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Provável erro no orçamento estimativo em razão de acentuadas discrepâncias entre o valor orçado e o valor efetivamente licitado

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26/01/2017 às 15:20
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Abordam-se aspectos relativos a provável erro na pesquisa de preços em razão de discrepâncias entre o valor orçado e o valor efetivamente licitado, com base na jurisprudência do TCU.

Para organizar o texto, neste singelo estudo, faremos uso de determinadas definições do vocabulário técnico de auditoria do Tribunal de Contas da União. Para fins didáticos, utilizaremos as considerações derivadas do termo “achado” ou “constatação”, que segundo vocabulário técnico do Glossário de Termos do Controle Externo (BRASIL, 2012), do próprio TCU, significa:

Qualquer fato significativo, digno de relato pelo auditor, constituído por quatro atributos essenciais: situação encontrada (ou condição, o que é), critério (o que deveria ser), causa (razão do desvio em relação ao critério) e efeito (consequência da situação encontrada). Decorre da comparação da situação encontrada com o critério e deve ser devidamente comprovado por evidências. O achado pode ser negativo, quando revela impropriedade ou irregularidade, ou positivo, quando aponta boas práticas de gestão. (BRASIL, 2012, p.4)

Assim, entre outras, baseados em julgados da Egrégia Corte de Contas, abordaremos aspectos relativos a provável erro na pesquisa de preços em razão de discrepâncias entre o valor orçado e o valor efetivamente licitado.


1 Situação encontrada

Contraditória diferença entre o valor de proposta vencedora e o valor estimado da contratação, para mais ou para menos, indicando realização de pesquisas de preços desajustadas ou incorretas.


2 Critérios referenciais

A respeito do tópico supracitado, podemos destacar algumas considerações correlatas de fontes diversas do direito.

a. Da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993, que regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências:

Art. 7o As licitações para a execução de obras e para a prestação de serviços obedecerão ao disposto neste artigo e, em particular, à seguinte sequência:

[…]

§ 2o As obras e os serviços somente poderão ser licitados quando:

[…]

II - existir orçamento detalhado em planilhas que expressem a composição de todos os seus custos unitários;

[…]

Art. 15. As compras, sempre que possível, deverão:

[…]

V - balizar-se pelos preços praticados no âmbito dos órgãos e entidades da Administração Pública.

§ 1o O registro de preços será precedido de ampla pesquisa de mercado.

[…]

Art. 40. O edital conterá no preâmbulo o número de ordem em série anual, o nome da repartição interessada e de seu setor, a modalidade, o regime de execução e o tipo da licitação, a menção de que será regida por esta Lei, o local, dia e hora para recebimento da documentação e proposta, bem como para início da abertura dos envelopes, e indicará, obrigatoriamente, o seguinte:

[…]

§ 2o Constituem anexos do edital, dele fazendo parte integrante:

[…]

II - orçamento estimado em planilhas de quantitativos e preços unitários; (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994)

[…]

Art. 43. A licitação será processada e julgada com observância dos seguintes procedimentos:

[…]

IV - verificação da conformidade de cada proposta com os requisitos do edital e, conforme o caso, com os preços correntes no mercado ou fixados por órgão oficial competente, ou ainda com os constantes do sistema de registro de preços, os quais deverão ser devidamente registrados na ata de julgamento, promovendo-se a desclassificação das propostas desconformes ou incompatíveis; (grigo nosso).

b. Do Decreto nº 7.892, de 23 de janeiro de 2013, que regulamenta o Sistema de Registro de Preços previsto no art. 15 da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993.

Art. 5º Caberá ao órgão gerenciador a prática de todos os atos de controle e administração do Sistema de Registro de Preços, e ainda o seguinte:

I - registrar sua intenção de registro de preços no Portal de Compras do Governo federal;

II - consolidar informações relativas à estimativa individual e total de consumo, promovendo a adequação dos respectivos termos de referência ou projetos básicos encaminhados para atender aos requisitos de padronização e racionalização;

III - promover atos necessários à instrução processual para a realização do procedimento licitatório;

IV - realizar pesquisa de mercado para identificação do valor estimado da licitação e, consolidar os dados das pesquisas de mercado realizadas pelos órgãos e entidades participantes, inclusive nas hipóteses previstas nos §§ 2º e 3º do art. 6º deste Decreto; (Redação dada pelo Decreto nº 8.250, de 2014). (Grifo nosso).

c. Da Instrução Normativa nº 5-SLTI/ MPOG, de 27 de junho de 2014, que dispõe sobre os procedimentos administrativos básicos para a realização de pesquisa de preços para a aquisição de bens e contratação de serviços em geral:

Art. 1º Esta Instrução Normativa dispõe sobre o procedimento administrativo para a realização de pesquisa de preços para a aquisição de bens e contratação de serviços em geral.

