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Direito ao nome e as exceções ao princípio da imutabilidade

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22/02/2017 às 10:50
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Tanto a doutrina quanto a jurisprudência vêm admitindo a relativização do princípio da imutabilidade do nome, permitindo em alguns casos a retificação do registro civil.

 RESUMO:O presente artigo tem como finalidade o estudo dos direitos da personalidade, em especial a análise do direito ao nome e do princípio da imutabilidade deste. Para tanto, fez-se necessário traçar uma breve evolução histórica dos direitos da personalidade, analisando-se a origem e as principais passagens históricas envolvendo a matéria, com o fito de melhor elucidar o tema. Foi realizada, igualmente, a análise das características dos direitos personalíssimos, de sua classificação, e ainda, um breve estudo acerca dos direitos da personalidade na legislação pátria, especialmente, da Constituição Federal e do atual Código Civil. Após rápida análise acerca dos direitos personalíssimos, foi realizada uma abordagem específica do direito ao nome, tendo como objeto de estudo sua origem, finalidades, características e elementos. Por fim, passou-se ao estudo do princípio da imutabilidade do nome e suas exceções, com o exame da doutrina, da legislação e, principalmente, da jurisprudência, para o fim de verificar o atual entendimento da sociedade acerca das referidas exceções.

Palavras-chave: Direitos da personalidade, contexto histórico, direito ao nome, princípio da imutabilidade, relativização. 


INTRODUÇÃO

O homem vivendo em sociedade pratica atos jurídicos, adquirindo direitos e contraindo obrigações. No entanto, há direitos que estão intimamente ligados a sua personalidade, e que não possuem conteúdo econômico, denominados de direitos da personalidade.

Os direitos da personalidade, como adiante será analisado, são atinentes à própria existência humana, ocupando posição supra-estatal e têm como escopo a proteção do ser humano[1]. Isto é, são direitos que têm como finalidade proteger a integridade física, moral e intelectual da pessoa, sendo, portanto, absolutos, intransmissíveis, indisponíveis, irrenunciáveis, imprescritíveis e inexpropriáveis.

Apesar de os direitos da personalidade não se tratarem de tema recente para a doutrina – haja vista que têm marco no trabalho de filósofos gregos –, no plano legislativo, é matéria de certa forma recente, principalmente no Brasil, já que não possuía tratamento específico no Código Civil de 1916.

Antes da edição do Código Civil de 2002 a matéria somente era disciplinada na Constituição Federal, que em seu artigo 1º estabeleceu dentre seus fundamentos a cidadania e a dignidade da pessoa humana, e no artigo 5º disciplinou os direitos e garantias fundamentais protegendo diversos direitos relativos à personalidade.

Acerca da dignidade da pessoa humana, importante destacar que consoante será analisado no decorrer deste trabalho, este é o princípio basilar dos direitos da personalidade. Tal afirmação ficará evidente no último capítulo, o qual será reservado ao estudo do direito ao nome e às exceções ao princípio da imutabilidade.

Somente com o advento da Lei 10.046/2002 – atual Código Civil -, a matéria passou a ter tratamento específico no Título I, Capítulo II, que nos artigos 11 a 21 disciplinou os direitos da personalidade, dentre eles o direito ao nome, tema do presente trabalho.

Como se sabe o nome atribuído à pessoa é um dos principais direitos da personalidade, haja vista que se trata de marca distintiva das pessoas na sociedade, permitindo sua individualização, até mesmo após a sua morte[2].

Consoante determina o artigo 16, “toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendido o prenome e o sobrenome”, sendo que um dos princípios que regem a matéria é o da imutabilidade, constante no artigo 57, da Lei n° 6.015/1973 – Lei dos Registros Públicos -, o qual determina que a alteração do nome somente será admitida por exceção e motivadamente, após a audiência do Ministério Público[3].

Não obstante a regra seja a imutabilidade do nome, observa-se da leitura do referido dispositivo legal que esta comporta exceções, tais como a possibilidade de substituição do prenome por apelido público notório contida no artigo 58, da Lei 6.015/1973.

Porém, como adiante será visto, apesar de algumas das exceções estarem previstas em lei, o rol não é taxativo, sendo que cabe ao aplicador do direito avaliar caso a caso, para o fim de verificar a pertinência, ou não, da alteração do nome e a consequente retificação do registro civil.

Isto é, o artigo em questão tem como objetivo realizar diversas pesquisas nos tribunais pátrios, para o fim de verificar os casos concretos levados à apreciação do Poder Judiciário. Verificar como a jurisprudência têm se manifestado sobre a possibilidade de mudança do prenome, ou ainda, do patronímico. Analisar como a jurisprudência tem se firmado no que tange a relativização do princípio da imutabilidade do nome, bem como o posicionamento da doutrina sobre o assunto.

Além disso, sabendo que dentre as situações que corriqueiramente são levadas ao Poder Judiciário, sem sombra de dúvidas a mais polêmica é a questão do transexual, pretende-se abordar com maior ênfase a possibilidade de mudança do prenome nessas situações.

Ou seja, será reservada ao último capítulo a análise das exceções ao princípio da imutabilidade do nome, dando-se especial atenção ao tratamento que a doutrina e a jurisprudência vêm dispendendo ao transexual, quando o assunto é a alteração do registro civil.

O presente artigo, portanto, tem como objetivo traçar breves considerações acerca do tema “direito ao nome”, bem como fazer uma análise das exceções ao princípio da imutabilidade do nome, a luz da atual doutrina e jurisprudência.


1 DESENVOLVIMENTO

1.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE

Os direitos da personalidade apesar de serem objeto de estudos doutrinários relativamente recentes[4], encontram-se nos primórdios da civilização ocidental estudos envolvendo a proteção da personalidade.

Segundo o doutrinador Francisco Amaral foi no direito grego que começou a se perceber a proteção à personalidade a partir da ideia de hybris[5] , que justificava a sanção penal punitiva[6].

De acordo com o autor, é na filosofia grega que se observa a maior contribuição para o estudo dos direitos da personalidade, com a divisão das fontes jurídicas em direito natural, consistente na ordem superior criada pela natureza, e em direito positivo, concernente nas leis estabelecidas na cidade, sendo o homem a origem e a razão de ser da lei e do direito[7].

Ainda, o direito romano também contribuiu para a evolução dos direitos da personalidade, com a instauração da República[8] e a codificação de costumes na Lei das XII Tábuas[9].  

A referida Lei continha as normas respeitantes à esfera jurídica do cidadão individual, regulando-se pelas normas do direito processual civil de forma a permitir a todos o acesso à justiça. Ainda, apesar de prevalecer a vingança privada, notam-se sinais de progresso ao favorecer para lesões pessoais graves a composição em dinheiro, extinguindo a lide através de um pacto, somente se decretando a represália física quando frustrada aquela, e ao punir as ofensas à personalidade tanto física como moral. Há uma distinção nas ofensas às pessoas, da ação voluntária e da involuntária, notando-se, portanto, um certo avanço em relação aos direitos da personalidade[10].

Contudo, com a evolução da sociedade e considerando alguns fatos que marcaram a história, tais como o Cristianismo, a evolução das sociedades no seu aspecto tecnológico, político, econômico e social, despertou nos homens a necessidade de positivar as regras protetivas da personalidade.

Pode-se dizer que o Cristianismo, influenciou diversos aspectos do direito romano, desenvolvendo a ideia de dignidade da pessoa humana. Tal fato está evidenciado com a atenuação da escravatura, a condenação dos jogos de gladiadores, a repressão da prostituição, limitação da usura, a supressão do suplício da cruz e a abolição do cárcere privado[11].

Vale esclarecer, igualmente, que no tocante a tutela judicial dos direitos da personalidade, o cristianismo implementou a tutela da personalidade moral e dos bens imateriais da pessoa humana[12].

 Nota-se, portanto, que o cristianismo envolvido pela ideia de fraternidade universal despertou na sociedade da época a necessidade de reconhecer os direitos da personalidade.

De acordo com relatos de Francisco Amaral na Idade Média, a Carta Magna de 1215 assegurava garantias legais contra a violação de direitos e em favor da assistência e amparo aos necessitados, principalmente no que tange o acesso à justiça, contudo é com o Renascimento e Humanismo no século XVI e com o Iluminismo nos séculos XVII e XVIII que se reconhece o indivíduo como valor central dos direitos, desenvolvendo-se dessa forma a teoria dos direitos subjetivos como tutela dos interesses e dos valores fundamentais da pessoa, tendo como objeto desses direitos a própria pessoa humana[13].

Não obstante a contribuição do Cristianismo, do Renascimento, do Humanismo e do Iluminismo para a evolução desses direitos, foi a Declaração dos Direitos de 1789 que de fato impulsionou a defesa dos direitos individuais e a valorização da pessoa humana e da liberdade do cidadão[14]. Segundo Caio Mário da Silva Pereira a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão “concretizando os ideais dos Enciclopedistas do séc. XVIII, foi a grande proclamação que a Revolução Francesa ofereceu ao mundo moderno”[15].

Além das Declarações dos Direitos do Homem de 1789, pode-se destacar ainda como fontes da garantia dos direitos da personalidade o Bill of Rights, a Declaração da Independência das colônias inglesas na América do Norte em 1776, a Declaração de Direitos de 1793, a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948[16], a Convenção Européia dos Direitos Humanos de 1950 e de 1968, e por fim, a Carta dos Direitos Fundamentais da União Européia, do ano 2000.

No âmbito do direito privado a evolução dos direitos da personalidade foi lenta, apesar de contemplados constitucionalmente. É o que se denota com os ensinamentos de Maria Helena Diniz:

O Código Civil Francês de 1804 os tutelou em rápidas pinceladas, sem definí-los. Não os contemplaram o Código Civil português de 1886 e o italiano de 1865. O Código Civil italiano de 1942 os prevê nos art. 5º a 10; o atual Código Civil português, nos arts. 70 a 81, e o novo Código Civil brasileiro, nos arts. 11 a 21. Sua disciplina, no Brasil, tem sido dada por leis extravagantes e pela Constituição Federal de 1988, que com maior amplitude deles se ocupou no art. 5º em vários incisos e ao dar-lhes, no inc. XLI, uma tutela genérica ao prescrever que a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais.[17]

Como se pode observar acima, no Brasil, antes do Código Civil de 2002, a disciplina dos direitos da personalidade era dada apenas por leis extravagantes e pela Constituição Federal de 1988, que disciplinou a matéria com maior amplitude no artigo 5º, que trata dos direitos e garantias fundamentais.

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Somente com a edição da Lei 10.046/2002 - atual Código Civil – o tema ganhou maior proteção, já que veio disciplinado no Título I, Capítulo II, artigos 11 a 21[18], os quais têm por objetivo a preservação do respeito à dignidade da pessoa humana e os demais direitos protegidos pela Constituição Federal.

1.2 BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE

Entende-se por direitos da personalidade aqueles que têm por objetivo resguardar a dignidade da pessoa humana, de forma que “ninguém pode, por ato voluntário, dispor de sua privacidade, renunciar à liberdade, ceder seu nome de registro para utilização por outrem, renunciar ao direito de pedir alimentos no campo de família, por exemplo”[19].

Nesse sentido, verifica-se que a dignidade da pessoa humana prevista constitucionalmente constitui um marco jurídico dos direitos da personalidade, como referência constitucional unificadora de todos os direitos constitucionais[20].

Segundo a doutrina, os direitos da personalidade não se tratam propriamente de direitos, mas sim de valores, dos quais irradiam direitos que têm por base a personalidade[21]. Assim, os direitos da personalidade buscam tutelar a integridade física, a honra, a imagem, da pessoa humana.

Em suma, os direitos da personalidade, são os direitos subjetivos da pessoa de defender o que lhe é próprio, isto é, são direitos comuns da existência, pois são permissões dadas pela norma jurídica às pessoas para defender um bem que a natureza lhe conferiu[22].

Observa-se, portanto, que o objeto dos direitos da personalidade “é o bem jurídico da personalidade, como conjunto unitário, dinâmico e evolutivo dos bens e valores essenciais da pessoa no seu aspecto físico, moral e intelectual”[23].

