1 INTRODUÇÃO
A questão da repercussão dos efeitos da revelia no processo do trabalho, embora eminentemente teórica, possui grande importância para o desdobramento da demanda trabalhista quando há a sua caracterização.
O tema é de grande relevância na medida em que, cada vez mais, nos deparamos com ações trabalhistas pautadas pela famigerada cultura de “pedir-se tudo”, mesmo que não se tenha elementos probatórios que consubstanciem todos os pleitos ou que a narrativa dos fatos não seja condizente com a realidade, sobretudo, em razão da ausência de sucumbência ao autor na esfera trabalhista em caso de improcedência da demanda.
Quando ocorre a revelia, o grande desafio que se impõe ao julgador é ponderar diante do caso concreto acerca do reconhecimento da veracidade conferida às alegações de fato do autor. Em outras palavras, por se tratar de uma presunção relativa sobre a veracidade dos fatos, em função da ausência de contestação, necessita-se de uma ponderação com base no direito constituído através das provas acostadas aos autos, pautando-se nos princípios de razoabilidade e proporcionalidade.
Muito embora a revelia não seja uma exclusividade da seara trabalhista, é nesse campo que esse fenômeno possui uma maior peculiaridade, devido a imprescindibilidade da presença da parte em audiência quando é recebida a contestação, e da concentração dos atos da apresentação de defesa e depoimento das partes. Da mesma forma, os efeitos decorrentes da revelia no âmbito trabalhista também são mais gravosos que no campo cível.
É incontroverso que os princípios basilares do direito e processo do trabalho conferem, precipuamente, proteção ao trabalhador, mas também é inegável que não se pode impor ao empregador uma condenação apoiada sobre fatos irreais, apenas em razão da caracterização da revelia.
Nesse sentido, a título exemplificativo, sabemos que o princípio da primazia da realidade deve prevalecer nas relações de emprego, sobretudo para inibir documentos forjados para suprimir verbas devidas ao trabalhador, mas no caso de ocorrência da revelia, também deve imperar a interpretação do caso concreto com base no referido princípio, com vistas a prevalecer a verdade diante de eventuais fatos não ocorridos articulados na inicial.
Dessa forma, a repercussão dos efeitos da revelia no processo do trabalho se revela um tema atual e que exige uma interpretação ampla do jurista, indo muito além da imposição legal prevista no artigo 844 da Consolidação das Leis do Trabalho.
2 CARACTERIZAÇÃO DA REVELIA NO PROCESSO DO TRABALHO
Em que pese a existência de uma discussão doutrinária se a revelia também poderia se aplicar ao autor, entendemos que tal debate não comporta maiores reflexões, eis que os efeitos da revelia efetivamente possuem relevância a partir da inércia do réu.
Existem vários entendimentos sobre o comportamento do réu em não oferecer defesa após regularmente citado. Nascimento (2013, p. 603), mencionando Arruda Alvim, ensina que as teorias acerca da revelia se dividem em quatro correntes:
A primeira, é a revelia como uma rebelião ao poder do juiz, denominada doutrina penal da contumácia ou da revelia, partindo pressuposto que existe obrigação da presença da parte, e da omissão desse dever de comparecimento resulta autêntica rebelião ao poder do magistrado.
A segunda é a revelia como renúncia ao direito de defesa, significando a revelia a desistência da parte em se defender.
A terceira é a teoria do não exercício de uma faculdade de agir, para qual a defesa do réu não é uma obrigação, mas mera faculdade, que pode ser utilizada ou não.
A quarta é a teoria da inatividade, de Betti e Chiovenda, expressando a revelia uma inatividade das partes e acarretando, em consequência, determinados efeitos.
Em nosso ordenamento, podemos afirmar que basta o elemento objetivo para caracterização da revelia, qual seja, a ausência de contestação, independentemente de fatores subjetivos, como eventual renúncia ao direito de defesa ou rebelião ao poder do juiz.
Para Marinoni (2015, p. 187), a contestação do pedido não é um dever, mas um ônus do réu:
Isso quer dizer que o demandado é livre para contestar ou não o pedido. Como interessa ao Estado, porém, que o processo se desenvolva segundo os direitos fundamentais e processuais que compõe o direito ao processo justo (art. 5º, LIV, da CF), o que obviamente requer a participação do demandado a fim de que o processo seja enriquecido pelo direito ao contraditório (arts. 5º, LV, da CF, e 7º, 9º e 10), a ausência de comparecimento em juízo carrega consequências desfavoráveis ao demandado.
