Pensando direitos autorais

Uma análise crítica sobre a metáfora da balança

06/02/2017 às 02:33

Resumo:


  • Trabalho crítico sobre Direitos Autorais no Brasil e no Mundo

  • Análise da metáfora da balança entre Interesse dos Autores e do Público

  • Critérios de divisão entre autores e público e lugar teórico da balança

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

No Brasil e no Mundo se pensa e se discute sobre Direitos Autorais e de Propriedade Intelectual como um balanceamento entre interesses dos autores e do público. Esse artigo aponta os erros teóricos e os problemas desse tipo de arquitetura de raciocínio.

RESUMO:Este trabalho busca abordar uma análise crítica a respeito da forma como se pensa Propriedade Intelectual, em especial Direitos Autorais, no Brasil e no Mundo. É realizada uma crítica ao uso da metáfora da balança entre Interesse dos Autores e Interesse do Público. 

PALAVRAS-CHAVE: Direitos Autorais; Propriedade Intelectual; Interesses do Público


1.Introdução

No Brasil e no exterior, muitos juristas utilizam a metáfora da balança para representar a lógica e os interesses por trás da proteção dos Direitos Autorais.[1] Desta forma, um curso tradicional sobre o tema traz, em algum momento, uma reflexão semelhante a essas:

“O direito autoral [busca o] balanceamento entre o interesse dos autores e o do público que deseja fruí-la ou utilizá-la na composição de outras obras. É preciso, pois, trazer a questão da função social do direito de autor ao debate.”[2]

“Na busca para se atingir o equilíbrio entre o direito detido pelo autor e o direito de acesso ao conhecimento de que goza a sociedade, a função social exerce papel relevantíssimo.”[3]

A mensagem que se propõe através dessa balança metafórica é a de que a forma como se protege e como se pensa os Direitos Autorais varia de acordo com o quanto se valoriza, por um lado, os Direitos do Autor[4] ou, por outro lado, os Direitos do Público[5]. É uma forma de expressar metaforicamente aquilo que a Professora C. Craig denomina de “Eterno Desafio dos Direitos Autorais”[6]:

“[T]he interminable challenge is to construct a system that uses exclusivity to stimulate the creation and dissemination of Works for the benefit of public without unduly harming the public interest by restricting the ability to access and use the works that are thus created.”[7]

Dentro desta representação, do lado da balança dos autores, estariam contidas, por exemplo, as noções de Direitos Naturais à Propriedade, derivados da filosofia Lockeana; Direitos Morais dos Autores, derivados da filosofia Hegeliana; Racionalidade Econômica, em um sentido de gerar incentivos para a produção artística etc. Por sua vez, do lado do público, estariam o Interesse Público; a Disseminação do Conhecimento; o Acesso à Arte e à Cultura etc.


2.Críticas à Metáfora da Balança: Memes como Objeto de Estudo

Apesar de trazer contribuições para os estudos da área, é necessário ter cautela para que não se confunda essa metáfora, que é apenas uma introdução, com a conclusão do tema. Este breve artigo pretende demonstrar o que há de errado por trás dessa forma de pensar o Direito da Propriedade Intelectual, em especial os Direitos Autorais. Para ilustrar a análise, memes serão utilizados como exemplo.

O termo “meme” foi criado por Richard Dawkins para designar “qualquer entidade cultural que um observador pode considerar como um replicador de uma certa ideia ou complexo de ideias”.[8] O conceito do autor britânico se adequou bem ao contexto da internet pela sua compreensão da ideia de autopropagação das informações. No mundo digital, os memes podem ser (ou conter) caricaturas, frases, desenhos, fotos, vídeos, entre outros, ou combinações destes elementos, que se tornam sujeitos a livres alterações e readaptações por diferentes usuários da internet.

Existem dois principais problemas relacionados em utilizar a metáfora da balança para entender e pensar os Direitos Autorais: 1- A divisão: “autores” e “público” e; 2- O lugar no qual comumente se imagina a posição da balança metafórica dentro do debate. Os memes servirão como bons exemplos para demonstrar as críticas pretendidas.

