O precedente judicial e o novo CPC

17/12/2016 às 00:39
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À luz da pacificação que o novo Código de Processo Civil confere, já chamado por alguns doutrinadores de “Código do Diálogo”, destacarei a importante revisão de estudos sobre os precedentes judiciais.

I – BREVE HISTÓRIA

O precedente judicial como fonte de direito está diretamente ligado à ideia da ratio decidendi ou Holding.

Os precedentes são em definição simples, fundamentos jurídicos que sustentam a decisão do magistrado que através da hermenêutica adota seu melhor posicionamento em sentença.

Cruz e Tucci em sua obra Precedente Judicial como fonte do direito descreve: “Todo precedente é composto de duas partes distintas: (a) as circunstâncias de fato que embasam a controvérsia; e (b) a tese ou o princípio jurídico assentado na motivação do provimento decisório”.

Fredie Didier Jr. completa a narrativa acima da seguinte forma: “Assim, embora comumente se faça referência à eficácia obrigatória ou persuasiva do precedente, deve-se entender que o que pode ter caráter obrigatório ou persuasivo é a sua ratio decidendi, que é apenas um dos elementos que compõem o precedente”.

Por fim, vale inserir a fundamentação de Karl Larenz em sua obra Metodologia da ciência do direito: “Os precedentes são resoluções em que a mesma questão jurídica, sobre a qual há que decidir novamente, foi já resolvida uma vez por um tribunal noutro caso. Vale como precedente, não a resolução do caso concreto que adquiriu força jurídica, mas só a resposta dada pelo tribunal, no quadro da fundamentação da sentença, a uma questão jurídica que se põe da mesma maneira no caso a resolver agora”.

A considerar a proposição deste artigo frente às inovações emprestadas pela Common Law o que de fato precisamos considerar para efeitos de contencioso e preventivo a luz do NCPC?


I – ESTRATÉGIA JURÍDICA

Por anos a fio os advogados compreenderam que decisões estratégicas de natureza contenciosa deveriam ser ajustadas dentro dos limites processuais existentes, cautelosamente para evitar a máxima (quod non est in actis non est in mundo – O que não está nos autos não está no mundo).

Com a evolução dos precedentes no direito brasileiro, observamos que a estratégia jurídica tem ganhado poder fora dos limites processuais, a considerar os altos custos processuais e lentidão do judiciário.

Some-se a isso que o direito norte americano tem influenciado o comportamento da nossa conhecida Civil Law com a aplicação de precedentes que não se limitam aqueles positivados através de súmulas do Tribunal Superior de Justiça, mas pela mínima eficácia persuasiva que gozam, seja através decisões monocráticas ou colegiadas.

Atualmente e para fins de análise estratégica de decisões envolvendo o judiciário, há evidente preocupação no instituto da obiter dictum, que nada mais é do que todo e qualquer comentário exposto nas decisões judiciais essencialmente na motivação da decisão, com caráter acessório, provisório e secundário.

Em outras palavras, trata-se de uma previsão que não guarda influência direta para a decisão, apesar de fragmentado muitas vezes no posicionamento decisório do magistrado.

Tais lampejos indutivos até então banalizados, sinalizam possível tendência nos julgamentos sobre matérias repetitivas, na qual o Judiciário ainda não configurou como precedente judicial apesar de citada nas decisões.

Inclusive tais sinalizações podem guardar em leitura rápida, certa incoerência de pensamento decisório, já que o obiter dictum atua como corrente contrária ao dispositivo da sentença judicial.

Frederick SCHAUER ensina em sua obra Thinking like a lawyer: a new introduction to legal reasoning: Traditionally, everthing other than statements of the facts and the statement of the holding is an obiter dictum – literally, in Latin, something said in passing, or something said by the way. It is something extra, and something that is not strictly necessary to reach, justify, or explain the outcome of the case. Commoly, short-ened to ´dicta´, these unnecessary statements are often a court´s observations about issues not actually before it, or conclusions about matters unnecessary to the outcome the court actually reached, or wide-ranging explanations of an entire body of law, or simply largely irrelevante asides.

Do ponto de vista estratégico, guarda-se grande relevância no aprendizado da cultura do pensamento dos magistrados.

Alguns advogados com perfil mais estrategista, e a considerar a evolução do direito brasileiro, tem investido centenas de milhares de reais em busca de soluções informatizadas para compreensão do pensamento do judiciário, inclusive pelo estudo minimalista sobre o posicionamento dos juízes e o que os leva aos entendimentos atuais.

Em resumo, a linha estratégica para contencioso observará as tendências do judiciário antes mesmo da propositura ou recebimento de ações judiciais, resguardando seu cliente de causas vencidas ou de difícil reparação, cujo desembolso financeiro para defesa seja mais oneroso ao conceito de pacificação do tema.

Por óbvio guardamos exceções que são os processos de natureza estratégica, institucional, singular e que devem guardar sua boa dose de perícia e particularidade. Mas ao dialogarmos sobre processos repetitivos, mais do que nunca, uma avaliação preliminar deve fazer sentido frente ao que possuímos hoje: cultura da sentença.


III – PRECEDENTES PERSUASIVOS (persuasive precedent)

No direito brasileiro quando ouvimos a palavra precedente, destacamos apenas os efeitos produzidos no direito positivo, que começa a partir do raciocínio indutivo dos magistrados, que converge para jurisprudência e que por sua vez transformam-se em súmulas vinculantes ou não, publicadas pelos Tribunais Superiores.

Contudo nosso apego ao direito codificado tem aos poucos emprestados mecanismos estrangeiros como é o caso da “Holding Precedent”, do direito norte americano.

Nas palavras do mestre Fredie Didier Jr. o precedente é um fato. Em qualquer lugar do mundo onde houver decisão jurisdicional, esse fato ocorrerá.

