3- PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS CORRELATOS A TRANSPARÊNCIA E O DEVER DE PRESTAR CONTAS
Neste capítulo se intentará a utilizar conceitos consagrados para definição de princípios relacionados à transparência, por tratar com conceitos que por si só poderiam ser objeto de outras monografias.
O dever transparência e prestar contas advêm de diversas normatizações de cunho Constitucional. Cabendo destaque inicial dos princípios republicanos e democráticos, como fora visto no capítulo 2 deste trabalho, mas antes é preciso ter a compreensão da essência de ser princípio. Rosenvald ensina:
Os princípios não são apenas a lei, mas o próprio direito em toda a sua extensão e abrangência. Da positividade dos textos constitucionais alcançam a esfera decisória dos arestos, constituindo uma jurisprudência de valores que determina o constitucionalismo contemporâneo, a ponto de fundamentar uma nova hermenêutica dos tribunais. (ROSENVALD, 2005, p. 45-46)
Os princípios são valores explícitos ou implícitos do Ordenamento Jurídico com poder sobre a elaboração e aplicação das normas. Sua operacionalidade se dá de maneira diferente das regras, pois se baseia no instituto da ponderação com outros princípios, enquanto as regras são de aplicação “tudo ou nada”, se houver a subsunção se aplica se não, não se aplica.
Os princípios colocam-se em estado de tensão, passível de superação no curso da aplicação do direito. O sentido dos princípios só será alcançado na ponderação com outros de igual relevância axiológica, pois operam em par, em complementariedade. Eles são prima facie, pois enquanto nas regras o comportamento já é objeto de previsão textual – elas pretendem gerar uma solução específica para o conflito – os princípios não portam consigo juízos definitivos do dever ser, eles não determinam diretamente a conduta a ser seguida, apenas estabelecem fins normativamente relevantes, cuja concretização demandará intensa atividade do aplicador do direito. O princípio não aspira a obtenção de uma solução específica, mas soma-se a outras razoes para a tomada de decisões. Assim, será na dimensão do peso que se realizará uma harmonização entre os princípios e suas diretrizes valorativas, a ponto de afastar um deles no caso concreto, solucionando-se o campo de tensão. (ROSENVALD, 2005, p. 48)
Assim percebemos que os princípios constitucionais se aplicam sobre toda a legislação, sem excluir um ao outro utilizando a técnica da ponderação de acordo com o caso concreto. Então, passaremos a expor os princípios correlatos a transparência e o dever de prestar contas, que influenciam todo o Ordenamento Jurídico.
Cabe ressaltar que para importantes autores a violação de certo princípios é mais grave que a de outras normas, pois o primeiro ataca todo o sistema e seus valores.
Violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra. (BANDEIRA DE MELLO, 2015, p. 987)
A importância dos princípios que se seguem é admirável, deles resultam diversos desdobramentos e juntos atuam com sinergia. Desta forma, o trabalho vai mostrar os considerados mais relevantes para o desiderato proposto por este estudo de transparência pública.
3.1- República
A República, como observado anteriormente, é produto da antítese das monarquias absolutistas, os domínios dos bens do Estado saem do monarca e passam a ser de seus cidadãos em conjunto. Alguns autores justificam-na a uma sociabilidade inata para cumprir objetivos em comum do grupo.
É, pois, a República coisa do povo, considerando tal, não todos os homens de qualquer modo congregados, mas a reunião que tem seu fundamento no consentimento jurídico e na utilidade comum. Pois bem: a primeira causa desta agregação de uns homens a outros é menos a sua debilidade do que um certo instinto de sociabilidade em todos inato; a espécie humana não nasceu para o isolamento e para a vida errante, mas com uma disposição que, mesmo na abundância de todos os bens a leva a procurar o apoio comum. (CÍCERO, 1988, p.147)
O autor Roque Carrazza, (2003, p. 48-49) dispõe a definição de república como: “É uma forma de governo, fundada na igualdade formal entre as pessoas, na qual os detentores do poder político exercem-no em caráter eletivo, de regra representativo, temporário e com responsabilidade”.