Esse objeto dos direitos da personalidade fica bem claro com a leitura da Constituição Federal de 1988, principalmente o seu artigo 5º, inciso X, o qual disciplina que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”[24].

Afora os direitos previstos no inciso X, do artigo 5º, da Constituição, a título ilustrativo, outros direitos de natureza constitucional, tais como a inviolabilidade dos direitos à vida, à liberdade, à igualdade (art. 5º, caput); o direito a resposta (artigo 5º, inciso V); o direito de autor (artigo 5º, inciso XXVII); a proteção à participação individual em obras coletivas e à reprodução da imagem e da voz humanas (artigo 5º, inciso XXVIII)[25].

E aqui, cabe ressaltar que todos os direitos citados estão tutelados em cláusula pétrea da Constituição, de forma que não se extinguem pelo não uso, tampouco é possível impor prazos para sua defesa.

Não obstante a Constituição Federal tenha disciplinado alguns direitos da personalidade, como acima mencionado, note-se que esta não teve o condão de exauri-los, tendo em vista que nos termos do § 2º, do artigo 5º, da Constituição Federal, os direitos e garantias expressos no texto constitucional não excluem outros arrolados em lei.

É possível concluir que, apesar da Constituição Federal prever em cláusula pétrea alguns direitos da personalidade, isso não impede que a legislação infraconstitucional amplie o referido rol.

O atual Código Civil, conforme relatado no tópico anterior, disciplinou o tema no Título I, Capítulo II, artigos 11 a 21, sendo que tais dispositivos legais, nos termos dos ensinamentos de Silvio de Salvo Venosa, referem-se especificamente ao direito e proteção à integridade do corpo da pessoa, ao seu nome e imagem, bem como à inviolabilidade da vida privada da pessoa natural.[26].

Tal como a Constituição Federal, o rol contido nos artigos 11 a 21 do Código Civil não buscam exaurir o rol de direitos da personalidade, haja vista que “a ofensa a qualquer modalidade de direito da personalidade, dentro da variedade que a matéria propõe, pode ser coibida, segundo o caso concreto”[27].

Nesse sentido, relevante mencionar que se encontram direitos da personalidade no Código Penal (Decreto-lei n. 2.848/40), no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90), na lei de transplante de órgãos (Lei n. 9.434/97 e Decreto n. 2.268/97), na lei de proteção à propriedade intelectual (Lei n. 9.610/98), na lei de propriedade industrial (Lei n. 9.279/96), entre outras leis infraconstitucionais[28].

Cumpre destacar, igualmente, que a personalidade tem seu início a partir do nascimento com vida, pois é a partir desse momento que se tem uma pessoa titular de direitos e obrigações[29].

Acerca do assunto, relevante destacar que nascendo vivo e morrendo logo em seguida, o novo ente adquiriu personalidade e, por conseguinte, passou a ser sujeito de direitos e obrigações.

Considerando que a existência da pessoa termina com a morte, é somente com esta que cessa a personalidade. Nesse sentido, importante mencionar que o direito estrangeiro admite as manifestações da personalidade post-mortem, a exemplo do Código Civil Português que em seu artigo 71, inciso I, dispõe expressamente que “os direitos da personalidade gozam igualmente de proteção depois da morte do respectivo titular”[30].

Pode-se dizer, ainda, que os direitos da personalidade são dotados de características, tais como as abaixo relacionadas:

Os direitos da personalidade são absolutos, intransmissíveis, indisponíveis, irrenunciáveis, ilimitados, imprescritíveis e inexpropriáveis. São absolutos, ou de exclusão, por serem oponíveis erga omnes, por conterem, em si, um dever geral de abstenção. São extrapatrimoniais por serem insuscetíveis de aferição econômica, tanto que, se impossível for a reparação in natura ou a reposição do status quo ante, a indenização pela sua lesão será pelo equivalente. São intransmissíveis, visto que não podem ser transferidos à esfera jurídica de outrem. Nascem e se extinguem ope legis com o seu titular, por serem dele inseparáveis. Deveras ninguém pode usufruir em nome de outra pessoa bens como a vida, a liberdade, a honra, etc. são, em regra, indisponíveis, insuscetíveis de disposição, mas há temperamentos quanto a isso. Poder-se-á, p. ex., admitir sua disponibilidade em prol do interesse social; em relação ao direito da imagem, ninguém poderá recusar que sua foto fique estampada em documento de identidade. Pessoa famosa poderá explorar sua imagem na promoção de venda de produtos, mediante pagamento de uma remuneração convencionada. Nada obsta a que, em relação ao corpo, alguém, para atender a uma situação altruísta e terapêutica, venha a ceder, gratuitamente, órgão ou tecido. Logo, os direitos da personalidade poderão ser objeto de contrato como, por exemplo, o de concessão ou licença para uso de imagem ou de marca (se pessoa jurídica); o de edição para divulgar uma obra ao público; o de merchandising para inserir em produtos uma criação intelectual, com o escopo de comercializá-la, colocando, p. ex., desenhos de Disney em alimentos infantis para despertar o desejo das crianças de adquiri-los, expandindo, assim, a publicidade do produto. Como se vê, a disponibilidade dos direitos da personalidade é relativa. São irrenunciáveis já que não poderão ultrapassar a esfera de seu titular. São impenhoráveis e imprescritíveis, não se extinguindo nem pelo uso, nem pela inércia na pretensão de defendê-los, e são insuscetíveis de penhora.

(...) Os direitos da personalidade são necessários e inexpropriáveis, pois, por serem inatos, adquiridos no instante da concepção, não podem ser retirados da pessoa enquanto ela viver por dizerem respeito à qualidade humana. Daí serem vitalícios; terminam, em regra, com o óbito do seu titular por serem indispensáveis enquanto viver, mas tal aniquilamento não é completo, uma vez que certos direitos sobrevivem. Deveras ao morto é devido respeito; sua imagem, sua honra e seu direito moral de autor são resguardados. São ilimitados, ante a impossibilidade de se imaginar um número fechado de direitos da personalidade. [31]

Apesar do Código Civil fazer menção, em seu artigo 11, apenas as características da intransmissibilidade, irrenunciabilidade e indisponibilidade, o exercício dos direitos da personalidade não poderá sofrer limitação, salvo hipóteses expressamente previstas em lei, haja vista que o ser humano é titulares destes.

Acerca do assunto, oportuno mencionar que de acordo com o Enunciado nº 4, da primeira Jornada de Direito Civil, “o exercício dos direitos da personalidade pode sofrer limitação voluntária, desde que não seja permanente nem geral”.

Pode-se citar como exemplo dessa limitação a dispensa de anuência para divulgação da imagem quando se tratar de pessoa notória, referir-se a exercício de cargo público, para atender à administração ou serviço da justiça ou de polícia, para garantia da segurança pública e do interesse público, necessidade de resguardar a saúde pública, e obtenção da imagem em que a figura é apenas parte do cenário, identificação compulsória ou imprescindível a algum direito público ou privado[32].

Além das características acima mencionadas, pode-se dizer que os direitos da personalidade ainda classificam-se em: direitos à integridade física (nos quais se inserem o direito à vida, ao próprio corpo e ao cadáver), e direitos à integridade moral (que versam sobre direito à honra, à liberdade, à imagem, ao nome e à moral).

Assim, verifica-se que o ser humano é titular de prerrogativas individuais reconhecidas pelo ordenamento jurídico – tanto constitucional, quanto infraconstitucional, e como adiante será demonstrado, expressamente reconhecidos pela jurisprudência.

1.3 DIREITO AO NOME E AS EXCEÇÕES AO PRINCÍPIO DA IMUTABILIDADE

O nome, conforme visto acima, integra o rol dos direitos da personalidade e, segundo a doutrina, é entendido como o elemento que identifica o indivíduo na sociedade. Ou seja, “o nome integra a personalidade, individualiza a pessoa e indica grosso modo a sua procedência familiar”[33].

Conforme os ensinamentos de Maria Helena Diniz “o nome integra a personalidade por ser o sinal exterior pelo qual se designa, se individualiza e se reconhece a pessoa no seio da família e da sociedade”[34].

Desse modo, toda pessoa, nos termos do artigo 16, do Código Civil, tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome, sendo que este constará do assento de nascimento que será lavrado dentro do prazo de 15 dias a contar do nascimento, de acordo com a regra contida no artigo 50, da Lei n. 6.015/1973.

Vê-se, portanto, que toda pessoa ao nascer terá seu registro de nascimento lavrado, contendo o prenome – próprio da pessoa -, e o sobrenome ou patronímico, que identifica determinada família.

Ainda, conforme leciona Fiuza, o sobrenome é composto pelos nomes ou apelidos de família, sendo que este pode ser adquirido de pleno direito através do nascimento ou reconhecimento de paternidade, ou ainda, pela prática de ato jurídico, como por exemplo, pela adoção ou casamento[35].

Além do prenome e do sobrenome, por vezes tem-se o agnome, o qual se trata de um distintivo que se acrescenta ao nome completo com a finalidade de diferenciar parentes com o mesmo nome, como por exemplo, júnior, sobrinho, neto, etc[36].

Pode-se dizer, igualmente, que existe o alcunha ou epíteto, que é a designação atribuída a alguém em razão de uma particularidade sua ligada ao trabalho exercido, aparência física, local de nascimento, entre outros. O alcunha pode agregar-se à personalidade da pessoa, e sob certas condições acrescentadas ao nome, tal como fez o ex-Presidente Lula e a apresentadora Xuxa[37].

O nome, além de produzir efeitos erga omnes[38], como um dos direitos da personalidade, também tem como características a inalienabilidade, irrenunciabilidade e a imprescritibilidade. Além dessas características, a Lei de Registros Públicos, consagrou também a imutabilidade do nome, em seu artigo 57, o qual determina que “a alteração posterior de nome, somente por exceção e motivadamente, após audiência do Ministério Público”.

Segundo César Fiuza o prenome é imutável, salvo por justo motivo, quando, por exemplo, expor ao ridículo seu titular. Nesses casos, admite-se a retificação extrajudicial no primeiro ano após completada a maioridade, sendo que decorrido tal prazo, a retificação somente poderá ser judicial. ainda, no que tange ao patronímico, entende o referido autor que afora o casamento, separação, divórcio e as hipóteses de anulação de casamento, este apenas poderá ser alterado judicialmente, desde que havendo justa causa[39].

Embora a regra seja a inalterabilidade do nome, admitem-se exceções quando: (a) expuser o portador do nome ao ridículo, ou ainda, a situações vexatórias; (b) houver erro gráfico; (c) houver embaraços na atividade profissional ou no setor eleitoral; (d) ocorrer mudança de sexo; (e) houver apelido público notório e; (f) for necessário proteger vítima e testemunhas de crimes[40].

Acerca da mudança de nome em razão da mudança de sexo, relevante tecer alguns comentários acerca do posicionamento da jurisprudência no que tange ao transexual. Nos termos da decisão proferida pela Ministra Nancy Andrighi no Recurso Especial n. 1008398, julgado em 15 de outubro de 2009, é necessário analisar a questão sob a ótica da dignidade da pessoa humana, reconhecendo-se a verdadeira identidade sexual do transexual sob o aspecto psicossial, refletindo-se a verdade real por ele vivenciada na sociedade, para que então possa ter uma vida digna.

Ainda, de acordo com o referido acórdão a mudança de nome se justifica tendo em vista que a manutenção do prenome exclusivamente masculino, tendo a pessoa características femininas, a expõe à situação vexatória, de modo que é possível a retificação do registro civil, com fulcro no artigo 55, da Lei n. 6.015/73[41].

Nesse sentido, é o entendimento do doutrinador Sílvio de Salvo Venosa:

Apontamos anteriormente que é atual a problemática de alteração do prenome, tendo em vista a alteração cirúrgica do sexo da pessoa. Nessas hipóteses, o cuidado do magistrado ao deferir a modificação do prenome deve atender a razões psicológicas e sociais, mercê de um cuidadoso exame da hipótese concreta. A questão desloca-se até mesmo para o plano constitucional sob os aspectos da cidadania e a dignidade do ser humano (Szaniawski 1999:248). Não é este local para estudo mais aprofundado do transexualismo e as respectivas possibilidades de modificação de sexo. No entanto, sob esse prisma, comprovada a alteração do sexo, impor a manutenção do nome do outro sexo à pessoa é cruel, sujeitando-a a auma degradação que não é consentânea com os princípios de justiça social. Como corolário dos princípios que protegem a personalidade, nessas situações o prenome deve ser alterado[42].

