A Polícia não tem o direito de matar, porém o policial não tem o dever de morrer!

06/02/2017 às 09:22
Leia nesta página:

O Estado-polícia não tem o direito de matar, mesmo que sob a justificante do estrito cumprimento do dever legal. Porém, quando o agente de segurança pública sofrer ataque – leia-se, agressões injustas -, ele não é obrigado a renunciar à própria vida.

1. Proibição da Pena de morte

Nos termos da Constituição Federal de 1988, dentre as penas proibidas no Brasil está a de morte, sendo admitida apenas em caso de guerra declarada – diante de pelotão de fuzilamento - (Nucci e Art. 5º, XLVII, “a”). Portanto, após 1988 não só foi extinta no Brasil a pena capital, como ficou expressamente vedada a abolição desta previsão constitucional (Cláusula pétrea – Art. 60, § 4º, IV, CF/88) e tampouco é permitida a reintrodução desta sanção ao ordenamento pátrio, pois, ao promulgar o Decreto nº. 678, o Brasil passou a ser signatário da Convenção Americana de Direitos Humanos, pela qual “não se pode restabelecer a pena de morte nos Estados que a hajam abolido” (Art. 4º, 3).

Desta forma, qualquer dispositivo infraconstitucional que tente estabelecer a pena de morte ou qualquer modalidade de pena proibida pela Constituição, deverá ser eliminado do ordenamento pátrio mediante o controle de constitucionalidade exercido pelo STF. Assim, pode-se afirmar que não é reservado aos órgãos de segurança pública (Art. 144, CF/88), ainda que exerçam o policiamento ostensivo (Polícia Militar, p.ex.), o direito de matar. Seja pela vedação que já expusemos, seja pelo fato de que a vida é inviolável (Art. 5º, caput, CF) – apesar desta inviolabilidade não ser absoluta -, que não há pena sem prévia cominação legal (Reserva legal – Art. 5º, XXXIX, CF) ou mesmo pela presunção de não-culpabilidade (Art. 5º, LVII, CF).

Portanto, ao Estado-Administração é vedado ceifar a vida de civis ou mesmo militares. O que não significa, todavia, que o agente de segurança pública, sobretudo, aqueles que exerçam o policiamento ostensivo (Polícia Militar, p.ex.), sempre estarão cometendo crime ao ceifarem a vida de terceiros. Explico!


2. Confronto entre forças de segurança pública e facções criminosas

Recentemente a Secretaria de Segurança Pública do Tocantins confirmou, após investigações preliminares da Polícia Civil, que 06 (seis) indivíduos vieram a óbito na capital Palmas após atacarem policias militares. Ainda conforme nota oficial divulgada pela Polícia Militar, uma viatura da Corporação localizou o veículo suspeito, e seus ocupantes efetuaram disparos contra os militares. Para cessar a agressão violenta, os policiais efetuaram disparos, sendo que três dos ocupantes desceram do veículo ainda atirando, sendo necessário novamente fazer uso do meio proporcional (PM-TO). A Polícia Civil informou, ainda, que todos os agressores eram integrantes de facções criminosas.

Se é vedado ao Estado matar, estariam os policiais militares cometendo crime (Art. 121, CP)?

A resposta neste caso específico, só pode ser uma: não! Pois, certo é que ao Estado é proibido ceifar vidas em tempos de paz, porém, isso jamais impõe ao policial militar e aos agentes de segurança pública o dever de morrerem, de terem suas vidas ou mesmo integridades físicas atacadas e, ainda assim, se manterem inertes.

Como destacamos alhures, a vida é inviolável, entretanto, prevalece que nenhum direito, por mais fundamental que seja, é absoluto. Assim, todas as vezes que dois direitos fundamentais, como a vida, p. ex., entrarem em rota de colisão, deve-se realizar um sopesamento, uma ponderação dos valores em choque a fim de se fazer prevalecer um deles. É justamente neste momento no qual a ação do policial militar que combate a agressão injusta, torna-se letígima.


