Efeitos Jurídicos da Multiparentalidade à luz do Recurso Extraordinário 898.060/SC

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Na conjuntura familiar contemporânea surge o fenômeno da multiparentalidade, que é fruto, sobretudo, do reconhecimento da socioafetividade e do surgimento das famílias recompostas.

Resumo: O artigo em epígrafe tem por escopo precípuo a análise dos efeitos jurídicos decorrentes do reconhecimento do fenômeno da multiparentalidade, sopesando-se a relação entre a evolução do conceito de família e o fenômeno em comento, a fim de investigar a (im) possibilidade de coexistência entre duas paternidades distintas, bem como averiguar sua ocorrência e reconhecimento no âmbito dos tribunais pátrios. Por fim, salienta-se o espectro de efeitos jurídicos oriundos do reconhecimento da múltipla filiação, sobremodo nas searas do Direito das Famílias, Sucessório, Previdenciário, Eleitoral e Notarial.

Palavras-chave: Famílias recompostas. Socioafetividade. Multiparentalidade. Teoria Tridimensional do Direito de Família. 

INTRODUÇÃO

O modelo familiar tradicional calcado no matrimônio sofreu profundas alterações no transcurso do tempo. Prova disso é o reconhecimento de novos arranjos familiares. Nesse espectro exsurgem famílias monoparentais, recompostas, avoengas, anaparentais, decorrentes de uniões estáveis, homoafetivas e poliafetivas, dentre outras configurações possíveis.

Após o advento da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/1988), a afetividade foi alçada a valor jurídico, permeando sobremaneira as relações jurídicas insertas na seara do Direito das Famílias.

Essa modificação veio atender a necessidade de harmonização com a realidade social, conferindo-lhe respaldo jurídico. A CRFB/1988 estatui em seu artigo 226, caput, que “a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”; destarte, inadmissível seria a existência de um rol taxativo entre as suas formas de constituição, tampouco uma hierarquia entre elas.

Nessa conjuntura familiar contemporânea emerge o fenômeno da multiparentalidade, fruto, sobretudo, do reconhecimento da socioafetividade e do surgimento das famílias recompostas, resultantes da liberdade de constituição e dissolução das entidades familiares. Sem embargo, não se pode descurar que a pluripaternidade pode se originar ainda da adoção não destruidora do passado, das técnicas de reprodução assistida, bem como das famílias poliamoristas

Trata-se de instituto relativamente novo, que ganhou notoriedade junto à comunidade jurídica brasileira a partir da prolação da primeira sentença a reconhecê-la expressamente, nos autos da Ação de investigação de Paternidade nº 0012530-95.2010.8.22.0002 ajuizada perante a Vara Cível da Comarca de Arquimedes- RO, culminando com a prolação da sentença em março de 2012.

Em que pese à resistência dos Tribunais em acatar a tese da múltipla filiação, despontam no país julgados que se coadunam com a realidade social e consequentemente com o fenômeno da multiparentalidade.

EFEITOS JURÍDICOS DECORRENTES DO RECONHECIMENTO DA MULTIPARENTALIDADE 

1.1 Dos efeitos familiares e sucessórios 

O fenômeno da multiparentalidade ou pluriparentalidade está intimamente vinculado ao da parentalidade socioafetiva; consistindo-se na “[...] possibilidade de uma pessoa ter mais de um pai e/ou mais de uma mãe simultaneamente, produzindo efeitos jurídicos em relação a todos eles a um só tempo”. (FARIAS; ROSENVALD, 2014, p.623)

Todavia, torna-se salutar traçar algumas distinções entre os conceitos de multiparentalidade, biparentalidade, bipaternidade e bimaternidade amiúde confundidos. Sendo o fenômeno da multiparentalidade associado exclusivamente às famílias homoafetivas, o que não condiz com a realidade jurisprudencial e conceitual.

