ASSOCIAÇÃO DE SOCORRO MÚTUO: UM ESTUDO NO ATUAL CENÁRIO BRASILEIRO

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Histórico e aspectos jurídicos das Associações de Socorro Mútuo e estudo sobre as atualidades envolvendo tais entidades.

RESUMO: Esse trabalho busca compreender a associação de socorro mútuo em sua origem e também a posição que ocupa atualmente no Brasil. A associação de socorro mútuo tem sua atividade pautada na divisão de despesas, exclusivamente entre seus membros, por meio da autogestão, além de proporcionar um sistema democrático. Tal atividade vem sendo discutida no cenário brasileiro, tanto no judiciário, quanto no legislativo. O objetivo é esclarecer sua natureza jurídica, forma da atividade e o direito positivado aplicável. Além da parte jurídica, visa a traçar alguns aspectos atuais sobre projetos de lei que tratam das associações de socorro mútuo.

Palavras-chave: Associação de socorro mútuo. Atividade. Atualidades.


INTRODUÇÃO

As associações de socorro mútuo têm origem bastante antiga, época desde a qual já existiam grupos de pessoas com interesses comuns, cuja persecução dependia da cooperação mútua entre elas, como ajuda em serviço, apoio etc. Eram entidades que tiveram um papel importante para a efetivação de direitos fundamentais e métodos democráticos, bem como da promoção da igualdade social.

A prática do associativismo foi vista, primeiramente, no século II, como por exemplo “se o membro de uma caravana perdesse seu animal sem culpa de sua parte, todos se cotizavam para repor o animal perdido” (BIGOT, 1996, apud PASQUALOTTO, 2008 p.29).

Infelizmente, por um tempo, a liberdade de associação foi restringida pelo absolutismo e mais recente pelo regime ditatorial (situação que não podemos vivenciar novamente), pois representam um sistema menor de democracia e que desenvolve direitos fundamentais. Sabendo da importância dessas entidades, após a segunda Guerra Mundial surgem inúmeros tratados internacionais que reconhecem expressamente a liberdade de associação.

Na Constituição Federal de 1988, a liberdade de associação foi tratada no título dos direitos e garantias fundamentais, no seu art. 5º, incisos XVII a XXI, que define que é plena a liberdade de associação para fins lícitos, que independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal sem seu funcionamento.

O referido texto constitucional é acerca do direito à liberdade das associações e da não interferência estatal não é passível de alteração por meio de emenda constitucional, visto que, protegido pelas cláusulas pétreas (art. 60, §4º da CF/88).

A liberdade de associação é tão importante, que a Constituição Federal intensificou o grau de proteção, vedando a interferência estatal em seu funcionamento, como prova disso, nem durante o estado de sítio é lícito suspender esse exercício.

Com o crescimento do Estado Democrático, as associações começaram a ganhar espaço, assumindo um relevante papel em nossa sociedade. No Brasil as associações começaram a ganhar espaço na década de 1980, com o fim do período militar e surgimento do cenário de luta por direitos sociais. Isso se deve aos espaços públicos de participação em que entidades sem fins lucrativos iniciam suas atividades, voltadas a suprir a falta de atuação do Estado, realizando assim seu papel democrático. Acerca do tema, o Superior Tribunal de Federal por meio do Recurso Extraordinário nº. 201819-RJ consignou o entendimento de que:

“(...) as associações privadas que exerçam função predominante em determinado âmbito econômico e/ou social, mantendo seus associados em relações de dependência econômica e/ou social integram o que se pode denominar de espaço público, ainda que não estatal”.

Esses atos de colaboração e solidariedade, base do associativismo funcionam como base do regime democrático, nesse sentido pode citar a lição de Tocqueville (1998, p. 394):

“Nos países democráticos, a ciência da associação é a ciência mãe; o progresso de todas as outras depende dos progressos daquela. Entre as leis que regem as sociedades humanas, existe uma que parece mais precisa e mais clara que todas as outras. Para que os homens permaneçam civilizados ou assim se tornem, é preciso que entre eles a arte de se associar se desenvolva e aperfeiçoe na mesma medida em que cresce a igualdade de condições”

O doutrinador Rodrigo Xavier Leonardo (2014, p. 17) diz que:

“O ambiente democrático que procura solidez em nossa história fez com que as experiências associativas ganhassem espaço e assumissem um relevante papel de organização das pessoas em torno de objetivos comuns, que dão significado, fundam e solidificam relações de pertencimento, para além do indivíduo e da sua convivência exclusivamente familiar”

Seguindo essa linha, Putnam (2002, p.103 e 104) diz que “as associações civis contribuem para a eficácia e a estabilidade do governo democrático”. Portanto, não restam dúvidas da importância do associativismo, que revelam aos associados um ideal de democracia, reciprocidade e amparo mútuo. A demonstrar essa importância do associativismo, Frantz (2012, p. 09) expõe:

“O estudo sobre associativismo, cooperativismo e economia solidária tem a preocupação com a formação de capacidade crítica. Isto é, uma capacidade criativa e inovadora de pensamentos e conceitos que permitem desenvolver melhor as habilidades e funções profissionais, as interações e ações coletivas de atores sociais de um mundo necessitado de mudanças e transformações sociais”

Lígia Helena Hahn Lüchmann (2014, p. 160) diz que

“(...) entre outras contribuições, as associações permitiram ampliar os domínios das práticas democráticas para diversas esferas da vida social, constituindo meios alternativos para dar voz as desfavorecidos em função das condições desiguais e de distribuição de dinheiro e poder”. Nessa senda, a associações tem revelado com um importante instrumento da sociedade, tornando efetivo o direito da igualdade e democracia.”

Não diferente, as associações de divisão de despesas fazem com que os associados fiquem em posição de igualdade e que todos pensem na cooperação recíproca/práticas coletivas, além de combater vícios da sociedade moderna como o individualismo.

Além das virtudes indicadas acima, o associativismo faz surgir o sustento econômico e caminha para desenvolvimento das pessoas. A título de exemplo no “ano de 1999, segundo informações publicadas no Le Monde économie, na França, as associações sem fins lucrativos foram responsáveis por 1.230.000 salários com um orçamento de 234 milhões de francos” (Xavier, 2014, p. 70).

Para se ter uma ideia, no ano de 2010 o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE e Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – IPEA divulgara um estudo sobre fundações e associações sem fins lucrativos, sendo revelado o número de 556.846 (quinhentos e cinquenta e seis oitocentos e quarenta e seis mil) entidades sem fins lucrativos.

A partir desses ensinamentos percebe-se que o associativismo é uma ferramenta para efetivação de objetivos comuns, pois a união de pessoas com mesmo objetivo possui maior força e, consequentemente, mais chances de efetivar aquilo que os fizeram unir. Cabe destacar ainda que o associativismo faça surgir o sentimento de cooperação, confiança, igualdade, amparo mútuo, civilidade e a de representar e lutar por grupos de excluídos.


A DISTINÇÃO ENTRE A ASSOCIAÇÃO DE SOCORRO MÚTUO E O SEGURO EMPRESARIAL E O ATUAL CENÁRIO BRASILEIRO

Dentre as várias modalidades de associação, podemos citar as associações de socorro mútuo, grupo que por meio de uma autogestão realizam por meio da solidariedade a repartição de custos e benefícios exclusivamente entre os seus associados. Marcel van der Linden in Social security mutualism. The comparative history of Mutual Benefit Societies as definiu como “associações formadas voluntariamente com o objetivo de prover auxílio financeiro a seus membros em caso de necessidade”.

Na Europa, pode citar também o ideal do mutualismo o qual foram criadas associações que protegiam o interesses de seus associados, essas “associações tinham em regra por modelo as Friendly Societies constituídas na Inglaterra, na 2ª metade do século XVIII. Na França, o grande impulso do Mutualismo cabe a Thiers, com a legislação publicada em 1850. Em 1852 existiam naquele país 2438 associações, tendo o seu número ascendido para 4410, em 1861. Na Inglaterra, em 1899, vigoravam 6773 sociedades de socorro mútuo” (MONTEPIO....,2014).

No Brasil podemos citar exemplos de associações de socorro mútuo que surgiram no Segundo Reinado e Primeira República, principalmente as associações criadas por italianos que moravam em São Paulo. conforme Lugi Biondi (2012, p.75):

“existia a “Società Italiana di Beneficenza (1878); SIMS Vittorio Emanuele II (1879); SIMS Militi Italiani (1886); Unione Meridionale Italiana (1887); Unione Veneta San Marco (1888); SIMS Leale Oberdan (1889); SIMS Lega Lombarda (1897); Società Democratica Toscana di Mutuo Soccorso “Galileo Galilei” (1898); Società Operaia di Mutua Assistenza (1899); SIMS Vittorio Emanuele III (1900); Operaia “Umberto I” (1900); SIMS Unione della Mooca (1902); Società Italiana di MS (1904); Società “Italia” di MS (1905); Società di Mútuo Soccorso del Cambucy (1922); Luigi Biondi Dossiê Società di MS Colonia di Polignano a Mare-Bari (1923); Operaia Fuscaldese (1924); Unione della Mooca (1925); União Fraterna de Água Branca (1925)”.

Tal modalidade era disposta de forma expressa no Código Civil de 1916, em seus artigos 1466 a 1470. Portanto, o antigo Código Civil prescrevia que os associados contribuíam com as quotas necessárias para ocorrer às despesas, sendo obrigado o grupo estar adstrito a um valor máximo a ser rateado.

O novo Código Civil não trouxe de forma expressa sobre as associações de socorro mútuo, dispondo apenas de forma geral sobre as associações. Na realidade, o momento em que esse diploma legal foi criado já estava em vigência a nossa Constituição cidadã, a qual dá importante papel da liberdade de associação, deixando de forma geral e permitindo a criação de qualquer grupo que tenha interesses comuns, havendo apenas a exceção de criação visando objetivo paramilitar ou ilícito.

As associações de socorro mútuo não possuem fins lucrativos, assim, seus associados contribuem apenas com um valor referente à manutenção da sede e funcionários (administração) e outro referente às divisões das despesas. Tal aspecto pode ser exemplificado da seguinte forma:

                             Despesa (passada e certa) no valor de R$ 50,00 (cinquenta reais)

                                                           DIVIDIDO/RETEADO

                                                  Por 50 Associados – todos associados

                         Com a ajuda mútua resta a cada associado o pagamento de R$ 1,00 (um real)

Conforme exemplificado acima, a associação rateia as despesas entre os próprios associados, surgindo a figura da reciprocidade, não havendo exploração de lucro na atividade desenvolvida.

Outro ponto a se destacar é que o valor arrecadado é destinado a integralidade ao pagamento das despesas ocorridas no mês anterior, assim, o valor das quotas recebido mediante rateio já tem as despesas certas, não há uma arrecadação alheia, injustificada ou futura, até porque em toda a divisão deve ser exposta aos membros do grupo os eventos ocorridos e seus valores, bem como a realização da prestações de contas.

Com efeito, por meio de um sistema solidário e auto-organizativo, as partes integrantes do grupo (associados) se comprometem por meio de um estatuto fazer a divisão das despesas entre os membros.

É importante frisar que associação atua apenas como gestora da coisa comum, ou seja, tem a finalidade apenas de administrar os custos e benefícios, inexiste a figura do “fornecedor de serviços” não há comercialização na atividade da entidade, a associação é apenas a formalização jurídica de seus associados, que foi criada para organizar e fazer a autogestão dos interesses do grupo.

Essas entidades atuam com base no associativismo, nessa modalidade a pessoa associa para obtenção de finalidades comuns, não se configurando como seguro, onde o segurado adere a uma apólice e transfere o risco de seu veículo para a seguradora, logo, totalmente diferente do contrato de seguro empresarial. Sobre o tema, importante destacar a lição de Clóvis Bevilaqua (1954,0p.305);

“Duas são as espécies principais de seguro – o mútuo e o de prêmio fixo. No primeiro, todos os membros da associação, acham-se em posição de segurados e seguradores, no segundo, há uma sociedade constituída para o fim de assegurar, e aqueles que pretendem evitar os riscos dos sinistros, a que podem estar sujeitos, chegam-se a pedindo que os assegure a um preço ajustado.

O mútuo é, por sua natureza, matéria essencialmente civil, pois que sua função consiste em amortecer, pela dispersão entre associados, a violência de um golpe do infortúnio. A associação não especula, não trata com terceiros para o fim direto, a que deve a sua congregação, nem mesmo produz lucros; evita apenas a gravidade dos prejuízos. O seguro por prêmio fixo, ao contrário, é estabelecido com o intuito de auferir lucros para a associação, que oferece a segurança.”.

Adalberto Pasqualotto (2008, p. 31) também discorre sobre o tema:

“caracteriza-se pela ausência do ânimo de lucro, pela igualdade de direitos e obrigações dos mutualistas e pela existência de um órgão que os congrega e representa (Comas, 1960, p.45-51) A finalidade de lucro é substituída pelo espírito de poupança. Os mutualistas são segurados e seguradores de si próprios. Uma vez que administram seus próprios recursos, há entre eles uma permanente situação de contingência quanto aos resultados econômicos (Comas, 1960, p.24). O valor das quaotas pode variar, conforme os resultados. Se houver execendente em relação aos custos e aos pagamentos feitos, todos participam da sobra, mas se a soma dos encargos superar o montante dos recursos, eles terão que cobrir o défice. Os mutualistas têm uma dúplice condição: são segurados e associados entre si. Para que se torne segurado numa associação mútua, é necessário que se vincule à entidade que congrega os mutualistas”.

Sobre essas diferenças Pontes de Miranda (MIRANDA apud PASQUALOTTO, 2008, p. 32) diz que “No contrato de seguro o segurador recebe com antecipação um prêmio para correr o risco; não compra e venda, não há assunção de risco; e, no mútuo a risco, o mutuante assume o risco incondicionalmente”.

Ainda sobre a diferença dos dois institutos, Adalberto Pasqualotto (2008, p. 33 e 34) diz que:

“associativo e o seguro empresarial moldam contratos distintos: o primeiro é plurilateral, o segundo é bilateral. Os contratos plurilaterais têm cunho associativo e formam vínculos recíprocos de cooperação (Vasconcelos, 1999, p.158). Não são sinalagmáticos, pois apresentam uma comunhão de fins (...). O contrato é apenas instrumento da finalidade comum (Ascarelli, 1945, p. 290-292). São contratos abetos, admitindo, em princípio, a adesão de novos participantes, assim como eventuais desistências, o que é inconcebível nos contratos bilaterais(...) mútuos vinculam-se entre si no seio da associação por efeito de contrato plurilateral. Já no seguro empresarial, há contrato bilateral entre segurado e segurador (Pontes de Miranda, TDP, 45, § 4.913). O seguro empresarial é uma relação de troca, enquanto o seguro mútuo promove uma partilha. O seguro empresarial correlaciona prêmio e cobertura, enquanto no mútuo não há prêmio, há quota. A medida do primeiro é a permuta de vantagens, a do segundo é a distribuição de riscos e benefícios (Lopes, 2004, p. 205)”.

Outra diferenciação pode ser vista pela lição de Ovídio Araújo Baptista da Silva em sua obra “O seguro e as sociedades cooperativas: relações jurídicas comunitárias. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2008:

“O seguro privado se distingue em dois grandes grupos: o denominado seguro a prêmio fixo e o seguro mútuo, que se caracterizam pela forma diversa como se administram as reservas formadas por seus participantes: (a) no seguro capitalístico, a sociedade anônima o administra com finalidade lucrativa sem, todavia, perder a sua função de depositária do fundo comum (Armando de Oliveira Assis, p. 39), ficando, assim, caracterizada a relação contratual que vincula a Companhia seguradora e cada segurado como uma relação jurídica preponderantemente bilateral, embora fundada na ideia do mutualismo; (b) o denominado seguro mútuo, ao contrário, não é explorado comercialmente por um administrador estranho ao conjunto dos segurados, senão que é gerido por uma entidade civil de natureza não-lucrativa, formada pelos próprios segurados, em regime cooperativo e sob forma de auto-seguro.”

Na associação não existe o pagamento do prêmio, pois os associados pagam um valor apenas a título de manutenção da associação e divisão dos custos e benefícios, não existe um pagamento de um valor para a transferência do risco.

Sabendo que a seguradora é a pessoa que assume a responsabilidade do risco e o segurado é a pessoa que paga o prêmio a fim de que aquela possa assumir a responsabilidade, pela simples análise da atividade de uma associação conclui que nada parece com a atividade do seguro empresarial, pois inexistente a transferência do risco e o pagamento de prêmio, características que tem ligação necessária com atividade de seguro e que na inexistência não há que falar em seguro empresarial.

Dentre outras diferenças podemos citar que no seguro empresarial o risco é incerto e futuro, sendo baseado em cálculos que fixam valores prévios de prêmios e reservas, já na associação os associados assumem apenas uma obrigação certa e passada, pois é realizado rateio somente depois de calculadas as despesas.

