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A atuação da Polícia Civil de São Paulo na prevenção especializada por intermédio dos Núcleos Especiais Criminais

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17/02/2017 às 13:35
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5      OS MÉTODOS ALTERNATIVOS DE SOLUÇÃO DE CONFLITOS COMO INSTRUMENTOS DA ATIVIDADE DE POLÍCIA

A pós-modernidade, enquanto expressão que designa os tempos atuais, caracteriza-se pela incerteza. Na descrita sociedade de risco de Ulrich Beck, vivemos o passado do futuro (VALENTE, 2011b, p. 50). Nestes tempos, a humanidade presencia a globalização com seus impactos positivos e negativos (MARZAGÃO JR., 2013, p. 95). Este fenômeno, inexoravelmente, traz implicações significativas para o surgimento de diferentes conflitos caracterizados, de algum modo, pelos 

reflexos da abertura dos mercados mundiais, que [...] não tem conseguido trazer os benefícios pregados pelos defensores de uma economia neoliberal, gerando uma sociedade consumista, individualista e, cada vez mais, distanciada dos ideais humanistas. (MARZAGÃO JR., 2013, p. 97).

Naturalmente, este cenário coloca novos desafios ao poder público. Fundamental, então, estabelecer em que medida a polícia pode, ou mesmo conseguirá empregar os métodos alternativos de solução de conflitos, pois as atividades de polícia judiciária e investigação criminal valem-se tradicionalmente de outros referenciais para a consecução de seus objetivos, como, por exemplo, a legislação processual penal[5]. Igualmente, a ideia de polícia liga-se à ideia de uso legítimo da força. Ou seja, no atual estágio de desenvolvimento da sociedade, a utilização de meios adequados de solução de disputas é parte da evolução das atividades de polícia no sentido de esta se “desligar”, de alguma forma, de suas raízes. Sobre isto, ensina Egon Bittner que,

Em um sentido incipiente, todas as polícias têm sua origem ligada ao papel dos homens de armas como, de fato, ainda podemos observar refletido no termo gendarme [fr. lit. “gentes com armas”]. Com certeza, esse é o sentido que guia a autoconcepção de muitos policiais a respeito de sua ocupação. Atualmente, ao abandonar essa concepção [...], as polícias poderão seguir o caminho de desenvolvimento de todas as profissões que só ganham reconhecimento depois de se livrar das ligações com suas respectivas fontes de origem e, assim, adquirem nova confiança e legitimidade provenientes do público, ao associarem-se ao conhecimento científico. (BITTNER, 2003, p. 172).

Isto permitirá, naturalmente, o desenvolvimento de habilidades outras que lhe permitam atuar em consonância com as expectativas da vida na contemporaneidade.

Cumpre ressaltar, igualmente, que não é suficiente que a polícia apenas se instrumentalize com base nos conhecimentos científicos. Para uma atuação de excelência, é necessário que a polícia desenvolva princípios de atuação com base no pensamento sistêmico (VASCONCELLOS, 2005). Este é o novo paradigma da ciência que volta o olhar também para o sujeito do conhecimento. Como demonstrado, a pessoa humana e sua proteção constituem as razões do Estado Democrático de Direito. A atuação policial nos crimes de menor potencial ofensivo é o campo fértil para a realizabilidade deste modelo.

Ele é clarificado pelas colocações de Manuel Monteiro Guedes Valente. 

In verbis:

A criação e a produção contínua de conhecimento científico sobre a actuação policial são dois marcos decisivos para a consciencialização de que só teremos melhor polícia – com níveis de qualidade e excelência próprios de uma instituição do século XXI e adequados à fomentação de qualidade de vida e bem-estar – se a formação dessa polícia não se fundar tão só na aquisição de conhecimentos, de competências e capacidades, mas se essa trilogia cumulativa cerebral e motora for acompanhada, melhor, se for embebida pela ideia de sabedoria emergente de uma cultura e de um pensar comunicativo intersubjectivo do ser humano como ser frágil e ser que necessita ou que cria as necessidades de vivência harmoniosa comunitária. (VALENTE, 2011a, p. 97, grifo nosso).