Destaca-se a palavra “responsabilidade”, a responsabilização é da natureza de república. E a responsabilidade tem conexão com a transparência, pois para haver responsabilização é necessária a prestação de contas da ação governamental. Outros efeitos notáveis do republicanismo são a temporariedade do cargo e a representatividade, se justifica pela limitação do poder do detentor do mandato para diminuir eventuais excessos, para que assim continue a representar a vontade dos cidadãos, para renovar a legitimidade e consequente controle público sobre os atos dos representantes.
O espírito público da postura republicana é o antídoto para esse efeito deletério da corrupção. É o que permite afastar a mentira e a simulação, inclusive a ideológica, que mina a confiança recíproca entre governantes e governados, necessária para o bom funcionamento das instituições democráticas e republicanas. Mello, AI 3958/DF,
O princípio republicando ecoa de tal maneira no Ordenamento Jurídico que sua falta corrói as instituições, subvertendo a lógica de todo o sistema. Deste modo é necessário o olhar atento dos atores responsáveis e da população para seu efetivo cumprimento.
De tal modo percebe-se vários elementos que irão corroborar com outros em uma teia normativa. A igualdade formal é um aspecto que ataca frontalmente o patrimonialismo, pois não é compatível com o sistema de privilégios subjetivos à “família” dos detentores do poder.
3.2- Democracia
A transparência advinda da democracia é cristalina tanto na escolha dos representantes, nas democracias representativas, como da fiscalização e controle decisões do seu desdobramento, a cidadania.
Já foi visto neste trabalho que a construção da democracia se relaciona com a república, a limitação da força dos detentores de poder e a soberania popular, sendo instrumentalizado pela capacidade de o cidadão influenciar o Estado.
O princípio democrático articula o princípio da transparência como corolário lógico: o Estado e seus Poderes só são realmente democráticos se visíveis e abertos ao povo forem suas ações e o processo de tomada de decisões. (MARTINS JUNIOR, 2010, p.42).
A democracia não se limita ao pleito eleitoral, mas sim reclama que os governados possam influir no processo de tomada de decisão. E, para ter condições de atuar na gestão pública, os cidadãos devem estar cientes de como estão gerindo os recursos patrimoniais e humanos dos Órgãos.
É nesse renovado Estado pluriclasse que o indivíduo deixa de ser um dado estatístico das democracias formais, aquele eleitor periódico, esquecido e abandonado nos interregnos eleitorais, para tornar-se o centro de todo processo político, como seu autor, ator, espectador e destinatário, permanentemente valorizado em todas as suas etapas e não apenas nas épocas de campanha política. (MOREIRA NETO, 1998, p. 39)
Percebe-se que o indivíduo é parte de todo o processo político sendo o início, o meio e fim, sendo indispensável para legitimidade de todos os passos. Destarte, parece cristalina a condição sine qua non entre democracia e transparência, porque decisões verdadeiras só podem ser consideradas com informações verdadeiras e úteis, quanto mais transparência mais pujante se torna a democracia.
A capacidade da democracia também está ligada a capacidade de educação de seu povo, pois, se não houver educação de qualidade, o cidadão limitará seu alcance à informação e ele não saberá processar e remeter significados às informações que chegaram a ele. Esse é um problema extremamente complexo, grave e um desafio de aperfeiçoamento eterno, porém, não é o cerne da discussão deste trabalho.
3.3- Cidadania
Como visto neste estudo, muitos fatos relevantes como a democracia clássica da Grécia, o espírito republicano de Roma, a Carta Magna de 1215, a Revolução Francesa com a Declaração de Direitos do Homem e Cidadão, Revolução Americana, Constituição Cidadã e a Declaração Universal de Direitos Humanos, que será tratada posteriormente, cooperaram de forma determinante a mudança de paradigma da fonte do poder do Estado do monarca para a sua população.
A cidadania apresenta relação próxima com os princípios anteriores, pois vai além do voto periódico, trata sobre a participação popular ininterrupta. Era considerada condição essencial aos homens, quem não exercia papel na vida do Estado grego era considerado de maneira depreciativa, classificado como um “idiota”.
A cidadania expressa um conjunto de direitos que dá à pessoa a possibilidade de participar ativamente da vida e do governo de seu povo. Quem não tem cidadania está marginalizado ou excluído da vida social e da tomada de decisões, ficando numa posição de inferioridade dentro do grupo social. (DALLARI, 1998, p.14)
Sua relação com a transparência é clara, pois a cidadania exige a transparência para operar de maneira efetiva e a transparência enaltece e fomenta a cidadania em um ciclo virtuoso. Figueiredo e Santos (2013) afirmam que:
A transparência permite que o cidadão acompanhe a gestão pública, analise os procedimentos de seus representantes e favoreça o crescimento da cidadania, trazendo às claras as informações anteriormente veladas nos arquivos públicos. Um país transparente possibilita a redução dos desvios de verbas e o cumprimento das políticas públicas, proporcionando benefícios para toda a sociedade e para imagem do país nas políticas externas. (FIGUEIREDO E SANTOS, 2013, p.5)
Deste modo, o Governo deve agir de modo transparente para fomentar a cultura da cidadania e a cidadania deve exigir cada vez mais transparência do Governo. As características patrimonialistas ainda presentes inibem a população a cobrar o que lhe é de direito - a informação transparente de seus administradores públicos, impedindo o ciclo virtuoso.
Dagnino demonstra que a cidadania vai além de estar incluído no sistema, mas de os cidadãos traçarem as próprias linhas mestras do sistema mudando o foco de destinatário para autor: “muito mais do que reivindicar o pertencimento ao sistema, o que de fato está em jogo nesta construção é o direito, não apenas de pertencer, não apenas de ser incluído, mas de participar da própria definição desse sistema”(DAGNINO, 2004, p. 4). Dessa forma, considera que a cidadania foi uma definição feita de forma a instrumentalizar a definição aberta e pouco clara de cidadania.
Porque a noção de cidadania, na verdade, foi uma maneira de operacionalizar essa noção um pouco abstrata e vaga que é a democracia e, nesse sentido, concretizar a democracia. A redefinição que os movimentos sociais e que outros setores da sociedade civil empreenderam a respeito da noção de cidadania – na década de 1980, basicamente – é marcada fortemente pela idéia de incorporar as características das sociedades contemporâneas, tais como o papel que se dá à subjetividade, o surgimento de novos sujeitos sociais (sujeitos de um novo tipo, mulheres, negros, homossexuais etc), a emergência de novos temas (e de novos direitos trazidos pelos movimentos sociais) e a ampliação do espaço da política (DAGNINO, 2004, p 2).
Com isso, a cidadania é a força motriz de operacionalidade da república e a democracia. Um Estado Democrático de Direito deve manter atitudes para fortalecer a cidadania com educação, com inclusão, com comunicação, transparência e ouvidorias para a cada dia consolidar mais suas diretrizes básicas.
Ainda não satisfeito com as consequências lógicas destes princípios, o legislador dispôs de forma literal na Constituição sobre: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Todos eles também se relacionam com a transparência.
3.4- Legalidade
A legalidade assume vários sentidos dentro do Ordenamento, com destaque para o seu efeito negativo na relação dos particulares, ninguém será obrigado a fazer nada se não em virtude de lei, e o positivo na relação pública, que deverá fazer somente o que determinado por lei. O positivo obriga a Administração Pública a seguir estritamente o prescrito por Lei, trazendo mais adstrição da administração a todos os princípios explícitos e implícitos correlatos a transparência.
[...] como princípio de administração (CF, art. 37, caput) significa que o administrador está, em toda a sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem comum, e deles não pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se a responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso. Na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. Alei para o particular significa ‘pode fazer assim’, para o administrador público significa ‘deve fazer assim’. As leis administrativas são, normalmente, de ordem pública e seus preceitos não podem ser descumpridos, nem mesmo por acordo ou vontade conjunta de seus aplicadores e destinatários, uma vez que contém verdadeiros poderes-deveres, ir relegáveis pelos agentes públicos. (MEIRELLES, 2004, p. 87-88)
A legalidade tem seu viés isonômico, pois remetem todos à submissão do império da Lei em uma igualdade formal, também agindo diretamente contra as características patrimonialistas. Sua relação com a transparência se dá com a interação deste princípio com os demais.
3.5- Impessoalidade
O princípio da impessoalidade é o que mais colide com a administração patrimonialista, porque estabelece que a finalidade deva ser a pública, com o objetivo de se voltar aos cidadãos, e não aos interesses pessoais dos governantes.
O princípio da impessoalidade, referido na Constituição de 1988 (art. 37, caput), nada mais é que o clássico princípio da finalidade, o qual impõe ao administrador público que só pratique o ato para o seu fim legal. E o fim legal é unicamente aquele que a norma de direito indica expressa ou virtualmente como objetivo do ato, de forma impessoal (MEIRELLES, 2013, pag.95).
Desta forma, resta a conclusão de que uma administração que não se refere à finalidade egoísta dos gestores ou de favorecer grupos deva se voltar à finalidade do bem comum. Para que assim aconteça urge a necessidade da prestação de contas com os governados, não ficando os dados restritos ao grupo dominante.
Aqui se percebe que já há ampliação do escopo da transparência para campo da discricionariedade e dos motivos dos atos administrativos, então já não basta a ilegalidade aparente, mas deve ser justa desde a concepção, o motivo.
3.6- Moralidade
A moralidade faz com que os operadores do direito façam uma valoração da norma jurídica. Caso seja feita sobre rito correto e, aparentemente, seguindo a cadeia do Ordenamento, não será considerado legal, constitucional, se for contra a moralidade administrativa.
Nem todo ato ilegal é imoral. Mas não se pode reconhecer como ofensivo à moralidade administrativa ato que não seja ilegal. Não existe ato que seja legal e ofensivo à moralidade. Só é ofensivo à moralidade administrativa porque ofende certos valores juridicizados. E porque ofende valores juridicizados, é ilegal. Ofender certos valores torna o ato especialmente viciado. Não será apenas qualificado como ilegal, mas também ofensivo à moralidade administrativa. A imoralidade administrativa é, digamos, resultante de uma qualificadora da ilegalidade”. (CAMMAROSANO, p. 101-102, 2006)
“Atos secretos” sem justificativa já são, por si só, imorais e são meios de camuflar outras imoralidades revestidas com aparente ilegalidade. É inegável que há um certo subjetivismo na interpretação deste conceito de cláusula aberta, porém a solução do caso concreto não partirá meramente da compreensão de mundo do operador do direito, mas sim da interpretação sistêmica do Ordenamento.
Assim não é necessário apenas que o ato imoral se exponha ao público, mas que todos os outros estejam facilmente visíveis para que se entenda o contexto e haja uma melhor interpretação da moralidade. Então uma compra de alimentos pode ser moral em um contexto que haja justificativa e imoral em outro onde há crise financeira, onde já se tenha feito outras licitações, onde haja indícios de favorecimento, entre outras situações.
3.7- Publicidade
A publicidade contribui para efetivação de todos os outros, porque os expõe a fiscalização da sociedade. Os atos da administração pública não devem ser secretos, e sua prestação de contas deve-se dar para toda sociedade. Em diversos atos, a legislação prescreve a publicidade como condição para sua validade.
“A publicidade de agentes e órgãos públicos sem limites bem definidos juridicamente constitui uma das maiores fontes de desmandos, de corrupção e de descumprimento do sistema democrático de Direito formulado. Por outro lado, não se há desconhecer que não se pretende mais aceitar, como legítima, a democracia da ignorância, aquela na qual todos são iguais no desconhecimento do que se passa no exercício do Poder usurpado e silenciosamente desempenhado. A publicidade administrativa é imprescindível à e existência da democracia e à garantia dos direitos. O abuso praticado em seu nome é um dos mais acintosos agravos a elas. ” ROCHA, p. 249,1994.
A publicidade chega a se confundir com a transparência, não restando maiores explicações de sua relação pela obviedade. A diferença entre os dois se dá pelo nível da informação, enquanto um se preocupa meramente com o formalismo de publicação, o outro se preocupa que a qualidade da informação, sendo cristalina para compreensão do público em geral.