A multiparentalidade pode ser paterna ou materna havendo três ou mais pessoas como genitores, se houver dois ou mais pais do sexo masculino configurada estará a multiparentalidade paterna. Por outro lado, se existirem três ou mais pessoas como genitoras sendo duas ou mais mães do sexo feminino caracterizada restará a multiparentalidade materna. (CASSETTARI, 2015)

Por seu turno, a biparentalidade refere-se à hipótese em que figuram no assento registral um pai e uma mãe de sexos distintos, consubstanciando o modelo tradicional no âmbito da sociedade ocidental. (CASSETTARI, 2015)

Ademais, vislumbram-se a bipaternidade (ou biparentalidade paterna) e a bimaternidade (ou biparentalidade materna) que são termos utilizados para designar as hipóteses em que se verificam apenas dois pais do sexo masculino ou duas mães do sexo feminino. Ressalta parcela considerável dos doutrinadores que a dupla maternidade e paternidade surgem a partir da concessão da adoção conjunta para casais do mesmo sexo pelos tribunais pátrios. (CASSETTARI, 2015)

Registre-se ainda o teor do Enunciado de nº 9 do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), que assevera: “A multiparentalidade gera efeitos jurídicos”. Trata-se de fruto de um longo processo de criação doutrinária e jurisprudencial capitaneada pelo IBDFAM, com vistas à afinação entre os institutos jurídicos e as mudanças experimentadas no âmbito do Direito das Famílias.

Indubitavelmente o fundamento maior da multiparentalidade é a igualdade entre as filiações biológica e socioafetiva consagrada no plano constitucional e infraconstitucional.

Saliente-se que, embora não seja o único, a família recomposta constitui importante fato gerador da multiparentalidade à medida que no seio dessa entidade familiar exsurgem novos vínculos parentais, que precisam ser analisados à luz do princípio da afetividade.

Nessa esteira, numerosos são os julgados a reconhecer o liame afetivo estabelecido entre enteados e padrastos endossando a tese da multiparentalidade:           

EMENTA: MATERNIDADE SOCIOAFETIVA. Preservação da Maternidade Biológica. Respeito à memória da mãe biológica, falecida em decorrência do parto, e de sua família. Enteado criado como filho desde dois anos de idade Filiação socioafetiva que tem amparo no art. 1.593 do Código Civil e decorre da posse do estado de filho, fruto de longa e estável convivência, aliado ao afeto e considerações mútuos, e sua manifestação pública, de forma a não deixar dúvida, a quem não conhece, de que se trata de parentes. A formação da família moderna não-consanguínea tem sua base na afetividade e nos princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade. Recurso provido (TJSP. AP. Cível nº 2012.0000400337. Comarca de Itu, Relator: Desembargador Alcides Leopoldo e Silva Júnior). 

Ainda podem ser arrolados como outros fatos geradores do fenômeno em epígrafe as técnicas de manipulação de material genético com o fito de dar origem a outro ser; a adoção não destruidora do passado; a gestação de substituição, e, por fim, os arranjos poliamoristas. (CATALAN, 2012)

No que concerne aos efeitos jurídicos decorrentes do reconhecimento da multiparentalidade afetos aos Direitos das Famílias e Sucessório, elencam-se os direitos ao parentesco, ao nome, aos alimentos, ao exercício do poder familiar, à convivência e guarda, à herança e todos os seus corolários. Todavia, não se pode descurar de eventuais problemas práticos advindos do reconhecimento da multiparentalidade.

No que pertine ao parentesco, destaca-se que o reconhecimento da dupla paternidade implica no estabelecimento de diversos vínculos dela decorrentes, ao passo em que se ganham novos pais, irmãos, tios, avós, primos e eventualmente sobrinhos, dentre outros parentes socioafetivos.

Consoante o disposto no artigo 1.593 do Código Civil de 2002 (CC/2002) “o parentesco é natural ou civil, conforme resulte de consanguinidade ou outra origem”, estando, portanto, o parentesco socioafetivo abarcado pela expressão “outra origem”, submetendo-se a todas as regras de parentesco natural, sobretudo no que concerne aos impedimentos matrimoniais, à instauração do poder familiar, ao dever de prestar alimentos, bem como no que pertine ao direito à herança. (FARIAS; ROSENVALD, 2014)

No que tange ao nome destaca-se seu caráter de direito personalíssimo que enseja repercussões significativas no âmbito do Direito Notarial.

Por seu turno, o direito aos alimentos, a exemplo do que ocorre em sede de parentesco biológico, fulcra-se no binômio necessidade do alimentando possibilidade do alimentante, constituindo uma via de mão dupla, haja vista o fato de quem pleitear alimentos hoje poder ser compelido a prestá-los futuramente.

Saliente-se que no âmbito da múltipla filiação o pedido de alimentos ao pai/ mãe socioafetivos deve vir acompanhado do pedido de inclusão de seus nomes de família no assento do Registro Civil, de modo a coibir incursões jurídicas de cunho meramente patrimonial, bem como facilitar ao credor da pensão o exercício de seu direito. (CASSETTARI, 2015)

Consoante Christiano Cassettari, a pensão pode ser paga por qualquer deles, sem que haja entre eles solidariedade, de acordo com as suas possibilidades financeiras, em razão da regra contida no artigo 265 do CC/2002. Não se vislumbrando óbices para que o filho escolha dentre os pais que figuram em seu assento registral, tendo em vista o teor do artigo 1.694 do CC/2002. (CASSETTARI, 2015)

Saliente-se ainda, a possibilidade de o alimentante chamar os avós ao processo no afã de complementar a obrigação alimentar.

O direito de guarda, por seu turno, encontra substrato legal nos artigos 1.583 a 1.590 do CC/2002, podendo se dar de dois modos distintos, seja na modalidade unilateral ou compartilhada. No entanto, observar-se-á sempre quando de sua fixação o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, o qual encontra guarida no artigo 100, IV do Estatuto da Criança e Adolescente (ECA).

Em relação ao exercício do poder familiar, convém salientar a submissão dos filhos menores à autoridade dos pais até o advento de uma das causas legais previstas pelo artigo 1.635 do CC/2002, que ensejam sua extinção.

Nesse vértice emergem as hipóteses de suspensão e perda do poder familiar previstas respectivamente pelos artigos 1.637 e 1.638 do CC/2002, as quais também possuem o condão de rechaçar a submissão à autoridade parental.

Nessa esteira, o direito à convivência familiar encontra respaldo jurídico no artigo 227 da CRFB/1988, o qual estabelece:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (grifou-se).

A jurisprudência e a doutrina majoritárias têm estendido essa prerrogativa aos demais parentes, sobretudo aos avós, sempre de modo a privilegiar os princípios do melhor interesse do menor e da afetividade.

O direito de visitas está compreendido nesse contexto e nada obsta que, em sede de multiparentalidade, seja deferido ao genitor que não se encontra com a guarda do menor, tal como erige o artigo 1.589 do CC/2002.

Já no que se refere aos direitos sucessórios convém trazer à luz que não se vislumbra no âmbito da legislação pátria qualquer óbice à possibilidade de vínculo sucessório mútuo (CASSETTARI, 2015).

O direito de herança encontra-se insculpido no artigo 5º, XXX da CRFB/1988, que assim dispõe:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XXX - é garantido o direito de herança.

