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Poder diretivo do empregador face aos direitos de personalidade do empregado

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6. LIMITAÇÃO DO PODER DIRETIVO PELOS DIREITOS DA PERSONALIDADE DO EMPREGADO

Como já visto anteriormente, o poder diretivo é de suma importância na relação empregatícia e que essa atuação deve observar os limites que protegem os direitos dos empregados. Algumas atitudes da empresa podem ser consideradas lícitas, desde que sejam realizadas na medida necessária para o exercício do trabalho desenvolvido.

A fiscalização do empregador por meio de emails, revista íntima, instalação de equipamentos de filmagem no ambiente de trabalho, devem ser bem analisadas,principalmente, para não ocorrer à extrapolação dos limites e a colisão nos direitos da privacidade do empregado.

Segundo Canotilho, citado por Espíndola (1999, p. 65 e 66):

Saber como distinguir, no âmbito do superconceito norma, entre regras e princípios, é uma tarefa particularmente complexa. Vários são os critérios sugeridos:

a) O grau de abstração: os princípios são normas com um grau de abstração relativamente elevado, de modo diverso, as regras possuem uma abstração relativamente reduzida.

b) Grau de determinalidade na aplicação do caso concreto: os princípios, por serem vagos e indeterminados, carecem de mediações concretizadoras (do legislador? Do juiz), enquanto as regras são susceptíveis de aplicação direta.

c) Caráter de fundamentalidade no sistema de fontes de direito: os princípios são normas de natureza ou com um papel fundamental no ordenamento jurídico devido à sua posição hierárquica no sistema das fontes (ex. princípios constitucionais) ou à sua importância estruturante dentro do sistema jurídico (ex. princípio do estado de direito).

d) Proximidade da idéia de direito: os princípios são estandards juridicamente vinculantes radicados nas exigências de justiça (Dworkin) ou na idéia de direito (Larenz); as regras podem ser normas vinculantes com um conteúdo meramente formal.

e) Natureza normogenética: os princípios são fundamento de regras, isto é,são normas que estão na base ou constituem a ratio de regras jurídicas,desempenhando, por isso, uma função normogenética fundamentante.(ESPÍNDOLA, 1999, p. 65 e 66)

Em vista disso, para Canotilho (2000, p.122), a colisão de princípios surge “quando o exercício de um direito fundamental por parte de seu titular colide com o exercício de um direito fundamental por parte de outro titular”.

O empregador não deve partir da premissa que o funcionário é desonesto ou está cometendo infrações para utilização de medidas sem uma razão concreta, pois gera a invasão dos princípios e valores. Deve haver uma relação de confiança e ponderação de interesses, uma relação de boa fé.

O julgador deve buscar um ponto de equilíbrio entre os interesses em jogo, que atenda aos seguintes imperativos:

(a) a restrição a cada um dos interesses deve ser idônea para garantir a sobrevivência do outro,

(b) tal restrição deve ser a menor possível para a proteção do interesse contraposto e (c) o benefício logrado com a restrição a um interesse tem de compensar o grau de sacrifício imposto ao interesse antagônico. (LEWICKI, 2003, p. 107)

Atos de violação dos direitos da personalidade do trabalhador podem ocorrer, muitas vezes, na fase pré- contratual. Muitas medidas “inovadoras” estão sendo adotadas pelos empregadores na realização do recrutamento e seleção do candidato.

As investigações sobre aspectos pessoais em redes sociais, como no Facebook, aplicação de testes grafológicos, questionários com perguntas sobre crenças, orientação sexual, dentre outros, vêm sendo interpretados como abusivos.Entendem- se como testes e perguntas compatíveis à aptidão ao cargo que será exercido apenas aquelas que direcionem as experiências adquiridas, certificados, locais de trabalho anteriores e outros assuntos ligados à capacidade profissional.

Outro fator é a solicitação de exames médicos não relacionados à função. O art. 373- A, inciso IV da CLT, veda a exigência de atestado ou exames para comprovação de esterilidade ou gravidez, na admissão ou na permanência do emprego. No processo seletivo, a exigência de antecedentes criminais também é de grande relevância, pois a jurisprudência entende que este procedimento implica na invasão da vida pessoal do indivíduo e não deve ser feito, exceto se a conduta tenha coerência com as obrigações que o candidato assumirá na função, como, porexemplo, vigilantes.

