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A natureza jurídica da concessão para exploração de petróleo e gás natural

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31/07/2004 às 00:00
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9.A Formação Geológica do Petróleo e do Gás Natural

De todos os bens naturais aproveitados pelo homem, desde a mais remota Antigüidade, o petróleo é, sem dúvida, o produto que realizou a trajetória mais extensa e vertiginosa, vindo a transformar-se num verdadeiro ouro líquido, hoje ferozmente cobiçado pelo relevante papel que desempenha no mundo moderno.

A longa batalha sustentada pelas nações para conquistar o domínio das suas riquezas naturais marcou o início de uma nova ordem jurídica internacional, que encontra na legislação do petróleo uma das suas mais relevantes manifestações. Veremos adiante a evolução desse direito no nosso País. Antes, porém, é válido e oportuno esclarecer os operadores do Direito quanto à origem natural do petróleo.

Em seu livro "An Introduction to the Regulation of the Petroleum Industry", ensina BERNARD TAVERNE que o petróleo deriva de uma combinação de substâncias compostas de hidrocarbonetos e de outros elementos não-hidrocarbonetos, de natureza química, orgânica, mineral e até vegetal, quando presentes determinadas condições geológicas no interior do subsolo. Assim gerado nas formações rochosas subterrâneas, o petróleo migra, em seguida, através da porosidade dessas rochas, obedecendo à força da gravidade e da capilaridade, até o local onde se acumula, formando, então, o reservatório. Por isso, essas substâncias fugitivas e errantes por natureza podem, às vezes, aparecer em locais bem distantes da real situação da jazida.

O petróleo pode, também, emergir na superfície do solo onde evapora ou se acumula parcialmente, formando verdadeiros lagos de asfalto ou reservas de areia betuminosa. De acordo com as condições atmosféricas locais, o petróleo que emerge na superfície pode assumir a forma sólida (betume ou asfalto), líquida (óleo cru e outros condensados, genericamente chamados de óleo) ou gasosa (gás natural).

Conforme leciona, ainda, TAVERNE, o gás natural é, por sua vez, gerado em associação com certos tipos de óleo (gás associado) ou com carvão (gás não associado), sendo que o gás produzido nas camadas subterrâneas de carvão pode ficar parcialmente retido por trás das reservas carboníferas, sob a forma de gás metano. Dependendo da sua origem, o gás pode conter um grande volume de outros gases constituídos de elementos não-hidrocarbonetos, tais como os gases inertes (hélio) ou os gases não-inflamáveis (dióxido de carbono e nitrogênio). O gás natural pode, ainda, surgir sob forma líquida, sendo assim denominado de GNL – Gás Natural Líquido (o gás rico) ou, também, de petróleo líquido. Portanto, a qualidade do gás natural depende essencialmente do seu conteúdo de hidrocarbonetos, de vez que a presença de gases não-inflamáveis reduz o seu valor calorífico e, em conseqüência, o seu valor econômico.

Por seu turno, o valor econômico do óleo cru depende não apenas da sua densidade ou gravidade, mas também da sua qualidade. As duas primeiras características são medidas em graus API (sigla de American Petroleum Institute) numa escala que classifica os diversos óleos como ultra leves (com números altos de API) e como leves, médios ou pesados (com números baixos de API). Já a qualidade do óleo é determinada pela presença, maior ou menor, de certas substâncias nele encontradas (enxofre e outros elementos metálicos).

Um estudo elaborado pela Universidade do Texas, em Austin ("Fundamentals of Petroleum", 1981, publicado pelo Petroleum Extension Service), ensina, ainda, que os reservatórios rochosos são, na verdade, containers que detêm, normalmente, outros fluidos além do petróleo e do gás, como, por exemplo, a água. Alguns desses fluidos migram, juntamente com o gás, para a parte superior do reservatório, enquanto o óleo e a água ficam depositados na parte inferior, tal como se comportam o azeite e o vinagre nos molhos de saladas.

Os reservatórios considerados comerciais, além de amplos e suficientemente rígidos para conter grandes volumes de petróleo e gás, devem, também, possuir uma porosidade e uma permeabilidade que permitam o livre movimento do óleo e do gás através dos poros das rochas subterrâneas. Assim, esses grandes espaços porosos podem conter apenas água; ou água e óleo; ou, ainda, água, óleo e gás.

Evidentemente, as companhias de petróleo preferem os reservatórios que contêm esses três últimos elementos, não só pela óbvia importância econômica do petróleo e do gás, mas também pelo fato de que a água, quando submetida a pressão, ajuda a remover essas substâncias para a superfície.

Portanto, a comercialidade de um reservatório depende da conjugação de todos esses fatores: pressão, porosidade e permeabilidade do reservatório, o qual deverá, ainda, possuir um selo ou lacre suficientemente rígido para reter o petróleo e o gás no seu interior.

À guisa de mera curiosidade histórica, registre-se que a primeira decisão judicial de que se tem notícia desde os primórdios da indústria do petróleo ocorreu nos Estados Unidos, em 1854, no Estado de Kentucky (Hail vs. Reed, 54 Ky – 333), num caso pioneiro em que se discutiu o direito de propriedade sobre o petróleo e o gás. O empreendedor de um projeto de exploração de sal, tendo descoberto petróleo em um determinado ponto de perfuração, reclamou para si o direito de recuperar "três barris de óleo, contendo cada um 40 galões, a US$ 1,25 por galão". Negando o pedido, a Corte decidiu que o petróleo era um "líquido peculiar, nem necessário nem adequado ao uso comum do homem." Além de curioso, esse episódio contém um sentido bastante significativo, que deixamos aqui registrado para reflexão de todos aqueles que se dedicam ao estudo do Direito do Petróleo, em nosso País.


10.O Tratamento Jurídico dado no Brasil à Concessão no Setor de Petróleo

Divergem as opiniões técnicas a respeito da origem natural do petróleo – se química, orgânica ou não-orgânica. Entretanto, a grande maioria dos geólogos e engenheiros do setor petrolífero tratam-no como uma substância mineral. Vale notar, a propósito, que, em seu valioso estudo "La Histoire Mondiale du Pétrole", JEAN-JACQUES BERREBY, reforçando esse entendimento, lembra que o termo "petróleo" deriva da palavra latina petroleum: o óleo da pedra.

A despeito dessa controvérsia técnica, o fato é que o legislador brasileiro optou por tratar de forma análoga todos os recursos naturais gerados no subsolo, submetendo-os, sem qualquer distinção, aos mesmos princípios e regras gerais. Por isso, o petróleo foi sempre tratado, juridicamente, no Brasil, como uma substância mineral. De fato, o Código de Minas, promulgado pelo Decreto nº 24.642, de 10 de julho de 1934, estabelecia, em seu Título VIII – Das Jazidas de Petróleo e Gás Natural - as normas básicas que disciplinavam as atividades de pesquisa e de lavra dessas jazidas. As rochas betuminosas e piro-betuminosas, bem como o petróleo e o gás natural, eram classificados, respectivamente, como minerais das Classes IX e X (Capítulo I – Jazidas e Minas: sua classificação e aproveitamento, art. 2º).

Por sua vez, o Código de Minas, promulgado pelo Decreto-Lei nº nº 1.985, de 29 de janeiro de 1940, que revogou e substituiu integralmente o Código anterior, manteve, todavia, a mesma classificação antes conferida ao petróleo e ao gás.

Além disso, estabelecia aquele Código o seguinte:

"Art. 78. As leis que se refiram especialmente ao aproveitamento industrial das jazidas das Classes IX e X continuam também em vigor, sujeitas porém a uma revisão para adaptar-se ao sistema e à terminologia deste Código.

Art. 79

. Compete ao Conselho Nacional do Petróleo a execução deste Código no que se refere às jazidas das Classes IX e X."

Vale ressaltar que, quando foi editado o Código de Minas de 1940, encontravam-se já em vigor os Decretos-Leis nº 395 e 538, de 29 de abril de 1938 e de 7 de julho de 1938, respectivamente, que declararam de utilidade pública o abastecimento nacional de petróleo, nacionalizaram a industria de refinação e criaram o CNP - Conselho Nacional do Petróleo. Lembre-se, por oportuno, que o Código de Minas de 1940 vigorou até 15 de março de 1967, data em que foi promulgado o Código de Mineração ainda vigente (Decreto-lei nº 227, de 28.02.67).

Fica, assim, evidenciado que o nosso Direito sempre dedicou, historicamente, ao petróleo e ao gás natural o mesmo tratamento jurídico aplicável aos recursos minerais propriamente ditos. Note-se, ainda, que os princípios constitucionais e legais que regem a exploração e o aproveitamento do petróleo e do gás natural, em nosso País, assim como a terminologia jurídica aplicável a essas atividades, mantêm-se integralmente preservados até o momento atual, como veremos a seguir.