Com efeito, o artigo 844, da CLT, dispõe que a ausência do reclamado na audiência importa em revelia e confissão quanto a matéria de fato. Note-se que o comando legal não menciona ausência de apresentação de defesa, mas apenas sobre o não comparecimento da parte. Isso porque, no processo trabalhista, é exigido o comparecimento das partes em audiência, sendo que a apresentação da contestação é um dos atos de audiência.
Nessa linha, mesmo que se faça presente o advogado em audiência, munido de procuração e apresentando a contestação, mas sem a presença do réu, não se afasta a caracterização da revelia, por se tratar de atos concentrados e pessoais, a apresentação de defesa e o depoimento da parte.
Da mesma forma, o empregador que optar por se fazer representar por preposto, com exceção de quando o autor for empregado doméstico, é imprescindível que o preposto seja funcionário do réu, conforme Orientação Jurisprudencial nº 99 da SDI-I, e Súmula 377 do Tribunal Superior do Trabalho:
377. Preposto. Exigência da condição de empregado.
Exceto quanto à reclamação de empregado doméstico, ou contra micro ou pequeno empresário, o preposto deve ser necessariamente empregado do reclamado. Inteligência do art. 843, § 1°, da CLT e do art. 54 da Lei Complementar n° 123, de 14 de dezembro de 2006.
Existe grande debate acerca da aplicação dos efeitos da revelia quando o réu deixa de comparecer à audiência, mas apresenta defesa, pois os defensores dessa corrente argumentam que com este ato estaria demonstrando de forma inequívoca o seu ânimo de resistência à pretensão do autor,
Contudo, o que se colhe do entendimento majoritário da doutrina e da jurisprudência, é que essa tese ainda não foi acolhida, pois, em regra, o magistrado não recebe a contestação sem a presença do réu, aplicando-se a revelia e confissão, conforme podemos constatar pelos julgados nos Tribunais Trabalhistas:
RECURSO ORDINÁRIO. REVELIA. AUSÊNCIA DO RECLAMADO À AUDIÊNCIA INAUGURAL. NÃO APRESENTAÇÃO DE DEFESA. FICTA CONFESSIO. No processo do trabalho, a defesa apenas pode ser validamente aceita com a presença física do demandado, ou de um preposto por ele tempestiva e eficazmente nomeado (CLT, arts. 843 e 844). A revelia constitui fenômeno processual materializável pela ausência de resposta do réu (CPC, art. 319). Não sendo apresentada contestação, serão considerados verdadeiros os fatos alegados na inicial (art. 319 do CPC) e a ficta confessio imposta à parte tem amplitude suficiente para abarcar o indeferimento de juntada dos documentos levados à audiência pelo advogado. (TRT1 - RO 00009166420125010065, 1ª Turma, Relator: Alexandre Teixeira de Freitas Bastos Cunha, Julgado em 25/02/2014)
REVELIA E CONFISSÃO. PRESENÇA APENAS DO ADVOGADO À AUDIÊNCIA. De acordo com a segunda parte do art. 844 da CLT, o não comparecimento da reclamada importa revelia, além de confissão quanto à matéria de fato. Assim sendo, entendo que mesmo que o advogado da empresa tenha se apresentado à audiência portando instrumento de mandato e contestação, a revelia, que é o desatendimento do reclamado ao chamado judicial, cujo principal efeito é a ausência de defesa, deve ser declarada, pois a norma do art. 843 da CLT exige a presença do reclamado à audiência, independentemente do comparecimento de seus representantes. (TRT3 -RO 00781201006903007, 10ª Turma, Relator: Sueli Teixeira, Publicado em 12/07/2011)
Vale dizer que existe uma ressalva legal sobre o não comparecimento do réu na audiência, elidindo a revelia quando comprovada a relevância do motivo que ensejou sua ausência, a teor do disposto no parágrafo único, do artigo 844, da CLT.
Ratificando o dever de comparecimento do réu no ato de apresentação da defesa e a imposição da decretação de revelia quando ausente, o TST editou a Súmula 122:
A reclamada, ausente à audiência em que deveria apresentar defesa, é revel, ainda que presente seu advogado munido de procuração, podendo ser ilidida a revelia mediante a apresentação de atestado médico, que deverá declarar, expressamente, a impossibilidade de locomoção do empregador ou do seu preposto no dia da audiência.
Vale destacar que mesmo que o réu compareça na audiência, mas deixe de apresentar defesa, seja oral ou escrita, também será considerado revel, sendo-lhe defeso apenas produzir contraprova do que for provado pelo autor.
