Adoção por casais homoafetivos:um direito do casal

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O presente trabalho trata da possibilidade da adoção por casais homoafetivos como um direito do casal, bem como da criança. Ao longo dos anos surgiram novos arranjos familiares, razão pela qual o direito evoluiu para atender aos anseios da sociedade.

RESUMO

O presente trabalho trata da possibilidade da adoção por casais homoafetivos como um direito do casal, bem como da criança. Ao longo dos anos surgiram novos arranjos familiares, razão pela qual o direito evoluiu para atender aos anseios da sociedade. O reconhecimento do casamento entre pessoas do mesmo sexo pelo Supremo Tribunal Federal é um dos grandes exemplos de que o direito deve respeitar a evolução social. A decisão do Corte Suprema gerou novos questionamentos, dentro os quais destacamos o tema do nosso trabalho que já é uma realidade presente em diversos países, inclusive reconhecida legalmente. O Brasil ainda não contém lei que regule a adoção por casais homoafetivos por uma resistência preconceituosa de parte da população, no entanto, já tramita projeto de lei que aborda tal tema, o que gerou muitas discussões a respeito da possibilidade de uma criança conviver com duas mulheres ou dois homens como seus pais. Na realidade, o que deve ser observado é o amor entre os pais e o filho e, principalmente o melhor interesse do menor. As mudanças sociais são naturais e constantes, sendo assim é impossível justificar a não possibilidade de adoção por pessoas do mesmo sexo pelos bons costumes. Ademais destacamos os princípios da dignidade da pessoa humana e da afetividade como fundamentos do nosso tema. Sendo assim, a adoção por casais homoafetivos é possível e não há qualquer estudo que afirme ser prejudicial para a criança.

Palavras-Chave: Adoção. . Família Homoparental.Afetividade.

1INTRODUÇÃO

O objetivo deste trabalho é a análise da possibilidade jurídica da adoção homoparental averiguando a evolução nos conceitos de família e adoção, bem como o reconhecimento do casamento entre pessoas do mesmo sexo.

O tema central desta monografia, apesar de ser visto com temor por muitos, uma vez que ainda existe bastante preconceito quanto à homossexualidade, é de grande relevância para a concretização do que prevê o artigo 5º da Carta Magna: a igualdade entre as pessoas, independente de sexo, cor ou religião, bem como garante a inviolabilidade da vida privada, intimidade, honra e imagem das pessoas.

Sendo o direito influenciado por fatos e pelo clamor social, os juristas passaram a ser instigados a acompanhar as relações entre os indivíduos que, ligados pelo afeto, constituem uma família, a fim de darem respostas às situações dos novos grupos familiares que vêm surgindo ao longo dos anos.

A Constituição Federal de 1988 atribuiu à família uma blindagem necessária caracterizando-a como base de uma sociedade. O legislador originário observou que a entidade familiar é sim fator essencial para a formação de um indivíduo saudável socialmente.

Quanto à estrutura dessa monografia, será abordada no segundo capítulo a família, base da sociedade como preceitua a Constituição Federal, delimitando seu conceito, analisando os princípios norteadores do direito de família e abordando os novos arranjos familiares, em especial, a família homoparetal. Tal capítulo retrata a importânciada entidade familiar que deve ser protegida de forma ampla por toda a sociedade e pelos princípios constitucionais, a fim de que sejam respeitos os direitos dos entes familiares, principalmente das crianças e adolescentes que são consideradas, segundo previsão do artigo 6º do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, pessoas em desenvolvimento. 

Atualmente é impossível conceituar família, uma vez que as diversas mudanças ocorridas na sociedade fez surgir novos arranjos familiares afastando a ideia de que família é apenas aquela formada por um homem, uma mulher e seus filhos. As mudanças sociais pressionam o direito a dar respostas aos novos modelos de famílias. Uma sociedade não é estática, razão pela qual mesmo com a ausência de leis que disciplinem determinado assunto surgem decisões judiciais fundamentadas nos princípios constitucionais, dentro os quais se destacam a dignidade da pessoa humana, o melhor interesse da criança e a afetividade.

O terceiro capítulo trata de uma das grandes mudanças sociais, qual seja: a adoção. Apesar de existir há décadas, não era compreendida como é atualmente. Até mesmo no ordenamento jurídico brasileiro o instituto da adoção evoluiu para dar maior segurança ao adotado embasado no princípio do melhor interesse do menor.

A própria Constituição Federal proíbe a distinção entre filhos biológicos e adotados, visto que em muitos casos o casal desistia de criar a criança como se seu filho natural fosse e a abandonava. Tal atitude é capaz de causar um trauma irreparável em um menor que está em fase de formação.

O quarto capítulo abordará a união homoafetiva que, apesar do reconhecimento pelo Supremo Tribunal Federal, ainda não é vista ou comentada de maneira natural pela maioria das pessoas, inclusive nas academias. O referido tema nos remete ao Princípio implícito da Afetividade que está intimamente ligada às questões que envolvam direito de família. Embora tenham havido muitas mudanças quanto ao conceito de entidade familiar ainda podemos afirmar que o elemento essencial para sua formação é o afeto, razão pela qual arriscamos afirmar que não há família sem afeto. Sendo assim, a existência do referido elemento é mais do que suficiente para o surgimento, reconhecimento e respeito às uniões homoafetivas.

O mencionado elemento, além de essencial para a constituição de um grupo familiar, também é utilizado para solução de diversos, senão todos, conflitos que envolvam cônjuges, filhos, companheiros e demais entes familiares.

No quinto capítulo chegaremos ao cerne desta monografia, que é a adoção por pares homossexuais. O legislador não pode prever todas as situações que ocorrerão em uma sociedade, uma vez que esta está em constante evolução. Desta forma, nota-se a ausência de leis que tratem da possibilidade de um casal homoafetivo adotar uma criança. É em casos desse tipo que o Princípio da Afetividade vem solucionar o conflito existente.

O elemento afeto não possuía tamanha relevância nas decisões do magistrado sobre a paternidade ou maternidade dos menores, razão pela qual, na maioria das vezes, autorizava-se a adoção pelo simples fato do casal demonstrar interesse em ter como filho determinada criança. No entanto, as mudanças sociais em relação à compreensão de família, ao passo em que foi dada maior ênfase ao princípio da afetividade, levaram os estudiosos do direito das famílias a observarem que assim como regulamentação do casamento homoafetivo, a adoção por esses novos casais deve ser autorizada.

Ademais é possível destacar o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana invocada tanto pelo par homoafetivo como pela criança, uma vez que todos têm direito à viver com quem amam e, principalmente, ter a oportunidade de dar amor a uma criança.

Nasciam daí vários questionamentos, como: Quem será o pai de direito? É realmente necessária a escolha de apenas um dos pais para constar na certidão de nascimento quando na realidade ambos exercem tal função?

A resposta para esta indagação nos remete novamente aos Princípios da Dignidade da Pessoa Humana, bem como da Afetividade previsto pela Constituição Federal 1988, sendo esta sem dúvidas, a principal fonte investigativa deste estudo.

Faz-se necessário, por fim, mencionar que os temas abordados nesta monografia estão interligados e as fontes utilizadas serão a doutrina de diversos autores da área de estudo, a Constituição Federal de 1988, o Código Civil de 2002, o Estatuto da Criança e do Adolescente sem prejuízo do estudo em artigos científicos relacionados ao tema, bem como jurisprudência. 

2 FAMÍLIA

2.1 CONCEITO

Família, segundo o renomado autor Clóvis Beviláqua (apud, SILVA, 2014), é “a associação do homem e da mulher, em vista da reprodução e da necessidade de criar filhos, consolidada pelos sentimentos afetivos e pelo princípio da autoridade, garantida pela religião, pelos costumes e pelo Direito”.

 Não há um conceito de família expresso no nosso ordenamento jurídico. Na verdade, o que existe atualmente é a ideia de que a união de pessoas por meio do afeto faz surgir uma família. Sendo assim, não é possível mais indicar apenas os casados civilmente e com filhos biológicos como entes familiares, uma vez a sociedade está em constante evolução e o direito deve estar atento a tais mudanças.