                                                   

Maria Berenice Dias sustenta que o reconhecimento da multiparentalidade deve produzir efeitos no campo sucessório e que o filho concorrerá à herança de todos os pais que tiver. Registre-se, contudo, que os efeitos patrimoniais são uma via de mão dupla, embora a priori constitua para o filho que possui vários pais e mães uma dupla, tripla vantagem pode se converter mais tarde em duplo, triplo dever. (DIAS, 2015)

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No que alude à pluriparentalidade defende-se que a sucessão deve se dar do mesmo modo que ocorreria na biparentalidade, observando-se, por conseguinte, as regras contidas no Livro V do CC/2002, logo:

Seriam estabelecidas tantas linhas sucessórias quantos fossem os genitores. Se morresse o pai/mãe afetivo, o menor seria herdeiro em concorrência com os irmãos, mesmo que unilaterais. Se morresse o pai/mãe biológico também o menor seria sucessor. Se morresse o menor, seus genitores seriam herdeiros. (PÓVOAS, 2012, p.98)

No tocante aos demais problemas práticos advindos do reconhecimento destacam-se as hipóteses de emancipação voluntária, autorização de casamento de filhos menores, responsabilidade civil dos pais por atos de filhos menores e, por fim, curadoria do ausente. (CASSETTARI, 2015)

Sem embargo, o que se verifica é que grande parte deles podem ser sanados por meio das normas jurídicas já existentes e amplamente aplicadas às hipóteses de biparentalidade.

1.2 Dos efeitos previdenciários e eleitorais 

No que tange aos reflexos jurídicos na seara do direito previdenciário, destaca-se o benefício da pensão morte devido aos dependentes do contribuinte.

Em consonância com as lições de Sérgio Pinto Martins, a pensão por morte pertine ao “[...] benefício previdenciário pago aos dependentes em decorrência do falecimento do segurado. Em sentido amplo, pensão é uma renda paga a certa pessoa durante toda a sua vida”. (MARTINS, 2004, p.44)

Sua finalidade precípua é assegurar aos familiares do contribuinte condições mínimas para a sua mantença, podendo ser concedido em face da morte natural/real ou ainda na hipótese de morte ficta/presumida, na forma da lei.

Outrossim regulam a concessão da pensão por morte a Lei nº 8.213/1991, bem como o Decreto nº 3.048/1999 e a Instrução Normativa INSS/PRES nº 45/2010.

O artigo 16 da Lei nº 8.213/1991 traz rol taxativo que compreende três classes de dependentes, a saber:

Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado: I - O cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental que o torne absoluta ou relativamente incapaz, assim declarado judicialmente; II - Os pais; III - O irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual ou mental que o torne absoluta ou relativamente incapaz, assim declarado judicialmente.

           

O § 2º do artigo em tela equipara os enteados ou tutelados menores de 21 anos, que não dispõem de recursos que lhes assegure o sustento e educação, aos filhos do segurado. Ademais, convém salientar a disposição do §1º que prevê que a existência de dependentes de uma classe exclui as demais.

No que concerne ao lapso temporal destinado ao pagamento da pensão por morte emerge o artigo 74 da Lei nº 8.213/1991, o qual estatui:

Art. 74. A pensão por morte será devida ao conjunto dos dependentes do segurado que falecer, aposentado ou não, a contar da data: I - do óbito, quando requerida até noventa dias depois deste; II - do requerimento, quando requerida após o prazo previsto no inciso anterior; III - da decisão judicial, no caso de morte presumida.

Preceitua o artigo 75 do mesmo diploma que o valor da pensão corresponderá a 100% (cem por cento) do valor da aposentadoria que o segurado percebia ou viria perceber na data do óbito, sendo que o cálculo recai sobre uma média dos 80% (oitenta por cento) dos maiores salários de contribuição do período contributivo do segurado.

Havendo pluralidade de pensionistas a pensão por morte será rateada em partes iguais, sendo que a parte daquele para quem o benefício cessar será revertida em favor dos demais conforme se depreende da leitura do artigo 77 da lei em epígrafe.

Por fim, conclui-se pela perfeita harmonização do fenômeno da multiparentalidade para com as regras do direito previdenciário atinentes, as quais aplicar-se-ão sem reservas.

Noutro giro, é cediço que a CRFB/1988 estabelece uma série de regras pertinentes ao processo eleitoral, dentre as quais se destacam as restrições decorrentes do parentesco.