Isso, sem descurar da preocupação de uma atividade de polícia que lance mão dos instrumentos e técnicas dos vários ramos do saber, como, por exemplo, a psicologia social, a neurolinguística, a semiótica, a comunicação e as linguagens, observando-se as interações destes saberes. Isto institui um novo paradigma de atuação policial, que é resumido por Welder de Oliveira Almeida da seguinte forma:

A despeito das oscilações conceituais, percebe-se, claramente, que a construção de uma nova Ciência Policial vem se dando a passos largos, quase sempre trilhados sob uma ótica interdisciplinar e, vez por outra, sob os augúrios de uma visão transdisciplinar, e não poderia ser diferente, posto que os saberes atrelados a essa nova ciência são dotados de complexidade, algo que demanda reflexões acerca da realidade globalizada em que se vive, bem assim algo que impende uma busca incessante por lastros teóricos e epistemológicos, que poderão contribuir para a consolidação e o avanço desse constructo. (ALMEIDA, 2010, p. 153, grifo nosso).

Neste aspecto, propugnando por uma nova concepção de polícia judiciária, assim se pronuncia o professor Ricardo Antonio Andreucci:

O paradigma que propomos, assim, visa dotar a polícia judiciária de mecanismos de eficaz solução e equacionamento dos denominados microconflitos sociais, precursores e desencadeantes de infrações penais, buscando, através da transformação do atuar sobre o mundo, o vetor de um policial inovador de uma era que se avizinha, buscando uma nova identidade profissional afinada com a complexidade da articulação social em constante evolução, permitindo que seus profissionais possam ocupar, com destaque, o lugar que merecidamente lhes cabe no arcabouço constitucional de um país democrático e progressista. (ANDREUCCI, 2013, p. 254-255, grifo nosso).

Especificamente sobre a importância do pensamento complexo para as atividades de polícia, Welder de Oliveira Almeida afirma que este

se apresenta como um pensamento animado por uma tensão permanente entre a aspiração a um saber não fragmentado, não parcelar, não estanque, não redutor, e o reconhecimento de seu estado de não acabamento e de sua incompletude. (2010, p. 143).

Neste contexto, se insere a ideia de uma polícia que previne riscos. Que efetivamente cuida das pessoas para que estas exerçam seus direitos de modo a serem felizes. Os métodos alternativos de solução de conflitos possibilitam isso na medida em que se vislumbra “a desconstrução dos conflitos e a edificação de uma nova relação interpessoal consensual na construção da solução.” (MARZAGÃO JR., 2013, p. 105.). Isso permite a construção de resultados com ganhos mútuos.  No processo tradicional, observa-se a lógica do ganha-perde (Ibid., p. 102-103). O modelo adversarial predominante nos processos judiciais inviabiliza, em muitos casos, a solução satisfatória do problema. Sobretudo, quando se considera que

o Poder Judiciário enfrenta uma demanda descomunal de ações, que se transformam em processos, os quais, muitas vezes, se arrastam anos a fio, sem a devida entrega oportuna da prestação jurisdicional. Há que se lembrar de Ruy Barbosa, ao afirmar que justiça tardia se equipara à injustiça. (PENTEADO FILHO, 2013, p. 234).

Saliente-se, todavia, que, em hipótese alguma, quer significar que os meios de resolução alternativa de disputas devem se sobrepor ou substituir a jurisdição (MARZAGÃO JR., 2013, p. 103).

O que a doutrina enfatiza é a maneira como a polícia e a sociedade de modo geral devem lidar com os conflitos. Vale transcrever sobre o tema a fala do professor Marzagão Jr.:

Tais meios para solução de conflitos são considerados alternativos, uma vez que não se prendem aos já consagrados (jurisdicionais), razão pela qual não perseguem tão somente a resolução dos conflitos, mas, sobretudo, a compreensão do desentendimento [o que, vale notar, vai ao encontro da ideia de compreensão do ser e de sua afetividade, imbricados num possível enfoque brasileiro da interdisciplinaridade], como forma de se prevenirem novas situações de mesma natureza. (2013, p. 103, grifo nosso).

