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A natureza jurídica da concessão para exploração de petróleo e gás natural

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31/07/2004 às 00:00
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6.O Aspecto Econômico da Concessão Mineral

Prevalece, entre nós, o entendimento doutrinário de que a concessão mineral é, eminentemente, uma concessão industrial. Examine-se, a propósito, o sentido jurídico dos conceitos de pesquisa, lavra e aproveitamento que se extrai das disposições constitucionais e legais aplicáveis, genericamente, às atividades de exploração e de aproveitamento dos recursos naturais do subsolo.

Para fins de análise comparativa, no que tange ao setor de petróleo e gás, note-se que, segundo o disposto no art. 14 do Código de Mineração (Decreto-lei nº 227, de 28/02/67), "entende-se por pesquisa a execução dos trabalhos necessários à definição da jazida, sua avaliação e a determinação da exeqüibilidade do seu aproveitamento econômico". Por seu turno, o art. 36 do referido Código define a lavra como "o conjunto de operações coordenadas objetivando o aproveitamento industrial da jazida desde a extração das substâncias minerais úteis que contiver até o beneficiamento das mesmas".

Ora, como visto, ambas as atividades – pesquisa e lavra – têm como objetivo básico o aproveitamento econômico ou industrial da jazida, aspecto esse vinculado, necessariamente, à busca legítima de lucro, que é um característico inerente à empresa privada. Lembre-se, a propósito, que de conformidade com o art. 170 da Constituição Federal, a ordem econômica tem como fundamentos a valorização do trabalho e a livre iniciativa. Ao Estado, portanto, é estranho, ou, pelo menos, não fundamental, esse mesmo objetivo de lucro, que é típico da atividade econômica. É exatamente por isso que a política do Estado moderno tende, cada vez mais, a ceder a busca desse objetivo à iniciativa privada.

Por outro lado, a norma inserta no art. 176 da Carta Política, que reserva a exploração e o aproveitamento dos recursos minerais aos brasileiros ou a "empresa constituída sob as leis brasileiras", deve ser, igualmente, interpretada em função do seu objetivo econômico, que é, na realidade, o elemento básico que justifica o cometimento dessas atividades à iniciativa privada (CF, art. 170).


7.Os Recursos Naturais como Bens de Propriedade do Estado

Vale, entretanto, lembrar que, de acordo com a Constituição, a pesquisa e a lavra os recursos naturais do subsolo, assim como o aproveitamento dos potenciais de energia hidráulica, devem ser efetuados com vistas ao atendimento do interesse público (CF, art. 176, § 1º).

A Advocacia-Geral da União, em parecer aprovado pelo Presidente da República, fixou essa orientação, nos seguintes termos:

"Os recursos minerais, que, em última análise, pertencem ao povo, devem ser explorados visando ao interesse nacional (§ 1º do artigo 176 da Constituição), para satisfazer as necessidades coletivas."

(Parecer AGU/MF-2/95, de 08.08.95, publicado no DOU de 16.08.95).

Destaque-se, ainda, que a Constituição estabelece expressamente em seu art. 20, inciso IX, que pertencem à União "os recursos minerais, inclusive os do subsolo", princípio esse que é reiterado no caput art. 176. O mesmo art. 20, no inciso IV, inclui, também, entre os bens da União "os recursos naturais da plataforma continental e da zona econômica exclusiva".

A respeito desse tema, registre-se o magistério de JOSÉ GASCON Y MARIN, (in "Tratado de Derecho Administrativo"):

"O domínio público pode ser considerado como uma verdadeira propriedade? Desde logo, pode-se afirmar que se, a palavra propriedade for entendida no sentido civil corrente, o domínio público não pode ser incluído na mesma noção geral de propriedade no sentido civilista. (...) É certo que os bens de domínio público estão colocados sob a autoridade exclusiva do Estado; mas o uso dos mesmos, a verdadeira utilização desse domínio, em nada se assemelha ao uso e à utilidade dos bens do domínio privado. Ao regular, o Estado não utiliza em proveito pessoal o bem que está afeto a um serviço público; mais do que um direito de proprietário, exerce a ação de Poder Público, a função de polícia, de regulamentação jurídica."

Por sua vez, ao estabelecer uma distinção entre os bens dominiais de uso comum e os bens dominiais de uso privativo, leciona MARCELLO CAETANO (in "Manual de Direito Administrativo") que:

"O uso privativo caracteriza-se por ser consentido a uma ou algumas pessoas determinadas, com base num título jurídico individual. Ao passo que o uso comum é consentido a todos ou a uma generalidade de particulares, o uso privativo desta ou daquela parcela dominial é apenas consentido, em exclusivo, a pessoas determinadas, que ficam com o direito de privar qualquer outra pessoa da utilização que lhes foi permitida. Por outro lado, enquanto o direito ao uso comum é conferido diretamente pela norma jurídica geral e abstrata, o direito ao uso privativo só se constitui por título especial - ato administrativo ou contrato – a favor deste ou daquele indivíduo."

