otávio Miari Branquinho, acumula as delegacias de flagrantes, TCO e a DEAM, contando apenas com três escrivães para tamanho volume de serviço. Apesar de todos os contratempos, o Delegado afirmou que todo o disposto nos artigos 10, 11 e 12 da Lei nº 11.340/2006 são cumpridos a contento, com exceção da conclusão do inquérito policial em 30 dias.
Os incisos IV, V, VIII e IX do artigo 8º da Lei nº 11.340/2006 trazem de forma geral a premente necessidade de conscientização da população quanto a assuntos conexos aos direitos humanos, à equidade de gênero e de raça ou etnia e ao problema da violência doméstica e familiar contra a mulher. O Estado também falha de forma temerária nesses quesitos.
O sistema de educação, assim como o de segurança, está em colapso, e necessita de reorganização e reestruturação com urgência. Dentro dessa realidade não há possibilidade de que tais assuntos sejam disseminados, falhando na educação da população jovem e adulta. O mais próximo do cumprimento desse aspecto educativo é visto dentro das faculdades de Direito, pois traz em seu currículo acadêmico a obrigatoriedade dessa matéria, propiciando estudos, debates e palestras sobre esse assunto, comparado com o que se pretendia na lei, é um avanço ínfimo.
Não obstante a gravidade do acima exposto, vê-se o descaso do Estado com assunto de tamanha importância ao analisar o artigo 35 da Lei nº 11.340/2006. Em virtude de constituir uma possibilidade, ou seja, está dentro do poder discricionário da administração pública, nenhum dos incisos de tal artigo está implantado atualmente na Comarca de Varginha, o que se repete nas cidades da região. 
Dentre os incisos estão dois de muito destaque, sugerem a criação de abrigos para as mulheres e respectivos dependentes em situação de violência doméstica e familiar, bem como a criação de centros de educação e reabilitação para os agressores. A ausência destes órgãos ou entidades faz com que a mulher assim que deixe a delegacia não tenha, por vezes, lugar para onde ir com seus filhos, e permite que o agressor se mantenha na ignorância da gravidade do ato que cometeu, perpetuando o comportamento.
Em uma sociedade ainda predominantemente patriarcal e machista, onde movimentos feministas são motivos de chacota, indivíduos que defendem ideias populistas e soluções simplórias para problemas complexos são tratados como verdadeiros messias contemporâneos, foge da vista da realidade o tamanho do problema. Diante de uma classe política que pretende se manter no poder e nada além disso, tomar medidas que sejam onerosas e pouco populares é menos atrativo que asfaltar a cidade às vésperas da eleição, ou mesmo entrar em um debate pífio e insipiente nas redes sociais.
Não obstante a isso, tem-se a falta de estrutura intrínseca das estruturas que iriam compor o sistema de atendimento pretendido pela lei. Nesse sentido pode-se citar a Polícia Civil com seu déficit de funcionários e falta de treinamento e atualização, de mesma forma a assistência social, defensorias públicas e o próprio judiciário. Todos esses órgãos atendem de maneira precária, dentro do alcance que lhes é possível, mas longe do que é o ideal.
Por fim, o principal fator a ser considerado é a educação, no caso, a má qualidade ou ausência dela. Como dito, o sistema educacional brasileiro está em colapso, segundo publicação no site G1, o Brasil ocupa a 60ª posição em lista com 76 países, realizada pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o que coincide com os dados publicados no texto  “Alguns números sobre a violência contra as mulheres no Brasil”, publicado em 14 de agosto desse ano, informando que o Brasil é o quinto país com maior índice de violência desse tipo.
Verificadas as causas mais incisivas em relação ao problema abordado, não há muito que se dilatar quanto as soluções. É claro que, a realização desses passos pode se revelar muito mais complexas que a realização do que é proposto pela própria Lei nº 11.340/2006, mas também se revelará como solução de diversas outras mazelas.
Assim, a estruturação do sistema de segurança em toda a persecução penal, bem como das assistências sociais e da defensoria pública, permitiria um atendimento de qualidade de solução dos problemas já criados, enquanto a melhoria no sistema de educação básica, com a criação de entidades voltadas para disseminação da discussão desse assunto nos mais variados da sociedade, fomentação de palestras, garantia uma menor ocorrência desse tipo de violência.


CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Lei Maria da Penha foi um marco na defesa das mulheres, foi através da luta de uma mulher chamada Maria da Penha Maia Fernandes que sofreu por anos as violências praticadas por seu esposo, somente quando Maria da Penha obteve permissão da justiça para que se afastasse do lar e após, começou a batalha na justiça para que seu agressor fosse punido, porém só obteve uma resposta quando o País foi condenado pela comissão OEA (Organização dos Estados Americanos) por negligência, omissão e tolerância doméstica contra mulheres, que após encaminhou projeto Lei 37 de 2006 para votação, o que culminou com a aprovação no dia 07 de agosto de 2006, na conversão da Lei nº 11.340/2006. 
Foi um marco importantíssimo à defesa das mulheres, porém muito tem a ser feito, tanto para as vítimas, quanto para seus agressores, muito foi implantado, mas pouco funciona, falta investimento para o devido cumprimento do prometido pelo Estado.
A lei tem o intuito de trazer igualdade, equilibrando lados opostos e deixando o mais fraco hipossuficiente para se opor ao seu agressor, defendendo a mulher em situação de vulnerabilidade, destinada a defesa das mulheres que obrigatoriamente devem constar como sujeito passivo, porém como sujeito ativo a Lei não especifica, podendo ser o Homem ou a Mulher, na prática da agressão à mulher, lembrando que a agressão passou a não ser só a física, podendo ser moral, psicológica, material, sexual, o que se averigua é o dano causado pela violência, muitas mulheres não se recuperam, levam o dano causado para suas vidas.
Para que seja dada a devida eficácia no cumprimento da Lei, alguns investimentos precisam ser feitos, como a estrutura da Delegacia de atendimento à mulher, o treinamento dos servidores públicos que serão responsáveis e indispensáveis por tal atendimento.
A Lei gerou modificações tanto no campo Penal como no Processual Penal, contendo também conteúdo Civil, tais como a inclusão do § 9º no artigo 129 no Código Penal, a competência para julgar as ações e medidas protetivas tal como a visita aos filhos, pensão alimentícia, a Lei também traz maior rigor em relação à renúncia, quando manifestada inicialmente o procedimento não terá seguimento por falta de condição de procedibilidade. 
A consciência do ser sobre si e sobre o outro garante a ambos o respeito as individualidades e diferenças, levando a identificação de seu papel e importância social, reforçando o sentimento de coletividade. A educação é a base para essa consciência, sem a qual a sociedade segue ladeira abaixo, abrindo espaço para oportunistas e falsos líderes, para extremistas de ambos os lados, torna o povo refém do Estado foi criado para lhe proteger.
Em uma sociedade livre e igualitária não há cabimento para este tipo de comportamento que só se sustenta pela inanição do Estado em cumprir seu papel de garantidor de direitos. A promoção de ações afirmativas, como a Lei nº 11.340, para não garantir o seu total cumprimento adianta de muito pouco, reforçando o adjetivo de incompetência do Estado, e claramente das instituições envolvidas diretamente com o conflito.
Ante a tudo que foi exposto, é possível concluir que a cultura social, a falta de atuação do Estado, a falta de estrutura das instituições que iriam compor o sistema de combate a violência doméstica e falta de educação são os fatores que permitem a perpetuação da violência doméstica em patamares tão elevados, e que a solução para este problema passa pela reestruturação dos principais setores do Estado e da sociedade em si. É preciso evoluir.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal.

BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Código Processo Penal.

BRASIL. Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995. Dispõe sobre os juizados cíveis e criminais, e dá outras providências.

BRASIL. Lei 11.340/2006, de 07 de agosto de 2006. Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8º do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências.

COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher, “Convenção de Belém do Pará”. Disponível em: <http://www.cidh.org/Basicos/Portugues/m.Belem.do.Para.htm>. Acesso em: 27/09/2016.

DIAS, Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na Justiça. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

HERMANN, Leda Maria. Maria da Penha Lei com nome de mulher. Campinas: Servanda, 2008.

ISTO É. Maria da Penha: lei foi eficiente, mas precisa ampliar serviços, diz educadora. Disponível em: <http://istoe.com.br/maria-da-penha-lei-foi-eficiente-mas-precisa-ampliar-servicos-diz-educadora/?utm_source=terra&utm_medium=home&utm_campaign=parceiro>. Acesso em: 25/09/2016.

TELES, Maria Amélia de Almeida. O que é Violência Contra a Mulher. São Paulo: Brasiliense, 2002.

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a Lei nº 11.340/2006, conhecido como a Lei Maria da Penha, especificamente seus aspectos jurídicos e a deficiência na sua implementação, tendo como objetivo demonstrar que a violência doméstica contra a mulher é um problema social grave ainda subestimado

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