De fato, a Constituição Federal, em seus arts. 176 e 177, assim como a Lei do Petróleo (Lei nº 9.478, de 06.08.1997), em seu art. 6º (Das Definições Técnicas), utilizam a mesma terminologia originalmente adotada na nossa legislação tanto para os minérios em geral como para o petróleo e o gás. O art. 176 da Constituição determina, em seu caput, que "as jazidas, em lavra ou não, e demais recursos minerais (...) constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e pertencem à União, garantida ao proprietário do solo a propriedade do produto da lavra."

Por seu turno, a Lei do Petróleo assim define os seguintes termos:

a) "Reservatório ou Depósito – configuração geológica dotada de propriedades específicas, armazenadora de petróleo ou gás, associados ou não." (art. 6º, inciso X)

b) "Jazida - reservatório ou depósito já identificado e possível de ser posto em produção." (art. 6º, inciso XI)

c) "Pesquisa ou Exploração – conjunto de operações ou atividades destinadas a avaliar áreas, objetivando a descoberta e a identificação de jazidas de petróleo ou gás natural." (art. 6º, inciso XV)

d) "Lavra ou Produção – conjunto de operações coordenadas de extração de petróleo ou gás natural de uma jazida e de preparo para sua movimentação." (art. 6º inciso XVI)

Esse entendimento é, igualmente, sustentado pelo insigne mestre CARLOS ARI SUNFELD, em seu artigo "Regime Jurídico do Setor de Petróleo" (in "Direito Administrativo Econômico"), nos seguintes termos:

"O conceito de depósito (ou reservatório) nos conduz ao de jazida, este último presente na Constituição (arts. 22, XII, 176, caput, e 177, I). O depósito representa a área em que há petróleo e gás, mas ainda sem identificação ou sem condições de ser posto em produção imediata. O conceito de jazida, por sua vez, é utilizado para designar depósitos aptos à exploração, por já estarem determinados."

Referindo-se ao art. 176 da Constituição, anota o mesmo autor:

"Vale ressaltar, novamente, que a Constituição trata, aqui, das jazidas em geral."

Parece, portanto, não restar dúvidas quanto ao tratamento legal-jurídico adotado, no Brasil, para o petróleo e o gás natural, tanto pelo legislador constituinte como pelo legislador ordinário. Por essas razões, não hesitamos em afirmar que se aplicam à concessão para a pesquisa e a lavra de petróleo e gás natural, em nosso País, os mesmos princípios constitucionais, legais e doutrinários que disciplinam e orientam a concessão mineral propriamente dita, conforme acima exposto.

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11.O Regime do Monopólio Estatal no Setor de Petróleo e Gás

O monopólio estatal sobre determinado setor econômico visa à proteção do interesse público, tendo, portanto, caráter defensivo e não lucrativo. Esse é o principal aspecto que o distingue do monopólio privado, cujo objetivo é diametralmente oposto. Esclareça-se, todavia, a distinção entre monopólio e privilégio.

Leciona JOSÉ DOS SANTOS CARVALHO FILHO (in " Manual de Direito Administrativo", 7ª ed., Edit. Lumen Iuris, 2001) que:

"Monopólio é o fato econômico que retrata a reserva, a uma pessoa específica, da exploração de atividade econômica. (...) Privilégio é a delegação do direito de explorar a atividade econômica a outra pessoa. Sendo assim, só quem tem o monopólio tem idoneidade para conceder o privilégio."

Por sua vez, EROS ROBERTO GRAU (in "A Ordem Econômica na Constituição de 1988") anota que:

"Monopólio é a atividade econômica em sentido estrito. Já a exclusividade da prestação de serviços públicos não é expressão senão de uma situação de privilégio."

Acrescenta, todavia, o referido autor, em linha com a escola francesa, que:

"Como tenho observado, inexiste, em um primeiro momento, oposição entre atividade econômica e serviço público; pelo contrário, na segunda expressão está subsumida a primeira. (...) O serviço público constitui uma espécie de atividade econômica, cujo desenvolvimento compete de forma especial ao Poder Público. A prestação de serviço público está voltada à satisfação de necessidades, o que envolve a utilização de bens e serviços, e recursos escassos. Daí podermos afirmar que o serviço público é um tipo de atividade econômica.

Adotando o mesmo entendimento, anota ALEXANDRE DE MORAES (in "Regime Jurídico da Concessão para Exploração de Petróleo e Gás e Natural"):

"São tênues as diferenças existentes entre a prestação de serviço público e a participação na atividade econômica por parte do Estado, sob monopólio."

O art. 177 da Constituição, com a redação que lhe foi dada pela Emenda Constitucional nº 9, de 1995, manteve o monopólio da União sobre as atividades econômicas referidas nos incisos I a IV daquele dispositivo, mas criou a alternativa de o monopólio estatal não mais ser exercido, com exclusividade, pela PETROBRÁS, tal como ocorria sob o regime anterior. Assim, nos termos atuais do § 1º do art 177 da Constituição, "a União poderá contratar com empresas estatais ou privadas a realização das atividades previstas nos incisos I a IV deste artigo, observadas as condições estabelecidas em lei." Observa-se, portanto, que as atividades petrolíferas indicadas no referido dispositivo constitucional permanecem submetidas ao monopólio da União, ainda que seja atualmente possível a concessão, pelo Poder Público, de certos privilégios às empresas estatais ou privadas que preencham os requisitos previstos na Constituição e na Lei do Petróleo. Vejamos, a seguir, o alcance jurídico-legal desse novo mandamento introduzido na Constituição pela EC nº 9/1955.

Registre-se, a propósito, o seguinte comentário de CARLOS ARI SUNFELD, em seu citado artigo:

"Neste novo momento, diminuiu a relevância jurídica da distinção entre as atividades da indústria do petróleo objeto de monopólio e as que escapam desse monopólio. É que em ambos os casos é possível a atuação privada, sob regulação federal."

Abordando, também, a questão do monopólio no setor petrolífero, assim se manifesta ALEXANDRE DE MORAES:

"(...) Em virtude de imperativos de segurança nacional e de relevante interesse coletivo, a própria Constituição (art. 176) e a legislação infra-constitucional entenderam por bem prever a intervenção estatal no domínio econômico, de maneira a reservar ao Estado a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos."

Por seu turno, leciona o insigne jurista PINTO FERREIRA (in "Comentários à Constituição Brasileira") que:

"O monopólio estatal é a deliberada subtração de certas atividades privadas das mãos do particular, a fim de colocá-las sob o controle da nação por motivo de interesse público."

Merece, igualmente, registro o seguinte ensinamento de ALEXANDRE SANTOS DE ARAGÃO (in "Agências Reguladoras e a Evolução do Direito Administrativo Econômico"):

"Preliminarmente, há de se destacar que nossa Constituição em alguns casos estabelece que alguns bens são monopolizados pelo Estado, no sentido de que apenas ele pode ser seu proprietário (ex. os recursos minerais em geral, cuja propriedade é da União, que todavia, não monopoliza a sua exploração – art. 176), e, em outros, atribui com exclusividade ao Estado não apenas a propriedade do bem como a sua exploração (o caso do petróleo – art. 176 c/c art. 177)."

Historicamente, o monopólio estatal sobre as atividades petrolíferas foi instituído pela Lei nº 2.004, de 3 de outubro de1953, logo após o triunfo da famosa campanha popular que eclodiu na era Vargas sob o nome de "O Petróleo é Nosso". Além disso, a Lei nº 2.004/53 criou a PETROBRÁS e reestruturou o CNP – Conselho Nacional do Petróleo, instituído pelo Decreto-Lei nº 395, de 29 de abril de 1938, e organizado pelo Decreto-Lei nº 538, de 7 de julho de 1938. Originalmente subordinado ao Presidente da República, o CNP foi posteriormente incorporado ao Ministério de Minas e Energia pela Lei nº 3.782, de 22 de julho de 1960, incorporação essa mantida pela Lei nº 4.904, de 17 de dezembro de 1965. Mais tarde, o monopólio da União sobre o petróleo e o gás foi elevado ao nível constitucional pela Carta Política de 1967, com as alterações promovidas pela Emenda nº 1, de 1969, sendo assim mantido desde então.

É importante, entretanto, esclarecer um aspecto relevante, mas ainda pouco analisado, pertinente às novas disposições constitucionais e legais aplicáveis ao monopólio estatal sobre as atividades de exploração e produção de petróleo e gás natural. A redação dada pela EC nº 9/1995 ao § 1º do art 177 da Constituição desvinculou esse monopólio da tradicional intervenção direta do Estado no domínio econômico, com exclusividade no controle e no exercício dessas atividades, passando a caracterizá-lo como um monopólio de escolha do Poder Público, tal como o denomina ALEXANDRE DE MORAES. Em outras palavras, além de reafirmar o monopólio federal sobre o setor petrolífero, a EC nº 9/1955 conferiu, também, à União a competência de optar: a) pela realização direta das atividades de pesquisa e lavra de petróleo e gás natural sob monopólio; ou b) pela contratação dessas atividades com empresas estatais ou privadas, sob regime de concorrência.

