Yuri Lourenço da Silva, de 19 anos, morto durante uma operação policial na Cidade de Deus. Os Policiais da UPP confirmaram que houve tiroteio por causa do confronto com traficantes de drogas.
A funkeira Tati tem recebido, no Facebook e Twitter, mensagens esdrúxulas e desumanas, como “por não ter dado educação” e que Yuri foi morto, merecidamente, por ser bandido. É a velha frase "Bandido bom é bandido morto".
“Por não ter dado educação”. Fico pensando, quais os tipos de educação que os genitores das classes sociais A, B e [antiga] C deram aos seus filhos? Deram educação "exemplar":
- "Homem deve bater em mulher para que ela saiba quem manda.";
- "Tem habilitação provisória e foi parado por policial? Insinua um 'agrado' [corrupção ativa].";
- "Todos param na calçada. Você também pode parar. Direitos iguais.";
- "Filho, pode manter o ar condicionado ligado direito, pois fiz um 'gato' [furto de energia elétrica].";
- "Saiba que você é muito melhor do que esses garotos de rua [moradores de rua].";
- Autoridade e carteirada. "Podem soltar o meu filho. Sou delegado e quem resolve sou eu.";
- PM. Oficial para sargente: "Rasgue logo essa multa de trânsito do meu filho.";
- Escritório familiar de advocacia: "Papai. O processo está debaixo de muitos outros processos.", "Ora, meu filho, que advogado é você? Vá lá e dê um 'agrado' ao servidor.";
- Consultório médico familiar: "Peça cheque caução antes de qualquer procedimento. Faça 'terror' psicológico para o paciente não pensar muito e liberar logo o cheque caução.";
- Político e família: "Vou colocar você, meu filho, no esquema.";
- O boleto premiado: "Filha, aquele rapaz tem boa condição financeira. É só seduzi-lo para ter bom casamento.";
- A "supremacia branca": "Só podia ser preto. Quando não faz na entrada, faz na saída.";
- Alienação Parental: "Escute. Papai é um monstro. Não fale com ele.", "Sua mãe diz, quando você não está presente, que o corpo dela ficou deformado após o seu nascimento.";
- Homofobia: "Viu algum bicha? Dá logo porrada.";
- Pau no lombo ou trabalho: "Mamãe, a empregada disse que está na hora de ela sair, pois terminou o horário dela.", "Que absurdo é esse? Vá lá e mostre que você é a patroa.".
Pela historicidade brasileira, as frases ficcionais acima não se distanciam da realidade. E o que dizer da fraude no Enem? O problema tupiniquim é a hipocrisia, a seletividade penal.
Ainda não há evidência concreta que os policiais executaram o rapaz, muito menos se o rapaz atirou primeiro nos policiais. É certo que, infelizmente, pela precária ação do Estado Social, o tráfico consegue aliciar crianças e adolescentes. Todavia, e os adolescentes ou adultos de classes sociais abastadas que traficam? A normalidade de que se pode fazer o que bem quiser não é recente. Data desde a primeira democracia brasileira. Nunca houve uma educação humanitária — respeito pelo próximo —, muito menos educação para não degradar os bens públicos. Houve uma educação deturpada, a qual, quem tem poder, pode fazer o que bem entender.
Nenhum recém-nascido pensa em ser traficante, policial, médico. O meio social tem influência sobre o desenvolvimento da criança. O que é um crime? Depende da interpretação cultural. É crime quando cidadão assalta, com arma de fogo, concidadão. E o povo fica revoltado, afinal a vítima é trabalhadora honesta, e o ladrão um vagabundo. Entretanto, nenhum do povo sai chamando qualquer caixa de supermercado, ou o gerente, de ladrão, quando não tem o devido troco. É um "assalto" permitido pela sociedade.
Há no Brasil uma parcela de pessoas hipócritas e racistas esperando o momento propício para atacar os "desajustados", os "criminosos natos". Quando é uma pessoa de classe social abastada que comete crime, isso não passa de "fatalidade", e a condenação, uma "injustiça". Que falem os familiares cujos entes foram mortos em acidentes de trânsito. Ou os milhões de brasileiros que tiveram seus direitos sociais arrancados pela corrupção da PPPI (Parceria Público-Privada Ímproba).