A Constituição Federal trata família como a base da sociedade formada através do casamento ou da união estável, após conversão legalmente prevista, na qual seus entes encontram o afeto. A relação entre companheiros sendo considerada como família pela Lei Maior é nítido exemplo de que não há um modelo pronto de família.

Segundo PERLINGIERI, 2002. P.23 família é:

Formação social, lugar-comunidade tendente à formação e ao desenvolvimento da personalidade de seus participantes; de maneira que exprime uma função instrumental para a melhor realização dos interesses afetivos e existenciais de seus componentes.

Naturalmente o conceito de família vem sendo modificado constantemente pelos doutrinadores ao longo do tempo, a fim de adequá-lo a determinado modelo de sociedade. Sabemos que o direito deve atender aos anseios sociais especialmente quando se refere à entidade familiar.

Há pouco tempo compreendíamos família como um grupo de pessoas formado por pai, mãe e filhos, sendo estes, na maioria das vezes, biológicos. Ocorre que com o respeito às mudanças sociais, bem como aos direitos de algumas pessoas não quererem viver conforme os ditames sociais no que se refere a construção de uma família, surgem novas entidades familiares constantemente e, portanto, é impossível afirmar que os modelos de entidade familiar hoje serão os mesmos daqui há alguns anos.

Os fatores primordiais para a admissão de novos arranjos familiares são os princípios norteadores do direito de família, dentro os quais se destacam a dignidade da pessoa humana e a afetividade que indiscutivelmente regula toda e qualquer relação familiar, conforme abordaremos.

2.2 PRINCÍPIOS NORTEADORES DO DIREITO DE FAMÍLIA

Princípios, segundo o renomado autor José Afonso da Silva, são ordenações que propagam o sistema de normas, sendo destas, portanto, espécies.

A Constituição Federal prevê um rol de princípios fundamentais, sendo muitos deles destinados a proteção do direito das famílias como não poderia deixar de ser, uma vez que, conforme o legislador originário, família é a base de uma sociedade. Por tal razão, os princípios têm a finalidade de proteger as entidades familiares.

Dentre os princípios previstos na Carta Magna destacamos os princípios da dignidade da pessoa humana e afetividade, uma vez que fundamentam a adoção por pares homoafetivos garantindo o direito do casal como e, principalmente, o direito da criança em ter o amor de uma família.

2.2.1 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana

Previsto expressamente na Lei Maior no artigo 1º, III, o princípio da dignidade da pessoa humana é fundador do Estado Democrático Brasileiro.

Na verdade, o referido princípio surgiu com a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão proclamada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1948 em seu artigo 1º da seguinte forma: “Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos”.

Dignidade pode ser explicada segunda diversas visões, no entanto, nos convém tratar do seu conceito como algo inerente da pessoa humana, conforme preleciona CAMARGO,1994. P. 27-28:

Pessoa humana, pela condição natural de ser, com sua inteligência e possibilidade de exercício de sua liberdade, se destaca na natureza e diferencia do ser irracional. Estas características expressam um valor e fazem do homem não mais um mero existir, pois este domínio sobre a própria vida, sua superação, é a raiz da dignidade humana. Assim, toda pessoa humana, pelo simples fato de existir, independentemente de sua situação social, traz na sua superioridade racional a dignidade de todo ser.

Nesse sentido compreendemos que o ser humano não deve mais ser visto como algo, e sim como alguém capaz de direitos e obrigações diversamente do que era compreendido há algumas décadas.

O reconhecimento do homem independente de cor, raça, religião ou classe social como pessoa de direitos só ocorreu depois de muitas lutas sociais. Os pobres, negros e escravos eram vistos como objetos pertencentes aos ricos latifundiários e a estes deviam total obediência e gratidão, até que em 1785 a dignidade da pessoa humana ganhou sua formulação clássica por Immanuel Kant em que defendia que as pessoas deviam ser vistas como fim em si mesmas e não como um meio.

O Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana é o principal e mais amplo princípio constitucional. No direito de família diz respeito a garantia plena de desenvolvimento de todos os seus membros, a fim de que possam ser realizados os anseios e interesses afetivos, bem como garantia de assistência aos filhos, assim preceitua DINIZ, 2007.P.18:

[...] é preciso acatar as causas da transformação do direito de família, visto que são irreversíveis, procurando atenuar seus excessos, apontando soluções viáveis para que a prole possa ter pleno desenvolvimento educacional e para que os consortes ou conviventes tenham uma relação firme, que integre respeito, tolerância, diálogo, troca enriquecedora de experiência de vida etc.

Embora o mencionado princípio esteja previsto como um dos fundamentos da Constituição Federal, ainda não há o efetivo respeito. Exemplo disso é o preconceito quanto ao casamento entre pessoas do mesmo sexo mesmo depois de seu reconhecimento pelo Supremo Tribunal Federal.

A dignidade da pessoa humana é invocada pelo casal homoafetivo que deseja adotar uma criança, razão pela qual o referido direito embasa a possibilidade da adoção por dois homens ou duas mulheres casadas ou que mantenham união estável. Não há qualquer justificativa plausível para que um menor seja educado e amado por pares homoafetivos, até porque qualquer tentativa de impossibilitar tal a adoção vai de encontro à dignidade de cada um dos envolvidos no caso concreto.

2.2.2 Princípio da Afetividade

O princípio da afetividade não está expresso na Constituição de 1988, aparecendo apenas implicitamente, principalmente, quanto aos casos que envolvem direito de família. A Carta Magna decretou a importância da família como base da sociedade para que possamos relacioná-la ao elemento afeto.

Afastando-nos dos conceitos estabelecidos previamente ousamos afirmar que uma família só pode ser assim denominada quando o afeto é perceptível e é o maior de todos os sentimentos que existam em um lar. Um grupo de pessoas que desejam viver como família necessita de amor, carinho e respeito recíproco e é isso que diverge daqueles que apenas visam o bem estar individual.

O legislador não deve estabelecer um modelo pronto do grupamento familiar, embora a própria sociedade indique família apenas como aquela formada por pai, mãe e filhos. Atualmente é impossível tal padronização, pois a evolução social trouxe fez surgir novos arranjos familiares. Nesse sentido,CARBONERA,1999. P.23 trata o seguinte:

Direito não deve decidir de que forma a família deverá ser constituída ou quais serão as suas motivações juridicamente relevantes (...). Formando-se uma que respeite a dignidade de seus membros, a igualdade na relação entre eles, a liberdade necessária ao crescimento individual e a prevalência nas relações de afeto entre todos, ao operador jurídico resta aplaudir, como mero espectador.

A família deixou de ser uma obrigação em nossa sociedade. Durante muito tempo casais eram formados por pressão social e se mantinham por conveniência. A ausência do afeto não era problema, uma vez que a aparência de família nos moldes exigidos pela sociedade era o que realmente importava para muitas pessoas.

As mudanças começaram a ocorrer quando o elemento afeto passou a ser visto de outra forma pela sociedade que passou a aceitar, mesmo que de forma lenta, a união de duas pessoas apenas quando se amam. A aceitação da afetividade foi, sem dúvidas, uma das maiores evoluções para do direito de família.

 DIAS, 2009. P. 43 leciona com maestria:

O novo modelo da família funda-se sobre os pilares da repersonalização, da afetividade, da pluralidade e do eudemonismo, impingindo nova roupagem axiológica ao direito de família. Agora, a tônica reside no indivíduo, e não mais nos bens ou coisas que guarnecem a relação familiar. A família-instituição foi substituída pela família-instrumento, ou seja, ela existe e contribui tanto para o desenvolvimento da personalidade de seus integrantes como para o crescimento e formação da própria sociedade, justificando, com isso, a sua proteção pelo Estado.

