1. Introdução
A economia brasileira tem passado por grandes desafios.
Em recente edição, a revista britânica “The Economist” sentenciou que o Brasil passa por seu maior desafio em termos econômicos desde a década de 1990: recessão, inflação, déficit na balança de pagamentos, queda nos investimentos e crise na maior empresa estatal brasileira2. As projeções para o PIB nacional confirmam o cenário recessivo, ao mesmo tempo em que a inflação tende a corroer a renda nacional, uma vez que permanece acima da meta definida pelo Banco Central3.
Nesse contexto, os entes federativos têm recorrido a pacotes de ajustes fiscais, com o objetivo de minimizar as consequências da crise que assolam nosso país.
Dentre as medidas impostas, insere-se mecanismo previsto no artigo 9° da Lei de Responsabilidade Fiscal: o contingenciamento de dotações por meio da limitação de empenhos. Na prática, redução de despesas públicas.
Ressalvadas as limitações impostas pelo §2° de mencionado dispositivo legal4, todo e qualquer gasto pode ser objeto de redução, o que pode comprometer a entrega de serviços e produtos de qualidade à população, face à ausência de critérios técnicos para referidas contenções.
Tendo em conta a problemática ora exposta, a implantação do Sistema de Informação de Custos do Setor Público (SICSP) torna-se ferramenta imprescindível para melhor alocação dos dinheiros públicos a partir do aprimoramento da gestão orçamentário-financeira.
2. Previsão legal
A Emenda Constitucional n° 19/1988 inovou o ordenamento jurídico brasileiro, ao incluir, de maneira expressa no caput do artigo 37, a eficiência como princípio norteador da Administração Pública.
Segundo magistério de Alexandre de Moraes5,
"o princípio da eficiência é o que impõe à administração pública direta e indireta e a seus agentes a persecução do bem comum, por meio do exercício de suas competências de forma imparcial, neutra, transparente, participativa, eficaz, sem burocracia e sempre em busca da qualidade, rimando pela adoção dos critérios legais e morais necessários para melhor utilização possível dos recursos públicos, de maneira a evitarem-se desperdícios e garantir-se maior rentabilidade social". (grifo nosso)
Nessa esteira, com vistas ao cumprimento de epigrafado princípio, a Lei de Responsabilidade Fiscal determina que o administrador público mantenha um sistema de custos para a avaliação e o acompanhamento da gestão orçamentária, financeira e patrimonial. Eis o artigo 50, § 3º:
“A Administração Pública manterá sistema de custos que permita a avaliação e o acompanhamento da gestão orçamentária, financeira e patrimonial”.
A importância do primado da eficiência foi reafirmada com o reordenamento da Contabilidade Aplicada ao Setor Público, processo capitaneado pela Secretaria do Tesouro Nacional, onde referida ferramenta gerencial entrou definitivamente na agenda pública.
As normas brasileiras de contabilidade aplicadas ao setor público contém previsão específica quanto a implantação de um Sistema de Informação de Custos do Setor Público – SICSP (NBC T 16.11), assim como o Conselho Federal de Contabilidade (Resolução n° 1366/2011), tudo isso visando a convergência com as Normas Internacionais de Contabilidade aplicadas ao Setor Público.
Desse modo, haja vista que os entes federativos devem adequar-se à nova Contabilidade aplicada ao Setor Público no presente exercício6, bem como o atual panorama econômico, as perspectivas para o aprimoramento da gestão orçamentário-financeira são prementes.
3. Sistema de informação de custos do setor público (SICSP)
3.1. Importância para o contingenciamento das dotações orçamentárias
De acordo com os itens 2 e 3 da NBC T 16.11, “o SICSP registra, processa e evidencia os custos de bens e serviços e outros objetos de custos, produzidos e oferecidos à sociedade pela entidade pública”, tendo os seguintes objetivos:
“(a) mensurar, registrar e evidenciar os custos dos produtos, serviços, programas, projetos, atividades, ações, órgãos e outros objetos de custos da entidade;
(b) apoiar a avaliação de resultados e desempenhos, permitindo a comparação entre os custos da entidade com os custos de outras entidades públicas, estimulando a melhoria do desempenho dessas entidades;
(c) apoiar a tomada de decisão em processos, tais como comprar ou alugar, produzir internamente ou terceirizar determinado bem ou serviço;
(d) apoiar as funções de planejamento e orçamento, fornecendo informações que permitam projeções mais aderentes à realidade com base em custos incorridos e projetados;
(e) apoiar programas de redução de custos e de melhoria da qualidade do gasto”.