Os atos administrativos, impõe a conclusão, devem ser públicos e transparentes – públicos porque devem ser levados a conhecimento dos interessados por meio dos instrumentos legalmente previstos (citação, publicação, comunicação, etc.); transparentes porque devem permitir enxergar com clareza seu conteúdo e todos os elementos de sua composição, inclusive o motivo e a finalidade, para que seja possível efetivar seu controle. (MOTTA, abr./jun. 2008, p. 7)
Assim, apesar de ser um princípio explícito na CF de suma importância, a publicidade é primordial para a validade de vários atos administrativos, porém não é suficiente, deve-se buscar que os dados da administração sejam claro para o cidadão comum poder debater a Administração Pública, ainda mais em um país que ainda se desenvolve no campo educacional e pode ter dificuldade em dados mais técnicos e com dificuldade de acesso.
3.8- Eficiência
Já a eficiência é o mais recente princípio explícito da administração pública, surge com a ideia da administração gerencial, focando em resultados. Veio para arguir as disfunções da administração burocrática e patrimonialista.
Este trabalho defende que a eficiência sempre esteve implícita no texto Constitucional, pois para cumprir a finalidade do bem comum administrando meios sustentados pelos governados, prestando contas e com recursos limitados, deve-se, pois, haver o dever moral de se buscar a maior percepção do resultado possível utilizando o menor recurso possível.
Inegável que é necessário a prestação de contas, para dentre outros objetivos, seja avaliada a eficiência e eficácia da gestão. A Constituição prevê que o chefe do executivo preste contas anualmente as casas legislativas para avaliar, inclusive, sobre a economicidade e legitimidade. Porém não se limita ao Congresso esta prestação de contas e, tampouco, somente para anos eleitorais, assim compreendidos pela interpretação sistêmica da normatização constitucional.
A criação do princípio da eficiência na Constituição, então, aparenta caráter didático, pois é uma conclusão lógica da interação dos demais princípios, mas que tinha dificuldade pela cultura patrimonialista e de disfunções burocráticas, apesar da Constituição se guiar por não ter norma inútil.
3.9- Direito Fundamental À Boa Administração
O conceito de boa administração é plurissemântico, podendo ser denotado por diversas óticas de construções históricas que se misturam.
A primeira de maior ação governamental depois do crash da bolsa de Nova Iorque em 1929 e do pós-guerras mundiais, com suas atrocidades que aterrorizaram o mundo, fazendo com que o Estado fosse cobrado a atender mais as demandas sociais por motivos econômicos, plano de Breton Woods, e de reflexão dos fatos graves contra a humanidade ocorridos no período. Na economia as teorias de maior intervencionismo de Keynes cresciam no pensamento econômico em detrimento da Lei de Say, que a oferta sempre iria compatibilizar com a demanda.
A segunda ótica advém da contraposição das disfunções do Estado inchado proveniente da primeira ótica. Acreditavam que o Estado devia limitar suas ações em algumas situações mais básicas, deixando maior fatia das ações para iniciativa privada. Assim o Estado atuaria no campo de segurança, militar e de regulação, com prudência. Nesta visão de ineficiência estatal e admiração do privado influenciou para início da administração gerencial já comentado neste trabalho.
[...] propõe que o bem-estar humano pode ser melhor promovido liberando-se as liberdades e capacidades empreendedoras individuais no âmbito de uma estrutura institucional caracterizada por sólidos direitos a propriedade privada, livres mercados e livre comércio. O papel do Estado é criar e preservar uma estrutura institucional apropriada a essas práticas; o Estado tem de garantir, por exemplo, a qualidade e a integridade do dinheiro. Deve também estabelecer as estruturas e funções militares, de defesa, da polícia e legais requeridas para garantir direitos de propriedade individuais e para assegurar, se necessário pela força, o funcionamento apropriado dos mercados (HARVEY, 2008, p. 12).
O direito fundamental a boa administração recebeu maior holofote ao estar explicitamente demonstrado na Carta de Nice, que trata dos direitos básicos dos cidadãos dos países signatários da União Europeia. Porém o mesmo já é tratado em diversas constituições, seja pelo fundamento em comum ou pelos seus desdobramentos, como os do artigo 37 da Constituição Brasileira.