O elemento afeto modificou o conceito de família e vem sendo um dos principais instrumentos utilizados nas decisões judiciais que tratam de conflitos familiares. Sabe-se que o legislador não poderia prever todas as questões objetos de discussão porque a sociedade está em constante mudança. Dessa forma, os magistrados vêm fazendo uso cada vez mais frequente do princípio da afetividade para chegar a um resultado mais justo possível para os envolvidos.

Os conflitos familiares devem ser tratados com o máximo de zelo pelo judiciário, pois todas as questões que envolvem direito de família presumidamente envolve sentimento. Nada mais justo do que usar o afeto como base de toda e qualquer decisão judicial, principalmente quando existem crianças envolvidas.

Por fim, o princípio da afetividade vem ganhando, com razão, respaldo nos tribunais nos casos cujo objeto são questões familiares, pois exigem um cuidado especial dos operados do direito.

3 UNIÃO HOMOAFETIVA

3.1 CONSIDERAÇÕES GERAIS

A relação homoafetiva sempre existiu, embora de maneira ocultada pelos parceiros que eram e ainda são alvos de preconceitos por parte da sociedade. É verdade que a homossexualidade vem se tornando aceitável pela própria pressão do direito que precisou se posicionar a seu favor.

A união homoafetiva é fenômeno recente. O que sempre existiu foi relação entre pessoas do mesmo sexo, na grande maioria das vezes entre homens, sendo até incitada e considerada sagrada na Grécia.

A educação grega instigava a prática de relações homossexuais como um ritual de passagem da adolescência para a vida adulta. Os mestres dos jovens guerreiros eram os responsáveis pela iniciação da vida sexual para lhes transmitirem os conhecimentos, sob a explicação de que deveriam se acostumarem com a ausência de mulheres nas guerras.

O homossexualismo na Grécia era considerado a verdadeira forma de satisfação da libido, enquanto a relação entre homem e mulher tinha o objetivo apenas de procriação. A mulher era vista apenas como meio para a geração do filho do guerreiro e dificilmente era observada como ser que também sente desejo, razão pela qual era anormal relação sexual entre duas mulheres.

Apesar de enfatizarmos a civilização grega, destacamos que à época era considerado natural e sagrado o relacionamento entre casais do menos sexo, principalmente quando se tratava de jovens que estavam em treinos para as guerras e iniciariam sua vida sexual.

Em Roma, as relações homoafetivas também eram comuns, mas não incitadas, pois passaram a ser vistas como um defeito de caráter. Daí nasciam os primeiros questionamentos sobre a possibilidade de a homossexualidade ser um doença patológica o que já foi desmentido pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 1990.

O domínio cultural pela Igreja Católica contribuiu para que a homossexualidade fosse visto como doença, uma vez que, segundo os dogmas religiosos, o homem e a mulher foram criados para procriarem. Para o catolicismo o sexo não deve ser feito para a satisfação carnal e sim para a geração de um novo ser humano. Assim, foi arraigado um forte preconceito na sociedade cujos resquícios existem até nosso dias.

A grande barreira impeditiva para o reconhecimento da união estável entre pares do mesmo sexo sempre foi o preconceito. Embora atualmente percebamos a diminuição dos relatos criminosos contra homossexuais ainda é necessário muitas ações educativas, principalmente com as crianças, para anular algumas atitudes desrespeitosas. O preconceito é expressado de diversa maneiras, inclusive por meio de agressões físicas. Tais atitudes são intoleráveis não apenas por se tratar de crime de lesão corporal, mas, especialmente, por configurar um crime irreparável contra a honra do atingido e de toda um grupo de pessoas que têm preferência sexual diversa da maioria.

Os relatos de agressões geraram comoção social e pressão para que o direito se manifestasse, a fim de evitar novos atentados preconceituoso contra os homossexuais. Nesse sentido relatam MACEDO e ALEXANDRE, 2003, P. 38:

O preconceito no Brasil contra homossexuais masculinos e femininos, manifestado pela homofobia (aversão à homossexualidade) é alarmante. Todos os dias têm-se notícias de violência tais como agressões físicas, humilhações e até morte, sendo que o Estado de Alagoas encontra-se em primeiro lugar no ranking da violência homofóbica, que diante da situação, determinou a aprovação de lei que prevê punições severas para pessoas e empresas que discriminarem homossexuais.

O preconceito contra as relações homoafetivas vem diminuindo, apesar de ainda estar distante de sua aniquilação. Fato é que atualmente os casais homossexuais têm mais liberdade para viverem como família reconhecida tendo garantidos os direitos como casais heterossexuais.

3.2 RECONHECIMENTO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

No direito pátrio não há lei que regulamente expressamente a união entre pessoas do mesmo sexo. Os tribunais passaram a proferir decisões no sentido de reconhecer essas uniões como sociedades de fato utilizando nesses casos a súmula 380 do STF. Outros magistrados caracterizavam tais relações como entidades familiares e, por fim, alguns não proferindo decisões de mérito, respaldados na justificativa de que não existir previsão legal.

Exemplo do que foi afirmado acima mencionamos os seguintes julgados do Tribunal de Justiça de São Paulo e Tribunal de Justiça de Minas Gerais respectivamente:

Ementa: União de pessoas do mesmo sexo – Ação declaratória de união estável – Competência de uma das Varas Cíveis – Inconformismo –Desacolhimento – Ausência de se semelhança com o art. 226 § 39, da CF– Objeto da ação relacionado com o direito obrigacional – Precedente apreciado pela Câmara Especial deste E. Tribunal – Decisão mantida –Recurso desprovido. (4769234400 – Rel. Grava Brazil – TJSP – 09-02-07).

AGRAVO DE INSTRUMENTO - AÇÃO DECLARATÓRIA DE UNIÃO HOMOAFETIVA - PARTILHA DE BENS - COMPETÊNCIA – BENS ADQUIRIDOS EM COMUM DURANTE REFERIDA UNIÃO - CONVIVÊNCIA ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO NÃO PODE SER CONSIDERADA COMO ENTIDADE FAMILIAR - QUESTÃO AFETA AO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES - INCOMPETÊNCIA DA VARA DE FAMÍLIA.

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"A homologação do termo de dissolução da sociedade estável e afetiva entre pessoas do mesmo sexo cumulada com partilha de bens e guarda, responsabilidade e direito de visita a menor deve ser processada na Vara Cível não especializada, ou seja, não tem competência para processar a referida homologação a Vara de Família. No caso, a homologação guarda aspecto econômicos, pois versa sobre a partilha do patrimônio comum" (S.T.J. Resp. 148.897.MG- DJ-06-04-98 -Resp. 502.995 - RN - Rel. MINISTRO FERNANDO GONÇALVES – Julgado em 26-04-05).

Mesmo com as decisões tendentes ao reconhecimento da relação entre casais do mesmo sexo, alguns magistrados se esquivavam da responsabilidade de ir de encontro ao texto do Código Civil que prevê expressamente que apenas pode ser considerada entidade familiar aquela entre homem e mulher. No intuito de encerrar com as discussões a esse respeito e cedendo às pressões sociais, no ano de 2011 do Supremo Tribunal Federal julgou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4277 e Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 132 ajuizadas na referida Corte pela Procuradoria Geral da República e pelo Governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral.

O STF reconheceu de forma unanime a união estável entre pessoas do mesmo sexo excluindo o significado do artigo 1.723 do Código Civil. Ademais os ministros repudiaram qualquer forma de preconceito às relações homoafetivas, uma vez que todos têm direito a constituírem uma família e terem sua opção sexual respeitada, embora seja diversa da maioria da população.