Nesse sentido, eis o seguinte julgado:

TST - RR: 2294006720135130023 RECURSO DE REVISTA. DANO MORAL. EXIGÊNCIA DE ANTECEDENTES CRIMINAIS EM ENTREVISTA DE ADMISSÃO AO EMPREGO. LIMITES DO PODER DIRETIVO EMPRESARIAL. CONTRAPONTO DE PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS: PRINCÍPIO DO AMPLO ACESSO ÀS INFORMAÇÕES, ESPECIALMENTE OFICIAIS, EM CONTRAPARTIDA AO PRINCÍPIO DA PROTEÇÃO À PRIVACIDADE E AO PRINCÍPIO DA NÃO DISCRIMINAÇÃO. PONDERAÇÃO. A Constituição da República consagra o princípio do amplo acesso a informações (art. 5º, XIV: - é assegurado a todos o acesso à informação... -, CF), especialmente em se tratando de informações oficiais,prolatadas pelo Poder Público (art. 5º, XXXIII, e art. 5º, XXXIV, b, CF). Em contraponto, também consagra a Constituição o princípio da proteção à privacidade (art 5º, X, da CF) e o princípio da não discriminação (art. 3º, I e IV; art. 5º, caput; art. 7º, XXX, CF). Nessa contraposição de princípios constitucionais, a jurisprudência tem conferido efetividade ao princípio do amplo acesso a informações públicas oficiais nos casos em que sejam essenciais, imprescindíveis semelhantes informações para o regular e seguro exercício da atividade profissional, tal como ocorre com o trabalho de vigilância armada - regulado pela Lei nº 7.102 de 1982, art. 16, VI - e o trabalho doméstico, regulado pela Lei nº 5.859/72 (art. 2º, II). Em tais casos delimitados, explicitamente permitidos pela lei, a ponderação de valores e princípios acentua o amplo acesso a informações (mormente por não se tratar de informações íntimas, porém públicas e oficiais), ao invés de seu contraponto principiológico também constitucional. Contudo, não se mostrando imprescindíveis e essenciais semelhantes informações,prevalecem os princípios constitucionais da proteção à privacidade e da não discriminação. Nesse contexto, a jurisprudência do TST tem se encaminhado no sentido de considerar preponderantes os princípios do respeito à privacidade e do combate à discriminação, ensejando a conduta empresarial, por conseqüência, a lesão moral passível de indenização (art. 5º, V e X, da CF). Recurso de revista conhecido e provido.

A decisão acima ressalta as limitações do poder diretivo nas leis que abrangem à proteção do empregado e as exceções, conforme mencionadas anteriormente, das solicitações de antecedentes criminais aos cargos, sendo uma necessidade da natureza da função.Seguindo com os equipamentos de fiscalização utilizados pelo empregador, temos os meios eletrônicos, que também se tornaram importantes ferramentas de controle no ambiente de trabalho e contribuíram de forma significativa na qualidade e produtividade dos bens/ serviços.

A instalação de aparelhos audiovisuais não é proibida pela legislação brasileira, desde que a utilização não seja discriminatória, a ponto de possuir câmeras, por exemplo, em locais considerados íntimos. Barros (2011, p.472) entende que Inadmissível é entender que o conjunto de locais do estabelecimento esteja sob total controle do empregador e autorizar a introdução de aparelhos audiovisuais indistintamente. Ora, há certos locais que são privados por natureza ou se destinam ao descanso do empregado, logo, não se pode permitir a instalação de um sistema de vídeo, por exemplo, em um banheiro, ou em uma cantina. (BARROS. 2011, p. 472)

Nesse sentido, é a interpretação do TST:

TST - RR: 1236007420095040012 123600-74.2009.5.04.0012 RECURSODE REVISTA. RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. Está clara a conduta totalmente reprovável da Demandada, quedemonstrou enorme falta de respeito à intimidade e à privacidade do Recorrido, violando seus direitos de personalidade ao controlar as idas aobanheiro, proceder a revistas íntimas e, pior, instalar câmeras no banheiro.

O dano moral, nesse caso, decorre pura e simplesmente do ato ofensivo (inre ipsa), dispensando-se a prova da existência de dor psicológica ou perturbação à dignidade moral.

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.DESCABIMENTO. AUSÊNCIA DE ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA PELO SINDICATO PROFISSIONAL. SÚMULAS 219 E 329 DO TST. A questão do deferimento dos honorários assistenciais no âmbito da Justiça do Trabalho está pacificada por este Tribunal por meio da Súmula n.º 219, cuja orientação foi mantida mesmo após a promulgação da Constituição Federal de 1988, como confirma o verbete sumular n.º 329, também desta Corte.Assim sendo, a prevalecer a diretriz emanada da Súmula n.º 219 do TST, o preenchimento dos requisitos da Lei n.º 5.584/1970 é necessário para o deferimento dos honorários advocatícios. Dessa feita, não se encontrando o Reclamante assistido por seu sindicato profissional, indevida a condenação em honorários advocatícios. Recurso de Revista parcialmente conhecido e provido.