2.1. A Divisão: “Autores” e “Público”

A ideia de dividir os indivíduos entre “autores e público” é retórica. Quando se pensa em uma sociedade na qual as pessoas podem e, constantemente, fazem parte, ao mesmo tempo, do Grupo dos Autores e do Público, não é possível polarizar o debate entre duas classes distintas. Ao utilizar essa metáfora, quando se pensa em um autor, as pessoas tendem a imaginar um escritor famoso ou um músico renomado e esquecer que, no mundo de hoje, indivíduos estão frequentemente produzindo obras protegidas por Direitos Autorais, mesmo que muitas vezes não tenham consciência disso.

Mesmo os renomados autores de livros são, em determinados momentos, parte do público consumidor de outras obras literárias. No entanto, essa dupla identidade fica ainda mais clara dentro da lógica da autopropagação e da criação livre em que se inserem os memes na internet. Neste contexto, é importante notar que, ao criar um meme, o usuário da internet pode, além de criar uma obra protegida por Direitos Autorais, utilizar outras obras anteriores como base para seu meme.

Por exemplo, o “Meme da Nazaré Calculando” contém nele imagens que são protegidas por Direitos Autorais. Nesse sentido, quem criou o “Meme da Nazaré Calculando” fez parte do público, se utilizarmos como referência as imagens contidas no Meme. Porém, o Meme em si é uma obra protegida por Direitos Autorais. O criador do Meme, neste cenário, torna-se autor de uma obra ao mesmo tempo que faz parte do público.

Alguém poderá dizer que, na realidade, a metáfora da balança não divide a sociedade entre essas duas classes. Esses críticos afirmariam que, em verdade, essa ilustração é uma forma de visualizar dois tipos de interesses distintos e não de grupos excludentes. No entanto, esse argumento não encontra razão, pois é inseparável o interesse do indivíduo enquanto autor e enquanto público. O autor é, necessariamente, parte do público. A partir do momento em que ele cria uma obra, está, de alguma forma, exercendo seus direitos como Público, seja para utilizar pequenos trechos de outras obras, seja para utilizar outras obras como inspiração, por exemplo.

Portanto, a metáfora da balança e a forma como se pensa a possível dicotomia entre Direitos dos Autores e Direitos do Público falha ao identificar interesses que se sobrepõem e que se confundem.

2.2. O Lugar Teórico da Balança

Neste artigo, não se descarta por completo a ideia da metáfora da balança. Essa ideia, de fato, serve como norteador para que se comece a pensar, a entender e a discutir Direitos Autorais e de Propriedade Intelectual como um todo. No entanto, a forma como se imagina o lugar teórico dessa balança é equivocada.

Uma das maneiras de se classificar as justificativas para a existência dos Direitos Autorais é entre uma abordagem Deontológica ou Teleológica.[9] A abordagem Deontológica é aquela relativa a um Direito Moral de retribuir o autor por sua criação. Já a abordagem Teleológica é aquela que busca relacionar a proteção à sua finalidade (é uma abordagem mais pragmática).

Por exemplo, a National Geographic detém os Direitos Autorais sobre o Meme “Socially Awkward Penguin”. Há duas formas de pensar a razão da existência desses direitos: 1- Deontológico: Pelo esforço e dedicação que empreenderam, é dever moral da sociedade garantir que os autores do Meme detenham a propriedade de sua criação; 2- Teleológico: É desejável que a National Geographic e outros autores continuem a produzir Memes e, por isso, deve-se garantir alguma forma de remuneração sobre aquela criação.

Na forma tradicional como é imaginada, a balança representa os diferentes interesses se contrapondo, a fim de criar um sistema em que não haja uma disparidade injusta entre a proteção dos Direitos dos Autores e a proteção dos Direitos do Público. No entanto, essa forma de análise gera um raciocínio tautológico.