E para compreender a raiz do conflito, são necessárias atitudes diferentes de todos os envolvidos no problema de modo a tornar exequível a mudança cultural, ou seja, a mudança para a pacificação social. O conflito, neste modelo, passa a ser entendido como oportunidade de mudança. (GIUDICE, 2013, p. 277).

Num contexto onde se observa a existência de diversos meios para se resolver os problemas, faz-se necessária a escolha certa sobre qual o meio que melhor atenderá as necessidades das pessoas. Pois, “mecanismos inadequados de solução de controvérsias são prejudiciais e potencialmente lesivos aos envolvidos e à própria sociedade, abrindo as portas, inclusive, para a produção da violência.” (Ibid., p. 278).

Conforme se observa na doutrina, são métodos alternativos de solução de conflitos a negociação, a conciliação, a mediação e a arbitragem (Ibid., p. 279). Preliminarmente, é possível afirmar que a escolha adequada de um ou outro método relaciona-se à existência de vínculos subjetivos ou não entre os envolvidos (GIUDICE, loc. cit.). Vale dizer, numa ocorrência envolvendo partes que tiveram seus veículos automotores danificados em virtude de um acidente, o método adequado será a conciliação. Por outro lado, se laços afetivos unirem as partes, como, v.g., pessoas de uma mesma família que estão em conflito em razão de violência doméstica, a mediação se apresenta como sendo o método mais adequado.

De se notar, entretanto, que, num contexto onde se reconhece a complexidade de determinados conflitos, observar-se-á a adoção simultânea das técnicas específicas de cada um dos métodos. Deste modo, no âmbito dos Núcleos Especiais Criminais, o delegado de polícia conduz, possivelmente, uma seção de mediação negociada, onde, talvez, seja necessário o emprego de técnicas específicas da conciliação. Este quadro confirma a necessidade de uma ressignificação das atividades de polícia na atualidade sob uma perspectiva interdisciplinar, talvez transdisciplinar, no que se refere à mediação de conflitos como instrumento de prevenção especializada. É o que se passa a demonstrar.

5.1  Negociação

Enquanto método adequado de solução de conflitos, a negociação integrativa, ou abordagem, conforme os preceitos da escola de Harvard, segue a ideia de negócio jurídico. Vale dizer, trata de como conseguir fechar bons acordos caracterizados pela ausência de conflito (FISHER et al., 2005, p. 28).

Para se conhecer as bases conceituais acerca da negociação, faz-se mister conjecturar sobre duas partes em conflito. Ou seja, desentendimento por causa de um conflito. Neste caso, as próprias partes devem resolver. Não há interveniência de um terceiro (PENTEADO FILHO, 2013b, p. 234). O negociador defende um dos lados com argumentos e não com uma petição.

De se observar que o aspecto emocional deve estar sob controle, preponderando o aspecto racional (GIUDICE, 2013, p. 279). Numa negociação, não se pode reagir a provocações. Imaginando o cérebro humano, deve prevalecer o córtex. Como num jogo de xadrez ou dominó, deve ser utilizada estratégia. Isso implica saber qual é o objetivo e, fundamentalmente, qual é o melhor caminho para se alcançar o objetivo.

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Há vários modos de defender interesses. Um deles é a negociação. Nesta, somos parciais. É dizer que o negociador defende um lado.

É traço característico dos métodos adequados de solução de conflitos o conhecimento das várias realidades. Com a negociação não é diferente. 

Pois proceder à repartição de benefícios entre moradores da Amazônia é uma coisa. A elaboração de um contrato de Tecnologia da Informação onde se estabelece o desenvolvimento de um software para uma instituição bancária é outra.