Abordando especificamente as concessões para exploração de bens dominiais, anota, ainda, o mesmo autor:

"Nas concessões de exploração dá-se a transferência de direitos da pessoa coletiva de direito público, a quem pertence o domínio, para outra pessoa, singular ou coletiva, a fim de que esta exerça esses direitos gerindo as coisas públicas por sua conta e risco mas de modo a obter-se a utilidade pública que constitui o fim específico das coisas. O titular da concessão de aproveitamento é um mero utente; o concessionário da exploração do domínio é um gestor que se encarrega de proporcionar ao público o uso das coisas que lhe estão confiadas, de acordo com a natureza delas. (...) Há as concessões de exploração com caráter autônomo, como é o caso das concessões mineiras. De fato, os jazigos minerais, como as nascentes mineromedicinais, pertencem ao Estado; mas este, mediante a concessão, transfere seus direitos de exploração para um particular, que gere os bens fruindo-os de acordo com a sua natureza e destino."

Finalmente, sobre esse mesmo tema, assim observa QUEVEDO VEGA:

"Entendemos que os bens de domínio público não encerram uma relação de propriedade, mas sim de posse, que traz como conseqüência certas prerrogativas jurídicas a favor do Estado". (...) O destino desses bens não é o de servir ao Estado, como pessoa jurídica, mas sim aos cidadãos e, por isso, estão adstritos a um serviço comum e público, que os impede de ser objeto de uma verdadeira apropriação pelo Estado ou por particulares. A relação que juridicamente tem o Estado com esses bens lhe é conferida por ser o representante jurídico da sociedade. Por isso, estão sob a salvaguarda do Estado para cumprir fins de uso, serviço ou interesse geral. Portanto, o direito que tem o Estado sobre as minas é de Direito Público. As minas são bens de domínio público, antes da concessão, por estarem destinadas ao fomento da riqueza nacional. É por esse motivo que o Estado, mesmo quando concede a um particular a exploração das minas, se reserva o direito de inspeção permanente dos trabalhos de lavra."


8.A Concessão Mineral no Direito Brasileiro

No Brasil, a doutrina e o direito positivo adotaram, essencialmente, o mesmo entendimento visto nas manifestações acima transcritas para moldar o sistema legal que regula, no nosso País, a exploração e o aproveitamento dos recursos naturais do subsolo. Vejamos, em resumo, as diretrizes básicas desse sistema.

De acordo com a legislação brasileira, a concessão mineral atribui um direito exclusivo a um ente privado para explorar e usar uma determinada jazida, desde que este atenda a certos requisitos técnicos, jurídicos e econômicos previstos em lei. Ressalte-se, entretanto, que, uma vez outorgada a concessão, deve o interessado cumprir permanentemente as obrigações que a lei e os regulamentos lhe impõem para que essa titularidade seja mantida em seu patrimônio. Por outro lado, tal direito é oponível erga omnes a fim de proteger a exclusividade que o título deve assegurar ao concessionário. Assim, a concessão mineral confere um direito exclusivo e excludente à exploração integral da jazida, de acordo com determinadas normas legais e regulamentares, transmitindo ao respectivo titular um complexo de direitos e obrigações doutrinariamente denominado de estatuto legal do concessionário.

Lembre-se, porém, que a concessão minerária não envolve uma propriedade, por mais especial que seja, mas um direito real de exploração estruturado administrativamente. Isso porque o Estado, titular do domínio sobre os recursos naturais, conserva a sua propriedade mesmo depois do ato de outorga da concessão, transmitindo ao concessionário apenas o direito de exploração, de caráter real, oponível erga omnes e erga qualescumque, que permite a execução dos trabalhos de pesquisa e de lavra sob as condições previstas em lei. Ressalte-se, ainda, que esse direito incorpora, necessariamente, uma certa estabilidade, que permite ao seu titular explorar a jazida, em caráter perpétuo, com a exclusividade e os demais privilégios que a lei lhe atribui. Mas a concessão mineral opera-se legalmente "ex re sua" (até a exaustão da jazida); "ex voluntate" (renúncia ou abandono); por inadimplemento do concessionário; ou por interesse público, nesse caso mediante expropriação, na forma da lei.