O artigo 14 enceta em si importante arcabouço jurídico no que tange ao exercício dos direitos políticos, contudo, em sede de múltipla filiação e parentalidade socioafetiva, disposição de maior relevância está contida no § 7º do artigo em comento, o qual estatui:

§7º- São inelegíveis, no território de jurisdição do titular, o cônjuge e os parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do Presidente da República, de Governador de Estado ou Território, do Distrito Federal, de Prefeito ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição.

Trata-se de hipótese consubstanciadora da inelegibilidade dos candidatos a um cargo eletivo em razão do parentesco, a qual irradia do chefe do Poder Executivo. Por conseguinte, resta obstada a candidatura do cônjuge e dos parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção aos cargos de presidente, governador e prefeito.

Consoante a doutrina de Alexandre de Moraes o instituto da inelegibilidade diz respeito à "[...] ausência de capacidade eleitoral passiva, ou seja, da condição de ser candidato e, consequentemente, poder de ser votado, constituindo-se, portanto, em condição obstativa ao exercício passivo da cidadania”. (MORAES, 2014, p.248)

O instituto em cotejo é regulamentado pela CRFB/1988 em seu artigo 14, §§4º, 7º e 9º; bem como pelas Leis Complementares nº 64/1990 e nº 135/2010.

Com vistas a regulamentar, esclarecer e uniformizar o entendimento acerca do tema o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) elaborou duas importantes súmulas, as quais sintetizam as regras a serem observadas no que tange ao instituto que a doutrina eleitoral batizou de inelegibilidade reflexa.

A Súmula nº 6 do TSE versa sobre a renúncia prévia dos chefes do Poder Executivo nas esferas municipal, estadual e federal, em face da proximidade da realização do pleito eleitoral, a qual não ensejará condições de elegibilidade aos seus familiares. Dessa feita: “É inelegível, para o cargo de prefeito, o cônjuge e os parentes indicados no par. 7º do art. 14 da Constituição, do titular do mandato, ainda que este haja renunciado ao cargo há mais de seis meses do pleito”.

Por seu turno, a Súmula nº 12 do colendo tribunal assevera que:

Súmula 12 -TSE: São inelegíveis, no município desmembrado, e ainda não instalado, o cônjuge e os parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do prefeito do município-mãe, ou de quem o tenha substituído, dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo.

Ressalte-se que, ambos os dispositivos emergem com o fito de combater o paternalismo e a “democracia dos sobrenomes” que assolam a história política brasileira, prática essa que constitui verdadeiro resquício do coronelismo.

Acompanhando a tônica desnudada pelo TSE, o Supremo Tribunal Federal (STF) editou e aprovou a Súmula Vinculante nº 18, a qual amplia o espectro dessa proibição de modo a abarcar a dissolução da sociedade conjugal no transcurso do mandato eletivo outorgado. Nesse panorama: “A dissolução da sociedade ou do vínculo conjugal, no curso do mandato, não afasta a inelegibilidade prevista no §7º do artigo 14 da Constituição Federal”.

Numerosas foram as manobras intentadas pelos políticos e seus cônjuges no afã de se perpetuarem no poder, no entanto, felizmente, essa prática vem sendo expurgada do ordenamento jurídico pátrio a partir do advento da súmula em epígrafe.

O Direito Eleitoral atento às mudanças sociais, sobremaneira as insertas no âmbito das relações familiares, estendeu o instituto da inelegibilidade às uniões estáveis (afinando-se ao texto constitucional) e ao concubinato, bem como às uniões homoafetivas.

No que concerne à inelegibilidade reflexa decorrente do parentesco socioafetivo, tramitou perante a Corte Maior do país um caso em que se discute se esse tipo de parentesco incluir-se-ia na dicção do artigo 14, §7º.