Diria que a Constituição de 1988, muito antes da Carta dos Direitos Fundamentais da União Européia, consagrou um direito fundamental à boa administração. Todos nós sabemos onde esse direito está, principalmente (não exclusivamente), ancorado: no artigo 1º, III, que consagra a dignidade da pessoa humana como fundamento da República e no artigo 37, onde estão elencados os princípios diretivos da administração pública. Com efeito, uma boa administração só pode ser uma administração que promova a dignidade da pessoa e dos direitos fundamentais que lhe são inerentes, devendo, para tanto, ser uma administração pautada pela probidade e moralidade, impessoalidade, eficiência e proporcionalidade. A nossa Constituição, como se percebe, foi mais adiante. Além de implicitamente consagrar o direito fundamental à boa administração, ela já previu expressamente os critérios, diretrizes, princípios que norteiam e permitem a concretização dessa idéia de boa administração. Então, diria que a nossa Constituição, na verdade, já antes da Carta da União Européia, pelo menos no âmbito formal, talvez tenha ido até mesmo além da própria União Européia. (SARLET, p. 1)
Os princípios explícitos e implícitos da Constituição já emergem o princípio da boa administração no Ordenamento Pátrio. Interessante observar que Wolfgang denota também a relação com dignidade da pessoa humana, que faz todo sentido, ademais com o Estado de bem-estar social. Percebe-se, então, que o conceito de boa administração pública está ligado com conceitos subjetivos como probidade e moralidade, além de impessoalidade, eficiência e proporcionalidade.
Assim a transparência é um dos itens da boa administração pública, pois uma boa administração deve possuir dados de sua constituição e ação, e divulgá-las sendo no âmbito público ou no privado, como preceitua a governança coorporativa. Retirando o argumento de custos elevados para se obter os dados de transparência, porque já deve possuí-los.
3.10- Princípio da Unidade da Constituição
O princípio de interpretação da Constituição como um bloco monolítico faz com que se observe a Carta como um todo, fazendo com que se mitiguem os conflitos, considerados apenas aparentes, estabelecendo a ponderação para que um princípio não extinga outro na prática.
É precisamente por existir pluralidade de concepções que se torna imprescindível a unidade na interpretação. Afinal, a Constituição não é um conjunto de normas justapostas, mas um sistema normativo fundado em determinadas idéias que configuram um núcleo irredutível, condicionante da inteligência de qualquer de suas partes. (BARROSO, 2009, p. 202.)
Assim o que se percebe é que todos os princípios apresentados se coadunam a um objetivo em comum, em uma interpretação de unidade, que é a boa gestão do bem público. Respeito que a coisa pública não pertence ao administrador e que agindo de maneira impessoal, moral, transparente e eficiente, se faça a prestação de contas, realizando um grande desdobramento da democracia que é a cidadania.
Em resumo, todos os princípios apresentados orientam para a necessidade e dever de transparência para efetivá-los. Sendo implícito que se deva dar da maneira mais ampla possível.
Quando se afirma que o princípio de legalidade envolve a existência de lei, isso não pode ser interpretado como exigência de disciplina legal literal e expressa. O princípio de legalidade conduz a considerar a existência de normas jurídicas, expressão que não é sinônima de “lei”, tal como exposto. Há princípios jurídicos implícitos. Também há regras jurídicas implícitas. A disciplina jurídica é produzida pelo conjunto das normas jurídicas, o que exige compreender que, mesmo sem existir dispositivo literal numa lei, o sistema jurídico poderá impor restrição à autonomia privada e obrigatoriedade de atuação administrativa. (...) É muito usual que o sistema jurídico determine não o modo como será desenvolvida a atividade, mas os fins que deverão ser obrigatoriamente realizados. (MARÇAL FILHO, 2005, p. 141-142)
Conclui-se que, independente de regulamentação, o arcabouço constitucional já dispõe, com efetividade, a transparência como regra. Sendo o sigilo como exceção, devendo ser disposto em leis infraconstitucionais, dentro dos preceitos da Carta Maior.