É imperioso mencionar que só se caracterizará a revelia caso o réu deixe de oferecer defesa e o autor se faça presente, haja vista que o não comparecimento deste, impõe o arquivamento do feito, hipótese em que se torna irrelevante a ausência do réu ou da apresentação da defesa.
Da mesma forma, caso o réu seja citado, mas deixe de constar no mandato a expressa menção sobre os efeitos da revelia, mesmo que deixe de apresentar defesa, não poderá ser considerado revel.
Caracterizada a revelia, não poderá o autor alterar o pedido ou a causa de pedir, sem promover a ciência de tais alterações para o réu, mediante nova citação e com novo prazo para resposta.
Notadamente o conceito de revelia no processo do trabalho é peculiar, divergindo do processo civil, eis naquele, ocorre a revelia com o não comparecimento do reclamado à audiência, atuando o procurador com a parte ao seu lado, enquanto neste, a revelia se caracteriza com a ausência de resposta, e o procedimento confere grande autonomia ao procurador. Destarte, na esfera civil a contestação antecede a audiência, enquanto que no âmbito trabalhista, é ato de audiência.
Uma situação incomum, mas possível de ocorrer, que também importa em revelia, é quando o réu oferece defesa, mas protocola equivocadamente a contestação de processo diverso, sendo revel em razão de não terem sido impugnadas as alegações articuladas pelo autor.
Portanto, no processo do trabalho a revelia decorre, sobretudo, pelo não comparecimento do réu, regularmente citado, à audiência, na qual, dentre outras medidas, poderá oferecer defesa oral ou escrita.
2.1 Revelia e Confissão
Conforme anteriormente explanado, o não comparecimento do réu na audiência inicial, nos termos do artigo 844 da CLT, importa em revelia e confissão quanto a matéria de fato, todavia, revelia e confissão são coisas distintas.
A revelia é a ausência de defesa, enquanto que a confissão é a falta de depoimento, prejudicado pelo não comparecimento do reclamado em audiência. Nessa linha, podemos concluir que a confissão é uma consequência da revelia, conforme conceito elaborado por Martins (2007, p. 318):
Distingue-se a confissão da revelia. Revelia é a ausência de defesa do réu, que foi regularmente citado para se defender. Confissão é um dos efeitos da revelia. Havendo revelia, há presunção de serem considerados verdadeiros os fatos alegados na inicial.
A diferenciação desses institutos é fundamental, sobretudo se considerarmos os casos em que as partes são intimadas primeiramente para comparecimento na audiência inicial, na qual apresenta-se a defesa, e, posteriormente, para a audiência de instrução, colhendo-se os depoimentos.
Destaca-se que, embora inexistente a previsão legal desse fracionamento da audiência, é praxe nas Varas do Trabalho a adoção desse procedimento, em função do grande número de processos e pela promoção da conciliação.
Dessa forma, poderá ocorrer de o réu comparecer na audiência inicial e apresentar defesa, inexistindo a revelia, mas deixar de comparecer à audiência de instrução, sendo considerado confesso quanto a matéria de fato.
Ainda nessa linha, o reclamado poderá não comparecer na audiência inicial, sendo considerado revel, mas ocorrendo o adiamento, poderá prestar depoimento na audiência de instrução, haja vista que lhe é assegurado ingressar no processo no estado em que se encontra, por aplicação subsidiária do parágrafo único, do artigo 346, do Código de Processo Civil. Nesse caso, embora seja defeso ao réu ingressar no processo, não poderá praticar atos já suplantados.
Vale destacar que também será considerado confesso quanto a matéria de fato, o réu que comparece na audiência e se recusa a prestar depoimento ou a responder o que lhe for perguntado, bem como no caso de formular respostas evasivas e vagas.
É importante ressalvar que a confissão ficta do réu pela ausência de depoimento, quando do prosseguimento da instrução probatória, pode ser neutralizada pela confissão real do autor ou pela contraprova produzida no processo.
Assim, pode-se constatar que a confissão decorre da revelia, mas são institutos absolutamente distintos, que podem se caracterizar simultaneamente ou em momentos diferentes no processo trabalhista.
3 OS EFEITOS DA REVELIA
Quanto caracterizada a revelia, um dos seus efeitos é a presunção relativa de veracidade conferida às alegações do autor, conforme preconizado pelo artigo 844 da CLT, e artigo 344 do CPC. Contudo, o alcance de tal presunção, deve ser ponderado de acordo com o caso concreto, em consonância com os princípios da razoabilidade, proporcionalidade, da necessidade da prova e da primazia da realidade.
