Capa da publicação Direito de laje: explicando para quem quer entender
Capa: Santiago Ribeiro (santiagomaquetes.blogspot.com.br)
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Direito de laje.

Explicando para quem quer entender

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DIFERENÇAS ENTRE UNIDADE AUTÔNOMA E LAJE SOBREPOSTA

A tradicional e muito conhecida forma de propriedade em Condomínio Edilício, com o direito de Laje não se confunde, mas representa direito sobre imóvel com algumas características especiais que são úteis para a melhor compreensão e aplicação prática deste novo direito real.

Todo condomínio edilício (apartamentos, salas comerciais, vagas de garagem ou o que mais a criatividade humana venha a conceber) representa forma de propriedade em condomínio que, grosso modo, se caracteriza pela existência de unidades autônomas vinculadas a frações ideais no solo e em partes de uso comum, existindo direitos e deveres atribuídos a todos os condôminos, regulamentos e normas que visam ordenar a convivência harmônica entre as partes e o uso comum de espaços e coisas, visando a diminuição de conflitos entre as pessoas que convivem neste tipo especial de comunidade.

Curiosa característica do condomínio edilício, desconhecida de grande parte da população é a existência de uma necessária vinculação da unidade autônoma com uma fração do solo onde está edificado o condomínio.

Para quem se surpreende com a necessidade ou importância desta imposição legal, basta conceber a situação hipotética em que o edifício venha a ser demolido e as unidades autônomas e o próprio Condomínio deixem de existir. Se este fato vier a ocorrer, ao dono do apartamento restará garantida ainda uma fração ideal da propriedade do solo, espaço aéreo e subsolo, mas em condomínio simples com todos os demais condôminos que, enquanto existente o edifício, eram proprietários de unidades autônomas.

Diferentemente do condomínio simples, no Condomínio Edilício, por uma ficção jurídica, existe propriedade plena de unidade autônoma, mas limitada ao regulamento existente para uso e fruição das partes comuns e exercício de direitos e deveres para com o Condomínio.

Por tal motivo o proprietário de um apartamento, pode usar e dispor da propriedade de seu imóvel - unidade autônoma necessariamente vinculada à fração ideal do solo e propriedade comum - sem nenhum tipo de restrição. Situação esta que não acontece no condomínio simples de frações ideais no terreno.

A laje sobreposta a ser regularizada como novo direito autônomo tem alguma semelhança física com a propriedade imobiliária de unidade autônoma integrante de condomínio edilício, principalmente com aquele tipo de unidade que possui acesso direto para a via pública.  Uma sala comercial situada em nível próximo da via pública, acima de vagas de garagem localizadas no subsolo ou em nível inferior a ela, é exemplo perfeito de tal semelhança.

A aparência semelhante, entretanto, não corresponde à realidade jurídica dos institutos.

A propriedade de unidade autônoma em condomínio, de fato, é propriedade plena de imóvel horizontal sujeito a regras de convivência, legais e convencionais. O direito de Laje Sobreposta, diferentemente não pode ser assim considerado.

Inconcebível seria, por exemplo, a nomeação de um síndico para representar o interesse das partes, igualmente inaceitável a existência de cobrança compulsória de contribuição condominal.

Entretanto, apesar da diferença jurídica existente entre as situações, é inquestionável e evidente que para a convivência harmônica entre os indivíduos a experiência adquirida em décadas de utilização da propriedade em condomínio edilício deve ser aproveitada, pois as situações em muito se igualam e os eventuais problemas que acontecem no condomínio poderão acontecer neste novo tipo de unidade imobiliária  representada pela laje sobreposta.

Exemplos de conflitos na convivência comum não faltam. Caso típico ocorre quando o habitante do andar superior, descuidando-se da impermeabilização de sua cobertura ou piso, ou ainda da correta condução das águas pluviais ou servidas (esgoto sanitário), vem a causar prejuízos e transtornos para o habitante do piso inferior. Os efeitos da lei da gravidade não podem ser contornados ou revogados por qualquer instituto jurídico e necessariamente quem ocupa um espaço inferior no mesmo imóvel, sofrerá os seus efeitos. 

Por outro lado, podem ocorrer transtornos e incômodos em ordem inversa: o usuário do pavimento inferior pode pretender utilizar-se do espaço aéreo do titular do direito de laje, para nele fazer instalar reservatórios de água tratada (caixa d´água) ou antenas para recepção de sinais de radio difusão e tal necessidade de uso, igualmente, pode vir a ser fonte de conflitos entre pessoas.

O legislador ao outorgar um caráter autônomo ao direito de laje sobreposta, diferenciando-o de qualquer tipo de propriedade em condomínio (quer na forma tradicional ou na especial forma do condomínio edilício) poderia também, no mesmo dispositivo normativo, oferecer ao cidadão um esboço de regulamento, um conjunto mínimo de regras de utilização e convivência, como o existente no caso da propriedade em condomínio (art.1314 e seguintes do Código Civil).

Entretanto, na medida em que isso não foi feito, será natural que os usuários e os operadores de direito venham a se socorrer das lições da história para oferecer um regulamento para as relações de convivência entre os diferentes titulares de direitos sobre o imóvel quando a propriedade plena venha a ser descaracterizada, ou desdobrada, nas formas especiais e singulares das unidades autônomas do tipo laje sobreposta e propriedade horizontal sotoposta

A própria escritura pública que irá instrumentalizar o direito e o registro imobiliário que deverá ocorrer para a efetiva concretização desta forma nova de propriedade imóvel, também poderia retratar regras convencionais que regulem a convivência harmônica entre os proprietários do imóvel em tal regime de propriedade espacialmente comum (embora juridicamente independente).


DIFERENÇAS ENTRE O DIREITO DE SUPERFÍCIE E LAJE

Doutrinadores diversos levantaram uma forma de polêmica, desnecessária no entender deste autor, contra esta nova forma de direito real por entendê-lo como novidade desnecessária, uma vez que a propriedade em projeção vertical, há muito, já está prevista em nosso ordenamento, sob a forma do Direito Real de Superfície.

Deveras, quando se tratar de propriedade de imóvel urbano, já previu o Estatuto da Cidade a possibilidade de, diferentemente da regra geral constante do Código Civil, criar-se um direito de superfície com prazo por tempo indeterminado e transmissível a herdeiros ou sucessores.

De fato, o direito de superfície sobre projeção vertical de um imóvel urbano e constituído com prazo de validade por tempo indeterminado em muito se assemelha ao novo direito (de laje em sobreposição), mas dele se diferencia por uma característica fundamental: na laje sobreposta existem unidades imobiliárias autônomas de titularidades distinta daquela originalmente existente.

Além disso, assim como ocorre com o condomínio edilício, para que o direito de laje possa existir, é necessária a existência de alguma edificação sobre o solo, ao passo que, o direito de superfície pode se referir unicamente a terreno sem benfeitoria alguma.


A APLICAÇÃO PRÁTICA DO DIREITO

Inquestionável que a laje sobreposta, por tratar-se de um direito real sobre imóvel, deverá ser criada e receber sua existência no mundo jurídico através da realização de uma escritura pública e seu correspondente registro junto ao registro de imóveis competente.

O cadastramento municipal e a obediência aos requisitos urbanísticos também será elemento fundamental, devendo o poder público manifestar-se no procedimento.

Aliás, a forma e oportunidade da participação da municipalidade no procedimento deverá ser um dos principais temas a ser debatido no início da aplicação prática deste novo direito real.

Regra geral, para transmissão da propriedade, constituição de hipoteca, contratação de alienação fiduciária, reserva ou instituição de usufruto ou ainda a contratação de qualquer outro tipo de direito real sobre imóvel, a aprovação prévia da municipalidade é dispensável, pois conforme preceito fundamental acima referido, o proprietário pode livremente dispor de sua propriedade (leia-se: vender, ceder, onerar...).

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Entretanto, diante da particularidade do direito de laje sobreposta, a autorização da municipalidade parece ser necessária e de realização obrigatória, ainda antes da conclusão formal do direito junto ao registro imobiliário, pois é do Município a competência para regulamentar o uso da propriedade territorial urbana, sendo possível a existência de eventual proibição expressa de constituição deste tipo de direito real sobre imóvel, com fundamento no interesse da preservação de um menor adensamento do uso do solo urbano.

Por outro lado, inexistindo qualquer proibição legal de constituição de direito de laje e de adensamento no uso do solo urbano, em tese, a sua contratação seria permitida e a aprovação prévia da municipalidade para sua constituição, dispensável como, por exemplo, ocorre com a venda do imóvel com um todo.