Quanto à natureza jurídica, a associação se constitui em uma união de pessoas sem fins econômicos, já as seguradoras devem se constituir-se na forma de sociedade anônima, sendo criada com objetivo de obter lucro.

Outro ponto a ser indicado é que no seguro empresarial temos a presença do contrato de adesão, já na associação temos apenas um contrato de sociedade, o qual o associado com tem o acesso às normas estatutárias e regulamentos, podendo este fazer parte e alterar as leis da entidade.

A autogestão permite que todos integrantes do grupo tenham direito de criar as normas internas, sendo a pura expressão da vontade geral, assunto até tratado no Código Civil em que dá ao associado maior liberdade e condições de atuação no grupo (Art. 60, Código Civil).

A vontade geral é um ato de soberania emanado por meio da assembleia geral, efetiva os interesses dos associados, trata-se de uma verdadeira gestão democracia, onde o interesse particular não de se sobrepor ao interesse geral.

A forma de funcionamento, gestão e contas é decidido unicamente pelos associados por meio de assembleias gerais, direito indicado nos incisos do artigo 54 do Código Civil, o qual é obedecido à risca pelas associações e que provam que o grupo é auto-organizado/autogestão.

No presente caso é formado um contrato plurilateral, ou seja, formam vínculos recíprocos de cooperação/ comunhão de fim, para melhor entendimento cabe trazer a lição Ascarelli (1999) que utiliza-se das figuras geométricas para exemplificar a diferença; “Num contrato bilateral as partes estariam em lados opostos de uma reta; no contrato plurilateral, as partes estariam dispostas em um círculo”.

Para não restar dúvidas, Sérgio Mourão Corrêa Lima (2017, pág. 39) expõe:

"A associação decorre do acordo de vontades congruentes dos associados fundadores, manifesta em assembleia, no sentido de contribuírem com bens ou serviços para suas atividades; portanto, na formação, a associação tem natureza jurídica de contrato bilateral ou plurilateral. Nessa linha, Renan Lotufo sustenta que a associação é contrato "plurissubjetivo unidirecional, porque são vários os que declaram suas vontades, mas todas no mesmo sentido"."

Outro ponto a destacar é que associação de socorro mútuo obedece todas as normas para seu funcionamento, como o registro no cartório competente, CNPJ, dentre outras medidas, razão que prova ser uma entidade legalmente autorizada. Acerca do tema o Conselho da Justiça Federal, a partir da III Jornada de Direito Civil:

"O contrato de ajuda mútua será plurilateral e auto-organizativo, repartindo custos e benefícios exclusivamente entre os participantes, mediante rateio. Sua diferenciação do seguro capitalista e da previdência privada é a autogestão, tal Como permitido pela Lei n. 9656/1998, para os planos de saúde."

Como resultado dos estudos advindos III Jornada de Direito Civil, temos a aprovação por unanimidade do enunciado 185, que admite de forma expressa a atividade da associação. Vejamos:

“Enunciado 185 –Art.757: A disciplina dos seguros do Código Civil e as normas da previdência privada que impõem a contratação exclusivamente por meio de entidades legalmente autorizadas não impedem a formação de grupos restritos de ajuda mútua, caracterizados pela autogestão.”

Ainda sobre a distinção do seguro empresarial, em análise da conceituação de seguro trazida por Carlos Roberto Gonçalves (2010 p. 502) pode ser extrair toda a distinção entre a atividade da associação e um seguro empresarial, a começar pela primeira característica, “o contrato de seguro é bilateral ou sintagmático (gera obrigações para ambas as partes)” já na associação é plurilateral (formam vínculos recíprocos de cooperação/ comunhão de fim).

O segundo ponto diz que o contrato de seguro é “oneroso (ambos os contraentes obtém proveito, ao qual corresponde um sacrifício)”, acerca da atividade da associação não há onerosidade, pois a associação (pessoa jurídica) foi criada apenas para realizar a gestão da coisa comum, não obtém nenhum proveito.

Ainda sobre as diferenças do contrato de seguro e as associações, no primeiro é de adesão, já no segundo não há cláusulas previamente elaboradas, as normas de funcionamento da associação são feitas pelos próprios associados por meio de um órgão de representação (Assembleia Geral).

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Quanto à forma escrita, cabe destacar que na associação não existe tal obrigatoriedade, pois as decisões podem ser tomadas em reuniões ou assembleias, veja que o associativismo não tem nenhuma característica do contrato de seguro.

Para não restar dúvidas acerca dessa distinção, cabe destacar o voto proferido no julgamento da Apelação nº. 0000920-87.2011.8.26.0648 da 6ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, o qual o Des. Rel. Vito Guglielmi expõe as diferenças. Vejamos:

“A temática versada na presente demanda, embora haja ganhado, recentemente, certo destaque nos meios especializados até como consequência de operações de fiscalização levadas a efeito pela Superintendência de Seguros Privados SUSEP (como noticia o Ministério Público nas razões e apelação fls. 768/776), ainda permanece, no âmbito da jurisprudência, relativamente inédita, o que exige, portanto e quando menos,uma prévia digressão teórica a respeito dos seus principais aspectos.

O contrato e seguro, já salientava PEDRO ALVIM (O Contrato de Seguro, Rio de Janeiro, Forense, 1983, p. 269), caracteriza-se por quatro elementos fundamentais: o segurador, o segurado, o risco e o prêmio. Na didática concatenação do referido autor, “o segurado transfere o risco para o segurador que assume a obrigação de pagar determinada  quantia, caso o evento previsto se concretize. Recebe em contraprestação dessa responsabilidade o prêmio que constitui o preço do risco”.

Pois bem. Partindo dessa idéia clássica, a doutrina atualmente majoritária (cf., e.g.: VERA HELENA DE MELLO FRANCO, Contratos, 2ª Ed., São Paulo, RT, 2011, pp. 285-9, e FÁBIO KONDER COMPARATO, O Seguro de Crédito, São Paulo, RT, 1968, pp. 136-7), sem desconhecer a persistência de ligeira divergência, vem entendendo que o papel do segurador na relação jurídica é a própria prestação da garantia, que tem lugar, segundo a primeira autora (op. cit., p. 286), “desde o momento da conclusão do contrato”.

Em outras palavras, não se caracteriza a figura do segurador pelo pagamento eventual e, portanto, aleatório da indenização, mas pela garantia, efetivamente direta, de que “as  consequências  econômicas do sinistro não (...) irão atingir [o segurado] ou, pelo menos,  serão visivelmente minoradas” (cf.: V. H. DE M. FRANCO, op. e loc. cit.). De toda sorte, o que há que se destacar, dessa ideia estrutural preliminar, é que a figura do segurador decorre, exatamente, da assunção e garantia direta do risco coberto.

Conquanto, na esteira do que explica ERNESTO TZIRULNIK (Regulação de  inistro (ensaio jurídico), São Paulo, Max  Limonad, 1999, p. 45), seja o segurador, sob a perspectiva  econômica da operação, “o administrador de um fundo coletivo, formado  pela  pluralidade de segurados expostos a riscos homogêneos, visando a garantir cada uma das unidades”, não há, no âmbito do contrato de seguro em sentido estrito, qualquer relação direta entre os segurados, respondendo, em qualquer caso, a própria seguradora.

É, no mais, o que pondera FÁBIO ULHÔA COELHO (Curso de Direito Comercial Direito de Empresa, v. III, 7ª Ed., São Paulo, Saraiva, 2007, p. 157), ao anotar que “enquanto vigorar a cobertura, ela [a seguradora] é obrigada a administrar os recursos  pagos a  título de prêmio puro por seus segurados, de modo a poder honrar os compromissos contratados comestes na hipótese de sinistro”. Note-se: a seguradora, como administradora do fundo, é unicamente quem se coloca como prestadora da garantia.

Num segundo aspecto relevante para o deslinde da controvérsia, quanto ao prêmio, é de se notar que sua noção passa pela idéia, segundo o já citado P. ALVIM (op. e loc. cit.) de uma “remuneração que o segurado deve pagar ao segurador pela garantia que lhe dá pela cobertura de certo risco”, sendo formado pelo “prêmio puro, também chamado teórico ou estatístico, e o carregamento constituído das despesas administrativas de exploração do negócio e lucro do segurador” (op. cit., p. 271).