Acerca do assunto, cumpre destacar que existe um Projeto de Lei em trâmite no Congresso Nacional, para o fim de acrescentar ao artigo 58, da Lei n. 6.015/73 os parágrafos 2º e 3º, possibilitando a mudança do prenome mediante autorização judicial, nos casos em que a pessoa se submeteu a intervenção cirúrgica de alteração do sexo.

Interessante destacar que o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul tem admitido a retificação do registro civil, mesmo nas situações em que o transexual não optou por realizar a cirurgia para mudança de sexo. Nesse sentido, relevante transcrever trecho do voto proferido pelo Desembargador Rui Portanova, nos autos de Apelação Cível n. 70022504849:

Com efeito, embora o nome apresente-se como um elemento de diferenciação do indivíduo perante a coletividade, o seu maior atributo não está no coletivo, mas no individual.

É através do nome que todo e qualquer indivíduo se identifica, se vê como um ser dotado das características que aquele signo representa para si.

É claro que a forma como o indivíduo é visto socialmente também importa para a conformação do nome. Mas a importância dessa visão social e coletiva do indivíduo volta-se muito mais para o próprio indivíduo em respeito à sua dignidade, em atenção à forma como esse indivíduo sente-se ao ser visto dessa ou daquela forma pelo coletivo.

Esta certo que ARTUR não só apresenta-se com características físicas e psíquicas femininas, como também deixa certo que o nome que melhor lhe identifica e que satisfaz os seus anseios é o nome com tais características. Basta olhar as fotos de fls. 12/15 e ser verá que ARTUR efetivamente se apresenta como uma mulher.

Dito isso, desimporta se, ao fim e ao cabo, ARTUR é um transexual ou um travesti. Desimporta se ele fez ou fará cirurgia de transgenitalização, se sua orientação sexual é pelo mesmo sexo ou pelo sexo oposto, por homem ou por mulher.

Todos esses fatores não modificam a forma como ARTUR se vê e é visto por todos. Como uma mulher.

Tal como dito por Berenice Bento “Os ‘normais’ negam-se a reconhecer a presença da margem no centro como elemento estruturante e indispensável. Daí eliminá-la obsessivamente pelos insultos, leis, castigos, no assassinato ritualizado de uma transexual que precisa morrer cem vezes na ponta afiada de uma faca que se nega a parar mesmo diante do corpo moribundo. Quem estava sendo morto? A margem? Não seria o medo de o centro admitir que ela (a transexual/a margem) me habita e me apavora? Antes de matá-la. Antes de agir em nome da norma, da lei e fazer a assepsia que garantirá o bom funcionamento e regulação das normas. Outra solução ‘mais eficaz’ é confinar os ‘seres abjetos’ aos compêndios médicos e trazê-los à vida humana por uma aguilhada que marca um código abrasado a cada relatório médico que diagnostica um ‘transtorno’.” (BENTO, Berenice. O que é transexualidade. p. 38-39. Ed. Brasiliense.)

Enfim, de qualquer forma que se aborde o assunto, a solução não pode ser outra que não o atendimento do pedido da autora[43].

Note-se que, novamente o argumento utilizado para deferir o pedido de retificação do registro civil, é possibilitar ao transexual uma vida digna, haja vista que ao ter o seu nome condizente com o seu aspecto físico e psíquico, deixará de se sentir uma anomalia na sociedade.

Outra possibilidade que a jurisprudência vem lentamente admitindo, é a retirada do patronímico do esposo, mesmo sem a ocorrência de separação ou divórcio, ou ainda, a inclusão do sobrenome do marido quando os nubentes não fizeram tal opção com a realização do casamento.