O relator das mencionadas ações foi o ministro Ayres Brito que tratou inicialmente de votar pela exclusão do previsão do Código Civil, conforme trecho a seguir:

Técnica da “interpretação conforme” para viabilizar o descarte de qualquer intelecção desfavorecedora da convivência estável de servidores homoafetivos, em comparação com a tutela juridicamente conferida à união igualmente estável de servidores heterossexuais. O que, em princípio, seria viável, pois entendo que os dispositivos em foco tanto se prestam para a perpetração da denunciada discriminação odiosa quanto para a pretendida equiparação de direitos subjetivos. E o fato é que tal plurissignificatividade ou polissemia desse ou daquele texto normativo é pressuposto do emprego dessa técnica especial de controle de constitucionalidade que atende pelo nome, justamente, de “interpretação conforme à Constituição”, quando uma das vertentes hermenêuticas se põe em rota de colisão com o Texto Magno Federal. (ADPF nº 132-RJ)

A Constituição Federal foi usada como principal instrumento de intepretação do texto legal. Na realidade, segundo entendimento do STF, as expressões homem e mulher devem ser entendidas como gênero, como um todo que não devem ser verificados detalhadamente apenas por seus órgãos genitais.

Seria injusto deixar várias famílias formadas por pares homoafetivos sem resposta. Não há qualquer justificativa aceitável para a diferenciar um grupo familiar do outro quando na realidade o essencial, conforme verificamos ao longo de todo nosso trabalho, é o elemento afeto e o bem estar de todos os entes.

A Constituição Federal foi amplamente mencionada também no voto do ministro Luiz Fux que brilhantemente destacou que o desconhecimento da união dos pares homoafetivos como entidade familiar desrespeita nitidamente o princípio fundamental da isonomia. É inadmissível que o companheiro fique desamparado após o falecimento do outro com quem viveu e compartilhou anos e contribuiu para a construção de um patrimônio. O indeferimento do pedido do benefício de pensão por morte não pode estar embasado exclusivamente no fato de o casal ser formado por indivíduos do mesmo sexo.

Dessa forma, vejamos parte do voto do ministro Luiz Fux:

Nesse diapasão, a distinção entre as uniões heterossexuais e as uniões homossexuais não resiste ao teste da isonomia. Para tanto, recorde-se, novamente, o magistério de ROBERT ALEXY (ob. cit., p. 395 e seguintes), para quem, inexistindo razão suficiente para o tratamento jurídico diferenciado, impõe-se o tratamento idêntico. Não há qualquer argumento razoável que ampare a diferenciação ou a exclusão das uniões homoafetivas do conceito constitucional de família. Deveras, os únicos fundamentos para a distinção entre as uniões heterossexuais e as uniões homossexuais, para fins de proteção jurídica sob o signo constitucional da família, são o preconceito e a intolerância, enfaticamente rechaçados pela Constituição já em seu preâmbulo. (...) Diante disso, ignorar a existência e a validade jurídica das uniões homoafetivas é o mesmo que as por em situação de injustificada desvantagem em relação às uniões estáveis heterossexuais. Compete ao Estado assegurar que a lei conceda a todos a igualdade de oportunidades, de modo que cada um possa conduzir sua vida autonomamente segundo seus próprios desígnios e que a orientação sexual não constitua óbice à persecução dos objetivos pessoais. O raciocínio se aplica, decerto, em todos os aspectos da vida e não apenas os materiais ou profissionais – sob esse prisma, submeter um indivíduo homossexual ao constrangimento de ter que ocultar seu convívio com o(a) parceiro(a) ou de não poder esperar de suas relações os efeitos legalmente decorrentes das uniões estáveis é, sem dúvida, reduzir arbitrariamente as suas oportunidades.

Importante ainda mencionar a importância do princípio da dignidade da pessoa humana que é um dos princípio fundamental e, nesse caso em especial, deve ser utilizado para explicar a importância do reconhecimento da união entre pares do mesmo sexo. Os casais homoafetivos sempre sofreram e talvez ainda irão sofrer preconceito, embora de maneira implícita, simplesmente por optarem viver conforme seus desejos. Além da questão homossexual, nosso trabalho visa tratar do amor que existe entre duas pessoas que antes de tudo são seres humanos dotados de dignidade. E por tal motivo devem ser respeitadas.

Por fim, destacamos trecho do vota da ministra Carmen Lúcia que soube expressar de maneira simples a relação entre a igualdade e a cidadania:

Aqueles que fazem opção pela união homoafetiva não pode ser desigualado em sua cidadania. Ninguém pode ser tido como cidadão de segunda classe porque, como ser humano, não aquiesceu em dotar modelo de vida não coerente com o que a maioria tenha como certo ou válido ou legítimo. E a igual cidadania é direito fundamental posta na própria estrutura do Estado Democrático de Direito (art. 1º, inc. III, da Constituição). Seria de se indagar se qualquer forma de preconceito poderia acanhar a cidadania de quem, por razões de afeto e opções de vida segundo o sentir, resolvesse adotar modo de convivência estável com outrem que não o figurino tido como “o comum”.

3.3 NOVO MODELO FAMILIAR: FAMÍLIA HOMOPARENTAL

Inicialmente convém destacar que a Lei Maior prevê expressamente a igualdade entre todos:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;

Nesse sentido verificamos que não é possível diferenciar os casais homossexuais dos heterossexuais. Além disso, é possível afirmar que se a união de um casal preencher os requisitos legais, contidos no artigo 42 da Lei 8.069, que são as mesmas exigências determinadas para casais heterossexuais, como por exemplo; estar em situação duradoura, onde os companheiros cumpram com os deveres de fidelidade e assistência recíproca.

Família por muito tempo foi conceituada como um grupo formado por um homem, uma mulher e seus filhos, razão pela qual muitas vezes alguns, mesmo tendo preferência por alguém do seu mesmo sexo, curvavam-se aos ditames sociais e se casavam para ter filhos.

A homossexualidade, apesar de ser um assunto bastante complicado de ser discutido atualmente, sempre existiu. Na Grécia, as relações homossexuais eram livres e tinham caráter predominantemente pedofílico, ou seja, os jovens guerreiros eram treinados por seus mestres para as guerras onde não haviam mulheres.

Em diversas civilizações a homossexualidade era considerada a forma de satisfazer a libido, enquanto a relação entre homens e mulheres apenas existia para a procriação.

Alguns historiadores afirmam que o preconceito contra os pares homoafetivos foi iniciado pelas religiões que afirmavam que o sexo apenas deve existir para a procriação. Sendo assim, é inaceitável qualquer relação entre pessoas do mesmo sexo que queiram apenas se satisfazerem.

No Brasil, segundo relatos dos primeiros navegantes a chegarem no território, o sexo não era visto como algo sagrado. Ao contrário, as relações eram livres e era costume o homossexualismo primordialmente masculino. Tal liberdade começou a incomodar Portugal que tinha como religião oficial o catolicismo e, por esse motivo, a Igreja Católica foi obrigada a enviar autoridades inquisitoriais para fiscalizar o comportamento dos nativos e, principalmente, dos religiosos.

Usar o termo homossexualidade pode parecer o mais correto porque é o mais conhecido. No entanto, preferimos utilizar a nomenclatura criada por Maria Berenice Dias Maria Berenice Dias (2007), qual seja: homoafetividade, composição de homo, semelhante e do termo affectu, afeiçoado. Tal expressão ressalta que a ligação entre pessoas de mesmo sexo é a afetividade, assim como é base da criação de uma entidade familiar.

A evolução social fez com que o modelo de família formado por pai, mãe e filho deixasse de ser considerado como único e exemplar, apesar de ainda ser o mais comum.

Um dos novos arranjos é a família homoparental, ou seja, família formada por pessoas do mesmo sexo e, de acordo com nosso entendimento, por seus filhos biológicos ou adotados.

A união homoafetiva não está prevista expressamente no nosso ordenamento jurídico, mas o Supremo Tribunal Federal em reconheceu por meio da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4277 e Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 132 a união estável para casais do mesmo sexo. Tal decisão foi uma grande conquista social, pois não estava sendo garantidos os direitos à dignidade e à liberdade aos casais homoafetivos.

Com o reconhecimento da união pela Corte Suprema é possível afirmar, sem qualquer discussão acerca da sua possibilidade, que casais do mesmo sexo podem constituir uma família. Assim como os demais arranjos familiares, a família homoparental é baseada no elemento afeto e tem como objetivo a satisfação de cada um de seus entes.