A ação cautelar 2.891/PI cujo relator é o Ministro Luiz Fux, teve em seu bojo um pedido de medida cautelar liminar com o fito de suspender os efeitos do acórdão recorrido exarado pelo TSE, quando do julgamento do recurso especial eleitoral que substituiu a decisão do TRE/PI, de modo a ensejar a recondução e mantença do prefeito no cargo no âmbito do município de Pau D’Arco.

Ressalte-se que o pedido liminar foi indeferido pelo Ministro Luiz Fux que argumentou em seu voto que é notória a relação de paternidade socioafetiva estabelecida entre o vencedor do pleito eleitoral, Senhor Fábio Soares Cesário, mais conhecido como “Júnior Sindô”, e o ex-prefeito Expedito Sindô. (CASSETTARI, 2015)

Arremata o Ministro Fux que, em que pese não ter sido legalmente adotado, isto é, ser apenas “filho de criação”, é evidente a presença dos requisitos da posse do estado de filiação, a saber: nome, trato e fama. Destarte, nas palavras do relator o requerente acabou “[...] por ter sua candidatura beneficiada pela projeção da imagem do pai socioafetivo que tenha exercido mandato, atraindo para si os frutos da gestão anterior com sensível risco para a perpetuação de oligarquias”. (CASSETTARI, 2015, p.149)

Desse modo, verifica-se a relevância do parentesco socioafetivo no que tange à produção de efeitos jurídicos no âmbito dos tribunais pátrios, mesma tônica a ser seguida em sede de múltipla filiação.

1.3 Dos efeitos registrais oriundos da cumulação de paternidades

O fenômeno da multiparentalidade somente ganha relevância, do ponto de vista jurídico, a partir de seu reconhecimento expresso no registro de nascimento do indivíduo.

Em que pese à concordância da doutrina e da jurisprudência no que alude à possibilidade de coexistência entre as paternidades biológica e socioafetiva, ainda causa certa estranheza a hipótese de reconhecimento simultâneo.

É pacífica a orientação no sentido de que o pedido de alimentos venha necessariamente acompanhado da inclusão do patronímico de eventuais pais e mães no assento registral, o que visa impedir a propositura de ações de cunho meramente patrimonial e assegurar direitos decorrentes do estabelecimento dos vínculos de parentesco por meio da multiparentalidade, sobretudo o direito aos alimentos.

A Lei nº 6.015/1973, mais conhecida como Lei de Registros Públicos (LRP/1973), não prevê a multiparentalidade ou pluripaternidade, contudo determina que os nomes dos eventuais pais e mães devem constar no registro de nascimento da pessoa, sendo determinante na fixação da filiação e dos efeitos jurídicos dela decorrentes.

Não obstante a lacuna na seara da legislação infraconstitucional, não se vislumbra qualquer empecilho ao seu reconhecimento, haja vista o fato de ele se fulcrar em uma ampla base de princípios constitucionais.

Dessa maneira, verifica-se que:

[...] a parentalidade socioafetiva, depois de reconhecida, deve, obrigatoriamente, ser averbada no registro civil, nos assentos de nascimento, casamento e óbito, para ganharem publicidade e conseguirem, de forma mais efetiva, a produção dos seus regulares efeitos e para facilitar a prova dessa questão [...]. (CASSETTARI, 2015, p.226)

O que pode ser corroborado pelo §1º do artigo 100 da LRP/1973 que estabelece que as sentenças não produzirão efeitos contra terceiros caso isso não seja feito, bem como pelo artigo 10, II do CC/2002 que determina a averbação no registro público dos atos judiciais ou extrajudiciais que declararem a filiação.

O magistrado em face da paternidade socioafetiva deverá proceder à expedição de mandado de averbação para o cartório competente; o qual consagrará se houve alteração ou não do nome em virtude do reconhecimento do liame afetivo ou biológico.