Cumpre notar, igualmente, que negociação é sinônimo de troca. Necessário que as partes adaptem suas abordagens, uns em relação aos outros. Fundamental a noção de alteridade no que se refere às bases conceituais acerca da negociação (FISHER et al., 2005, p. 37). Negociação é habilidade, portanto, requer treino.  Na base da abordagem Harvard, estão as noções de comunicação e

relacionamento, circundando interesses, opções e a legitimidade. É possível afirmar que sem comunicação não há negociação. Deste modo, a incumbência do negociador profissional é diminuir a distância entre intenção e impacto. Para isso, o bom negociador deve mais ouvir e menos falar. Deve construir pontes que facilitem a comunicação, tendo disposição para ouvir e compreender (FISHER et al., 2005, p. 51). Só a partir deste ponto dá para iniciar argumentação com finalidades persuasivas. 

Estas “pontes” facilitadoras da comunicação consistem, v.g., na iniciação de um diálogo onde são colocados conhecimentos e experiências comuns, interesses comuns ou compreendidos, valores comuns ou compreendidos. Vale dizer, persuasão relaciona-se à ação. O convencimento se relaciona à crença. Sobre esta temática, é pertinente a transcrição de uma passagem da obra de Chaïm Perelman e Lucie Olbrechts-Tyteca, chamada Tratado da Argumentação. In verbis:

Para quem se preocupa com o resultado, persuadir é mais do que convencer [...] em contrapartida, para quem está preocupado com o caráter racional da adesão, convencer é mais do que persuadir. Aliás, ora essa característica racional da convicção depende dos meios utilizados, ora das faculdades às quais o orador se dirige. [...] Com muita frequência a persuasão será considerada uma transposição injustificada da demonstração. [...] Os critérios pelos quais se julga poder separar convicção e persuasão são sempre fundamentados numa decisão que pretende isolar de um conjunto – conjunto de procedimentos, conjunto de faculdades – certos elementos considerados racionais. Há que salientar que esse isolamento às vezes incide sobre os próprios raciocínios; por exemplo, mostrar-se-á que tal silogismo, mesmo ocasionando a convicção, não ocasionará a persuasão; mas falar assim desse silogismo significa isolá-lo de todo um contexto, significa supor que suas premissas existem no espírito independentemente do resto, significa transformá-las em verdades inabaláveis, intangíveis. (2002, p. 30, grifo nosso).

Ou seja, numa negociação, o que se pretende é que o outro oriente sua ação conforme o interesse daquele que estabelece tal ou qual opção (proposta). Isso é feito através do diálogo, e não necessariamente o conteúdo das argumentações postas encontra esteio numa possível racionalidade universal. Vale dizer, desde que viabilize o atendimento de interesses, uma ou outra parte deve ter liberdade para se valer de argumentos que demonstrem, v.g., que não tem razão. Isso não lhe retira, por exemplo, o direito de ver seus interesses atendidos. 

Para uma negociação ser considerada exitosa, é importante a noção de framing. Pois o jeito de apresentar a situação para persuadir o outro lado a ver as coisas da forma que queremos é importante regra do jogo. Relaciona-se à maneira como se apresenta uma ideia. O modo persuasivo preocupa-se com a “embalagem” para o argumento. Isso se torna fundamental na medida em que permite valorizar ou depreciar o objeto da negociação para justificar concessões ou influenciar percepções de valor.

Para exemplificar, lembremo-nos da conjunção adversativa “mas”.  O conhecido apagador universal. Deve ser substituído quando o contexto for o de aplicação efetiva dos métodos adequados de solução de conflitos.