Ainda sobre a dispensabilidade de aprovação prévia da municipalidade, é possível também defender tal situação quando em um único imóvel já exista regularmente aprovada pela municipalidade a construção de prédio residencial (ou de uso misto) de dois ou mais pavimentos, em que exista pluralidade de proprietários, em regime de condomínio de frações ideais e quando eles, proprietários, venham a decidir-se pela extinção deste condomínio tradicional, modificando a situação de incerteza jurídica sobre o uso do imóvel, característica básica do condomínio civil convencional, pelo regime de propriedades horizontais sotopostas e sobrepostas, estas devidamente individualizas e caracterizadas como unidades imobiliárias autônomas.

De fato, o objetivo principal da inicialmente referida Medida Provisória, é a regularização da propriedade urbana. Sendo o condomínio tradicional, causa comum de discórdias e querelas, a aplicação simplificada de qualquer dispositivo novo que venha a solucionar pendências e problemas já existentes no meio urbano, deve mesmo ser facilitada e incentivada. O regime de sobreposição de propriedades autônomas inaugurado com este novo direito, a laje sobreposta, é caso típico de situação consolidada que o direito se vê forçado a reconhecer.


VALOR ECONÔMICO E TRIBUTÁRIO

De alguma complexidade será a definição do valor tributário para a constituição do direito de laje sobreposta.

Inquestionavelmente tal negócio jurídico representa transmissão de bem imóvel e deverá ser tributado por imposto de transmissão (ITBI), quando ele tiver seu surgimento no mundo jurídico e econômico.

Ressalve-se, entretanto, que não é impossível que o regime de sobreposição (a laje sobreposta e a propriedade sotoposta) venha e ganhar sua existência jurídica através de um procedimento do tipo divisão amigável /extinção de condomínio / atribuição, quando então o tributo não será devido,

Para o necessário cadastramento municipal e fixação de valor venal para a propriedade horizontal sobreposta e a sotoposta poderá se valer a municipalidade da experiência adquirida com a propriedade em condomínio edilício, levando em consideração a área de uso exclusivo daquela unidade, o tamanho da testada para a via pública e ainda a existência de área de uso exclusivo de cada unidade.

Não se pode desconsiderar a possibilidade de que ao proprietário da laje sobreposta seja atribuída uma testada para a via pública relativamente ampla  (para a guarda de veículos, por exemplo) e que, portanto, pode representar área de solo de uso exclusivo, inclusive sem limitações de uso de espaço aéreo e de subsolo e que, portanto,  poderá ser tributada integralmente pelo imposto de propriedade, de forma análoga à propriedade plena.


A APLICAÇÃO NA PRÁTICA

Quando se redige este texto, por falta de maior detalhamento normativo (sequer a Medida Provisória foi convertida em Lei) mostra-se um pouco difícil a elaboração de qualquer modelo ou minuta de ato notarial que venha a instituir o direito de laje e a propriedade em regime de sobreposição e sotoposição.

Entretanto, entende este autor, que mesmo independentemente de autorização municipal ou maior detalhamento sobre a forma da aplicação prática deste novo direito,  em tese, seria possível a realização da extinção de um condomínio atualmente existente, contanto que junto ao cadastro municipal e registro imobiliário exista devidamente regularizada uma única construção predial.

Quando um imóvel existir como realidade concreta e jurídica no qual não se se pretenda a constituição de condomínio edilício ou se permita a divisão convencional, em virtude de sobreposição parcial de áreas construídas, para que o mesmo deixe de ser um condomínio convencional e transforme-se efetivamente em duas ou mais unidades autônomas, com matrículas e descrições próprias, necessário e de possível realização imediata, a instituição deste novo direito real.

Em sendo identificada tal situação (que se imagina de ocorrência comum) a elaboração de uma hipotética extinção de condomínio, transformando uma única propriedade  em unidades autônomas regidas pelo Direito de Laje, será de realização possível e imediata, sem a dependência de qualquer texto normativo complementar ou regulamentador.

Tal exercício teórico é tarefa que este autor se propõe realizar brevemente e igualmente oferecer para crítica e análise de eventuais interessados neste tema interessante e inovador.

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Sobre o autor
Marco Antônio de Oliveira Camargo

Titular do Cartório do Registro Civil das Pessoas Naturais e Tabelião de Notas do Distrito de Sousas, Comarca de Campinas - SP

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAMARGO, Marco Antônio Oliveira. Direito de laje.: Explicando para quem quer entender. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4963, 1 fev. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/55548. Acesso em: 17 abr. 2024.

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