A revelia não é uma pena, é uma condição processual, ou seja, a sua ocorrência não impõe, de plano, a procedência dos pedidos do autor, mas apenas confere presunção relativa de veracidade às suas alegações, em função da ausência de contraponto do réu, pois se tal presunção fosse absoluta, não haveria razão para o prosseguimento do processo, comportando julgamento imediato quando ocorresse a revelia.
Como consequência da ausência de contestação, o réu não poderá produzir prova no processo, em razão de não ter prequestionado as alegações do autor, limitando-se apenas a produzir contraprova, que também poderá afastar os efeitos da revelia.
A primeira consequência da revelia é de ordem material (presunção de veracidade das alegações do autor em relação aos fatos), entretanto, também repercute processualmente, podendo o juiz promover o julgamento antecipado do processo (art. 355, II, CPC), influenciando ainda sobre a produção das provas, conforme lição de Leite (2007, p. 469):
O principal efeito da revelia incide sobe a prova, uma vez que, se o réu não contestar a ação, serão considerados verdadeiros os fatos alegados pelo autor, dispensando-se a produção de outras provas sobre tais fatos.
Contudo, mesmo que seja declarada a revelia, esta não tem o condão de conferir veracidade absoluta às alegações do autor. Tal presunção é relativa porque não haveria lógica em julgar procedentes pedidos infundados, dissociados da realidade e sem nenhum amparo probatório, conforme podemos extrair da lição de Marinoni (2015, p. 189):
São casos em que não haveria sentido aplicar-se essa consequência, haja vista o total descompasso que se criaria entre a incidência dessa regra e a situação das coisas como se encontram dentro do processo. Efetivamente, o efeito material da revelia (que aqui se está estudando) não pode caminhar contra a lógica das coisas. Quer dizer que esse efeito – embora não comtemple no ordenamento jurídico brasileiro expressa menção que lhe atribua caráter relativo, possibilitando ao magistrado avaliar, caso a caso, do cabimento ou não da incidência da presunção em exame – não há de incidir quando o magistrado verifique, diante do caso concreto, o total disparate criado pela imposição dessa ficção legal.
Portanto, é certo que a revelia impõe uma consequência ao réu, prevendo efeitos severos, mas não irreversíveis, tampouco absolutos, sendo que a extensão destes efeitos é o ponto crucial quando do julgamento do feito.
Nessa linha, a atuação do juiz se torna ainda mais relevante, eis que como diretor da demanda, tem o dever de atuar com zelo e primar pela dignidade do processo, na busca pela verdade real, e por uma ordem jurídica justa.
Todavia, embora o juiz seja o diretor do processo, não lhe é facultado conduzir a instrução probatória da forma que bem entender, eis que sua convicção íntima não pode lhe levar a ter a iniciativa da prova, mesmo que esteja convencido da neutralização da revelia, sob pena de afronta ao princípio da imparcialidade.
Mesmo que caracterizada a revelia e que, em função disso, não seja possível a produção de provas pelo réu, é prudente que o juiz determine o prosseguimento de produção de provas pelo autor, considerando que tal procedimento lhe dará maior amparo e subsídio para julgar a demanda, seja pela procedência ou para mitigar os efeitos da revelia.
Sobre estes casos, Oliveira (2015, p. 61) leciona com muita propriedade:
Concordamos que o juiz, na qualidade de dominus processus, poderá prosseguir no produção de provas, sempre que julgar necessário. Como magistrado durante cerca de 30 anos, tomei essa providência em várias oportunidades e em algumas delas a revelia foi neutralizada, simplesmente porque a petição inicial havia “industriada” os fatos, id este, restou comprovado que os fatos não eram verdadeiros. Em alguns casos pelo depoimento do próprio autor, com peso de confissão real.
Ademais, o CPC, em seu artigo 349, assegura ao revel a produção de provas como contraposição às alegações do autor:
Art. 349. Ao réu revel será lícita produção de provas, contrapostas às alegações do autor, desde que se faça representar nos autos a tempo de praticar os atos processuais indispensáveis a essa produção.
O referido dispositivo se mostra plenamente compatível para aplicação subsidiária no processo do trabalho (art. 769 da CLT).