Cada qual escolhe seu destino, mas o destino pode ser influenciado pelas condições sociais. Os índices de criminalidade no Japão e nos países Escandinavos são baixíssimos quando comparados com os altíssimos índices do Brasil. Por quê? O Estado age em prol dos soberanos. É necessário dizer que o Estado, quando democrático, é um reflexo da sociedade. A maneira de pensar e agir dos adultos influencia crianças e adolescentes. Não me refiro à maneira de pensar e de agir dos pais, da sociedade em si. Pais que tentam dar educação humanitária aos filhos encontram dificuldades, pois a sociedade tem outras maneiras de educar: desumanamente. Quando se lê "Educai as crianças, para que não seja necessário punir os adultos." (Pitágoras), o compromisso não é somente dos pais, mas da sociedade também.
Os Constituintes Originários sabiam da importância da educação, não somente dos pais, mas da sociedade para o desenvolvimento cívico ao Estado Democrático de Direito:
CRFB de 1988
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)
A própria sociedade também ratificou o dever de proteger, cuidar e educar às crianças e os adolescentes:
ECA
Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
Art. 15. A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitos de direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis.
Art. 98. As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados:
I - por ação ou omissão da sociedade ou do Estado.
E o que o Estado e a sociedade brasileira fazem com as crianças e com os adolescentes? “Cada qual cuida de seu filho.”, assim diz cada genitor. Os filhos dos outros interessam. Sim, um descaso à vida das crianças e dos adolescentes, destoando dos fundamentos (art. 1º) e dos objetivos (art. 3º) da CRFB de 1988. Fico perplexo assistindo nas redes sociais comentários de que “em outros países” não há tamanha violência como há no Brasil. Simples, nada cai do céu, só chuva. Essas sociedades fizeram o dever de casa: mudanças aconteceram pelo esforço comum, sem discriminações, sem idolatrias, sem narcisismos, sem “supremacias raciais”, sem "supremacias sociais".
E se o filho de Tati estiver envolvido com o tráfico? Esse jovem, pelo que já expus aqui, é vítima de uma sociedade narcisista, egocêntrica: desumana. Não há importância com as crianças ou os adolescentes de comunidades carentes. A mesma sociedade que manda matar os traficantes, pasmem, é a mesma sociedade que compra as drogas fornecidas pelos traficantes. A mesma sociedade que exclui concidadãos, pela cor, pela região, é a mesma que depois reclama que o concidadão assalta ou se vinga da sociedade. Não há plena justificativa para se cometer crime, mas países cujos índices de violência são quase zero descobriram que o princípio da isonomia é o caminho.
Qual parte da sociedade brasileira quer agir para tornar o Brasil humanizado?
Para refletir:
As Crianças Aprendem o que Vivenciam.
- Se as crianças vivem ouvindo criticas, aprendem a condenar.
- Se convivem com a hostilidade, aprendem a brigar.
- Se vivem com medo, aprendem a ser medrosas.
- Se convivem com a pena, aprendem a ter pena de si mesmas.
- Se vivem sendo ridicularizadas, aprendem a ser tímidas.
- Se convivem com a inveja, aprendem a invejar.
- Se vivem com vergonha, aprendem a sentir culpa.
- Se vivem sendo incentivadas, aprendem a ter confiança em si mesmas. Se as crianças vivenciam a tolerância, aprendem a ser pacientes.
- Se vivenciam os elogios, aprendem a apreciar.
- Se vivenciam a aceitação, aprendem a amar.
- Se vivenciam a aprovação, aprendem a gostar de si mesmas.
- Se vivenciam o reconhecimento, aprendem que é bom ter um objetivo.
- Se vivem partilhando, aprendem o que é generosidade.
- Se convivem com a sinceridade, aprendem a veracidade.
- Se convivem com a equidade, aprendem o que é justiça.
- Se convivem com a bondade e a consideração, aprendem o que é respeito.
- Se vivem com segurança, aprendem a ter confiança em si mesmas e naqueles que as cercam.
- Se as crianças convivem com a afabilidade e a amizade, aprendem que o mundo é um bom lugar para se viver.
Dorothy Law Nolte
FIAT LUX!