Ou seja, o prêmio é quantia fixa, estipulada já quando da celebração do contrato e previamente calculada, como bem explica CLÁUDIO LUIZ BUENO DE GODOY (in A. C. PELUSO (coordenador), Código Civil Comentado, Barueri, Manole, 2007, p. 630), segundo a “probabilidade de ocorrência do sinistro durante o período de vigência do ajuste”. A obrigação de pagamento por parte do segurado, portanto, se resume ao valor do prêmio, o qual servirá à constituição do já mencionado fundo coletivo.

Aliás, tanto é assim, que ISAAC HALPERIN (El Contrato de Seguro (seguros terrestres), Buenos Aires, TEA, 1946, p. 60), em estudo clássico a respeito do  tema, ressalta que  “en caso de insuficiencia de lãs primas percebidas, el asegurador debe abonar la indemnización com capital propio”, aspecto que torna claras as duas características alhures  mencionadas:de um lado, a responsabilidade exclusiva da seguradora  e,  de  outro, a consequente ausência de relação direta entre os segurados.

Cumprida a breve referência doutrinária, de um necessário cotejo entre os breves contornos aqui delimitados e a figura tratada nos autos, o que se percebe, com relativa facilidade, é que o vínculo promovido pela associação demandada, longe de caracterizar operação de seguros em sentido estrito, traduz mero contrato associativo de mutualidade, figura diversa que tem, segundo ORLANDO GOMES (Contratos,  26ª Ed., Rio de  Janeiro, Forense, 2007, p. 508), e ao contrário do seguro, natureza cível.

Como bem explica FRAN MARTINS (Contratos e Obrigações Comerciais, 2ª Ed., Rio de Janeiro, Forense, 1990, pp. 435-6), a respeito dessa figura, “se bem que bastante aproximados, o contrato de seguro não deve ser confundido com a mutualidade. Essa ocorre quando várias pessoas se congregam para, cada uma concorrendo com uma certa quota, única ou periódica, servir o produto dessas quotas para indenizar certos prejuízos sofridos, em certas circunstâncias, por um dos mutualistas” (g.m.).

Posição semelhante é a do já citado doutrinador argentino I. HALPERIN (op. e loc. cit.), que sintetiza, em exposição clássica, as características da mutualidade, a distanciá-la do modelo securitário  tradicional: “1) no hay accionistas que buscan obtener  beneficios; 2) cada miembro es asegurador de los demás, y asegurado por éstos; 3) las cotizaciones son variables de acuerdo al resultado del ejercicio, y generalmente hasta um máximo (...); 4) los asociados son deudores solidários de las indemnizaciones”.

Note-se, como decorre da leitura da ata notarial (fls. 71/73v) colacionada com a inicial e que retrata as condições da contratação promovida pelos corréus, que apesar de se ligar o objetivo da associação à prestação de uma garantia, nesse modelo “as despesas decorrentes são divididas entre os associados participantes” (imagem nº. 05, fls. 72v). Vale dizer não há a assunção do dever de garantia pela pessoa jurídica, mas sim, a efetiva promoção da repartição proporcional dos riscos por um sistema de cotas.

Sobre esse aspecto, portanto, não há que se falar, no caso na existência da figura de um segurador. Essa característica, como anota o já citado F. MARTINS (op. e loc. cit.) é típica da figura tratada da mutualidade: “em tal caso, cada mutualista representa o segurador de outro. E como o segurador em seguros deve ser sempre uma sociedade anônima, com as exceções do seguro agrícola e de acidentes de trabalho, a associação de mutualistas não é considerada uma sociedade de seguro” (g. m.)

Não bastasse como já visto, tampouco há que se falar, na hipótese dos autos, na existência de um prêmio. Como decorre dos termos evidenciados pela ata notarial (fls. 71/73v), as despesas havidas com o pagamento das indenizações são rateadas com base no número de cotas detido por cada um dos associados (imagens  nº. 06 e 07, fls.  72v/73), o que torna evidente a ausência de um sistema atuarial próprio dos contratos de seguro, em que a contraprestação do segurado é, como visto, um prêmio fixo.

Em suma, falecendo ao contrato tratado nos autos, seja a figura de um segurador, seja a existência de um prêmio, não há que se falar em efetiva operação de seguros, o que torna, portanto, infundada a causa de pedir próxima baseada na suposta comercialização ilegal de apólices securitárias. Como já advertia P. ALVIM (op.  cit., p. 269), “sem esses elementos [quais  sejam, o segurador, o segurado, o risco e o prêmio] não  existe seguro”, arrematando que “a falta de qualquer deles desfigura o contrato”

E nem se diga que  a singela operação  mutual dos corréus seja ilegal. Apesar da omissão do Código Civil de 2002 quanto à figura a afastar-se do modelo regulador outrora previsto entre os artigos 1.466 e 1470 do revogado Código Civil de 1916, é praticamente consenso na doutrina não haver qualquer vedação legal à prática. Tanto é assim que o Enunciado nº. 185 aprovado na III Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho da Justiça Federal, consagrou o entendimento nesse exato sentido. In verbis:

“A disciplina dos seguros do Código Civil e as normas da previdência privada que impõem a contratação exclusivamente por meio de entidades legalmente autorizadas não impedem a formação de grupos restritos de ajuda mútua, caracterizados pela autogestão”

Não destoa a posição de ARNALDO RIZZARDO (Contratos, 6ª Edição, Rio de Janeiro, Forense, 2006, p. 854-5) para quem o instituto “na verdade, não mais é contemplado como seguro pelo Código em vigor, mas como montepio ou um contrato em que as pessoas se unem em um objetivo comum, para a formação de um capital” (g. m.). Em outras palavras: se de seguro não se trata a figura discutida nos autos, não há que se falar em risco difuso pela ausência de desnecessária autorização para a sua celebração.

Aliás, é de se notar que tais figuras, distintas da operação de seguro, são comuns até mesmo fora da tradição da civil law, recebendo em qualquer caso  tratamento distinto do primeiro instituto. ROBERT M. MERKIN, JOHN S. BUTLER e ALISON A. GREEN (Insurance contract  law, v.1, Londres,  Kluwer, 1992, p. A.1.2-08) noticiam a existência, no direito inglês, das chamadas “friendly societies”, as quais, reguladas  por lei própria  a “Friendly Societies Act” diferenciam-se das seguradoras pelas mesmas razões tratadas.

Segundo os autores (op. e loc. cit.), “friendly societies are associations which exist to provide benefits for their members, usually paid for out of those members' contributions” (em  tradução livre: são associações  que  existem para fornecer, aos seus membros, certos benefícios, geralmente pagos pelas contribuições dos outros  associados), as  quais, embora com certos caracteres do contrato de seguro  no original: “(...)  many of the features of the ordinary insurance contract” com ele não se confunde.

Perceba-se: não se nega certa semelhança entre os institutos tanto que autores como LORENZO MOSSA (Compendio del Diritto i Assicurazione, Milano, Giuffré, 1936, p. 32) fala expressamente em “mutue d'assicurazione”, contudo, não se pode, até pelas próprias características desse modelo e à míngua de qualquer regulação normativa expressa, exigir-se as mesmas garantias e os mesmos requisitos da figura  empresarial securitária, que é atividade extremamente específica e substancialmente diversa.

Mesmo porque, é de se notar que as sociedades de auxílio mútuo surgem exatamente nos espaços econômicos não ocupados seja pela existência de um risco excessivo, seja pela impossibilidade de formação de uma coletividade homogênea em termos atuariais ou insatisfatoriamente atendidos sobretudo pelos valores economicamente inviáveis dos prêmios pelo modelo securitário tradicional, de forma que não há, efetivamente, paralelo entre as figuras discutidas ao longo dos autos.

Destarte, em resumo, seja pela inexistência de identidade entre o contrato associativo promovido pelos corréus e a figura do seguro, seja pela ausência de qualquer óbice legal à sua livre e irrestrita celebração, era mesmo caso de se julgar integralmente improcedente a demanda, razão pela qual se nega provimento ao recurso. Isenção das verbas sucumbenciais determinada em sentença não está a merecer reparo, sobretudo à míngua de impugnação recursal específica pelos interessados” (Grifou-se)

Na explanação acima ficou claro que se não estiver presente a figura de um segurador e a existência de um prêmio não há operação de seguro. Utilizando da citação do ilustre doutrinador PEDRO ALVIM, “sem esses elementos [quais sejam, o segurador, o segurado, o risco e o prêmio] não existe seguro”, arrematando que “a falta de qualquer deles desfigura o contrato”

Com efeito, a partir da análise mais profunda, resta provado de forma cristalina, que a atividade de uma associação de socorro mútuo em nada se parece com uma operação de seguros, pois ausentes os elementos caracterizados como segurador, segurado, risco e prêmio. Nesse sentido podemos destacar a jurisprudência do Tribunal Regional da 1º Região em decisões recentes (2017), valendo ressaltar que o julgada da 6ª Turma do TRF1 transitou em julgado nesse mês.