Parágrafo único. Subordinam-se ao disposto nesta Instrução Normativa os órgãos e entidades integrantes do Sistema de Serviços Gerais (SISG).

Art. 2º A pesquisa de preços será realizada mediante a utilização de um dos seguintes parâmetros: (Alterado pela Instrução Normativa nº 7, de 29 de agosto de 2014)

I - Portal de Compras Governamentais - www.comprasgovernamentais.gov.br;

II - pesquisa publicada em mídia especializada, sítios eletrônicos especializados ou de domínio amplo, desde que contenha a data e hora de acesso;

III - contratações similares de outros entes públicos, em execução ou concluídos nos 180 (cento e oitenta) dias anteriores à data da pesquisa de preços; ou

IV - pesquisa com os fornecedores. (Grifo nosso).

Na doutrina, encontramos firme posicionamento sobre a importância de se estabelecer corretamente o valor estimado do objeto, reforçando o suporte normativo.

Apesar de ser um dos maiores gargalos do processo licitatório, a ampla pesquisa, termo equivalente a pesquisa de preços ou pesquisa de mercado, segundo o Manual de orientações sobre pesquisa de preços, do Superior Tribunal de Justiça, é o artefato que garante:

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a. informar o preço justo de referência que a Administração está disposta a contratar;

b. verificar a existência de recursos suficientes para cobrir as despesas decorrentes de contratação pública;

c. definir a modalidade licitatória;

d. auxiliar a justificativa de preços na contratação direta;

e. identificar sobrepreços em itens de planilhas de custos;

f. identificar jogos de planilhas;

g. identificar proposta inexequível;

h. impedir a contratação acima do preço de mercado;

i. garantir a seleção da proposta mais vantajosa para a Administração;

j. auxiliar o gestor a identificar a necessidade de negociação com os fornecedores, sobre os preços registrados em ata, em virtude da exigência de pesquisa periódica;

k. servir de parâmetro para eventuais alterações contratuais; e

l. subsidiar decisão do pregoeiro para desclassificar as propostas apresentadas que não estejam em conformidade com os requisitos estabelecidos no edita.

Jacoby (2015, p. 177) assevera que “a prévia ampla pesquisa é requisito essencial de validade de qualquer licitação” e que “a ausência desta (pesquisa de preços), pode ensejar a nulidade do processo ou a obrigatoriedade de demonstrar a regularidade dos preços contratados”.

Nesse quadro, cumpre destacar recente Acórdão proferido pelo TCU no mesmo sentido, o 1.445/2015, do Plenário, em que constou:

“[...] para fim de orçamentação nas licitações de bens e serviços, devem ser priorizados os parâmetros previstos nos incisos I e III do art. 2º da IN SLTI/MPOG 5/2014, quais sejam, ‘Portal de Compras Governamentais ‘e’ contratações similares de outros entes públicos’, em detrimento dos parâmetros contidos nos incisos II e IV daquele mesmo art. 2º, isto é, pesquisa publicada em mídia especializada, sítios eletrônicos especializados ou de domínio amplo e pesquisa com os fornecedores’, cuja adoção deve ser vista como prática subsidiária, suplementar”.

Aliás, reiterados julgados apontam para a essencialidade na observância da premissa da aferição de preços de modo a efetivamente cumprir sua destinação de estabelecer real parâmetro de comparação e avaliação das propostas. É oportuna a transcrição de extrato do Informativo de Licitações e Contratos do TCU nº 264, de 4 de novembro de 2015, que entre considerações, alerta para a tomada de decisões com base em pesquisa de preços deficiente:

As estimativas de preços prévias às licitações devem estar baseadas em cesta de preços aceitáveis, tais como os oriundos de pesquisas diretas com fornecedores ou em seus catálogos, valores adjudicados em licitações de órgãos públicos, sistemas de compras (Comprasnet), valores registrados em atas de SRP, avaliação de contratos recentes ou vigentes, compras e contratações realizadas por corporações privadas em condições idênticas ou semelhantes. Em Representação formulada por sociedade empresária acerca de pregão eletrônico promovido pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa), destinado à contratação de central de serviços (service desk) para a manutenção de equipamentos, atendimento e suporte técnico remoto e presencial aos usuários dos ativos de tecnologia da informação, a unidade técnica apontou falhas na realização das pesquisas de preços para a elaboração da estimativa do valor da contratação. Em síntese, destacou a unidade técnica que a pesquisa de preços se baseara em orçamento superior à média de mercado, uma vez que a Funasa não excluíra as cotações manifestamente fora de mercado, “de modo a evitar distorções no custo médio apurado e, consequentemente, no valor máximo a ser aceito para cada item licitado”. Apontou ainda que a pesquisa de preços teria sido restrita, considerando o amplo mercado fornecedor do serviço licitado, além da não comprovação de consultas a outros órgãos e entidades da Administração, ao sistema Compras Governamentais e demais sítios especializados, o que pode ter comprometido a qualidade e a confiabilidade da estimativa de preços construída. Ao analisar o ponto, o relator, endossando a análise da unidade instrutiva, discorreu sobre a jurisprudência do TCU acerca da matéria: “Historicamente, o TCU sempre defendeu que as estimativas de preços prévias às licitações devem estar baseadas em uma ‘cesta de preços aceitáveis’. Nessa linha, os Acórdãos 2.170/2007 e 819/2009, ambos do Plenário. Tais precedentes levaram ao Guia de Boas Práticas em Contratações de Soluções de TI do TCU, de 2012, que lista uma série de fontes de informação que podem ser utilizadas para analisar o mercado com vistas à obtenção de dados sobre preços. Em reforço, o Acórdão 2.943/2013-Plenário consolidou que não se deve considerar, para fins de elaboração do mapa de cotações, as informações relativas a empresas cujos preços revelem-se evidentemente fora da média de mercado, de modo a evitar distorções no custo médio apurado e, consequentemente, no valor máximo a ser aceito para cada item licitado. Todo esse esforço do TCU culminou na edição da IN-SLTI/MPOG 5/2014, que dispõe sobre os procedimentos administrativos básicos para a realização de pesquisa de preços para a aquisição de bens e contratação de serviços em geral”. Nesse sentido, asseverou que “o argumento de que o valor do melhor lance estaria abaixo do orçamento estimativo e que, portanto, estaria atendido o princípio da seleção da proposta mais vantajosa para a Administração somente merece guarida quando evidenciado que a pesquisa de preços da licitação foi feita de acordo com a melhor técnica possível para cada caso, a exemplo dos parâmetros definidos na IN-SLTI/MPOG 5/2014, o que não restou demonstrado neste processo”. Considerando que os valores obtidos no pregão encontravam-se dentro da média de preços praticados por outros órgãos da Administração Pública, o Plenário do Tribunal, pelos motivos expostos pelo relator, decidiu, no ponto, apenas dar ciência à Funasa acerca da impropriedade relativa à “realização de pesquisa de preços com amplitude insuficiente [...] tendo-se obtido apenas três orçamentos, não obstante o mercado fornecedor do serviço ser vasto; e, ainda, que não se considerou a utilização de preços de contratações similares na Administração Pública e a informações de outras fontes, tais como o ComprasNet e outros sites especializados, afrontando o art. 26, parágrafo único, incisos II e III, e o art. 43, inciso IV, da Lei 8.666/1993, conforme entendimento do TCU, a exemplo dos Acórdãos 2.170/2007 e 819/2009, ambos do Plenário”. Acórdão 2637/2015-Plenário, TC 013.754/2015-7, relator Ministro Bruno Dantas, 21.10.2015.

Por fim, é interessante indicar algumas decisões jurisprudenciais, todas do TCU: Acórdão nº 1.108/2007-Plenário, Acórdão nº 2.170/2007-Plenário, Acordão nº 819/2009-Plenário, Acórdão nº 403/2013-Primeira Câmara, Acórdão nº 1.785/2013-Plenário, Acórdão nº 2.943/2013-Plenário, Acórdão nº 1.445/2015-Plenário e Acórdão nº 2.829/2015-Plenário.

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Sobre o autor
Adriano Bochi

Pregoeiro, mestre em Ciências Militares e especialista em gestão pública e recursos e meios de impugnações em licitações e contratos administrativos. Especializando em direito da administração pública.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BOCHI, Adriano. Provável erro no orçamento estimativo em razão de acentuadas discrepâncias entre o valor orçado e o valor efetivamente licitado. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4957, 26 jan. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/55378. Acesso em: 20 abr. 2024.

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