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Assim, a utilização de equipamentos audiovisuais em locais privados e íntimos, no local de trabalho, fere a intimidade do empregado.Dentro da proteção à intimidade do trabalhador temos a discussão sobre o email eletrônico.

Não há dúvidas de que o e-mail particular, utilizado para a comunicação social e privado, é resguardado pela Constituição Federal, por ser amparado pelo direito à intimidade e a inviolabilidade da correspondência. Porém, o empregador pode proibir a utilização dos e-mails pessoais nos computadores da empresa, ou até mesmo, o acesso da internet em páginas que não estão relacionadas ao trabalho.

Além disso, caso o e-mail seja corporativo, ou seja, fornecido pelo empregador, pode ser monitorado, desde que não seja ofensivo e que o trabalhador tenha ciência de que a ferramenta é para uso profissional.

Delgado ensina que:

Não há dúvida de que a tutela jurídica aos emails particulares do trabalhador, mesmo quando veiculados nos computadores da empresa,mantém-se absolutamente hígida – inviolabilidade plena – salvo autorização judicial contrária específica, em conformidade com o art. 5º, XII, da Constituição. Entretanto, no que tange aos emails corporativos, desde que se restrinjam a efetiva ferramentas de trabalho fornecidas pela empresa a seus empregados para que ali realizem atos de interação com estritos fins contratuais – atos que vinculam plenamente a empresa, a propósito (art.932, III, Código Civil: o empregador responde objetivamente pelos atos de “...seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele”) – nestes casos a regência normativa é diversa. (DELGADO. 2012, p. 646)

Isso se justifica pelo fato do endereço de e-mail está atrelado a razão social da empresa, sendo que o mau uso pode ferir a honra do empregador. Além disso, o uso indevido dos meios de informática pelo empregado no horário de trabalho compromete boa parte do trabalho para o qual foi contratado.

De acordo com Martins (2005, p. 228): Durante o horário de trabalho o empregado está à disposição do empregador. Deve produzir aquilo que o empregador lhe pede. Logo, podeser fiscalizado para verificar se não está enviando e-mails para outras pessoas sem qualquer relação com o serviço, pois está sendo pago para trabalhar e não para se divertir. (MARTINS. 2005, p. 228)

Assim, apenas o e-mail pessoal ou particular do empregado desfruta de proteção constitucional e legal de inviolabilidade.

O empregador poderá exercer sem problemas um controle sobre seus trabalhadores, desde que primeiramente seja analisado caso a caso e atendendo-se a critérios de idoneidade, necessidade e proporcionalidade.

A utilização de medidas de vigilância e fiscalização que sirvam aos fins a que se destinam causando o menor impacto possível sobre a intimidade e a dignidade do trabalhador.

O mesmo conjunto de ordenamentos que protege o direito à privacidade assegura, também, o direito à propriedade. Atualmente, a proteção da intimidade passou a ser um compromisso do direito do trabalho e a colisão entre direitos resolve-se por um critério de condicionamento, onde deve ser observado o grau de valores, bens e interesses, considerando, acima de tudo, a dignidade humana.

Na maioria das vezes, o poder diretivo violará os preceitos da dignidade humana, Mas, é obrigação da empresa resguardar a idoneidade física e moral de seus empregados no ambiente de trabalho.

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Sobre os autores
Laurício Antonio Cioccari

Possui graduação em Direito e mestrado em Educação pela Universidade Cidade de São Paulo. Ao longo de 20 anos na Educação Superior Particular, exerceu funções como Chefe de Gabinete do Reitor, Secretario-geral, Procurador Institucional, coordenador de curso de pós-graduação, de extensão e docente. Atua como profissional da área do direito nos seguintes temas: legislação educacional, normas internas educacionais, administração educacional, direito do trabalho, direito empresarial, direito de familia. Produz material didático na área de Direito do Trabalho, Legislação e Regulação da Educação. Atualmente é Advogado associado no escritorio SLC Advogados e militante nas áreas Cível, Trabalhista, Consumidor, Empresarial e Educacional.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CIOCCARI, Laurício Antonio ; CAVALCANTE, Gabriela Cristina Araújo. Poder diretivo do empregador face aos direitos de personalidade do empregado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4938, 7 jan. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/54842. Acesso em: 23 abr. 2024.

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