Nesse diapasão ressalte-se a inovação encetada pela Lei nº 11.924/2009, mais conhecida como Lei Clodovil Hernandez, que acresceu o §8º ao artigo 57 da LRP/1973, de modo a ensejar a inclusão do patronímico do padrasto/madrasta por parte dos enteados, sem que, contudo, haja supressão dos apelidos da família biológica.

Embora não tenha o condão de gerar efeitos jurídicos nos campos sucessório e familiarista, esse dispositivo legal representa grande avanço na persecução e regulamentação da pluripaternidade, à medida que reconhece a socioafetividade como elo genuíno que transcende os genes.

Para Belmiro Pedro Marx Welter os nomes dos genitores biológicos e afetivos devem ser mantidos, de modo a contemplar a dignidade humana e tridimensionalidade dos filhos e por que não se dizer dos pais. (WELTER, 2009)

O nome é direito personalíssimo, indisponível, imprescritível e intangível; devendo contemplar o sobrenome de todos os pais se assim se desejar. Não havendo qualquer empecilho por parte do artigo 54 da LRP/1973, no que tangencia a essa possibilidade e ao reconhecimento da tridimensionalidade no âmbito da filiação.

Destarte, em que pese à resistência de uma maioria o que se vislumbra no âmbito dos Tribunais pátrios é uma paulatina abertura às novas possibilidades, em especial à múltipla filiação e à Teoria Tridimensional do Direito de Família.

Convém trazer a lume a inédita decisão do Supremo Tribunal Federal, exarada no bojo do Recurso Extraordinário 898.060/SC, que conferiu repercussão geral a tese de que “a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com todas as suas consequências patrimoniais e extrapatrimoniais”. (BRASÍLIA. STF. RExt. 898.060/SC. Relator Ministro Luiz Fux. Julgado em 21.09.2016. DJE de 29/09/2016). 

O Ministro Luiz Fux, relator do acórdão em cotejo, salienta em seu voto o direito à busca pela felicidade como legitimador do reconhecimento de liames com origens distintas, vaticinando que:

Não cabe a lei agir como o Rei Salomão – na conhecida história em que propôs dividir a criança ao meio pela impossibilidade de reconhecer a parentalidade entre ela e duas pessoas ao mesmo tempo. Da mesma forma, em tempos atuais, descabe pretender decidir entre a filiação afetiva e a biológica, quando o melhor interesse do descendente é o reconhecimento, por exemplo, jurídico de ambos os vínculos. Do contrário, estar-se-ia transformando o ser humano em mero instrumento dos esquemas condenados pelos legisladores. É o direito que deve servir a pessoa, e não a pessoa que deve servir o direito. (Brasília. STF. RExt. 898.060/SC. Relator Ministro Luiz Fux. Julgado em 21.09.2016. DJE de 29/09/2016).

Há de se destacar, ademais, a participação do IBDFAM enquanto amicus curiae nesse processo, que culminou com a afirmação de algumas de suas maiores bandeiras. A partir desse leading case instituiu-se um novo paradigma, à medida que se reconhece expressamente o valor jurídico da afetividade, alça-se a socioafetividade à modalidade de parentesco civil, bem como se passa a admitir que haja o reconhecimento da filiação mesmo ante a discordância do pai biológico.

Acerca do papel do magistrado em face das transformações experimentadas pela sociedade contemporânea, pondera o professor paulista:

O juiz de nosso século não é um mero leitor da lei e não deve temer novos direitos. Haverá sempre novos direitos e também haverá outros séculos. Deve estar atento à realidade social e, cotejando os fatos com o ordenamento jurídico, concluir pela solução mais adequada. (CASSETTARI, 2015, p.164)

Ante tudo o que foi exposto, verifica-se que o reconhecimento da multiparentalidade é medida que se impõe, reverberando do reconhecimento das transformações ocorridas no seio das famílias e do respeito aos princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da solidariedade familiar, da pluralidade das entidades familiares, mas sobretudo do princípio da afetividade, o qual deve ser o grande norteador das relações travadas no âmbito do Direito das Famílias.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A Teoria Tridimensional do Direito de Família desnuda o ser humano em suas três dimensões, a saber: biológica, afetiva e ontológica. Trata-se de uma concepção que decorre de uma evolução no que tange ao tema da filiação que enseja a possibilidade de reconhecimento da multiparentalidade.