Comumente, na metáfora da balança, a favor dos Direitos do Público estão as ideias de propagação da arte e do conhecimento, do Interesse Público e do acesso à cultura. Contudo, essa é a finalidade da proteção dos Direitos de Propriedade Intelectual em si. Em outras palavras, aqueles que advogam pelo favorecimento aos Direitos do Autor estão, de fato, advogando pela ideia de que é necessário garantir determinados Direitos aos autores, a fim de estimular a propagação e a criação das obras. Dentro desta lógica, está a ideia de que é do Interesse Público que os autores tenham seus Direitos Autorais garantidos.

Se a forma como se pensam os Direitos Autorais e de Propriedade Intelectual for exclusivamente a abordagem Deontológica, então a estrutura de raciocínio da balança encontra razão em parte, pois o debate se debruçará apenas sobre qual é a extensão desse Dever Moral de retribuir os autores. Dessa forma, o Interesse Público terá apenas uma expressão: a de garantir que os autores tenham o reconhecimento e a propriedade sobre aquilo que produziram. Como se percebe, neste caso, em vez de constar do lado de garantir mais Direitos ao Público, o Interesse Público estaria do lado de garantir Direitos aos Autores, tornando-se opostas as noções de (i) garantir Direitos Morais aos autores por razões Deontológicas e de (ii) estimular o acesso à cultura e a disseminação da Arte e do Conhecimento.

No entanto, a realidade mostra que a lógica de proteção dos Direitos Autorais no Brasil é uma junção das duas abordagens. Por um lado, há uma preocupação com um dever moral de retribuir o artista por sua produção (desta lógica surgem os Direitos Morais dos Autores), por outro lado, permanece, ao mesmo tempo, uma visão Teleológica de garantir que os autores tenham incentivos suficientes, inclusive financeiros, para continuar a produzir obras (desta lógica surgem os Direitos Patrimoniais dos Autores).

Portanto, a balança que mede o quanto se deve proteger ou não os Direitos Autorais está dentro da discussão sobre o que é o Interesse Público. Trazer o Interesse Público como um dos pesos a se colocar na balança é um erro, pois cria-se um argumento tautológico. Ao negar essas ideias defendidas, dever-se-ia, ao menos, colocar o peso do Interesse Público nos dois lados da balança proposta tradicionalmente, já que haveria interesse público tanto em ter acesso às obras como em dar aos autores os incentivos para que produzam as obras. Por óbvio, fazer isso tornaria a metáfora pouco útil.

No exemplo do Meme “Socially Awkward Penguin”, a forma tradicional de raciocínio baseado na balança seria: Por um lado existe o Interesse Público de ter acesso e usar o Meme como bem entender e, por outro, está o Interesse financeiro da National Geographic e seus direitos Naturais e morais à propriedade da obra. Como encontrar o equilíbrio entre os dois interesses?

Defende-se aqui, no entanto, que esta forma de raciocínio é rasa e ignora que a discussão real deveria ser anterior a essa. A maneira de raciocinar deve buscar compreender qual é a forma que a sociedade acredita ser a mais eficaz na garantia da produção e do acesso aos memes. Desta forma, não se trata de uma balança entre Interesses dos Autores X Interesses do Público. Na realidade, trata-se de discutir se os Direitos Autorais promovem o resultado a que se propõem ou não: disseminar a produção e o acesso às artes e ao conhecimento. Existe, de fato, uma necessidade de repensar a necessidade, a eficácia e a arquitetura do sistema de proteção dos Direitos de Propriedade Intelectual como um todo.

Alguém poderia dizer que essa forma de raciocínio só seria válida se a única razão para se compreender os Direitos Autorais fosse através da noção de retribuição. Esses críticos diriam que a discussão sobre a eficácia dos Direitos Autorais teria apenas a face de representação da corrente Teleológica. Porém, a proposta feita, em verdade, é no sentido de compreender o Interesse Público como um todo, levando em conta tanto os aspectos teleológicos como deontológicos do tema. Essa discussão entre razões teleológicas e deontológicas faz parte do debate produtivo ao se pensar Direitos Autorais e possui o conteúdo basilar para a compreensão da matéria.