Assim, nos termos da referida Emenda, a União permanece como titular do monopólio federal e passa a deter, paralelamente, o direito de decidir, a seu critério exclusivo, quem deverá exercer as atividades indicadas no art. 177 caput da Constituição. Isso porque – repita-se - a EC nº 9/1955 extinguiu o monopólio sobre o exercício dessas atividades, mas não sobre as próprias atividades. Em conseqüência, por motivos de interesse coletivo ou de segurança nacional, a União poderá manter sob o seu domínio e controle direto o exercício das atividades de exploração e lavra de petróleo e gás, concedendo o exercício exclusivo dessas atividades a uma empresa integrante da Administração Pública Federal.

Entendemos que, nesse caso, essa tarefa caberia, com exclusividade, à PETROBRÁS por tratar-se de uma empresa estatal, sob o controle acionário da União, com capacidade técnica, operacional, econômica e jurídica para atender aos objetivos inerentes ao monopólio federal no setor de petróleo e gás.

Assim, pelas razões acima expostas, verifica-se que a Constituição e a Lei do Petróleo prevêem tanto o exercício exclusivo e direto pela União das atividades petrolíferas sujeitas ao monopólio federal, como a contratação, em regime de concorrência, de empresas estatais ou privadas para a realização de tais atividades. Parece-nos, de fato, inegável que a EC nº 9/1995 estabeleceu, em favor da União, no interesse nacional, uma faculdade e não uma obrigação de promover a citada contratação, até porque não teria qualquer sentido jurídico a manutenção, no texto constitucional, do monopólio estatal sobre o setor de petróleo e gás.

Em reforço ao nosso entendimento, vale lembrar que o art. 5º da Lei do Petróleo, em consonância com a referida norma constitucional, dispõe que:

Art. 5º. As atividades econômicas de que trata o artigo anterior (as atividades sujeitas ao monopólio) serão reguladas e fiscalizadas pela União e poderão ser exercidas, mediante concessão ou autorização, por empresas constituídas sob as leis brasileiras, com sede e administração no País."

Além disso, recorde-se que, em sintonia com o objetivo básico do monopólio estatal no setor de petróleo, a Lei nº 8.176, de 8 de fevereiro de 1991, regulamentada, em parte, pelo Decreto nº 238, de 24 de outubro de 1991, instituiu o Sistema Nacional de Estoque de Combustíveis (SINEC), cuja finalidade é a de "assegurar a normalidade do abastecimento nacional de petróleo, de seus combustíveis derivados, de álcool destinado para fins carburantes e de outros combustíveis líquidos carburantes." (art. 1º do Decreto nº 238/91)

Observe-se que o referido Decreto Federal estabelece, ainda, o seguinte:

"Art. 2º O SINEC compreenderá:

I – a Reserva Estratégica, destinada a assegurar o suprimento de petróleo bruto e de álcool para fins carburantes quando do surgimento de contingências que afetem de forma grave a oferta interna ou externa desses produtos;

II – os Estoques de Operação, destinados a garantir a normalidade do abastecimento interno de combustíveis derivados de petróleo, bem assim de álcool etílico, anidro e hidradato, e outros combustíveis líquidos carburantes, em face de ocorrências que ocasionarem interrupção nos fluxos de suprimento e escoamento dos referidos combustíveis."

São esses, inclusive, os fundamentos legais que justificam a inserção em todos os Contratos de Concessão para Exploração, Desenvolvimento e Produção de Petróleo e Gás Natural, celebrados entre a ANP e os atuais concessionários, de uma cláusula-padrão intitulada "Abastecimento do Mercado Nacional", cujos termos são os seguintes:

" 11. 5 - Se, em caso de emergência nacional, declarada pelo Presidente da República, houver necessidade de limitar exportações de Petróleo ou Gás Natural, a ANP poderá, mediante notificação por escrito, com antecedência de 30 (trinta) dias, determinar que o concessionário atenda, com Petróleo e Gás Natural por ele produzidos e recebidos nos termos deste Contrato, às necessidades do mercado interno ou de composição dos estoques estratégicos do Pais. (...)"