4 ADOÇÃO

4.1 CONCEITOE NATUREZA JURÍDICA

A expressão adoção é proveniente do latim, adoptio, e foi sendo aperfeiçoada ao longo dos anos deixando de ter relação apenas com a religião e passando a ser instituto do direito.

A associação com entre a adoção e o catolicismo surgiu com a própria Bíblia, tendo em vista que esta faz referência ao instituto em Gêneses 16 quando Sara fala ao seu esposo, Abraão, que por ser estéril os filhos que este viesse a ter com a escrava seriam filhos dela. Embora não recebesse esta nomenclatura, a adoção já era vista como possibilidade de tratar uma criança como filho mesmo inexistindo vínculo sanguíneo.

O conceito do referido instituto foi aperfeiçoado ao longo do tempo, inclusive no Brasil podemos observar a variação conceitual entre os doutrinadores. Tantas tentativas de explicar o que significa adoção são compreensíveis, uma vez que a sociedade está em constante evolução forçando que ao mesmo passo o direito evolua para atender aos anseios sociais, principalmente no que diz respeito ao direito de família.

Maria Berenice Dias (2009, p.434) conceitua adoção como “modalidade de filiação constituída no amor, gerando vínculo de parentesco por opção”. Por este conceito, fica nítido que a relação construída entre os pais e o filho diverge do modelo pronto da família tradicional com filhos biológicos. A adoção vai além dos vínculos sanguíneos trazendo o afeto como elemento principal para a constituição de uma relação entre pais e filhos.

Outro conceito merecedor de menção é o do renomado jurista Pontes de Miranda (apud, PENA JR., 2008): “a adoção é ato solene pelo qual se cria, entre o adotante e o adotado, relação de paternidade e filiação”.

Assim como o supracitado, existem outros conceitos que adentram a esfera da natureza jurídica da adoção, ou seja, uma tentativa de classificá-la dentro do universo de figuras existentes no direito. Nesse sentido, afirma Paulo Lôbo (2009, p. 251) que “a adoção é ato jurídico em sentido estrito, de natureza complexa, pois depende de decisão judicial para produzir seus efeitos. Não é negócio jurídico unilateral”.

Entre tantos doutrinadores e seus conceitos, devemos enfatizar que a Constituição Federal de 1988 prestigia o instituto ao tratar da igualdade entre os filhos. O artigo 227, § 6º menciona este como sendo um dos princípios vetores do direito de família, a fim de garantir que as crianças adotadas deixassem de ser discriminadas.

4.2 ADOÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

O direito brasileiro em muitos aspectos se baseia no direito romano, sendo a adoção um desses exemplos. O Código Civil de 1916 fez nascer no Brasil o referido instituto, mas de forma bastante diferente da compreensão atual.

O artigo 368, dentro do Capítulo V do Código de 1916 estabelecia que apenas os maiores de 50 anos poderiam adotar. Além disso, o adotante não poderia possuir prole legítima ou legitimada, bem como deveria ser dezoito anos mais velho que o adotando. Nota-se, portanto, que a adoção na época favorecia apenas ao aos adotantes que não puderam ou não quiseram ter filho.

Nesse sentido menciona Sílvio Rodrigues:

Naquele regime, a adoção só era possível aos maiores de 50 anos, sem prole legítima ou legitimada. Entendia o legislador que, ao atingir essa idade, o casal já descoroçoara de ter filhos, sendo ademais provável que não viesse a tê-los. Estão, e só então, abria-se-lhe a porta da adoção, a fim de suprir, dessa maneira uma falta que a natureza criara. (RODRIGUES, 2004, p. 336)

A adoção para o referido código não objetivava o bem estar da criança e sequer o adotando manifestava sua vontade, pois este era visto apenas como uma coisa adquirida pelos novos pais que sentiam necessidade de ter filhos. Na verdade, não era levado em consideração o desejo da criança em ser adotado por determinado casal, apenas se respeitava o direito dos pais de aumentar a família.

Com o passar do tempo, surgiram leis que contribuíram positivamente com a adoção. Uma delas foi a Lei nº 3.133 de 1957 que diminuiu a idade mínima do adotante para trinta anos, bem como a diferença de idade entre adotado e adotante para dezesseis anos. Além disso, deixou de exigir que o casal adotante não possuísse filhos, passando-se apenas a exigir comprovação de estabilidade conjugal por um período de no mínimo cinco anos de matrimônio. Verificasse, portanto, uma grande evolução no que se refere ao caráter da adoção, uma vez que esta passou a ser uma opção para as muitas famílias que detinham o mínimo de estabilidade e que queriam adotar. 

A evolução foi gradual e significativa até que o legislador criasse instrumentos que possibilitassem maior integração do menor na nova família. Significativa evolução ocorreu com o surgimento da Lei 6.697 de 1979 voltada à proteção da menoridade e que instituiu o Código de Menores. Este código previa a extinção de todos os vínculos do adotado com a sua família biológica, mantendo-se apenas os impedimentos matrimoniais.

Ademais, pode-se dizer que pela primeira vez o legislador deixou de proteger os adotantes para voltar a sua preocupação aos adotados. O legislador reconheceu daí que o objetivo da adoção é o bem-estar da criança. A proteção da criança é priorizada em função de qualquer outro fator que envolva a adoção, inclusive a impossibilidade dos adotantes em ter filhos.

Embora as mencionadas leis trouxessem grande contribuição para o aperfeiçoamento do instituto, foi a Constituição Federal de 1988 que trouxe a maior de todas as garantias ao adotando ao equipará-lo ao filho legítimo. A Lei Maior deu fim às diferenciações entre filhos vedando toda e qualquer designação discriminatória quanto aos direitos, tais como os sucessórios e registrais.

Dispõe ainda em seu artigo 227, §5º, o seguinte:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

§ 5º - A adoção será assistida pelo Poder Público, na forma da lei, que estabelecerá casos e condições de sua efetivação por parte de estrangeiros.

Assim, o Estado passou a ser responsável por garantir os direitos fundamentais da criança e do adolescente com obrigação de fornecer e fiscalizar as melhores condições de vida. A colocação do menor em família substituta é um caso excepcional, mas está neste rol, uma vez que preza-se pelo bem estar do menor.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) foi criado respeitando a previsão referida previsão constitucional e com base no Princípio da Proteção Integral do Menor foi o primeiro dispositivo do ordenamento jurídico brasileiro a caracterizar a criança e o adolescente como sujeitos de direitos. Um desses direitos é a integração a uma entidade familiar, ou seja, o Estado tem o dever de oportunizar um ambiente saudável para a criança e, caso a família substituta seja a melhor opção, será autorizada, por exemplo,

O ECA prevê a irrevogabilidade da adoção, o que ocorre apenas em casos excepcionas, visto que a regra é a permanência dos filhos com seus parentes naturais e com quem sempre conviveram. Porém, em caso de colocação em família substituta a criança deve ser trata sem qualquer distinção dos filhos naturais, conforme previsão constitucional.

O Código Civil de 2002 surge divergindo em algumas questões com o ECA, porém não o revogou. Na realidade, o código civil disciplina o instituto da adoção devendo ser utilizada apenas quando não conflitar com as leis anteriores, ou seja, visa contribuir com o referido instituto sempre partindo do melhor interesse do menor, conforme menciona Maria Berenice Dias a seguir:

E, entre a legislação específica e as disposições da lei mais geral, é mister reconhecer a prevalência das regras especiais, pois estas atendem, de forma criteriosa, ao melhor interesse de quem necessita de proteção integral. Portanto, em se tratando de adoção de crianças e adolescentes, persistem os direitos assegurados pelo ECA, aplicando-se supletivamente o Código Civil, quando não houver incompatibilidade com a lei especial. (DIAS, 2007. p.428,)

Nesse sentido, a filiação adotiva é submetida ao regime jurídico estabelecido pela Lei 12.010/09, que alterou o Estatuto da Criança e do Adolescente- ECA (Lei 8.069/90) e revogou dispositivos concernentes a adoção do Código Civil pátrio.