Todos os objetivos anteriormente relacionados têm potencial para redução de custos da Administração Pública, na medida em que, como veremos adiante, a implantação do SICSP pressupõe a análise e revisão de todas as etapas necessárias para a disponibilização dos bens e serviços entregues à população. Assim, tem-se a possibilidade de otimização de processos e, consequentemente, redução de custos, eliminando da cadeia produtiva atividades que não agregam valor aos cidadãos.
O SICSP tem como fonte primária de informação os atos e fatos contábeis de natureza orçamentária, patrimonial e de controle da Administração Pública, conforme demonstramos a seguir:
Fonte: Manual de Contabilidade Aplicada ao Setor Público – STN – 4ª edição
Nesse sentido, a qualidade das informações ofertadas ao setor contábil é condição fundamental para a fidedignidade do sistema de custos. Demais disso, deve haver uma mudança de paradigma no próprio setor contábil-financeiro, tornando-se uma verdadeira controladoria, no sentido de órgão voltado ao planejamento orçamentário-financeiro das atividades públicas.
3.2. Definições
A partir dos dados disponíveis na contabilidade, a implantação de um SICSP passa pela classificação dos custos em diretos ou indiretos, bem como variáveis ou fixos.
Em âmbito governamental, consideramos como custo direto aqueles gastos relacionados diretamente ao bem e/ou serviço final entregue à população, alocados, portanto, diretamente, sem a necessidade de estabelecer-se uma metodologia de rateio.
Professores numa sala de aula, médicos e enfermeiros numa unidade básica de saúde, guardas municipais em policiamento ostensivo numa praça pública ou próprio municipal, cestas básicas na distribuição de mantimentos para população carente, programas de distribuição de renda, sementes em programas da Secretaria de Agricultura com vistas a incentivar o plantio do pequeno produtor rural e medicamentos para serem distribuídos em farmácia municipal são exemplos de custos diretos.
Relativamente aos custos indiretos, são aqueles gastos não relacionados diretamente ao bem e/ou serviço final entregue à população, mas que são fundamentais para a viabilidade do mesmo. Dessa maneira, não podem ser alocados diretamente ao custo do produto disponibilizado aos cidadãos, motivo pelo qual são utilizados critérios de rateio para sua correta distribuição. De maneira genérica, incluem-se aqui os serviços de suporte administrativo (as chamadas "atividade-meio"), dentre os quais citamos:
- administração contábil-orçamentário-financeira;
- gestão dos recursos humanos;
- licitações e compras;
- sistema de controle interno;
- coordenação política;
- assessorias técnicas;
- vigilância patrimonial;
- manutenção e limpeza dos próprios públicos.
De outro norte, os custos são considerados variáveis quando aumentam de acordo com a população atendida; fixos, quando, até certo ponto, independentemente da quantidade disponibilizada, não sofrem variação.
Como exemplo, citamos a quantidade de material escolar distribuído em sala de aula (custo aumenta conforme o número de alunos beneficiados, portanto, variável) e o professor que leciona na mesma (até que seja atingida a capacidade máxima de alunos na classe, o custo do magistério permanece fixo, seja para uma classe com 10 ou 50 estudantes).
A classificação dos custos pode ser feita de maneira automática, a partir dos lançamentos contábeis, utilizando-se como parâmetro os conceitos expostos no presente tópico.
O próximo passo é a escolha do método de rateio mais apropriado para a alocação de todos os custos necessários para a entregue dos bens e serviços ofertados à população.
3.3. Método de rateio baseado em Atividades (ABC)
Implantada a metodologia de classificação dos gastos públicos, é necessária a adoção de um método de custeio que aloque todos os custos aos bens e serviços entregues à população. Nada mais é do que o estabelecimento de critérios para definir como e quais custos contribuem para o bem ou serviço disponibilizado à população.