O TST possui entendimento robusto no sentido de elidir os efeitos da revelia de acordo com as provas dos autos, conforme podemos extrair de julgados daquela Corte:
AGRAVO INSTRUMENTO. RECURSO REVISTA. REVELIA. EFEITOS. CONFISSÃO FICTA. PRESUNÇÃO RELATIVA. CONJUNTO PROBATÓRIO. SÚMULA 74, II DO TST. A presunção resultante da decretação da revelia não é absoluta, sendo possível sua desconsideração se o conjunto das provas pré-constituídas indicar ao julgador conclusão diversa. Inteligência da Súmula nº 74, item II, do TST. Óbice para processamento da revista na súmula 333 do TST e art. 896, § 4º da CLT. Agravo de Instrumento a que se nega provimento. (TST - AIRR 18150520115150131, 6ª Turma, Relator: Paulo Américo Maia de Vasconcelos Filho, Julgado em 03/09/2014)
REVELIA. EFEITOS. PRESUNÇÃO RELATIVA DE VERACIDADE. ELISÃO. A revelia da Reclamada não importa automaticamente assunção de todas as afirmações do Reclamante, se os próprios documentos juntados pela Parte Autora contrariam suas alegações. Conforme especificado pelo Tribunal Regional, o TRCT homologado pelo Sindicato e juntado pelo próprio Reclamante não demonstra qualquer contrariedade quanto à forma de dissolução do vínculo, sendo prova hábil a afastar os efeitos da revelia e elidir a presunção relativa de veracidade dos fatos narrados na inicial. Aplicação da Súmula 74, II, parte inicial, do TST. Recurso de Revista não conhecido. (TST - RR 282009320035020078, 2ª Turma, Relator: José Simpliciano Fontes de F. Fernandes, Julgado em 27/05/2009)
Cabe destacar também que a presunção de veracidade decorrente da revelia recairá somente sobre os fatos, jamais sobre o direito invocado.
Consagrando o caráter relativo dos efeitos da revelia, o CPC/2015 trouxe, em seu artigo 345, expressamente as hipóteses em que não produzirá efeitos:
Art. 345. A revelia não produz o efeito mencionado no art. 344 se:
I - havendo pluralidade de réus, algum deles contestar a ação;
II - o litígio versar sobre direitos indisponíveis;
III - a petição inicial não estiver acompanhada de instrumento que a lei considere indispensável à prova do ato;
IV - as alegações de fato formuladas pelo autor forem inverossímeis ou estiverem em contradição com prova constante dos autos.
Em relação ao processo trabalhista, cabe destaque especial sobre o teor do inciso IV do referido dispositivo, pois esta previsão legal traduz a moderna técnica processual de uma efetiva atuação do Estado-Juiz na melhor condução do processo, com vistas à entrega da melhor prestação jurisdicional, afastando os efeitos da revelia quando o julgador verificar contradição entre as alegações e as provas e quando se deparar com uma narrativa inverossímil.
A revelia também produzirá efeitos em sede recursal, limitando as razões do revel, em função da ausência de impugnação e prequestionamento da matéria, pois caso o Tribunal apreciasse documentos juntados sem impugnação, importaria em supressão de instância.
3.1 A Busca Pela Verdade Real
Outro ponto importante a ser destacado, é a incidência do princípio da primazia da realidade ou da verdade real, pois muito embora trate-se de um princípio que ampare precipuamente o reclamante, também deve pautar os casos em que se configura a revelia para, se for o caso, neutralizar os efeitos decorrentes dessa.
O referido princípio preconiza que deve prevalecer o ocorrido na prática, independentemente de alegações ou mesmo documentos que apontem em outra direção, conforme podemos extrair da lição de Plá Rodriguez (2014, p. 339):
O princípio da primazia da realidade significa que, em caso de discordância entre o que ocorre na prática e o que emerge de documentos ou acordos, deve-se dar preferência ao primeiro, isto é, ao que sucede no terreno dos fatos.
Assim, mesmo com a ausência do réu, o interrogatório do autor promovido pelo juiz em audiência é fundamental para esclarecer os fatos e, se for o caso, afastar os efeitos da revelia daquilo que for superado pela confissão real.