Necessário, também, investir na relação, pois isso fortalece a confiança, facilitando um acordo. A melhor maneira de se investir na relação é marcar, quando possível, um encontro informal com o outro. Neste encontro, deve-se começar pelo que a pessoa vê. Isso possibilita distinguir posição de interesses. A negociação eminentemente objetiva a satisfação de interesses. Isso torna essencial esta diferenciação. Posição é o que nós demandamos. Para aumentarmos nossas chances, devemos inverter o iceberg. Assim, temos chance de entender os interesses e, só posteriormente, colocar as opções. Estas podem ser entendidas como todas as propostas possíveis que atendam aos interesses (FISHER et al., 2005, p. 59).

Por isso, melhor que o negociador posicional, que vai querer “enfiar” na cabeça do outro o seu interesse de qualquer jeito, é o negociador baseado em interesses, ou seja, aquele que analisa, que não se prende a propostas e sim a interesses.

Neste processo, torna-se necessário agregar legitimidade por intermédio de um critério objetivo ou critério persuasivo. Trata-se do critério usado para medir se um possível acordo é justo (Ibid., p. 103). Neste cenário, se colocam algumas questões, como: Qual é o critério que preferimos? Qual é o critério que eles podem aceitar? Nosso critério é persuasivo? Respondidas estas questões, passa-se à agir. Devemos persuadi-los a aceitar o nosso critério, estar abertos a argumentos racionais sem ceder a pressões. O resultado é que ninguém se sente “roubado”,  o tratamento é justo. Avalia-se tendo como parâmetro a troca. Deve-se perguntar: 

O que vou ter em troca?

Caso não ocorra o acordo, o que as partes vão fazer? Quais são as alternativas? Neste ponto, é de se observar qual é a melhor alternativa sem acordo (MASA). É fonte de persuasão, de poder e de decisão. Numa negociação, tem poder quem tem alternativa. Portanto, jamais se deve demonstrar que se precisa do acordo, o que é diferente de ter interesse. É preciso demonstrar que temos alternativas e não ceder a pressões (Ibid., p. 109).

No caso de ocorrência de acordo, fundamental são os compromissos assumidos. Vale dizer, o que as partes pretendem fazer no futuro. Neste caso, algumas questões se colocam: Que autoridade temos? Os compromissos têm credibilidade? Há incentivos para cumpri-los? Durante a negociação, deve-se evitar compromissos até ter ouvido e aprendido a formular compromissos em conjunto, esclarecendo situações de compromisso. O resultado é o alcance de compromissos bem planejados e realistas.

Destarte, a negociação, enquanto instrumento do delegado de polícia conciliador, permite não apenas que se chegue ao sim mas também que se avalie sobre a implementação do que foi estabelecido, mensurando sua exequibilidade com vistas à mudança efetiva da realidade.

5.2   Conciliação

A conciliação enquanto método adequado de solução de controvérsias caracteriza-se pela interveniência de um terceiro no processo decisório acerca do conflito. O Professor Doutor Nestor Sampaio Penteado Filho afirma que, na conciliação,

busca-se a realização de uma avença satisfatória para as partes, como forma de solução para a divergência havida, por intermédio da atuação de um terceiro identificado como conciliador. Ressalte-se que as partes não estão obrigadas a aceitar os termos conciliatórios da avença conduzida pelo conciliador. (2013b, p. 234-235).

Ou seja, é necessária adesão das partes que, sempre que quiserem, poderão abrir mão do procedimento. 

Importantes traços característicos da conciliação são salientados no magistério dos professores Adriano José Moreira de Melo e Vagner Bertoli: “A conciliação é o meio alternativo focado no acordo. Neste caso, o conciliador exerce ligeira hierarquia em relação às partes, emitindo opiniões, fazendo recomendações, advertindo-as [...]” (MELO; BERTOLI, 2015, p. 11, grifo nosso).

Na conciliação, em regra, não existe vínculo anterior entre as partes, razão pela qual os trabalhos conciliatórios são mais superficiais quanto ao tratamento do conflito, sempre tendo o acordo como o principal objetivo (GIUDICE, 2013, p. 280). 

Acerca da conciliação, o professor Luiz Mauricio Souza Blazeck afirma se tratar de “um processo comunicacional com objetivo precípuo de possibilitar o diálogo e recuperar a negociação, a fim de se chegar a um acordo sobre os interesses em questão” (BLAZECK, 2013. p. 165, grifo nosso). 

Na assertiva do Doutor Luiz Mauricio Souza Blazeck, são focalizados aspectos que evidenciam a possível transdisciplinaridade que subjaz à conciliação enquanto atividade de polícia. Assim, observa-se a necessidade de conhecimentos referentes à comunicação, à parte pedagógica, quando se pensa, v.g., nas orientações ofertadas às partes sobre aspectos da negociação, aos componentes psicológicos analisados quando as partes expõem seus interesses e, naturalmente, os fundamentos legais sobre os fatos que estão sendo discutidos, podendo ou não se tratar de infrações penais (SALES; DAMASCENO, 2013, p. 124).

De se notar, igualmente, a necessidade de o conciliador desenvolver determinadas habilidades técnicas para as atividades conciliatórias (BLAZECK, 2013, p. 167), sem esquecer-se de informar às partes o seu verdadeiro papel.  Ou seja, o conciliador não é um juiz, deve sempre respeitar as partes no sentido de a adesão ser espontânea, não pode submeter as pessoas a constrangimento e não pode forçar o acordo (BLAZECK, loc. cit.).

No âmbito dos NECRIMs, a equipe de policiais dirigida pelo delegado de polícia deve se conscientizar de que o procedimento visa reforçar a pacificação social onde haja prevalência do valor fundante do Estado Democrático de Direito, a saber, a dignidade da pessoa humana.

5.3   Mediação

A mediação é o método adequado quando se observa entre os mediandos a exacerbação dos sentimentos e a fragilização emocional em razão do conflito.

É comum as pessoas procurarem as Delegacias de Polícia muito fragilizadas, após terem seus interesses ou bens vulnerados, a ensejar uma contenda no contexto da criminalidade de menor potencial ofensivo, o que se dá pela falta de alguém que lhes confira escuta ativa ou por necessitar de apoio para resolver questões, muitas vezes contidas, já que essa população se ressente da dificuldade financeira para constituir patronos em defesa de suas demandas que, na maioria das vezes, possuem o condão de resultar em crimes mais graves, objetos de atuação repressiva estatal mais severa. (BLAZECK, 2013, p. 168, grifo nosso).

A fala do professor Blazeck ressalta a importância da escuta ativa enquanto técnica de mediação. Vale dizer, é fundamental que o delegado de polícia ouça as partes com o objetivo de identificar os reais interesses das pessoas para que se pense sobre a melhor maneira de facilitar o diálogo.

Cumpre ressaltar, também, que a mediação é o método mais adequado quando da existência de vínculos subjetivos entre as partes, sejam eles familiares, de trabalho ou de outra natureza (GIUDICE, 2013, p. 281).

Sobre os traços característicos da mediação, transcrevemos o magistério do professor Wagner Giudice:

a mediação representa, por excelência, um processo através do qual uma terceira pessoa atua para facilitar a comunicação entre as partes em divergência e encorajá-las a encontrarem uma solução, mas sem indicar qual solução seja essa. Na mediação, não existem adversários. Nela, os envolvidos são meros protagonistas separados por um ponto divergente qualquer e que, com o auxílio de um terceiro, que zelará pelo equilíbrio e pela manutenção do diálogo, buscarão identificar a origem do problema e desenvolverão, elas mesmas, opções e alternativas para alcançar o consenso. Não há vencedores ou perdedores: apenas vencedores. (2013, p. 282, grifo nosso).

Saliente-se, com isso, o papel preponderante das partes para a resolução do problema. Neste aspecto especificamente, é de se observar a noção de empoderamento. É dizer que, na mediação, é fundamental a participação efetiva das partes para se alcançar a solução, sendo também necessária a assunção de responsabilidades. Vale dizer, os contendores devem estar conscientes de seus direitos e deveres, decidir e arcar com as consequências das escolhas feitas (SALES; DAMASCENO, 2013, p. 136), extraindo desta experiência um aprendizado que lhes possibilite, no futuro, lidar melhor com os conflitos.

Neste contexto, o maior desafio para o mediador é interferir sem controlar, oferecer informação sem aconselhar, identificar opções sem conciliar, esclarecer escolhas sem julgar e cuidar da elaboração do acordo sem favorecer a nenhuma das partes (SCHABBEL, 2005, p. 19), garantindo que a mediação produza resultados para além de questões controvertidas em nível processual.

A mediação é uma oportunidade para as partes realmente se abrirem. Devem se sentir a vontade para manifestar todos os seus interesses. No Manual de Mediação Judicial, encontra-se:

Um conflito possui um escopo muito mais amplo do que simplesmente as questões juridicamente tuteladas sobre a qual as partes estão discutindo em juízo. Distingue-se, portanto, aquilo que é trazido pelas partes ao conhecimento do Poder Judiciário [para esta pesquisa pensemos nos NECRIMs] daquilo que efetivamente é interesse das partes. Lide processual é, em síntese, a descrição do conflito segundo os informes da petição inicial e da contestação apresentados em juízo. Analisando apenas os limites dela, na maioria das vezes não há satisfação dos verdadeiros interesses do jurisdicionado [Objetivo da mediação]. Em outras palavras, pode-se dizer que somente a resolução integral do conflito [lide sociológica] conduz à pacificação social; não basta resolver a lide processual – aquilo que foi trazido pelos advogados ao processo [especificamente no caso dos NECRIMs, seria atentar apenas para as questões jurídicas referentes ao conflito] – se os verdadeiros interesses que motivaram as partes a litigar não forem identificados e resolvidos. (AZEVEDO, 2013, p. 99, grifo nosso). 

Por isso,

É importante consignar que a prática da negociação, seja na forma de conciliação, seja na forma de mediação, só será definida dependendo da natureza do conflito, e o sucesso da intervenção dependerá da capacitação, da experiência de vida e do bom senso do mediador (BARALDI; FRAZÃO, 2013, p. 261), 

pois múltiplos são os contextos em que se pode verificar adequada a utilização de métodos alternativos, bem como múltiplas são as verdades que se podem observar no conflito, uma vez que, no interior de um paradigma científico considerado sistêmico, “a ‘realidade’ emerge das distinções feitas pelo observador.” (VASCONCELLOS, 2005, p. 5). Ou seja, deve ser conferida legitimidade para percepções diferentes acerca do mesmo fato, e compor a partir das diferenças.

Deste modo,

É necessário esclarecer que, embora haja formas diferentes de atuação do delegado de polícia como negociador/mediador/conciliador, na prática, essas técnicas de solução pacífica de conflitos interagem e se complementam, com a intenção de obter resultados positivos. (BARALDI; FRAZÃO, loc. cit.).

Impende, então, que a mediação seja uma reunião de negociação.  As pessoas precisam ser ouvidas. Esta audição deve possibilitar o alcance dos sentimentos das pessoas. Para ilustrarmos a importância da mediação e seu alcance, devemos lembrar, v.g., que, não é possível alguém buscar a delegacia de polícia ou o poder judiciário para conhecer a posição doutrinária do delegado de polícia ou do juiz de direito acerca de elucubrações existenciais, pois falta interesse de agir, se se pensa no direito processual civil, ou justa causa, se está-se a falar do processo penal. É de se observar, no entanto, a possibilidade de uma questão deste jaez consistir na principal causa do conflito. Razão pela qual o mediador deve atentamente permitir o diálogo sem interromper.

Em Direito Processual, é imprescindível haver correlação entre os pedidos e a sentença, pois o juiz não pode julgar além do pedido, fora do pedido ou julgar sem necessariamente apreciar uma pretensão eventualmente deduzida.

São limitações que não se coadunam com os escopos da mediação enquanto método adequado de solução de conflitos.