Assim, a adoção não é mais submetida a um duplo regime como anteriormente, pois há somente a adoção segundo estabelecido no ECA e a partir da promulgação dessa Lei, denominada Nova Lei da Adoção (Lei 12.010/09), o referido instituto jurídico transformou-se em medida excepcional, utilizado apenas quando esgotados os recursos de manutenção da criança e do adolescente na família natural ou extensa. 

4.3 REQUISITOS GERAIS PARA ADOÇÃO

Embasado no princípio do melhor interesse do menor, os requisitos previsto pelo ECA são os que devem ser aplicados ao caso concreto e apenas subsidiariamente os mencionados pelo Código Civil.

Como primeiro requisito podemos destacar a vontade dos adotantes, tendo em vista que é óbvio que a adoção só ocorrerá quando o casal manifesta interesse em cuidar de uma criança ou adolescente como filho. Portanto, este talvez seja o requisito mais importante.

O ECA prevê que o adotando deve ter no máximo 18 anos na data do pedido, exceto quando já esteja sob a guarda ou tutela dos adotantes, conforme previsão do artigo 40 do dispositivo. Tal escolha do legislador se deve a atenção ao alcance da idade adulta pelo adotando, uma vez que atingindo a maior idade já poderá responder por si. Nesse caso, querendo o indivíduo ser adotado deverá se submeter às regras do Código Civil, com exceção para aqueles com idade entre 18 e 21 anos que ainda poderão ser protegidos pelo ECA.

O artigo 2º do estatuto prevê que até os 12 anos de idade incompletos a pessoa é considerada criança. Após atingir tal idade, o adotante deverá obrigatoriamente ser ouvido e consentir com a adoção para que esta possa se concretizar, como menciona o artigos 45, §2º do ECA e 1.621 do CC.

Ademais, segundo os artigos 45, §1º do ECA e 1.624 do CC é necessário o consentimento dos pais naturais para a adoção de seus filhos, exceto quando estes foram destituídos do poder familiar ou forem desconhecidos.

Quanto ao consentimento dos pais ou representantes legais do menor, o artigo 1.621, §2º do CC prevê que poderá ser revogado até a sentença constitutiva da ação de adoção. O legislador embasa o referido artigo no ideia de que a criança e o adolescente devem permanecer em regra com a família natural.

Quanto à idade mínima do adotante, apesar de o ECA estabelecer que seja 21 anosbaseando-se na maioridade civil do Código Civil de 1916, a idade mínima exigida é de 18 anos desde a entrada em vigor do Código Civil de 2002 que, portanto, derrogou o artigo 42 do referido estatuto. Sendo um casal de adotantes, basta que um deles seja maior e capaz, no entanto, é necessária a comprovação de que a família é estável, conforme preleciona o parágrafo único do artigo 1.618, CC.

Ainda quanto a idade, o artigo 42, §3º do ECA e o artigo 1.619 do CC determina que o adotante deve ser, no mínimo, 16 anos mais velho que o adotado. O legislador visa que a adoção se assemelhe à filiação natural, evitando, assim, qualquer discriminação da criança por ser adotada. Nesse sentido, podemos mencionar o artigo 1.517, CC que autoriza o casamento de jovens maiores de 16 anos, autorizando também implicitamente a possibilidade de serem pais a partir desta idade.

Outro requisito previsto é o estágio de convivência entre o adotante e o adotado, a fim de que possam estreitar os laços afetivos e, assim, evitar que os pais se arrependam da adoção. O artigo 46 do ECA regula o estágio de convivência e considera em seu § 1º a possibilidade de dispensa, vejamos:

Art. 46. A adoção será precedida de estágio de convivência com a criança ou adolescente, pelo prazo que a autoridade judiciária fixar, observadas as peculiaridades do caso.

§ 1º O estágio de convivência poderá ser dispensado se o adotando não tiver mais de um ano de idade ou se, qualquer que seja a sua idade, já estiver na companhia do adotante durante tempo suficiente para se poder avaliar a conveniência da constituição do vínculo.

O estágio de convivência deve ser realizado antes de proferida a sentença constitutiva da adoção para avaliar a adaptação da criança ao novo lar, bem como dos pais ao adotado. Esse será um período supervisionado por alguns profissionais que avaliarão a adaptação do menor, a estabilidade da família, a forma como a criança é tratada, além de outras questões determinadas pelo juiz competente como preleciona o artigo 167, ECA.

5 ADOÇÃO POR CASAIS HOMOAFETIVOS

O conceito de adoção passou por diversas evoluções até chegar à compreensão atual de que o elemento essencial para sua concretização é o afeto entre os adotantes e o adotado. O princípio do melhor interesse do menor é basilar no momento da decisão favorável à adoção, uma vez que o Estado e toda a sociedade têm total responsabilidade pelo bem estar das crianças e adolescentes, principalmente, nos casos de colocação em família substituta.

Quando nos remetemos ao tema principal do nosso trabalho verificamos que há muito mais preconceito por parte daqueles que discordam da adoção por casais homoafetivos do que argumentos fundamentados. Uma das principais justificativas contra a aceitação da adoção por pessoas do mesmo sexo é a de que as crianças podem ser induzidas a se tornarem homossexuais.

Ocorre que não há qualquer pesquisa que comprove que alguém passaria a ser homossexual pela convivência com um. Ao contrário, pesquisas mostram que não necessariamente filho de homossexuais também será. Se fosse assim, como explicar que filhos de casais heterossexuais poderiam ser gays?

Importante mencionar trecho da reportagem da revista Superinteressante (2012):

As pesquisas mostram que a orientação sexual dos pais parece ter muito pouco a ver com o desenvolvimento da criança ou com as habilidades de ser pai. Filhos de mães lésbicas ou pais gays se desenvolvem da mesma maneira que crianças de pais heterossexuais", explica Charlotte Patterson, professora de psiquiatria da Universidade da Virginia e uma das principais pesquisadoras sobre o tema há mais de 20 anos. (Fevereiro, 2012)

A reportagem acima mencionada trata dos mitos existentes em relação aos filhos de pais homossexuais que surgiram para sustentar o preconceito e dificultar a adoção por pares homoafetivos. Não há qualquer confirmação de que a orientação sexual dos pais influencia a dos filhos. Então porque não respeitar o desejo de um casal que deseja amar uma criança como filho?

Ao longo de todo nosso trabalho enfatizamos a importância do elemento afeto e neste capítulo enfatizaremos ainda mais a importância do amor como base de uma família. Dessa forma, importante destacar o que prevêem FARIAS e MAIA, 2009. P.59:

O desenvolvimento da criança não depende do tipo de família, mas do vínculo que esses pais e mães vão estabelecer entre eles e a criança. Afeto, carinho, regras: essas coisas são mais importantes para uma criança crescer saudável do que a orientação sexual dos pais.

As mencionadas autoras retratam ainda que os pais homossexuais têm muito mais facilidade em conversar sobre sexualidade do que os pais heterossexuais, razão pela qual os filhos têm maior liberdade de expressar sua opção sexual. A noção da importância em manter uma relação de amizade com os menores se deve ao fato de que, na maioria das vezes, os pais sofreram com a incompreensão dos familiares.

O desrespeito da sociedade faz com que os pares homoafetivos, às vezes, optem por não lutar por uma criança. Isso porque existem muitos mitos dos filhos de pais homossexuais. Na verdade, nenhuma das lendas foi comprovada, pois seu fundamento é simplesmente o preconceito.

Com a universalização do princípio da dignidade da pessoa humana que embasa todos os demais direitos fundamentais, iniciaram-se as tentativas de garantir os direitos dos homossexuais, visto que é um ser humano como qualquer outro indivíduo. Embora em passos lentos, o direito passou a zelar os casais homoafetivos e como grande exemplo no Brasil destacamos o reconhecimento da união entre gays pelo STF. Tal decisão causou uma série de questionamentos, principalmente, no que diz respeito à situação dos filhos.