3. Estrito Cumprimento do dever legal ou legítima defesa?

Equivoca-se quem acredita estarem os agentes de segurança pública autorizados a matarem sob o argumento do estrito cumprimento do dever legal, o que tornaria sua ação legítima, excluindo-lhe todo o caráter criminoso (Art. 23, III, Código Penal). Não há lei que autorize ou determine ao policial o uso da força letal. Pelo contrário, o uso da força deve ser proporcional, razoável e gradual (Art. 292, Código de Processo Penal). Entretanto, de igual forma, não há lei que obrigue o policial militar ou outro agente a renunciar ao seu maior bem, que é sua vida. Esta é inviolável, recebendo a chancela do próprio Estado para que o seu titular adote as medidas cabíveis, moderadas e necessárias para fazer cessar contra si agressão injusta, atual ou iminente (Art. 25, CP- Legítima Defesa).


4. Risco ou sacrifício da própria vida?

O policial militar está sujeito a rígido controle e fiscalização, bem como, tem sua atividade regulada por leis e normas também rigorosas. Medidas necessárias devido à natureza de sua atividade. Entretanto, nenhuma destas leis ou normas têm legitimidade para obrigar o policial militar a sacrificar a própria vida e renunciar a este direito fundamental. Deste modo, a ação do policial que, para repelir agressão injusta (disparos de arma de fogo, p. ex.), utiliza de meios moderados e necessários, é indiscutivelmente legítima, ficando descaracterizada qualquer ilicitude ou crime.

Aos desavisados, no Estado do Tocantins, a Lei 2.578/12 é a base do ordenamento casernal (Art. 142, X cc Art. 42, § 1º, CF). Nela é possível encontrar os rigorosos parâmetros pelos quais os policias e bombeiros militares atuarão, sendo possível identificar, dentre os valores a serem perseguidos em sua atuação, aquele que exige dos militares o cumprimento de seu dever, mesmo quando haja o risco da própria vida (Art. 32, I).

Porém, reiteramos, é obrigação do militar cumprir o seu dever mesmo quando haja o risco da própria vida, o que não se confunde com o sacrifício dela. Lembramos que o compromisso firmado pelo policial militar ao adentrar na Corporação, pelo qual ele deve “dedicar-me inteiramente ao serviço policial militar, à manutenção da ordem pública e à segurança da comunidade, mesmo com o sacrifício da própria vida" (Art. 37, I – Lei 2.578/12), deve ser interpretado em consonância com a Constituição Federal de 1988, a qual veda penas de morte (civis ou militares) em tempos de paz, diz ser a vida inviolável e estabelece a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (Art. 1º, III, CF). Assim, tal compromisso significa que, ao policial militar é proibido fugir do cumprimento de seu dever, mesmo quando haja o risco de sua vida, mas isso não lhe impõe o dever de morrer almejado por criminosos, de se manter inerte quando é alvo do crime organizado, de não defender sua vida e de terceiros inocentes da ação violenta de operários do crime.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

5. Conclusão

Por conseguinte, conclui-se que o Estado-polícia não tem o direito de matar, mesmo que sob a justificante do estrito cumprimento do dever legal. Porém, quando o agente de segurança pública sofrer ataque – leia-se, agressões injustas -, ele não é obrigado a renunciar à própria vida, ainda que sejam militares, sendo-lhe legítimo defendê-la, adotando as medidas necessárias e moderadas, mesmo que isso signifique o óbito do agressor.

Assuntos relacionados
Sobre o autor
Sérgio Nunnes

Especialista em Direito Constitucional com formação para o Magistério Superior, Professor do Curso de Direito da UNEST (Paraíso-TO), FAPAL (Palmas-TO), Ex-Professor da Faculdade Serra do Carmo (Palmas-TO), Ex-professor do Curso de Direito do Centro Universitário Unirg - TO, Professor em preparatórios para Concursos Públicos, Autor de Artigos, Livros, Palestrante e Subtenente da Polícia Militar do Estado do Tocantins.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos