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Efeitos legais das ações para segurança do paciente nos estabelecimentos de saúde

19/05/2017 às 12:10
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O cumprimento da legislação que trata da segurança dos pacientes pode ser fator fundamental na exclusão do nexo entre o dano alegado pelo paciente e o serviço prestado pelo estabelecimento ou profissional.

O Ministério da Saúde, ao considerar a necessidade de melhoria do cuidado prestado nos ambientes de assistência à saúde, principalmente em relação à “relevância e magnitude que os Eventos Adversos – (EA)* têm no país” e à prioridade dada à segurança do paciente na agenda política da Organização Mundial da Saúde (OMS) e na Resolução aprovada durante a 57a Assembleia Mundial da Saúde"(1), publicou Resoluções e Portarias que trataram de definir ações gerais e específicas sobre o tema.

Um dos motivos das discussões sobre a ocorrência dos EA é que apresentam o potencial de causar danos aos pacientes e prejuízos associados aos cuidados à saúde, decorrentes de processos ou estruturas da assistência.

São danos que levam à judicialização dos casos na busca por indenizações materiais e/ou morais e, consequentemente, a perdas patrimoniais das instituições ou dos profissionais envolvidos.

A atitude para segurança dos pacientes repensa os processos assistenciais com o intuito de identificar a ocorrência das falhas antes que causem danos na atenção à saúde. “Assim, é importante conhecer quais são os processos mais críticos e, portanto, com maior probabilidade de ocorrência, para que seja possível desenvolver ações eficazes de prevenção” (2). São ações que, além de preventivas para a ocorrência de danos, também o são em relação ao acionamento judicial ou extrajudicial dos profissionais envolvidos.

Embora vários dispositivos legais tenham sido publicados em sua maioria pelo Ministério da Saúde, seus efeitos não se restringem a atividades relacionadas à saúde dos pacientes, mas também às consequências danosas que possam ocorrer durante esse processo.

O cumprimento da legislação que trata da segurança dos pacientes pode ser fator fundamental na exclusão do nexo entre o dano alegado pelo paciente e o serviço prestado pelo estabelecimento ou profissional. Evidentemente, devem estar registrados e com informações completas para que possam ser utilizados como provas técnicas documentais, se for o caso.

Ao publicar a RDC nº 63 em 25 de novembro de 2011 estabelecendo requisitos para o bom funcionamento dos serviços de saúde, o Ministério da Saúde evidenciou a qualificação, a humanização da atenção e gestão e a redução e controle de riscos aos usuários e meio ambiente. Isso significou estabelecer que todo o serviço oferecido dentro de uma unidade de saúde deveria estar em conformidade com as melhores práticas que assegurassem redução de riscos aos pacientes, profissionais e ao meio ambiente.

Em abril de 2013 foi publicada a Portaria nº 529 que instituiu o Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP) com o objetivo geral de contribuir para a qualificação do cuidado em saúde em todos os estabelecimentos de saúde do território nacional. Para isso, constituiu um grupo, o Comitê de Implementação do Programa Nacional de Segurança do Paciente (CIPNSP) com competência para, entre outras, propor e validar protocolos, guias e manuais voltados à segurança do paciente em diferentes áreas.

Em 25 de julho de 2013 foi publicada a Resolução da Diretoria Colegiada - RDC nº 36, que também instituiu ações para a promoção da segurança do paciente e melhoria da qualidade nos serviços de saúde, porém, teve como eixo a obrigatoriedade de constituição do Núcleo de Segurança do Paciente (NSP) e a elaboração de um Plano de Segurança do Paciente (PSP) nos seguintes termos:

Art. 4º A direção do serviço de saúde deve constituir o Núcleo de Segurança do Paciente (NSP) e nomear a sua composição, conferindo aos membros autoridade, responsabilidade e poder para executar as ações do Plano de Segurança do Paciente em Serviços de saúde.

Art. 8º O Plano de Segurança do Paciente em Serviços de Saúde (PSP), elaborado pelo NSP, deve estabelecer estratégias e ações de gestão de risco, conforme as atividades desenvolvidas pelo serviço de saúde.

A abrangência dessa RDC não atingiu os consultórios individualizados, laboratórios clínicos e os serviços móveis e de atenção domiciliar, mas envolveu ações mais complexas em relação a segurança dos pacientes do que os dispositivos anteriormente publicados nos demais serviços.

Tal fato colocou mais responsabilidade nas mãos dos profissionais e das instituições de saúde, haja vista estarem “oficializadas” todas as ações, que, caso não realizadas, podem servir de nexo causal para ações indenizatórias em caso de descumprimento. São elas:

  • identificação, análise, avaliação, monitoramento e comunicação dos riscos no serviço de saúde, de forma sistemática;
  • integração dos diferentes processos de gestão de risco desenvolvidos nos serviços de saúde;
  • implementação de protocolos estabelecidos pelo Ministério da Saúde;
  • identificação do paciente;
  • higiene das mãos;
  • segurança cirúrgica;
  • segurança na prescrição, uso e administração de sangue e hemocomponentes;
  • segurança na prescrição, uso e administração de medicamentos;
  • segurança no uso de equipamentos e materiais;
  • manter registro do uso de órteses e próteses quando esse procedimento for realizado;
  • prevenção de queda dos pacientes;
  • prevenção de úlceras por pressão (atualmente denominadas lesões por pressão)
  • prevenção e controle de eventos adversos em serviços de saúde, incluindo as infecções relacionadas à assistência à saúde;
  • segurança nas terapias nutricionais enterais e parenterais;
  • comunicação efetiva entre os profissionais do serviço de saúde e entre serviços de saúde;
  • estimular a participação do paciente e dos familiares na assistência prestada;
  • promoção do ambiente seguro.

Vale ressaltar que, para ações de identificação, prevenção de lesões por pressão, cirurgia segura, prática de higiene das mãos, segurança na prescrição, uso e administração de medicamentos e prevenção de quedas, existem “Protocolos” validados pelo Ministério da Saúde que podem servir de base para elaboração de parte dos Planos de Segurança de Pacientes nos estabelecimentos de saúde.

Diante do exposto, é possível afirmar que várias questões discutidas nos tribunais em ações indenizatórias por defeitos na prestação de serviços ou mesmo por alguns dos denominados “erros médicos”, podem ter a legislação sanitária, especialmente os dispositivos relacionados à segurança do paciente, como fonte da fundamentação técnica no estabelecimento ou exclusão do nexo entre o dano alegado e o serviço prestado.

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*Incidente que resulta em dano ao paciente


Notas

(1) BRASIL. Portaria nº 529, de 1 de abril de 2013. Institui o Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP).

(2) BRASIL. Anvisa. Ministério da Saúde. Assistência Segura: : Uma reflexão teórica aplicada à prática. Segurança do Paciente e Qualidade em Serviços de Saúde, Brasília, p.11-11, 2013. Série.

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Sobre a autora
Sandra Soares Alvim

Odontóloga e Advogada com pós-graduações nas áreas de Saúde e Direito. Especialista em Saúde Coletiva e em Vigilância Sanitária com larga experiência em vigilância sanitária de serviços de saúde e especialista em Direito Público Sanitário, atuando como consultora técnica na Promotoria Especializada em Saúde do Ministério Público/MG em Uberlândia. Assessora a hospitais, clínicas médicas/odontológicas, escritórios de arquitetura e de advocacia em temas relacionados a aplicabilidade do Direito Sanitário à qualidade dos serviços prestados e ao controle de riscos. Membro da Comissão de Saúde e Bioética da OAB/MG - Uberlândia

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALVIM, Sandra Soares. Efeitos legais das ações para segurança do paciente nos estabelecimentos de saúde. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5070, 19 mai. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/55504. Acesso em: 24 abr. 2024.

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