Existe uma diversidade de métodos de rateio (custeio por absorção, custeio direto, custeio padrão, entre outros), cada um com suas vantagens e desvantagens, escolhidos de acordo com os objetivos organizacionais.
No entanto, a tendência dos modernos sistemas de custos utilizados em empresas privadas é partir da premissa de que não são os produtos e serviços finais que consomem recursos, mas sim os processos e as atividades desenvolvidas no bojo da organização. Desse modo, os produtos e serviços consumiriam atividades e não recursos.
Nesse contexto, por meio de direcionadores de gastos (os chamados "cost drivers"), os custos são acumulados em atividades e, posteriormente, alocados aos produtos e serviços finais. Eis o custeio baseado em atividades (ABC), desenvolvido pelos professores norte-americanos Robert Kaplan e Robin Cooper, em meados da década de 80.
A partir de referida prática corporativa, vislumbramos a possibilidade de aplicação no setor público, consoante estrutura conceitual básica do sistema de custeio ABC, delineada a seguir.
3.3.1. Implantação do método de rateio baseado em atividades (ABC)
3.3.1.1. Mapeamento dos Processos e Atividades
Inicialmente, a implantação de um método de rateio ABC consiste no mapeamento dos processos e atividades do ente público. Para tanto, cabe a cada seção, secretaria, diretoria e/ou departamento integrante da Administração Pública especificar suas principais atividades e como contribuem para os bens e serviços entregues à população.
Desse modo, utilizando-se conceitos de Organização, Sistemas e Métodos (OSM), a Administração Pública tem a oportunidade de revisar todos os seus processos internos (“atividades-meio”) e seus respectivos produtos (bens e serviços), aperfeiçoando o que agrega valor à sociedade e revisando e/ou eliminando atividades que não contribuem para o atingimento do interesse público. É ocasião para desburocratização do serviço público, visando a transição para o Estado Gerencial, nos termos do princípio constitucional da eficiência e do Decreto n° 5378/2005, que “institui o Programa Nacional de Gestão Pública e Desburocratização - GESPÚBLICA e o Comitê Gestor do Programa Nacional de Gestão Pública e Desburocratização, e dá outras providências”.
O resultado dessa etapa serão fluxogramas onde constarão todas as atividades necessárias para que determinado produto ou serviço seja entregue para a população, facilitando a identificação de gargalos e otimização de procedimentos.
Para cada atividade, visando a melhora contínua da Administração Pública, podem ser confeccionados manuais de procedimento e respectivas metas quantitativas e qualitativas, inclusive com estabelecimento de remuneração variável atrelada a desempenho dos servidores públicos, nos termos da legislação vigente.
Nesse aspecto, a redução de despesas torna-se mais eficiente, alocando-se os recursos públicos disponíveis naquilo que, de fato, atende os legítimos anseios dos cidadãos.
3.3.1.2. Direcionadores de Custos (“Cost Drivers”)
Uma vez mapeados os processos e atividades organizacionais, objetos do controle de sistema de custos, devem ser definidos os direcionadores de custos, que determinarão a apropriação dos mesmos aos processos e atividades e destas para os produtos e serviços entregues pelo ente público.
Os direcionadores de custos podem ser entendidos como aquelas unidades de medida que determinam o custo das atividades ou processos de uma organização. Dito de outra maneira é o fato gerador dos custos das atividades, consumidoras dos recursos do ente.
Como exemplos, citamos:
ATIVIDADE |
DIRECIONADOR DE CUSTO |
Transporte escolar |
Crianças transportadas |
Merenda escolar |
Crianças atendidas |
Atendimento ambulatorial |
Pacientes atendidos |
Diagnósticos por imagem |
Exames realizados |
Assistência social |
Munícipes assistidos |
Manutenção do ensino |
Alunos atendidos |
Aperfeiçoamento do magistério |
Docentes ativos |
PROCESSO |
DIRECIONADOR DE CUSTO |
Administração de recursos humanos |
Quantidade de servidores |
Vigilância e limpeza predial |
Metragem do prédio público |
Administração contábil-financeira |
Orçamento da Secretaria |
Controle Interno |
Orçamento da Secretaria |
Tal conceito é a principal inovação do sistema de custeio ABC, bem assim a mais dispendiosa etapa, posto que demanda um rastreamento detalhado da dinâmica envolvida em determinado processo ou atividade. Assim, como muitas vezes não é possível conciliar-se exatidão com economia, é comum utilizar-se o mesmo direcionador de custos para diversas atividades e processos, haja vista a limitação dos recursos orçamentários.