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Apesar de sutil, a diferença entre as formas de raciocinar garante maior consistência interna e coerência na forma de pensar Direitos Autorais.


3. Conclusão

A metáfora da balança pode ser útil para auxiliar os estudiosos como um primeiro passo para compreender as dinâmicas e discussões envolvidas no debate sobre Direitos Autorais. No entanto, esta metáfora possui problemas conceituais e, por isso, não deve ser utilizada de forma absoluta.

Esta forma de pensar Direitos Autorais e Direitos da Propriedade Intelectual como um todo possui problemas conceituais graves: a negação ao duplo papel/interesse dos autores-públicos e o erro do lugar teórico da discussão. Através de um simples exemplo sobre memes foi possível detectar esses problemas.

Portanto, ao mesmo tempo que a metáfora da balança pode ser utilizada para facilitar estruturações de raciocínios embrionários acerca do tema, não deveria ser utilizada como instrumento para pensamentos complexos sobre o mesmo. Quando se decide tomar esse caminho, corre-se o risco de tomar ações superficiais diante de problemas complexos e multifacetados. A metáfora da balança é um bom jeito de introduzir e de começar a pensar sobre Direitos Autorais, mas é apenas isso.

Logo, a forma como se vem pensando Direitos Autorais e Direitos das Propriedades Intelectuais no Brasil e no Mundo parece sugerir que a Sociedade precisa dar um passo atrás e repensar a lógica do sistema. As perguntas que, verdadeiramente, parecem ainda necessitar de resposta e embasar a discussão são: Quais são as pretensões e justificativas dos Direitos Autorais? Através desse sistema, é possível alcançar o que se propõe? Qual a melhor arquitetura para que esse sistema promova seus fins? Somente após responder a essas perguntas, os debates sobre o tema serão mais transparentes e consistentes.


4. Bibliografia

CARBONI, Guilherme. Direito Autoral e Direito de Acesso: em busca de um melhor balanceamento

Casebook: Théberge v. Galerie d’Art du Petit Champlain inc.

CRAIG, Carys J. Digital Locks and the Fate of Fair Dealing in Canada: In Pursuit of 'Prescriptive Parallelism

CRAIG, Carys J. Technological Neutrality: (Pre)Serving the Purposes of Copyright Law

Kelly, Kevin (1994). Out of Control: The New Biology of Machines, Social Systems, and the Economic World.

Material Didático do Curso de Direitos Intelectuais da FGV DireitoRio


Notas

[1] Alguns exemplos de utilização da metáfora são encontradas nas obras de David Vaver e Denis Borges Barbosa. Além disso, decisões de tribunais, como a do caso Théberge v. Galerie d’Art du Petit Champlain inc., julgado pela Suprema Corte Canadense.

[2] CARBONI, Guilherme. Direito Autoral e Direito de Acesso: em busca de um melhor balanceamento

[3]Material Didático do Curso de Direitos Intelectuais da FGV DireitoRio

[4] O termo “Direitos do Autor” é utilizado como sinônimo de Direitos Autorais

[5] Neste artigo, os termos “Direitos do Público” e “Interesses do Público” são utilizados como sinônimos. Não se deve confundir com outro termo técnico utilizado durante o texto: “Interesse Público”.

[6] Tradução livre do autor

[7] CRAIG, Carys J. Digital Locks and the Fate of Fair Dealing in Canada: In Pursuit of 'Prescriptive Parallelism

[8] Kelly, Kevin (1994). Out of Control: The New Biology of Machines, Social Systems, and the Economic World. United States: Addison-Wesley. p. 360.

[9] CRAIG, Carys J. Technological Neutrality: (Pre)Serving the Purposes of Copyright Law

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Sobre o autor
Pedro Campos

Cursa o 7° Período de Direito na FGV DireitoRio. Pesquisador no Centro de Pesquisa em Direito e Economia da FGV. Atualmente realiza intercâmbio acadêmico na Osgoode Hall Law School.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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