Qualquer tentativa de impedir a adoção homoafetiva, por mais que tivessem embasamentos diversos, esbarrariam no princípio da dignidade e deveria haver uma análise caso a caso. Porém, a inexistência de justificativas plausíveis esgotam qualquer tentativa de negar que duas pessoas do mesmo sexo queiram tratar como filho uma criança. O que deve ser questionado não é a sexualidade dos pais, e possibilidade que o casal tem de dar amor ao menor. É o caso, por exemplo, da Alemanha, Holanda e Espanha que aceitam e reconhecem esta adoção.

A ausência de lei que possibilite a adoção homoafetiva é, sem dúvidas, um dos maiores problemas para seu reconhecimento. Ocorre que também não existe há qualquer norma que faça menção no sentido de proibir casais do mesmo sexo adotarem. Dessa forma, nos valemos da ausência legislativa para afirmar a possibilidade da adoção por pares homoafetivo usando a máxima de que o que a norma não restringe não cabe aos intérpretes ou aplicadores do direito fazê-lo.

Por tal motivo e orientados pelos princípios gerais do direito e pela analogia, percebemos que os tribunais mais humanistas vêm deferindo a adoção homoafetiva. Ademais é importante verificar que após a decisão do STF favorável às uniões homoafetivas aumentou a pressão social em prol de solução para outras questões que envolvam a família homoparental. Assim a jurisprudência vem deferindo a adoção à casais homoafetivos.

A jurisprudência tem papel de fundamental relevância no deferimento de adoção por casais homoafetivos. Seria inadmissível que os magistrados ficassem inertes às mudanças sociais, razão pela qual as recentes decisões são orientadas pelo realismo jurídico.

As decisões jurisprudenciais têm efeito vinculante, isso é, a decisão deve direcionar os trabalhos dos integrantes do Poder Judiciário, como ocorreu com a felicidade. A proibição do preconceito proclamou a liberdade sexual e, consequentemente, o respeito à autonomia de vontade das pessoas naturais. Nesse caso, podemos ratificar que a adoção homoafetiva tanto é possível como está sendo embasada nos princípios constitucionais da liberdade, autonomia e dignidade.

Com o reconhecimento da união estável homoafetiva no Brasil, nasce também à garantia para o casal homossexual de direitos comuns a casais heterossexuais. A união homoafetiva deverá facilitar a adoção conjunta de crianças e adolescentes por casais homoafetivos, caso contrário haverá sim desrespeito ao direito de liberdade sexual. Tendo em vista, que o impedimento para a adoção conjunta por pessoas do mesmo sexo era justamente o fato da união dessas pessoas não ser reconhecido como união civil, visto que a Lei 8.069 em seu artigo 42 parágrafo 2º preceitua o seguinte:

§ 2º Para adoção conjunta, é indispensável que os adotantes sejam casados civilmente ou mantenham união estável, comprovada a estabilidade da família.

Sendo assim, com o reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo e do casamento homoafetivo, que é uma exigência da lei não há mais razão para impedir a adoção conjunta de crianças ou adolescentes por casais formados por pessoas do mesmo sexo. Todavia se tal impedimento persistir estamos diante de uma discriminação, ato que é vedado pela nossa Constituição Federal de 1988, tendo em vista que conforme o artigo 3ª, IV, determina que:

“Art. 3º - Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Dessa forma, verificamos que não há mais qualquer justificativa que impeça o reconhecimento da adoção por pares homoafetivos. Caso contrário, estaremos diante de nítida inconstitucionalidade.

5.1 MULTIPARENTALIDADE

O reconhecimento da adoção homoafetiva não esgota os questionamentos acerca do tema. Uma das maiores dúvidas surgidas foi a de quem seria o pai ou mãe de direito, ou seja, quem iria constar no registro de nascimento da criança?

A exigência de que o nome de apenas um dos pais constasse na certidão de nascimento parecia ser injusto com o outro parceiro, uma vez que ambos faziam papel de pais de fato. Daí começaram as discussões acerca da real necessidade de se escolher entre um e outro.

Surgiu então a multiparentalidade ou pluriparentalidade, ou seja, a possibilidade de a criança ter direito ao reconhecimento de dois pais, duas mães ou dois pais e duas mães. Tal teoria nasceu com o intuito de zelar, especialmente, pelo bem estar da criança que vê em mais de um indivíduo a figura paterna e/ou materna.

A infância é o período em que a criança está se desenvolvendo física e psicologicamente, razão pela qual não há como impor que a mesma indique apenas uma pessoa como seu pai. Ademais, quando nos remetemos à figura paterna e materna, notamos quão injusto para o casal é ter que decidir qual deles será reconhecido como pai.

Na verdade, a evolução social impulsiona o direito e daí surgem soluções ousadas que há poucos anos era inimagináveis. A multiparentalidade é um grande avanço no mundo jurídico, pois, embasada nos princípios da dignidade da pessoa humana, da afetividade e do melhor interesse do menor, possibilita que uma criança tenha reconhecidamente dois pais, duas mães e mais de quatro avós.

A pluriparentalidade é vista como certo receio por parte das pessoas quando não observada sob a lógica afetiva. Basta observar a relação de amor, carinho e respeito existente numa família formada por um casal homoafetivo e uma criança que os indica como pais para compreender que seria injusto para todos os envolvidos no caso a imposição da escolha. É preciso compreender que, assim como não temos o poder de escolher nossos pais biológicos, os adotados não podem decidir por apenas um.

Com posicionamento favorável à inclusão do nome de ambos os pais, Ana Carolina Brochado TEIXEIRA e RODRIGUES, 2010. P.89-105 afirmam que:

A multiparentalidade inaugura um novo paradigma do Direito Parental, no ordenamento brasileiro. Para que ela se operacionalize, contudo, é necessário que seja exteriorizada através de modificações no registro de nascimento. [...] O registro não pode ser um óbice para a sua efetivação, considerando que sua função é refletir a verdade real; e, se a verdade real concretiza-se no fato de várias pessoas exercerem funções parentais na vida dos filhos, o registro deve refletir esta realidade.

Os efeitos da multiparentalidade são praticamente os mesmos da biparentalidade. Sendo assim, os filhos com dois pais ou duas mães têm os mesmo direitos que aqueles nascidos em família tradicionais, como por exemplo, direito à herança de ambos, ao sobrenome de cada um dos pais, caso queira, à pensão alimentícia de ambos na medida de suas necessidades e possibilidades.

A multiparentalidade vem ganhando força nos tribunais superiores, pois no caso concreto é analisado em primeiro lugar o afeto entre a criança e os pais. O menor é colocado em patamar superior respeitando as previsões da Constituição Federal e do Estatuto da Criança e do Adolescente, razão pela qual toda decisão é tomada com base no seu bem estar.

Em todos os casos são analisadas as relações da criança com a família e, sendo reconhecida a multiparentalidade apenas quando comprovada que o casal atua como pai e a menor os indique como tal.

Portanto, mais uma vez fica nítida que a adoção por pares homoafetivos não prejudica em nada a criança. Ao contrário, o direito vem se aperfeiçoando para dar mais conforto à vida dos menores que sofrem com os ditames sociais injustos.

5.2 POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIAL

A maioria dos doutrinadores, com base nos princípios constitucionais e no realismo jurídicos, posicionam-se a favor da possibilidade da adoção por casais homoafetivos, bem como o reconhecimento da teoria da multiparentalidade visando a satisfação da criança.

O primeiro caso de adoção homoafetiva no Brasil foi a da menina Theodora que mora na cidade de Catanduva, no interior de São Paulo. Vejamos trecho da reportagem que trata da adoção homoafetiva que pareceu ser espantoso à época:

A menina que tem dois pais

Os cabeleireiros paulistas Vasco Pedro da Gama Filho, de 35 anos, e Júnior de Carvalho, de 43, são pais de Theodora, de 5 anos. Eles conseguiram adotar a garota no ano passado. Foi o primeiro caso de adoção por um casal gay no Brasil. "O que nos ajudou foi a mudança na mentalidade das pessoas, sentimos que o preconceito contra a homossexualidade diminuiu muito", diz Gama Filho, que, junto com seu companheiro, vai à reunião de pais e mestres e freqüenta festas na escola da filha. No espaço destinado à filiação da certidão de nascimento de Theodora (abaixo), ambos aparecem como pais. (RAZAKI, 2007, s. p.).