Na mediação, as partes decidem. Sendo assim, faz todo o sentido que o delegado de polícia mediador permita a análise de toda e qualquer questão que elas tenham vontade de externar. Cada item precisa ser discutido.

Registre-se, ainda, que cabe ao mediador manter o controle das pessoas,  não permitindo que ocorram acessos de fúria entre as partes (AZEVEDO, p. 130131).  

A decisão que dimana do Poder Judiciário põe fim ao conflito. A decisão que se obtém com a autocomposição técnica visa resolver da melhor maneira possível o conflito, possibilitando o acordo ou o aperfeiçoamento das relações humanas entre as partes.

5.4  Arbitragem

Embora também seja considerada um método de solução de conflitos, a arbitragem difere substancialmente dos demais, pois o terceiro escolhido pelas partes tem poderes decisórios acerca do conflito em favor de uma parte e, consequentemente, em prejuízo da outra (GIUDICE, 2013, p. 281).

A arbitragem somente pode ser utilizada quando o conflito versar sobre direitos patrimoniais disponíveis. O árbitro escolhido pelas partes figura como juiz de fato e de direito, não estando sujeita à homologação judicial a sua decisão (Ibid., p. 282). 

A arbitragem possui regras próprias estabelecidas pela Lei nº 9.307, de 26 de setembro de 1996. O procedimento formal contido nesta norma jurídica, caso não seja rigorosamente seguido, acarreta nulidade conforme disposição do artigo 32 da Lei de Arbitragem.

É de se observar que a arbitragem se apresenta como método adequado de solução de conflitos, sobretudo para as relações jurídicas de direito privado, pois o procedimento é mais ágil se comparado ao processo judicial e, no atual estágio do capitalismo, é interesse das pessoas evitarem as procrastinações geralmente observadas nas demandas submetidas ao Poder Judiciário (GIUDICE, loc. cit.).

A arbitragem também se mostra como oportuna em razão de o procedimento arbitral ser mais discreto, o que evita exposição desnecessária em determinadas operações e negócios (GIUDICE, loc. cit.).

De se notar que a Lei nº 9.099/95 contém disposições sobre arbitragem aplicáveis ao Juizado Especial. In verbis:

Art. 24. Não obtida a conciliação, as partes poderão optar, de comum acordo, pelo juízo arbitral, na forma prevista nesta Lei.

§ 1º O juízo arbitral considerar-se-á instaurado, independentemente de termo de compromisso, com a escolha do árbitro pelas partes. Se este não estiver presente, o Juiz convocá-lo-á e designará, de imediato, a data para a audiência de instrução.

§ 2º O árbitro será escolhido dentre os juízes leigos.

[...]

Art. 26. Ao término da instrução, ou nos cinco dias subsequentes, o árbitro apresentará o laudo ao Juiz togado para homologação por sentença irrecorrível.  

O parágrafo segundo do artigo 24 dispõe que o árbitro será escolhido dentre juízes leigos. A contrario sensu, se observa a proibição de magistrados exercerem a arbitragem. O que, vale salientar, reforça a ideia de arbitragem como método alternativo de resolução de conflitos, funcionando como “concorrente jurisdicional” (CASARINI, 2012, p. 42).

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Sobre o autor
Bruno de Oliveira Favero

Especialista em Polícia Judiciária e Sistema de Justiça Criminal pela Academia de Polícia 'Dr. Coriolano Nogueira Cobra" São Paulo. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Osasco - UNIFIEO. Bacharel e Licenciado em Música pela Faculdade de Ciências de Osasco FAC FITO. Investigador de Polícia em São Paulo, desenvolve estudos sobre mediação de conflitos criminais como função de polícia judiciária e a práxis policial investigativa na contemporaneidade.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FAVERO, Bruno Oliveira. A atuação da Polícia Civil de São Paulo na prevenção especializada por intermédio dos Núcleos Especiais Criminais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4979, 17 fev. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/55519. Acesso em: 19 mai. 2024.

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