No segundo caso as decisões que deferem a alteração do registro civil, o fazem com fundamento no artigo 1.565, § 1º, do Código Civil, o qual disciplina que “qualquer dos nubentes, querendo, pode acrescer ao seu o sobrenome do outro” e no artigo 1.639, § 2º, do mesmo diploma legal, que prevê a possibilidade de mudança do regime de bens. Nesse sentido, importante transcrever trecho do acórdão proferido pela Desembargadora Sandra Fonseca, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

Todavia, a própria lei (Lei de Registro Públicos, 6.015/73) prevê algumas hipóteses aceitáveis de refiticação, tais como quando o nome expõe a pessoa ao ridículo ou quando a mudança é feita para ocultar testemunha de crime que está sob ameaça.

Também o Código Civil prevê hipótese de mudança do nome, em razão do casamento, na forma disposta pelo art. 1.565, § 1º, in verbis:

“Art. 1.565. Pelo casamento, homem e mulher assumem mutuamente a condição de consortes, companheiros e responsáveis pelos encargos da família.

§ 1º Qualquer dos nubentes, querendo, pode acrescer ao seu o sobrenome do outro”.

Não há dúvida de que o vocábulo “nubente” significa “pessoa que vai se casar” (Dicionário Aurélio Eletrônico – Século XXI).

Deve-se lembrar, ainda, que, como a jurisdição voluntária propicia julgamento estribado em critério de convivência e oportunidade, revela-se possível a mudança nos moldes deferidos pela sentença recorrida, aplicando-se o disposto no art. 1.109, do Código de Processo Civil, que dispõe:

“O juiz decidirá o pedido no prazo de 10 (dez) dias; não é, porém, obrigado a observar o critério da legalidade estrita, podendo adotar em cada caso a solução que reputar mais conveniente ou oportuna”.

Ora, se o próprio regime de bens do casamento, que era inalterável como estabelecia do Código Civil de 1916, afora pequenas exceções admitidas pela jurisprudência, pode hoje ser modificado a requerimento dos cônjuges, através de decisão judicial, como estabelece o art. 1.639, § 2º, do CC em vigor, não vejo óbice – ainda que em tese – ao acolhimento do pedido da autora, no sentido de admitir-se o acréscimo, em seu nome, do sobrenome do cônjuge, como determinado na r. sentença[44].

Já no primeiro caso, alguns magistrados vêm admitindo a exceção ao princípio da imutabilidade do nome, para suprimir o sobrenome do marido, nas hipóteses em que não há prejuízo a terceiro e a pessoa é notoriamente conhecida em seu meio social e profissional pelo nome de solteira. Veja-se:

RETIFICAÇÃO - REGISTRO - CIVIL - NOME - CASADA - SOLTEIRA - RECONHECIMENTO - PROFISSIONAL - AQUIESCÊNCIA - MARIDO - PERMISSÃO. Estando satisfatoriamente demonstrado que a parte tornou-se conhecida no meio acadêmico e científico em que está inserida com seu nome de solteira, e não havendo motivos outros em sentido contrário, é de se admitir a alteração de seu nome de casada para o de solteira, mesmo porque esta conta com a aquiescência do marido, e, por outro lado, o fim e o objetivo maior do Direito não é outro, senão o de atingir a maior e melhor harmonia social possível, para o que, naturalmente, muito conta o bem estar pessoal de cada cidadão[45]

Denota-se que, de acordo com as decisões acima mencionadas, os tribunais vêm admitindo a relativização da imutabilidade do nome, em detrimento da dignidade da pessoa humana, ou ainda, nos casos em que inexistem prejuízos a terceiros.

Ou seja, inúmeras são as situações enfrentadas pelos tribunais, na busca da alteração do nome, no entanto, cabe ao magistrado analisar caso a caso, para verificar a pertinência e a necessidade de relativizar o princípio da imutabilidade do nome, levando-se em conta os demais direitos e garantias individuais, mantendo-se dessa maneira o espírito da lei.

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Sobre a autora
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GRAMINHO, Vivian Maria Caxambu. Direito ao nome e as exceções ao princípio da imutabilidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 4984, 22 fev. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/55836. Acesso em: 2 nov. 2024.

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