É oportuno, porém, ressaltar que é muito pouco provável que o Poder Público, por razões, inclusive, de bom senso, venha a adotar, como regra, a opção de exercer diretamente as atividades de exploração e lavra de petróleo e gás em nosso País; mas, como exceção, nos casos considerados estratégicos ou de relevância para o interesse nacional, essa hipótese não deve ser afastada. Por isso, é importante que os investidores nacionais e estrangeiros tenham sempre em vista, no processo de avaliação das suas oportunidades, atuais ou futuras, que esse é o sentido jurídico-legal que claramente se extrai dos mandamentos contidos no § 1º do art. 177 da Constituição e no art. 5º da Lei do Petróleo.

Finalmente, merece ser lembrado que, em qualquer hipótese, a concessão para a exploração e aproveitamento de jazidas de petróleo e gás natural constitui uma concessão para exploração de um bem público, com as características legais acima destacadas. Por essas razões, entendemos que são as normas de Direito Público que regem tanto a realização direta como a contratação dessas atividades, lembrando, ainda, que, segundo a melhor doutrina, o contrato de concessão possui a natureza de um contrato administrativo, cujos elementos básicos são: a) a participação de uma pessoa jurídica de Direito Público num dos pólos contratuais (no caso, a União, representada pela ANP); e b) a execução de um serviço público ou a presença de cláusulas exorbitantes no contrato (este não cuida da execução de um serviço público, mas incorpora as cláusulas exorbitantes elencadas no art. 43 da Lei do Petróleo, além de outras).

Assim, como visto, foram razões estratégicas e de segurança nacional, em defesa do interesse público, que levaram o legislador constituinte a preservar, na sua essência original, o monopólio da União sobre as atividades de exploração e lavra de petróleo e gás natural em nosso País.


12.Conclusão

Ao longo da história da Humanidade, a exploração do subsolo revelou um mundo fascinante para os empreendedores e exerceu um verdadeiro fascínio entre os aventureiros, atraindo sempre a atenção e a cobiça de muitos.

Numa sociedade múltipla e globalizada, como a nossa, diversos são os interesses que se entrechocam em permanente conflito. Por isso, é fundamental, neste momento, a participação cada vez mais ativa dos juristas e advogados brasileiros no processo de evolução do nosso Direito do Petróleo, a fim de que o País possa adequar as regras institucionais do Estado às exigências da nova economia globalizada, sem perder de vista a proteção do interesse nacional. Entretanto, é forçoso reconhecer que a economia mundial exige, para segurança jurídica dos seus investimentos, regras claras e estáveis, assim como decisões oficiais transparentes, expedidas com isenção e em tempo real econômico.

Mas, para superar esse desafio com sucesso, cremos que cabe a todos os brasileiros, especialmente àqueles que atuam nas indústrias da mineração e do petróleo, o dever cívico de agir como verdadeiros defensores dos recursos naturais do nosso País.

Vale recordar que Attílio Vivacqua já advertia, em 1942, que "a civilização moderna é, na verdade, uma civilização mineral". E esclarecia: "já não basta ao homem minerar a terra. É preciso minerar o oceano, a atmosfera e, finalmente, transformar-se em alquimista porque a fome dos minerais (e aqui incluímos o petróleo) jamais se aplacará."

Ao encerramos este trabalho, gostaríamos de consignar, também, estas lúcidas e oportunas palavras do Professor DANIEL SARMENTO (in "Revista de Direito Administrativo", nº 223, jan./mar./2003):

"Quem aposta contra o enfraquecimento do Estado investe também contra a dignidade humana. Os países do capitalismo periférico, como o Brasil, não se devem deixar seduzir pelo canto da sereia do neoliberalismo, pois as suas propostas de encolhimento radical do Estado conduzem, tragicamente, ao aprofundamento das desigualdades e à formação de uma casta de párias, excluída de todos os benefícios da sociedade de consumo. Se a globalização é, de fato, irreversível, cumpre então redirecioná-la e pintá-la com cores mais humanas. É preciso globalizar também as vantagens que os incríveis avanços da ciência e da tecnologia proporcionam".

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Sobre o autor
Alfredo Ruy Barbosa

advogado, sócio do Escritório Veirano Advogados

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARBOSA, Alfredo Ruy. A natureza jurídica da concessão para exploração de petróleo e gás natural. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 389, 31 jul. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5521. Acesso em: 25 abr. 2024.

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