A jurisprudência referenda a utilização do princípio da verdade real para neutralizar os efeitos da revelia:
REVELIA. PENA DE CONFISSÃO. EFEITOS. A pena de confissão ficta aplicada em virtude de decretação de revelia deve ser contrastada não somente com a prova pré-constituída nos autos (Súmula nº 74, I, do TST), mas não pode se afastar do princípio da razoabilidade, tendo por escopo a busca da verdade real. (TRT5 - RecOrd 00008887120125050102, 1ª Turma, Relator: Marama Carneiro, Publicado em 07/02/2013)
CONFISSÃO FICTA. PRESUNÇÃO RELATIVA SUPERADA POR PROVA EM SENTIDO CONTRÁRIO. A confissão ficta configura-se em mera presunção de verdade, com o que, havendo prova material nos autos em desacordo com essa presunção, não prevalece esta última. Orientando-se o processo pelo princípio da verdade real, a apreciação dos elementos existentes nos autos, à luz dos princípios que regem o direito, traduzem uma visão integral do processo, a ser buscada pelo juiz e que atende ao princípio da persuasão racional da prova, inserido no art. 131 do Código de Processo Civil. O escopo maior do processo trabalhista é buscar a verdade dos fatos, por isso, a confissão real prevalece sobre a confissão ficta decorrente da revelia e esta, por sua vez só é válida para a matéria fática, devendo, contudo, o juiz apreciar todo o conjunto probatório. (TRT6 - RO 24900672008506, Relator: Eneida Melo Correia de Araújo, Publicado em 04/02/2010)
Além disso, a verdade decorrente da revelia deve se calcar sobre fatos possíveis, pois não é toda alegação que poderá ser eleita ao status de verdade, sobretudo em relação a fatos de grande notoriedade e publicidade que contrariem os fatos contidos na inicial.
3.2 Contraditório e ampla defesa
O princípio do contraditório e a ampla defesa é uma cláusula pétrea do nosso ordenamento jurídico, sendo garantida tal prerrogativa aos litigantes, seja em processo judicial ou administrativo.
Trata-se de princípio inerente ao direito de defesa, oportunizando a parte de se manifestar sobre o que entender de direito no caso concreto, garantindo ainda o conhecimento de todos os atos processuais, exames de provas e defesa escrita.
A Constituição de 1988, em seu artigo 5º, LV, ampliou do direito de defesa, não resumindo ao interessado uma simples manifestação no processo, mas garantindo-lhe a informação sobre todos os elementos do processo e dos atos praticados, o direito de manifestação ampla com elementos fáticos e jurídicos, bem como a apreciação de seus argumentos com absoluta isenção.
A ampla defesa é um elemento básico do Estado Democrático de Direito, revelando-se numa questão de interesse público, sendo um dever do Estado promover a aplicação deste princípio constitucional.
Yarshell (2016, p. 191) conceitua o direito de defesa:
O direito de defesa é o contraposto do direito de ação e, por isso, também, guarda ligação com o ônus de alegação a que está sujeito o autor. Ambos estão ligados ao princípio dispositivo, que designa o ônus dos interessados em alegar e provar fatos que lhe sejam favoráveis no processo.
No caso de revelia, é assegurado ao réu o ingresso na lide e sua participação, porém, restrito aos atos doravante praticados, sem que isso importe em cerceamento de defesa ou violação aos princípios do contraditório e ampla defesa.
Nesse sentido é o entendimento jurisprudencial:
RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMADA. REVELIA. NULIDADE DA SENTENÇA. NÃO CONFIGURADA. ANTE A CONFISSÃO NO RECURSO, NÃO HÁ DÚVIDAS QUANTO AO RECEBIMENTO DA CITAÇÃO PELO RÉU, NO QUE NÃO HOUVE VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DO DEVIDO PROCESSO LEGAL, DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA, ASSEGURADOS AOS LITIGANTES PELA CF/88, EM SEU ART. 5º, INCISOS LIV E LV. RECURSO DESPROVIDO. (TRT19 -RO 00003087120145190008, Relator: Antonio Adrualdo Alcoforado Catao, Publicado em 14/12/2015)
Dessa forma, não há necessidade de o juiz aceitar toda e qualquer prova no processo, permitindo-se ao magistrado a análise de sua pertinência, consoantes os poderes conferidos ao juiz como diretor do processo.
Nesse ponto, é importante destacar a inovação legislativa implementada pelo CPC/2015, através do artigo 349, assegurando ao revel o direito de produção de provas, decorrente do próprio direito de ação e de defesa.
O referido dispositivo prestigia o contraditório e a ampla defesa, permitindo a produção de provas pelo revel sem a necessidade de recorrer ao poder de instrução do magistrado.
Considerando que a revelia gera uma presunção relativa de veracidade, não eliminando totalmente a controvérsia, não há porque impedir a manifestação do réu, porém, sem retroceder a atos já superados no processo.