A CRFB/1988 representou um marco no ordenamento jurídico pátrio à medida que promoveu a constitucionalização do Direito das Famílias, elencando extenso rol de princípios que convergem para a regulamentação das relações travadas no seio familiar.

De outra feita, o diploma em epígrafe foi responsável por erigir um novo cenário no que concerne à filiação, à medida que sepultou a malsã catalogação de filhos em legítimos, ilegítimos e adotivos, de modo a consolidar, nos planos constitucional e infraconstitucional, a isonomia filial, bem como conferir proteção jurídica às novas entidades familiares advindas da liberdade de constituição e dissolução dos vínculos.

Vislumbra-se, sem embargo, um entrelaçamento entre filiação e socioafetividade, sobretudo no seio das novas entidades familiares em que a busca pela felicidade e pela realização de seus membros encontra na família um lócus de desenvolvimento.

Nesse vértice despontam inúmeros arranjos familiares pautados antes pelo afeto do que pelos laços biológicos, marcados pela liberdade de constituição e dissolução que encontra, sobretudo, nas famílias recompostas ou ensambladas, terreno fértil a ensejar o reconhecimento de vínculos multiparentais.

Ao se analisar o fenômeno da multiparentalidade ou pluripaternidade constata-se a necessidade de se regulamentar essa realidade cada vez mais presente no cotidiano forense, que tem por fundamento o princípio da isonomia filial e encontra respaldo nos princípios do melhor interesse da criança e do adolescente e da dignidade da pessoa humana.

Ressalte-se a resistência e a estranheza com que o tema foi recebido pela comunidade jurídica, o que tem reverberado na incipiente, não obstante incisiva jurisprudência existente acerca da temática em cotejo.

O grande eixo sobre o qual gravita a pesquisa em epígrafe versa sobre os efeitos jurídicos oriundos do reconhecimento da multiplicidade de vínculos parentais, sobremaneira nas searas do Direito de Família, Sucessório, Previdenciário, Eleitoral e Notarial.

 Constata-se que, não há qualquer óbice ao reconhecimento da multiparentalidade no âmbito do ordenamento jurídico pátrio, ademais a maior parcela dos problemas práticos advindos do reconhecimento desse fenômeno podem ser sanados por meio das normas jurídicas já existentes e amplamente aplicadas às hipóteses de biparentalidade.

Por conseguinte, desprezar a condição tridimensional do ser humano é privá-lo de vivenciar o afeto em todas as suas dimensões, é relegar o direito à obsolescência e ao conservadorismo dos que insistem em se fechar às novas possibilidades. Assiste aos juristas e aos legisladores a hercúlea missão de regulamentar esse fato social, de modo a contemplar a realidade circundante e a essência tridimensional do ser humano, concretizando, assim, verdadeira tutela jurídica da afetividade.

REFERÊNCIAS

BARRAL, Welber Oliveira. Metodologia da Pesquisa Jurídica. 4. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2010.

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Sobre os autores
Ionete de Magalhães Souza

Graduada em Direito e Pós-Graduada lato sensu pela Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes. Pós-Graduada stricto sensu - Mestrado em Direito - Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC (2001) e Doutorado em Direito - Universidad del Museo Social Argentino (2013). Professora de Graduação e Pós-Graduação da Universidade Estadual de Montes Claros - Unimontes. Advogada.

Mariana Nascimento Maia

Acadêmica do 10º Período do Curso de Direito da Universidade Estadual de Montes Claros- UNIMONTES

Tânia Maria Batista de Lima

Professora do Curso de Direito da Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES. Especialista em Direito pela Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES. Orientadora deste artigo.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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