Após o caso mencionado os tribunais de alguns estados passaram a se posicionar a favor da adoção homoafetiva pautados nos princípios constitucionais e na ausência de lei proibitiva. Com a pressão social e as divergências de alguns tribunais estatais, o STF se posicionou e deferiu a adoção homoafetiva que se arrastava desde o ano de 2005 no Estado do Paraná.

Há uma máxima que impede o retrocesso, razão pela qual o preconceito por parcela da população não pode mais intervir nas decisões judiciais que devem ser pautadas no princípio da liberdade. Não é possível também que sejam desfeitas as famílias homoparentais devidamente reconhecidas pela Corte Suprema e que foram constituídas com base no afeto. A adoção é uma realidade para muitos casais homossexuais no mundo inteiro e o preconceito não pode mais ser um impasse para que a concretização do sonho de muitas famílias que desejam ter filhos.

Como consequência da evolução a multiparentalidade vem ganhando força nos tribunais, e em respeito aos princípios da afetividade, da dignidade da pessoa humana e do melhor interesse da criança vem sendo reconhecida, conforme trecho da decisão abaixo (Rondônia, 2012):

No tocante à questão jurídica e de fundo desta demanda, a discussão da existência de dois pais no assento de nascimento da criança tem tomado corpo nos últimos anos. A relevância da relação socioafetiva, que em certos casos, se sobrepõe à biológica, tem autorizado o reconhecimento da existência de ambos os vínculos. Em caso como o presente, em que o pai registral resolveu reconhecer a paternidade da criança, mesmo sabedor da inexistência do vínculo sanguíneo, e durante longos anos de sua vida lhe prestou toda assistência material e afetiva, não abandonando-a, mesmo após a separação da genitora, merece respeito e reconhecimento pelo Estado. [...] Diante de todo o exposto e a singularidade da causa, é mister considerar a manifestação de vontade da autora no sentido de que possui dois pais, aliado ao fato que o requerido M. não deseja negar a paternidade afetiva e o requerido E. pretende reconhecer a paternidade biológica, e acolher a proposta ministerial de reconhecimento da dupla paternidade registral da autora. Posto isso, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido inicial formulado por A. A. B. em desfavor de M. DA S. B. e E. DA S. S., e o faço para manter a declaração de paternidade de M. da S. B. em relação à autora perante o registro civil, e também declarar E. da S. S. o pai biológico da autora.

Assim, a adoção homoafetiva vem se tornando uma realidade e ganhando o devido respeito que tanto foi aguardado pelo casais que optaram por se relacionarem com parceiros do mesmo sexo.

6. CONCLUSÃO

O presente trabalho abordou a questão da adoção por pares homoafetivos.

Buscou-se com este trabalho sustentar a possibilidade jurídica da adoção homoafetiva, tendo em vista que está vastamente embasada em princípios constitucionais. Para isso realizamos estudos acerca da evolução do conceito de família e da adoção o que demonstrou quão dinâmica é a sociedade.

A compreensão de família e seus entes passaram a ser modificados ao longo da história, pois para cada época há a padronização do modelo de entidade familiar. Uma das grandes mudanças ocorridas ao longo dos anos foi exatamente a adoção que deixou de ser direito dos adotantes que objetivavam simplesmente aumentar a família, passando a ser uma oportunidade do adotado a ter um lar com afeto.

O afeto ganhou destaque no nosso trabalho porque passou a ser reconhecido como elemento essencial para a formação de nova família. Desta forma, o princípio da afetividade previsto implicitamente na Constituição Federal é dos principais meios de solução dos conflitos familiares.

Com a força do elemento afeto surgiram novos modelos de família, dentre eles a família homoparental formada pela união de pessoas do mesmo sexo com seus filhos. O reconhecimento do casamento homoafetivo pelo STF foi um grande avanço para nossa sociedade que há muito aguardava por soluções para os conflitos envolvendo homossexuais que afirmavam ter os mesmos direitos que heterossexuais.

A decisão da Corte Suprema encerrou a discussão sobre o reconhecimento da união homoafetiva, mas não impediu novos questionamentos sobre as consequências do casamento entre pessoas do mesmo sexo, principalmente quando se refere à possibilidades de adoção.

Quanto à adoção analisamos sua evolução no ordenamento jurídico brasileiro e verificamos que a criança e o adolescentes eram vistos como meio de satisfação dos adotantes e hoje são fins em si mesmo. Ou seja, o essencial no processo de adoção e a confirmação de bem estar do adotado, pois a colocação em família substituta é exceção apenas para que o menor fique em melhor situação do que a que estava vivendo.

O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê como uma das possibilidades de colocação do menor em família substituta a adoção. Tal procedimento ainda é bastante demorado no Brasil, embora já seja uma realidade para milhares de famílias. A burocracia no processo de adoção se justifica no fato de que o Estado, bem como toda a sociedade, conforme previsão constitucional, é responsável pelo desenvolvimento da criança em todos os sentidos.

A adoção é um ato de amor que coloca o adotado na situação real de filho sem qualquer distinção. É inadmissível atualmente a identificação de uma criança como adotada como comumente era feito há algumas décadas, pois fere previsão constitucional. Além disso, é assegurado ao adotado todos os direitos tal como ao filho biológico.

A homoafetividade vem se tornando um assunto mais comentado aos poucos, porém sempre com receio porque o preconceito está enraizado na nossa sociedade. Apesar de sempre ter existido a homossexualidade, há um certo receio em se posicionar a favor do reconhecimento das famílias homoparentais, pois existe uma tendência a discriminá-las por não seguirem os ditames preexistentes.

A adoção homoafetiva vem ganhando força no tribunais superiores, no entanto ainda existem muito críticas embasadas em mitos de que a convivência de uma criança com um casal homossexual causaria prejuízos. Tais justificativas não tem qualquer fundamentação, visto que jamais foi comprovada qualquer relação entre a opção sexual e a convivência com pais gays. Se assim o fosse seria impossível que o filho de um casal heterossexual com quem sempre teve convivência pudesse optar por se relacionar com pessoas do mesmo sexo. Sendo assim, cai por terra qualquer argumento nesse sentido tendente a impedir a adoção homoafetiva.

O Supremo Tribunal Federal manifestou posicionamento favorável à adoção por pares homoafetivos embasado nos princípios da afetividade, liberdade de expressão, igualdade e dignidade da pessoa humana. Outro importante princípio a ser considerado no caso em questão é o melhor interesse do menor, visto que é exatamente em prol do bem estar do adotado que o Estado autoriza a adoção por um casal disposto dar amor independente se serem ou não do mesmo sexo.

Ultrapassada a discussão acerca da possibilidade da adoção por casais homossexuais, surgem as consequências de seu deferimento e dentre essas está a dúvida sobre quem irá figurar como pai no registro de nascimento do menor. Nasce então a teoria da multiparentalidade, ou seja, a possibilidade da coexistência da relação entre dois pais, duas mães e o filho.

A pluriparentalidade vem sendo reconhecida pela jurisprudência, pois não há qualquer norma que proíba a existência de dois ou mais pais na certidão de nascimento da criança. Na verdade, as decisões judiciais apenas atendem aos anseios da sociedade que há muito presencia relacionamentos entres pessoas do mesmo sexo que são injustiçadas pelo simples fato de não haver previsão legal que solucione seus conflitos.

Portanto, as mudanças sociais e os princípios fundamentais somados ao posicionamento do guardião da Constituição Federal confirmam que a adoção homoafetiva é plenamente válida, principalmente porque atende à exigência basilar para a construção de uma família: existência do afeto.

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Sobre a autora
Francisca Dulcieline de Paula Lino

Estudante de Direito da Faculdade Luciano Feijão - FLF.

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