ADMINISTRATIVO. APELAÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. SUSEP. ASSOCIAÇÃO SEM FINS LUCRATIVOS. PROTEÇÃO AUTOMOTIVA DISPONIBILIZADA AOS ASSOCIADOS. SEGURO MUTUO. TÍPICO CONTRATO DE SEGURO MERCANTIL. ILEGALIDADE NÃO DEMONSTRADA. PROVIMENTO.  1. Dentre as atribuições legais previstas no Decreto-lei n° 73/66, a Superintendência de Seguros Privados - SUSEP - tem competência para a fiscalização das operações de seguro e afins (Decreto-lei n.º 73/66). Legitimidade ativa para ajuizar ação civil pública com o mesmo fim.  2. Na hipótese em exame, foi verificado que a disponibilização do serviço de proteção automotiva pela associação, então fiscalizada pela referida entidade, sem que haja intenção lucrativa, não caracteriza o contrato firmado entre as partes em típico contrato de seguro.  3. Apesar da semelhança com o seguro mercantil comercializado pelas operadoras usuais do mercado, o seguro mutuo com ele não se confunde. Essa modalidade é caracterizada pelo rateio de despesas entre os associados, apuradas no mês anterior, e proporcional às quotas existentes, com limite máximo de valor a ser indenizado. É hipótese de contrato pluralista, orientado pela autogestão, em que todos os associados assumem o risco, sendo feito, entre eles, a divisão dos prejuízos efetivamente caracterizados.  4. "A disciplina dos seguros do Código Civil e as normas da previdência privada que impõem a contratação exclusivamente por meio de entidades legalmente autorizadas não impedem a formação de grupos restritos de ajuda mútua, caracterizados pela autogestão". Aplicação do Enunciado n° 185, aprovado na III Jornada de Direito Civil.  5. Apelação conhecida e provida. (AC 0018423-62.2013.4.01.3500/GO, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL KASSIO NUNES MARQUES, SEXTA TURMA, e-DJF1 de 31/03/2017) (Grifou-se)

PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. OPERAÇÃO DE INSTITUIÇÃO FINANCEIRA SEM AUTORIZAÇÃO LEGAL. SEGUROS. ART. 16 DA LEI 7.492/86. REJEIÇÃO DA DENÚNCIA. ASSOCIAÇÃO SEM FINS LUCRATIVOS. PROTEÇÃO AUTOMOTIVA DISPONIBILIZADA AOS ASSOCIADOS. SEGURO MUTUO. ILEGALIDADE NÃO DEMONSTRADA.1. Recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público Federal contra a decisão que rejeitou a denúncia ofertada em desfavor do recorrido, na qual lhe é imputada a prática do delito tipificado no art. 16, da Lei 7.492/92, em razão de dirigir associação, supostamente voltada à ajuda mútua entre os associados, operando atividade securitária sem a devida autorização legal. 2. A jurisprudência deste Tribunal assentou que a disponibilização do serviço de proteção automotiva por associação sem a intenção lucrativa, não caracteriza o contrato firmado entre as partes em típico contrato de seguro. (AC 0018423-62.2013.4.01.3500/GO, Rel. Desembargador Federal Kassio Nunes Marques, Sexta Turma, e-DJF1 de 31/03/2017) 3. A ilegalidade da atividade exercida pela AMIVE não está demonstrada. Conforme se apurou dos elementos trazidos aos autos, não se identifica que a atividade desenvolvida pela associação possua natureza jurídica de seguro privado, já que se trata de uma organização constituída regularmente como associação, onde os associados dividem os possíveis prejuízos materiais causados aos veículos de sua propriedade num sistema cooperativo de autogestão. 4. Este foi o fundamento adotado pelo Juízo a quo para rejeitar a denúncia ofertada pelo Ministério Público Federal contra o recorrido, bem como pelo Ministério Público Federal, no exercício da função de fiscal da lei, para opinar no sentido do desprovimento do presente recurso em sentido estrito. 5. O seguro mútuo caracteriza-se pelo rateio, de prejuízos já ocorridos, entre os seus associados, agrupados com o fim específico de ajuda mútua, na defesa do seu patrimônio, sem que haja intenção lucrativa. Não há distinção típica das figuras do segurador e segurado e o risco não é assumido pela associação, mas sim dividido entre os associados, que contribuem com prestações, em razão das despesas apuradas.6. Não há vedação legal à prática em análise, à luz da própria liberdade de associação garantida constitucionalmente, e do entendimento reconhecido no Enunciado n° 185, aprovado na III Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho da Justiça Federal que dispõe: “A disciplina dos seguros do Código Civil e as normas da previdência privada que impõem a contratação exclusivamente por meio de entidades legalmente autorizadas não impedem a formação de grupos restritos de ajuda mútua, caracterizados pela autogestão”. 7. Recurso em sentido estrito desprovido.  (AC 0013842-69.2016.4.01.3800 /MG, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL NÉVITON GUEDES, QUARTA TURMA, Julgamento em 09/05/2017) (Grifou-se)

Na mesma linha o entendimento Tribunal Regional da 2º Região. Vejamos:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. ADMINISTRATIVO. SUSEP. ASSOCIAÇÃO. PROTEÇÃO AUTOMOTIVA. ILIGALIDADE.INEXISTENCIA. A despeito das atribuições legais da Superintendência de Seguros Privados – SUSEP para a fiscalização das operações de seguro e afins (Decreto-lei n.o 73/66), não se verifica, no caso, a negociação ilegal de seguros por associação sem fins lucrativos instituída com o fim de promover proteção automotiva a seus associados. Apesar das semelhanças com o contrato de seguro automobilístico típico, há inegáveis diferenças, como o rateio de despesas entre os associados, apuradas no mês anterior, e proporcional as quotas existentes, com limite máximo de valor a ser indenizado. Hipótese de contrato pluralista, em grupo restrito de ajuda mutua, caracterizado pela autogestão (Enunciado n.° 185 da III Jornada de Direito Civil), em que não há figura do segurado e segurador, nem garantia de risco coberto, mas rateio de prejuízos efetivamente caracterizados. Eventual pratica de crime (art. 121 do DL n.° 73/66) há de ser aferida na via própria, mas não há qualquer ilegalidade na simples associação para rateio de prejuízos. Apelação provida. Sentença reformada. 6º Turma Especializada do Tribunal Regional da 2º Região. Rel. Edna Carvalho Kleemann.).

Acerca da decisão proferida pela 6º Turma Especializada do Tribunal Regional da 2º Região, cabe destacar que ouve a interposição de embargos e ratificado o entendimento de que a atividade da associação não configura operação de seguros. Vejamos o trecho do voto:

“De fato, com relação ao art. 757 do Código Civil, foi expressamente ressaltado que: “Nesta linha, é oportuno lembrar o entendimento consolidado no Enunciado n.º 185 da III Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, acerca da interpretação devida ao art. 757 do Código Civil, in verbis: “185 – Art. 757: A disciplina dos seguros do Código Civil e as normas da previdência privada que impõem a contratação exclusivamente por meio de entidades legalmente autorizadas não impedem a formação de grupos restritos de ajuda mútua, caracterizados pela autogestão.” (g. n.). A justificativa para tal enunciado explicita que: “Há duas concepções de seguro, conforme suas origens. O seguro do tipo alpino surgiu nos Alpes suíços e é fundado no princípio da solidariedade. Os segurados compartilham entre si os riscos comuns, organizando-se em sociedades mútuas e prevenindo-se contra os infortúnios. Estipulam geralmente pecúlios para o caso de morte, sendo freqüentes também os seguros de saúde e de acidentes. O segundo tipo é o seguro capitalista, denominado “anglo-saxão”. É originário da cobertura dos riscos da navegação de longo curso e animado pelo objetivo de lucro do segurador. O Código Civil de 1916 acolheu as duas modalidades, dedicando uma seção ao seguro mútuo. Os segurados em tudo suportavam o prejuízo advindo a cada um, exercendo eles mesmos a função de segurador (art. 1.466). Em lugar do prêmio, contribuíam para o enfrentamento das despesas administrativas e dos prejuízos verificados com quotas proporcionais aos benefícios individuais (arts. 1.467 e 1.469). Pontes de Miranda acentuou não haver diferença conceitual entre seguro mutualista e capitalista, variando, todavia, a natureza da relação jurídica. No primeiro, há negócio jurídico plurilateral envolvendo os segurados entre si, que se organizavam geralmente em forma de sociedade, nos moldes do Código Civil de 1916. No seguro capitalista, o contrato é bilateral, entre segurado e segurador. As sociedades de seguros, independentemente da modalidade que praticavam – seguro capitalista ou mutualista –, não podiam ser constituídas sem prévia autorização, conforme o art. 20, § 1º, do Código Civil de 1916. O Decreto-Lei n. 2.063, de 7 de março de 1940, mudou essa situação. De um lado, dispôs que as operações de seguros privados só poderiam ser realizadas por sociedades anônimas, cooperativas e sociedades mútuas, mas, de outra parte, excluiu de sua incidência as associações de classe, de beneficência e de socorros mútuos, instituidoras de pensões e pecúlios em favor de seus associados e respectivas famílias. Assim, criou um seguro mútuo societário e outro associativo, de certo modo distinguindo os conceitos de sociedade e associação, o que veio a ser feito decisivamente no Código de 2002. Posteriormente, o Decreto-Lei n. 73, de 21 de novembro de 1966, reservou as operações de seguros às sociedades anônimas e às cooperativas, alijando as antigas sociedades mútuas, que seriam o embrião das entidades de previdência privada, reguladas pela Lei n. 6.435, em 1977. Quanto às associações de classe, de beneficência, de socorros mútuos e montepios então em funcionamento, foram mantidas fora do regime legal também no Decreto-Lei n. 73, tal como dispusera o Decreto-Lei n. 2.063, ficando facultado ao Conselho Nacional de Seguros Privados mandar fiscalizá-las quando julgasse conveniente. Com a edição da Lei n. 6.435, de 15 de julho de 1977, a mutualidade passou a ser regida por normas de previdência privada, com exceção dos planos de pecúlio de pequeno valor (até 300 ORTNs, na época), vigorantes no âmbito limitado de uma empresa, fundação ou outra entidade de natureza autônoma, e administrados exclusivamente sob a forma de rateio entre os participantes. A Lei n. 6.435/1977 foi revogada pela Lei Complementar n. 109, de 29 de maio de 2001, que passou a regular com exclusividade a previdência privada fechada e aberta, nada dispondo relativamente às entidades ressalvadas na lei anterior. O regime de previdência privada tem caráter complementar e autônomo em relação ao regime geral de previdência social. As entidades abertas são constituídas unicamente sob a forma de sociedades anônimas e são acessíveis a quaisquer pessoas físicas. As sociedades seguradoras autorizadas a operar exclusivamente no ramo “vida” podem operar planos de benefícios previdenciários. Às entidades abertas é aplicável, no que couber, também a legislação própria das sociedades seguradoras. As entidades fechadas só podem ser organizadas sob a forma de fundação ou sociedade civil sem fins lucrativos e são acessíveis exclusivamente aos empregados de uma empresa ou grupo de empresas e aos servidores da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, entes denominados “patrocinadores”; e aos associados ou membros de pessoas jurídicas de caráter profissional, classista ou setorial, denominadas “instituidores”. As entidades fechadas constituídas por instituidores devem terceirizar a gestão dos recursos que irão garantir as reservas técnicas e provisões mediante a contratação de instituição especializada e autorizada para tanto, cujo patrimônio deverá ser mantido segregado e totalmente isolado dos patrimônios do instituidor e da entidade fechada. Como se percebe, nos planos previdenciários das entidades fechadas constituídas por instituidores intervêm: o instituidor, que será uma pessoa jurídica de caráter profissional, classista ou setorial; a entidade previdenciária, criada sob a forma de fundação ou sociedade civil sem fins lucrativos (conhecida como fundo de pensão); e o gestor. Operacionalmente, as relações jurídicas se estabelecem entre a entidade fechada e o gestor, sendo beneficiários os membros ou associados do instituidor. O gestor presta serviços à entidade, previdenciária, pondo-se esta e os beneficiários como consumidores frente àquele. O mesmo esquema de relações prevalece nas entidades patrocinadas, que são constituídas por empregadores privados ou públicos em favor dos seus empregados e servidores com serviços de gestão terceirizados. Nos modelos previstos na legislação previdenciária não há lugar para o mutualismo puro. O Código Civil de 2002 também o ignorou como espécie de seguro, não reproduzindo qualquer dispositivo análogo ao art. 1.466 do CC/1916. Como bem observou Ronaldo Porto Macedo Junior, registrou-se um importante movimento do sistema de sociedade de amigos e organizações de auxílio mútuo para a moderna empresa de seguro e para a previdência social. Nada disso, porém, significa o expurgo do mutualismo. A autonomia privada e a liberdade contratual, inclusive levandose em consideração a função social do contrato, garantem a sua permanência, desde que praticado em círculo restrito e mantido como princípio genuíno. Os mutualistas deverão auto-organizar-se exclusivamente sob a forma associativa, uma vez que a societária é utilizável somente pelo seguro capitalista e pela previdência social. Legalmente, ainda prevalece a ressalva do Decreto-lei n. 2.063, de 1940, que não foi expressamente revogado pelo Decreto-lei n. 73, de 1966, permanecendo em vigor: as associações de classe, de beneficência e de socorro mútuos podem instituir pensões e pecúlios em favor de seus associados e respectivas famílias, de valor limitado, atendendo-se à restrição sobrevinda com a Lei n. 6.435, de 1977. O contrato de ajuda mútua será plurilateral e auto-organizativo, repartindo custos e benefícios exclusivamente entre os participantes, mediante rateio. Sua diferenciação do seguro capitalista e da previdência privada é a autogestão, tal como permitido pela Lei n. 9.656/1998 para os planos de saúde.”(g.n.). Verifica-se, assim, a possibilidade da instituição de uma associação sem fins lucrativos, voltada para ajuda mútua de seus associados, com repartição de custos e benefícios entre seus participantes, mediante rateio, e caracterizada pela autogestão, a qual não se confunde com o seguro capitalista oferecido pelas seguradoras convencionais, sujeitas à legislação específica.”.

A ação supracitada foi objeto de Recurso Especial, após o tramite legal foi remetida ao Superior Tribunal de Justiça e encaminhada em 11/11/2016 ao gabinete do Ministro OG FERNANDES, até a data desse trabalho não havia decisão do recurso.

Ainda no mesmo sentido, ou seja, reconhecimento da distinção entre o socorro mútuo e seguro empresarial, segue também a jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 1ª Região:

(...) Em que pesem os argumentos constantes da decisão agravada, a meu ver, conforme se apurou dos elementos trazidos aos autos, não se identifica, de plana, que a atividade desenvolvida pela entidade associativa possua natureza jurídica de seguro privado, em razão de que, pela leitura de seu regulamento e estatuto presentes no processo, trata-se de uma organização constituída regularmente como associação, onde os associados dividem os possíveis prejuízos matérias causados aos veículos de sua propriedade num sistema cooperativo de autogestão (...) Embora de fato reconheçam semelhanças com o contrato de seguro, vejo que o ajuste em análise caracteriza-se pelo rateio de prejuízos ocorridos entre os seus associados, agrupados com o fim especifico de ajuda mútua, na defesa do seu patrimônio, sem que haja intenção lucrativa. Não há distinção típica das figuras do segurador e segurado e o risco não é assumido pela associação, mas sim dividido entre os associados, que contribuem com prestações, em razão das despesas apuradas (...) (...)E em se tratando desse tipo de organização, duvidas não restam em inexistir qualquer vedação legal a prática em análise, a luz da própria liberdade de associação garantida constitucionalmente, e do entendimento no Enunciado nº 185, aprovado na III Jornada de Direito Civil (...) (Agravo de Instrumento N. 0037059-66.2014.4.01.0000. Des. Kassio Nunes Marques. Brasília 22.10.2014).