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A relativa estabilidade desse direito, que garante a necessária segurança dos investimentos realizados nas atividades de exploração do subsolo, é descrita por QUEVEDO VEGA como uma tentativa do legislador de "conciliar a precariedade inerente a um direito de natureza pública com a prerrogativa do concessionário de beneficiar-se da jazida em condições semelhantes à da propriedade privada". Após anotar, também, que "o direito de exploração mineral confere ao seu titular todas as vantagens da propriedade, mas com limitações de ordem social intensas", o citado autor assim resume a natureza jurídica da concessão mineral:

"Trata-se de um direito real de gozo, exaustivo, sui generis, cujo conteúdo e regime são definidos em lei, ainda que apresente analogias com outras instituições. Sua estrutura administrativa permite conciliar a sua precariedade com a elasticidade necessária a distintas situações econômicas. Permite ao seu titular a exploração exclusiva da mina, perante a Administração e terceiros. Em face da Administração, goza de garantias legais e de uma situação estável, cuja precariedade não se manifesta a não ser por força dos prazos legais e da possibilidade de revogação em determinados casos. Esse direito permite ao concessionário extrair os minerais, com características de perpetuidade, desde que cumpridas as condições estabelecidas na lei e nos regulamentos administrativos."

Como visto, a concessão minerária apresenta contornos que muito a aproximam da propriedade privada, sem com esta, entretanto, confundir-se. De fato, a concessão cria, a favor do particular, o que a doutrina intitula de um direito público subjetivo, vinculado a bens cuja apropriação é, em princípio, vedada ou está rigorosamente fixada em lei. A essência, pois, da concessão mineral é a garantia de que é possível apropriar-se dos recursos do subsolo, desde que na forma e sob as condições expressamente previstas em lei. Essa garantia pode, no entanto, ser afetada quando se encontrar comprometido o interesse nacional (CF, art. 176, § 1º). Excluída essa hipótese, o concessionário pode usar, gozar e dispor livremente da concessão mineral, sem quaisquer limitações ou obrigações além daquelas previstas em lei.

Da forma como inscrito na Carta Política, o conceito de interesse nacional abrange toda e qualquer atividade exploratória do subsolo, independentemente de quem a exerça, tal a sua relevância estratégica para o desenvolvimento econômico e para a segurança do País. Por isso, cabe ao Estado, como representante da Nação - titular do domínio sobre os recursos naturais - não apenas a competência de outorgar os títulos de concessão, mas também a de intervir nas atividades exploratórias sempre que houver qualquer afronta aos requisitos legais e regulamentares ou quando assim o ditar o interesse nacional.

Vale, ainda, ressaltar que o art. 176, caput, do Estatuto Político, garante ao titular da concessão mineral "a propriedade do produto da lavra." Quanto a esse aspecto, merece registro, no direito pátrio, o seguinte ensinamento do saudoso mestre HELY LOPES MEIRELLES (in "Curso de Administrativo"):

"Erige-se (a concessão de lavra) numa verdadeira property, tal como é considerada no direito anglo-saxão, com valor econômico proporcional ao da jazida, uma vez que a concessão faculta a exploração do minério, pelo concessionário, até o exaurimento da mina, e é alienável e transmissível a terceiros que satisfaçam as exigências legais e regulamentares da mineração. O título de concessão de lavra é, pois, um bem jurídico negociável como qualquer outro, apenas sujeito às formalidades da legislação minerária do País. O seu valor econômico integra-se ao patrimônio do titular e é comerciável, como os demais bens particulares. Daí por que, toda vez que a União suprime ou restringe a concessão, fora dos casos de caducidade previstos no Código de Mineração, fica obrigada a indenizar o concessionário da lavra."

Assim, a concessão minerária é a transferência de direitos patrimoniais do Estado para um ente privado, a fim de que este possa utilizar e gerir, por sua conta e risco, um determinado recurso natural, com direito de exclusividade e perpetuidade, desde que respeitadas as condições fixadas em lei e a consecução da utilidade pública que constitui a finalidade básica da concessão.

Ressalte-se, finalmente, que a exploração do subsolo brasileiro constitui-se no uso privativo de um bem público, razão pela qual esse direito está condicionado a uma atividade constante e à lavra eficiente da jazida, em respeito aos princípios da finalidade e da destinação do bem público. Por isso, no Direito brasileiro, o domínio privativo das jazidas em geral só pode ser mantido pelo trabalho permanente do concessionário, sendo, por isso mesmo, um direito resolúvel nos casos de infração legal ou contratual (dominium ad laborandum).

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Sobre o autor
Alfredo Ruy Barbosa

advogado, sócio do Escritório Veirano Advogados

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARBOSA, Alfredo Ruy. A natureza jurídica da concessão para exploração de petróleo e gás natural. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 389, 31 jul. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5521. Acesso em: 19 dez. 2024.

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