Capa da publicação Discurso de ódio ou opinião: até onde vai a proteção?
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Liberdade de expressão à luz da Constituição Federal de 1988

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01/02/2017 às 17:11

Resumo:


  • O direito à liberdade de expressão é protegido pela Constituição Federal de 1988 e é fundamental para a democracia, permitindo a manifestação de pensamentos e opiniões sem repressão.

  • A liberdade de expressão religiosa é uma ramificação desse direito, assegurando que as pessoas possam expressar e praticar sua fé sem serem alvo de ridicularização ou perseguição.

  • O discurso de ódio, embora seja uma forma de expressão, entra em conflito com os princípios constitucionais, pois promove a intolerância e o preconceito, não havendo, no Brasil, legislação específica que o proíba.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

4. A LEGALIDADE DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO FACE AO DISCURSO DE ÓDIO

A liberdade de expressão, assegurada pela Constituição Federal de 1988, é um pilar da democracia. Contudo, o discurso de ódio representa um dos limites mais controversos e polêmicos desse direito, pois entra em conflito com outros valores igualmente protegidos pela Carta Magna, como a dignidade humana e a igualdade.

De acordo com Meyer-Pflug (2009, p. 103) [(Nota: Corrigido o nome da autora)]:

No discurso do ódio é colocada em teste a capacidade da liberdade de expressão de prevalecer em face dos demais princípios, ou melhor[,] dos “contravalores”. Há, primeiramente, que se fazer uma distinção nítida entre o fato de [não] gostar ou discordar de uma ideia e censurá-la ou negar sua manifestação. São coisas absolutamente diferentes. A liberdade de expressão permite a todo indivíduo contestar e discordar da opinião e das ideias em voga, mas negar o direito delas se manifestarem é censura. (MEYER-PFLUG, 2009, p. 103)

É necessário destacar que, enquanto a liberdade de expressão protege a manifestação de opiniões diversas, mesmo que controversas ou impopulares, o discurso de ódio se caracteriza pela forma e conteúdo dessa expressão, visando atacar, humilhar, incitar à violência ou discriminar indivíduos ou grupos com base em características como raça, gênero, religião, nacionalidade, orientação sexual, etc., ferindo sua dignidade.

O Estado democrático deve permitir o debate amplo, mas o discurso de ódio atenta contra direitos fundamentais e pode gerar danos reais, propagando a intolerância e legitimando a violência.

4.1. O DISCURSO DO ÓDIO

O discurso de ódio (hate speech) baseia-se na discriminação e na externalização de preconceitos, proclamando ideias que inferiorizam ou hostilizam determinados grupos, ferindo a dignidade humana individual e coletiva. Como expressa Ursula Owen (2003 apud Smiers, p. 319), “as palavras podem se tornar balas, a linguagem do ódio pode matar e mutilar, como a censura”. A autora compara o dano potencial do discurso de ódio ao da censura, ambos minando a democracia e a liberdade.

Embora o Estado Democrático garanta a liberdade de expressão, é crucial analisar os limites desse direito. O discurso de ódio, ao propagar a intolerância e incitar excessos como insultos, difamação e violência contra grupos específicos, desafia esses limites. Revisitando Portiguar (2012, p. 160):

[...] o próprio resultado do discurso do ódio não se coaduna com o ideal democrático de proporcionar a todos a possibilidade de exprimir suas opiniões, vez que ele resulta em um efeito silenciador [para os grupos atacados]. (PORTIGUAR, 2012, p. 160)

Muitas vezes, ignora-se o impacto real que o discurso de ódio provoca sobre os indivíduos e grupos alvejados. No Brasil, embora a Constituição de 1988 garanta a liberdade de expressão (com previsão de direito de resposta e indenização por danos, Art. 5º, V), não há uma lei específica e abrangente que defina e proíba o discurso de ódio como tal, embora existam leis que punem manifestações específicas como racismo e injúria discriminatória.

4.2. A VEDAÇÃO (IMPLÍCITA) AO DISCURSO DO ÓDIO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

A proteção constitucional à liberdade de expressão (Art. 5º, IV e IX) é um dos pilares da ordem democrática brasileira, possibilitando a construção de um ambiente pluralista em termos políticos, religiosos e culturais. Segundo Conrado (2013), “uma das projeções da liberdade mais caras à humanidade vem a ser a livre manifestação de pensamento.” Este direito permite ao ser humano pensar e difundir suas ideias, impulsionando o progresso e a transformação social.