No seara criminal, já existe também decisões que reconhecem a distinção entre o socorro mútuo e seguro empresarial e, consequentemente, da inexistência de crime:

‘(...) Em que pesem os argumentos expendidos pela SUSEP e pelo Parquet federal, a proteção oferecida pelas associações a seus membros não constitui seguro, porque evidencia-se essencialmente diversa do contrato em virtude do qual um dos contratantes assume a obrigação de pagar ao outro, ou a quem este designar, uma indenização no caso da consumação do evento incerto e temido, em contrapartida ao pagamento do prêmio previamente estabelecido e pago por parte do segurado, na dicção do art. 757 do Código Civil. Ou seja, "toda operação de seguro representa, em última análise, a garantia de um interesse contra a realização de um risco, mediante o pagamento antecipado de um prêmio. Os essentialia negotii são, portanto, quatro: o interesse, o risco, a garantia e o prêmio" (Comparado apud NERY Júnior, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil Comentado. 6.ed.rev.ampl.atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 669).  Os veículos dos associados não são segurados quanto a eventos danosos futuros, mas no caso da superveniência deles, até certo limite, é feita a distribuição do prejuízo mediante rateio variável, ou seja, não há pagamento de premio prévio, mas cotização de uma parte do dano suportado pelo associado, que minimiza os custos pela inexistência de cálculos atuariais e mesmo perfil de risco, itens necessariamente computados no valor do prêmio do seguro.  De outra banda, oportuno trazer à colação os fundamentos pelos quais foi consolidado o Enunciado 185 da III Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal a propósito da interpretação ao art. 757 do Código Civil: “185 –Art. 757: A disciplina dos seguros do Código Civil e as normas da previdência privada que impõem a contratação exclusivamente por meio de entidades legalmente autorizadas não impedem a formação de grupos restritos de ajuda mútua, caracterizados pela autogestão”. E, pela pertinência, transcrevo a justificativa para o entendimento externado no referido enunciado: “Há duas concepções de seguro, conforme suas origens. O seguro do tipo alpino surgiu nos Alpes suíços e é fundado no princípio da solidariedade. Os segurados compartilham entre si os riscos comuns, organizando-se em sociedades mútuas e prevenindo-se contra os infortúnios. Estipulam geralmente pecúlios para o caso de morte, sendo frequentes também os seguros de saúde e de acidentes. O segundo tipo é o seguro capitalista, denominado anglo-saxão. É originário da cobertura dos riscos da navegação de longo curso e animado pelo lucro do segurador. O Código Civil de 1916 acolheu as duas modalidades, dedicando uma seção ao seguro mútuo. Os segurados em tudo suportavam o prejuízo advindo a cada um, exercendo eles mesmos a função de segurador (art. 1.466). Em lugar do prêmio, contribuíam para o enfrentamento das despesas administrativas e dos prejuízos verificados em cotas proporcionais aos benefícios individuais (arts. 1467 e 1469). Pontes de Miranda acentuou não haver diferença conceitual entre seguro mutualista e capitalista, variando, todavia a natureza da relação jurídica. No primeiro há relação jurídico plurilateral, envolvendo os segurados entre si, que se organizavam geralmente em forma de sociedade, nos moldes do Código Civil de 1916. No seguro capitalista, o contrato é bilateral, entre segurado e segurador. As sociedades de seguros, independentemente da modalidade que praticavam - seguro mutualista ou capitalista – não podiam ser constituídas sem prévia autorização, conforme o art. 20, § 1º, do Código Civil de 1916. O Decreto-lei nº 2.063, de 7 de março de 1940, mudou essa situação. De um lado dispôs que as operações de seguros só poderiam ser realizadas por sociedades anônimas, cooperativas e sociedades mútuas, mas de outra parte, excluiu de sua incidência as associações de classe, de beneficência e de socorros mútuos, instituidoras de pensões e pecúlios em favor de seus associados e respectivas famílias. Assim criou um seguro mútuo societário e outro associativo, de certo modo distinguindo os conceitos de sociedade e associação, o que veio a ser feito decisivamente no Código de 2002. Posteriormente, o Decreto-lei nº 73, de 21 de novembro de 1966, reservou as operações de seguros às sociedades anônimas e às cooperativas, alijando as antigas sociedades mútuas, que seriam o embrião das entidades de previdência privada, reguladas pela Lei 6.435, em 1977. Quanto às associações de classe, beneficência, de socorros mútuos e montepios então em funcionamento, foram mantidas fora do regime legal também no Decreto-Lei 73, tal como dispusera o Decreto-lei 2.063, ficando facultado ao Conselho Nacional de Seguros Privados mandar fiscalizá-las quando julgasse conveniente. Com a edição da Lei 6.435, de 15 de julho de 1977, a mutualidade passou a ser regida por normas de previdência privada, com exceção dos planos de pecúlio de pequeno valor (até 300 ORTNs, na época) vigorantes no âmbito limitado de uma empresa, fundação ou outra entidade de natureza autônoma, e administrados exclusivamente sob a forma de rateio entre os participantes. A Lei 6.435/1977 foi revogada pela Lei Complementar 109, de 29 de maio de 2001, que passou a regular com exclusividade a previdência fechada privada e aberta, nada dispondo relativamente às entidades ressalvadas na lei anterior. O regime de previdência privada tem caráter complementar e autônomo em relação ao regime geral de previdência social. As entidades abertas são constituídas unicamente sob a forma de sociedades anônimas e são acessíveis a quaisquer pessoas físicas. As sociedades seguradoras autorizadas a operar exclusivamente no ramo “vida” podem operar planos de benefícios previdenciários. Às entidades abertas é aplicável, no que couber, também a legislação própria das sociedades seguradoras. As entidades fechadas, só podem ser organizadas sob a forma de fundação ou sociedade civil sem fins lucrativos e são acessíveis exclusivamente aos empregados de uma empresa ou grupo de empresas e aos servidores da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, entes denominados “patrocinadores”; e aos associados ou membros de pessoas jurídicas de caráter profissional, classista ou setorial, denominadas “instituidores”. As entidades fechadas constituídas por instituidores devem terceirizar a gestão dos recursos que irão garantir as reservas técnicas e provisões mediante a contratação de instituição especializada e autorizada para tanto, cujo patrimônio deverá ser mantido segregado e totalmente isolado dos patrimônios do instituidor e da entidade fechada. Como se percebe, nos planos previdenciários das entidades fechadas constituídas por instituidores intervêm: o instituidor, que será uma pessoa jurídica de caráter profissional, classista ou setorial; a entidade previdenciária, criada sob a forma de fundação ou sociedade civil sem fins lucrativos (conhecida como fundo de pensão); e o gestor. Operacionalmente, as relações jurídicas se estabelecem entre a entidade fechada e o gestor, sendo beneficiários os membros ou associados do instituidor. O gestor presta serviços à entidade previdenciária, pondo-se esta e os beneficiários como consumidores frente àquele. O mesmo esquema de relações prevalece nas entidades patrocinadas, que são constituídas por empregadores privados ou públicos em favor de seus empregados e servidores com serviços de gestão terceirizados. Nos modelos previstos na legislação previdenciária não há lugar para o mutualismo puro. O Código Civil de 2002 também o ignorou como espécie de seguro, não reproduzindo qualquer dispositivo análogo ao art. 1.466 do CC/1916. Como bem observou Ronaldo Porto Macedo Júnior, registrou-se um importante movimento do sistema de sociedade de amigos e organizações de auxílio mútuo para a moderna empresa de seguro e para a previdência social. Nada disso, porém, significa o expurgo do mutualismo. A autonomia privada e a liberdade contratual, inclusive levando se em consideração a função social do contrato, garantem a sua permanência, desde que praticado em círculo restrito e mantido como princípio genuíno. Os mutualistas deverão auto-organizar-se exclusivamente sob a forma associativa, uma vez que a societária é utilizável somente pelo seguro capitalista e pela previdência social. Legalmente, ainda prevalece a ressalva do Decreto-lei nº 2.063, de 1940, que não foi expressamente revogado pelo Decreto-lei nº 73, de 1966, permanecendo em vigor: as associações de classe, de beneficência e de socorro mútuos podem instituir pensões e pecúlios em favor de seus associados e respectivas famílias, de valor limitado, atendendo-se à restrição sobrevinda com a Lei 6.435, de 1977. O contrato de ajuda mútua será plurilateral e auto-organizativo, repartindo custos e benefícios exclusivamente entre participantes, mediante rateio. Sua diferenciação do seguro capitalista e da previdência privada é a autogestão, tal como permitido pela Lei 9.656/1988 para os planos de saúde.” (grifos da transcrição). Deveras, nada há de ilícito na associação sem fins lucrativos de pessoas voltada para a mútua ajuda entre os associados, com repartição de custos e benefícios mediante rateio e autogestão, que não se equipara ao seguro capitalista oferecido pelas seguradoras sujeitas à legislação específica de regência. Daí porque a conduta narrada na denúncia não se subsume ao quanto previsto no art. 16 c/c art. 1º, parágrafo único, inciso I, da Lei 7.492/86. Sob outro enfoque, impor restrição a tal modalidade de reunião de pessoas onde a lei não impôs caracteriza manifesto cerceamento à liberdade do indivíduo, a quem é permitido fazer tudo o que a lei não proíbe, inclusive associar-se para fins lícitos, como vimos de ver, (incisos II e XVIII do art. 5º da Constituição da República) mormente para a finalidade de buscar minimizar o risco individual no risco coletivo, pela vertente do mutualismo.” (JFMG, 4ª Vara Federal, Processo nº. 0032812.2014.4.01.3800, Juíza Federal Rogéria Maria Castro Debelli)

Em discussão mais atual (15/09/2015), no parecer do PL 356/2012 o Senador Eduardo Amorim, na Comissão do Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle do Senado Federal, trouxe de forma clara a questão das associações. Vejamos:

“O fato de o atual Código Civil não ter reproduzido, com especificidade, os dispositivos do anterior Código Civil (que, nos arts. 1.466 ao 1.470, disciplinava o seguro mútuo) não significa que tal prática ficou vedada. De fato, o novo Código Civil adotou, entre as suas diretrizes metodológicas, a de não reproduzir dispositivos legais do anterior Código que cuidassem de contratos sem tanto uso social e para os quais era desnecessária (e até mesmo inconveniente, por engessar a autonomia da vontade) a disciplina legal expressa. É o que sucedeu, por exemplo, com o pacto comissório nos contratos de compra e venda, que ainda hoje é admitido, apesar de o novo Código não ter reproduzido o teor do já revogado art. 1.163 do Código Civil de 1916. (...) As entidades de seguro mútuo não se equiparam às seguradoras, pois, conforme o respeitado civilista Flávio Tartuce, “naquelas os segurados não contribuem por meio de prêmio, e sim por meio de quotas necessárias para se protegerem de determinados prejuízos por meio da dispersão do evento danoso entre os seus membros”

Em 30/03/2016 o Senador Douglas Cintra, representando a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado Federal, expôs em seu parecer a seguinte lição:

“(...) Além disso, não se deve confundir os seguros propriamente ditos com os serviços de proteção de autogestão, pois estes exigem mutualidade e estabelecem rateio entre participantes ou estipulam fundo de reserva a partir de contribuições periódicas, sem estrutura societária, não abrangendo, assim, o mercado de consumo, mas apenas um grupo de associados. A atividade de seguros, por outro lado, abrange o mercado em geral, não pessoas determinadas, sendo a seguradora organizada para tal finalidade.

Os grupos restritos de ajuda mútua, organizados em sistema de autogestão, tampouco devem ser tratados como seguros do ponto de vista regulatório, por ausência de risco sistêmico. Nesse sentido, eles podem ser prestados independentemente de autorização ou fiscalização das autoridades reguladoras de seguros.

Registre-se que, apesar da omissão do atual Código Civil quanto ao seguro mútuo (o antigo Código tratava do assunto nos arts. 1.466 a 1470), é praticamente consenso na doutrina não haver qualquer vedação legal à prática.  Tanto é assim que o Enunciado nº 185 da Terceira Jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho da Justiça Federal(...)”

Mais recente, tem o parecer do Deputado Federal Benedito Gama da Comissão de Finanças e Tributação (junho/2016):

“Diferentemente do que os opositores à ideia subjacente ao projeto de Lei nº 4.844, de 2012, tentam defender, a atividade a ser desempenhada por transportadores de pessoas ou cargas organizada sem associação de direitos e obrigações recíprocas para criar fundo próprio não é prestação de serviços de seguro. Trata-se de uma modalidade associativa de mútua ajuda, com a finalidade de reduzir custos incorridos na reparação e substituição dos seus veículos. Acreditamos que é legítimo que tal prerrogativa também seja expressamente prevista na legislação em relação às sociedades cooperativas, em atendimento, inclusive, ao expresso comando constitucional inserido no art. 174 § 2º. As sociedades cooperativas possuem, inclusive, permissão expressa em sua legislação para a criação de fundos facultativos, com destinação específica, por meio de suas Assembleias Gerais. Contudo, inúmeras interpretações equivocadas, em especial da Superintendência  de Seguros Privados (Susep), têm tentado limitar o alcance deste dispositivo, razão pela qual a expressa autorização para a prática se torna indispensável para trazer segurança jurídica à atuação das cooperativas. Inclusive, é importante  mencionar  que  foi  constituído pela Superintendência de Seguros Privados –SUSEP (Portaria Susep nº 6.369, de 16 de outubro de 2015), um Grupo de Trabalho com o objetivo de discutir a conceituação de fundos mútuos constituídos pelas associações e cooperativas de transporte. O Grupo foi composto por representantes da SUSEP, Organização  das  Cooperativas  Brasileiras –OCB, da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda, da Confederação Nacional de Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização –CNSeg, da  Federação  Nacional  de  Corretores de Seguros Privados  e  de  Resseguros,  de  Capitalização, de Previdência  Privada, das Empresas Corretoras de Seguros e de Resseguros –FENACOR, da Federação Nacional  das Associações de Caminhoneiros e Transportadores –FENACAT e do   Sindicato Nacional das Empresas de Transporte de Automóveis –SINTRAUTO. Após as diversas discussões, houve um significativo avanço na conceituação dos fundos pela SUSEP e o reconhecimento de que, apesar de possuir semelhanças com a atividade securitária, os fundos não podem ser considerados como um seguro, sejam eles utilizados pelas associações ou cooperativas”

Na área legislativa, atualmente existem 04 (quatro) projetos de lei, sendo 03 (três) em tramitação na Câmara dos Deputados e 01 (um) em tramitação no Senado Federal.

O primeiro projeto de lei sobre associações de divisão de despesas foi apresentado pelo Senador Paulo Paim (PT-RS) em 09/10/2012, sob o protocolo 356/2012. O referido projeto teve pareceres favoráveis das comissões e até votado por unanimidade, entretanto, ocorreu o pedido do Senador Aloysio Nunes Ferreira, solicitando que a presente proposição fosse apreciada pela Comissão de Assuntos Econômicos. Atualmente o PLS 356/2012 foi encaminhado novamente ao Plenário e aguarda inclusão na Ordem do Dia para realizar a votação.

Na Câmara dos Deputados o primeiro projeto de lei foi o de autoria do Deputado Federal Diego Andrade (PSD-MG), trata-se do PL nº. 4.844/2012 (12/12/2012) e tem como objetivo a alteração do art. 53 do Código Civil para permitir aos transportadores de pessoas ou cargas organizarem-se em associação de direitos e obrigações recíprocas para criar fundo próprio, desde que seus recursos sejam destinados exclusivamente à prevenção e reparação de danos ocasionados aos seus veículos por furto, acidente, incêndio, entre outros. Seu último andamento foi em 09/08/2016, sendo a apresentação de duas emendas na Comissão de Constituição e Justiça, as emendas foram do Deputado Lucas Vergílio e Deputado Arnaldo Faria de Sá.

No ano de 2016 foram apresentados 02 (dois) projetos de lei sobre as associações de socorro mútuo, sendo o Projeto de Lei nº. 5.523/2016 de autoria do Deputado Ezequiel Teixeira (PTN-RJ). O outro projeto apresentado foi o PL 5.571/2016 de autoria do Deputado João Campos (PRB-GO), tendo como objetivo a disposição de requisitos para atividade de socorro mútuo, sua última movimentação ocorreu em 07/12/2016, sendo requerido o desapensamento do Projeto de Lei nº. 5.523/2016.

A questão das associações de socorro mútuo estão presentes no Poder Legislativo e conta com um número expressivo de projetos de lei, sendo verificado que ambos já reconhecem a diferença entre o seguro empresarial e tentam retornar ao ordenamento jurídico norma expressa sobre tais entidades, como feito anteriormente (Código Civil de 1916)

Destarte, não restam dúvidas sobre o que é uma associação de socorro mútuo e sua importância no cenário brasileiro, entidades que por meio de autogestão democrática amparam seus associados em momentos difíceis, além de criar progresso social e desenvolvimento econômico regional, além de concluir que a atividade desenvolvida por uma associação de socorro mútuo é totalmente diferente de um seguro empresarial/capitalista (seguradora).

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Sobre o autor
Gabriel Martins Teixeira Borges

Gabriel Martins Teixeira Borges, advogado inscrito na OAB/GO 33.568, OAB/PE 53.536 e OAB/RN 20.516. Pós-graduado em Direito Civil, Processo Civil, Direito Tributário e Direito do Consumidor pela Universidade Federal de Goiás. Jurídico da Força Associativa Nacional-FAN. Jurídico da Organização Nacional do Associativismo - ONA. Jurídico do Instituto do Nordeste de Autorregulação das Associações de Rateio - INAR. Membro da Associação Internacional de Direito Seguro. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Contratual. Diretor da Organização Internacional de Economia Social – OIES.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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