Como há de se perceber nem todo o precedente torna-se positivado, especialmente nos países cuja tradição deriva da Civil Law.

Em que pese os países de tradição derivada da Common Law tratarem os precedentes com máxima reverência ante ao ingresso de medidas judiciais, no direito brasileiro e a considerar a nova codificação processual civil localizamos um movimento que justifica o ingresso de medida judicial contando com a eficácia persuasiva de determinados julgados frente ao caso concreto.

É bem verdade que os precedentes persuasivos não coíbem o autor na propositura de ação judicial, ainda que, decisões reiteradas digam sobre seu pleito de forma negativa, mas ajustam certa previsibilidade sobre o assunto litigioso.

O Precedente Persuasivo constitui um indício de uma solução racional e socialmente adequada ao fato concreto e estimula aos demais magistrados a segui-lo, não por imposição, mas pelo convencimento de que o assunto repetitivo precisa de sua correção jurisdicional.

O grande interesse deste instituto é a possibilidade de atuação do advogado através do reconhecimento estatístico e sistemático de quais são os fatores que influenciam cada magistrado e em razão deste conhecimento prover teses jurídicas com grande esforço estratégico em busca do convencimento do magistrado frente ao seu direito.

Já do ponto de vista preventivo significa envolver a discussão do assunto em nível social e não apenas em nível jurisdicional.

Em outras palavras, é trazer conscientização a massa populacional de que determinado direito, outrora vencedor ou vencido em larga escala, precisa ser revisto pela evolução do direito e da sociedade.

Apesar dos precedentes persuasivos serem ponto de partida na escala de eficácia de todo procedente, não há como olvidar de que, boa parte dos litígios no judiciário, são encerrados em primeira instância, seja por dificuldade probante, ausência de interessados na continuidade da lide ou ainda, pela inovação do NCPC que conferiu majoração honorária sucumbencial em grau recursal.

Portanto, ouvir a voz do judiciário em todas as instâncias pode conferir estratégias que em médio longo prazo recompõe o direito de forma dinâmica e altera por que não o raciocínio indutivo dos próprios julgadores frente aos fatos apresentados.

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IV - CONCLUSÃO

Cada vez mais, apesar das resistências que o direito positivo pode demonstrar, o estímulo pela rápida e eficaz resolução de litígios confere ao sistema de usos e costumes força impressionante para solução das demandas brasileiras.

Não é de hoje que o direito realiza aplicações pontuais da Common Law no ordenamento jurídico brasileiro.

Todavia, a considerar o espírito pelo qual o NCPC foi gerado, vemos que essa tendência tornar-se-á em pouco tempo em aplicação prática e efetiva para demandas repetitivas.

Infelizmente, a codificação do direito não trouxe consigo a celeridade que a sociedade necessita para regulação de seus atos.

O sistema de usos e costumes será excelente aliado na reforma do pensamento social e jurisdicional frente à batalha de vencer litígios repetitivos que facilmente poderiam ser minimizados com a aplicação de precedentes persuasivos os quais, parcimoniosamente, ajustariam a vinculação dos precedentes para fatos posteriores, mitigando o incremento de ações no sistema judiciário.

A considerar a pacificação proposta pelo NCPC bem como na proposta de mediar à que confrontar, o operador do direito deve preparar-se para uma imersão em estudos estratégicos para assuntos repetitivos, com ênfase em tese jurídica sob perspectiva estratégica e estatística.

Tal modo de condução profissional confrontará o natural conservadorismo de pensar em assuntos repetitivos apenas após a distribuição das ações, o que reduziria as chances de êxito frente já que perder-se-ia uma boa parte do tempo em avaliação estratégica do assunto.

Finalizo dizendo que não haverá condução fácil aos profissionais do direito em seus processos judiciais com o NCPC. Pode ser que por algum tempo permaneça a velha crença de que o contencioso traz segurança jurídica.

Contudo, pontuo que, sob o meu ponto de vista, verdadeira segurança jurídica está na relação harmoniosa entre a estratégia preliminar a ser desenvolvida e atuação sistemática a considerar a forma de raciocínio de quem julgará as demandas, caso de fato, não haja mediação anterior a propositura da ação judicial.

Os novos tempos chegaram. Pensemos em inovação, segurança jurídica e formas de repensar nossa sociedade.

Estou a disposição para o debate sobre o tema.


BIBLIOGRAFIA

DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela – 10 ed. – Salvador: Ed. Jus Podivm, 2015.

MITIDIERO, Daniel. “Fundamentação e precedente – dois discursos a partir da decisão judicial”. Revista de Processo. São Paulo: RT, 2012, n. 206, p. 61-69

SCHAUER, Frederick. Thinking like a lawyer: a new introduction to legal reasoning. Cambridge: Harvard University Press, 2012, p.55-56

TUCCI, José Rogério Cruz e. Precedente judicial como fonte do direito, cit., p.12.

MARSHALL, Geoffrey. “What is a biding precedent”, p. 515

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Sobre o autor
Felipe Rodriguez Alvarez

Mestrando em Direito Civil pela Universidade de São Paulo. Pós–graduado em Processo Civil pelo Damásio Educacional. Pós-graduado em Direito Material e Processual do Trabalho pelo Damásio Educacional. Pós–graduado em Gestão e Administração pela Fundação Armando Álvares Penteado; MBA em Gestão Estratégica na Advocacia pela EPD/SP. Graduado pela Instituição Toledo de Ensino de Bauru/SP. Membro da Comissão de Departamentos Jurídicos da OAB/SP. Membro da Ordem dos Advogados do Brasil. Palestrante e Docente nas áreas de Direito Civil, Contingências e Provisionamentos.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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