Desse modo, a implantação de referida metodologia de custeio deve ser alcançada de maneira gradual e sucessiva pela organização, tendo em conta os objetivos de cada entidade.
4. CRITÉRIOS OBJETIVOS PARA CONTINGENCIAMENTO DE DOTAÇÕES
Uma vez implantado, o SICSP torna-se verdadeira ferramenta de gestão, ofertando ao administrador público informações objetivas para melhor distribuição dos recursos públicos com vistas a ofertar melhores produtos e serviços aos cidadãos.
A otimização dos dinheiros públicos passa a ser preocupação constante, permitindo a definitiva transição do Estado burocrático para o gerencial (princípio da eficiência), bem assim alcançando os objetivos fundamentais da Carta Cidadã, expressos em seu artigo 3°:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Poderíamos, por fim, falar em lucro social aos acionistas do Estado, aqueles que o sustentam compulsoriamente por meio dos diversos tributos, na medida em que a busca por resultados de qualidade seria o propósito da Administração Pública, erradicando práticas nocivas ao Estado Democrático de Direito.
Não seria esse o verdadeiro despertar do Gigante?
5. BIBLIOGRAFIA
Alonso, Marcos. Custos no Serviço Público – Revista do Setor Público: Ano 50, Número 1, Jan-Mar 1999.
Atkinson, Anthony A. … [et. al]. Management Accounting. 3 ed. New Jersey: Prentice Hall.
Gitman, Lawrence, Princípios de Administração Financeira, 7ª edição, editora Harbra, 1997.
Moraes, Alexandre de. Reforma Administrativa: Emenda Constitucional nº 19/98. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1999.
Rappaport, Alfred, Gerando Valor para o Acionista, editora Atas, 2001.
Toledo Jr., Flávio C. de; Rossi, Sérgio Ciquera, Lei de Responsabilidade Fiscal Comentada Artigo por Artigo, 3ª edição, São Paulo, NDJ, 2005.
Secretaria do Tesouro Nacional, Manual de Contabilidade Aplicada ao Setor Público – MCASP, 4ª edição, 2012.
Manuais e apresentações disponíveis no site da Secretaria do Tesouro Nacional (https://www.stn.fazenda.gov.br/contabilidade_governamental/treinamentos_eventos_ccont.asp)
6. LEGISLAÇÃO CONSULTADA.
Constituição Federal de 1988.
Decreto Presidencial n° 5378/2005
Lei Complementar nº 101/00.
Lei Federal nº 4320/64.
Decreto 6.976/09.
Normas Brasileiras de Contabilidade Aplicadas ao Setor Público (NBC T 16.11)
Portaria da Secretaria do Tesouro Nacional n° 733/2014
Notas
2 Conforme https://www.economist.com/news/leaders/21645181-latin-americas-erstwhile-star-its-worst-mess-early-1990s-quagmire. Data da consulta: 3/3/2015.
3 Muito embora, os últimos meses têm mostrado um certo alívio no cenário inflacionário.
4 § 2° Não serão objeto de limitação as despesas que constituam obrigações constitucionais e legais do ente, inclusive aquelas destinadas ao pagamento do serviço da dívida, e as ressalvadas pela lei de diretrizes orçamentárias.
5 MORAES, Alexandre de. Reforma Administrativa: Emenda Constitucional nº 19/98. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1999, p. 30.
6 A PORTARIA Nº 733, DE 26 DE DEZEMBRO DE 2014, da Secretaria do Tesouro Nacional, estabeleceu que todas as Demonstrações Contábeis Aplicadas ao Setor Público (DCASP) serão de observância obrigatória a partir do exercício de 2015 (a Demonstração do Fluxo de Caixa e a Demonstração das Mutações do Patrimônio Líquido são facultativas em 2014).