Contudo, como afirma Santos (2014), “apesar de a CRFB/88 [...] garantir a igualdade dos indivíduos perante a lei e a proteção legal contra a discriminação, não existe no Brasil nenhuma legislação específica em relação ao discurso do ódio.” Apesar da ausência de uma lei específica denominada "lei do discurso de ódio", diversas normas constitucionais e infraconstitucionais podem ser interpretadas como limitadoras desse tipo de manifestação. A própria Constituição veda o anonimato (Art. 5º, IV), garante o direito de resposta (Art. 5º, V), repudia o racismo como crime inafiançável e imprescritível (Art. 5º, XLII) e estabelece a dignidade da pessoa humana e a igualdade como fundamentos (Art. 1º, III e Art. 5º, caput). Além disso, a Lei nº 7.716/1989 (Lei Caó) define crimes resultantes de preconceito de raça ou cor, demonstrando que certas manifestações de ódio não são toleradas e devem ser penalizadas.

4.3. LIBERDADE DE EXPRESSÃO RELIGIOSA E O DISCURSO DO ÓDIO

A liberdade de expressão religiosa garante o direito de manifestar, praticar e divulgar a própria fé, sem ser indevidamente recriminado. O discurso de ódio, por sua vez, representa o abuso da liberdade de expressão, atacando ou incitando a discriminação contra outros com base em suas crenças (ou ausência delas) ou outras características.

Como afirma Lima (2014), “numa sociedade, a tolerância é característica essencial e inescusável, com todos aceitando e sendo aceitos com suas diferenças. Tem, portanto, o Estado o dever de coibir e punir os intolerantes, concedendo assim o direito a não discriminação”.

O conflito surge quando a manifestação de uma crença religiosa ultrapassa a exposição de seus dogmas e passa a atacar, de forma hostil e discriminatória, a fé ou a dignidade de outros grupos religiosos ou não religiosos. Enquanto o primeiro aspecto é protegido pela liberdade religiosa, o segundo pode configurar discurso de ódio, que não encontra amparo absoluto na Constituição.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo buscou demonstrar a importância da liberdade de expressão, incluindo a religiosa, como direito fundamental restaurado e garantido pela Constituição Federal de 1988, após o período de opressão da ditadura militar. A liberdade de expressão é um instrumento essencial para a democracia, permitindo a formação da opinião pública e o debate de ideias.

A pesquisa evidenciou as diversas facetas da liberdade de expressão religiosa – crença, culto e organização – que asseguram aos cidadãos o direito de professar e praticar sua fé. No entanto, também se destacou a problemática do discurso de ódio como um abuso desse direito, caracterizado pela expressão de opiniões que incitam à discriminação, ao preconceito e à hostilidade contra determinados grupos.

Observou-se que o discurso de ódio entra em conflito direto com princípios constitucionais basilares, como a dignidade da pessoa humana e a igualdade, ao promover a retaliação, a exclusão e o preconceito. Embora a legislação brasileira não contenha uma lei específica e abrangente contra o discurso de ódio, diversas normas constitucionais e infraconstitucionais (como a lei antirracismo) podem ser invocadas para coibir e punir suas manifestações mais graves.

Conclui-se que a Constituição assegura a liberdade de expressar pensamentos, palavras e opiniões, mas esse exercício deve ocorrer dentro dos limites impostos pelo respeito aos direitos e à dignidade alheia, pilares da nossa democracia. Não é admissível que, sob o manto da liberdade de expressão, discursos de ódio sejam utilizados para denegrir ou incitar à violência contra grupos em razão de sua religião, raça, etnia, orientação sexual ou qualquer outra característica. Cada pessoa, independentemente de suas contingências, possui igual valor e dignidade.

Surge, assim, a necessidade de promover políticas pluralistas e interações culturais baseadas no respeito mútuo. É essencial assegurar a autonomia pública e privada, mas uma sociedade democrática não pode tolerar discursos que sistematicamente prejudicam a dignidade humana e corroem a coesão social. O sistema democrático exige uma discussão ampla e aberta, que pressupõe a convivência pacífica e respeitosa de todas as ideias, ideologias e opiniões, rejeitando aquelas que promovem o ódio e a discriminação.


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Notas

1 A Declaração De Virginia, foi feita em 16/06/1776, proclamou o direito à vida, a liberdade e a propriedade. Outros direitos humanos forma expressos na declaração, como princípio de legalidade, a liberdade de impressa e a liberdade religiosa.

2 Todo indivíduo tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou particular.

3 Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade

4 Art. 19. - É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embarcar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público; II - recusar fé aos documentos públicos; III - criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si.

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