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Desafios na aplicabilidade da lei penal na Operação Lava Jato

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4 DOS MECANISMOS DE CONTROLE

O desenho burocrático de gestão pública, por embasar-se na impessoalidade e na universalidade dos procedimentos, determina que o controle se encontre, especialmente, nas formas de administração, considerando-se a legalidade criada pelo próprio ente estatal (GUIMARÃES, 2011).

Assim, os processos decisórios acerca das políticas públicas seriam baseados na sua compatibilidade com as normas legais, segundo o controle dos meios. Não caberia, portanto, à burocracia a discricionariedade para formatar o conteúdo das políticas públicas.

Dessa forma, o controle é essencial para a formação da legitimidade, devendo se exercer para garantir que a discricionariedade do corpo burocrático não acarrete em corrupção. Ela surge dentro de uma conjuntura de aumento do espaço de conformação dos agentes públicos, somada a uma ausência de fiscalização.

No caso da “Operação Lava Jato” os desafios na aplicabilidade da Lei Penal ocorrem em razão do grande número de pessoas envolvidas, elevadas somas de recursos desviados e dificuldade na consecução de provas, estas últimas baseadas principalmente em delações.

Para se ampliar o controle da corrupção, faz-se necessário o fortalecimento da burocracia e a redução da margem de discricionariedade dos burocratas, reforçando-se, assim, a universalização na aplicação dos recursos públicos e efetivação das políticas do estado. Deve-se investir no reforço das instituições de controle, para que a impessoalidade nas relações de poder induza a observância da legalidade (LEAL; SCHNEIDER, 2014).

Visando combater o legado do regime autoritário, a Constituição Federal de 1988 trouxe importantes mudanças modernizadoras, como o aperfeiçoamento do controle externo da Administração Pública, em especial do Ministério Público, assim como enfatizando, ainda, como princípios regentes da atuação do Estado a legalidade, publicidade e moralidade administrativa.

Um regime democrático requer a observância às regras do jogo, ou seja, das normas de um ordenamento que foram selecionadas e institucionalizadas a partir de uma gama de expectativas. Faz-se, pois, necessária a existência de instituições técnicas, especializadas e, sobretudo, impermeáveis às ingerências características do meio político (DUARTE JR., 2011).

Todavia, a corrupção permanece como uma espécie de agenda negativa da esfera pública. Trata-se, portanto, de um contrassenso, porquanto a melhoria da gestão não se mostrou acompanhada de uma redução na percepção da corrupção.

Inegável ter havido um aperfeiçoamento das instituições de controle no Brasil e uma melhora dos processos de transparência da administração pública, mas a corrupção ainda se constitui uma prática recorrente. O Tribunal de Contas da União tem exercido o controle externo com razoável autonomia institucional, em que pese a indicação ainda política dos seus membros.

A Polícia Federal e o Ministério Público Federal também têm empreendido seu mister investigativo e acusatório a contento e, no âmbito do Poder Executivo, houve um grande avanço no controle de gestão, auditoria, correição e prevenção da corrupção através da atuação da Controladoria-Geral da União.

No entanto, faz-se ainda imperioso um reforço da profissionalização dos quadros da Administração Pública brasileira, em especial quanto às áreas consideradas estratégicas; à efetividade dos serviços destinados à população; à eficácia das políticas públicas e, por fim, transparência nas relações entre a sociedade e o Estado.


5 CONCLUSÃO

Na medida em que escândalos de desvios de recursos públicos se repetem, sem que haja uma efetiva responsabilização dos culpados, gera-se o estímulo para que tais comportamentos sejam replicados. Embora seja a corrupção um problema que atinja tanto a esfera pública quanto a privada, consolida-se no estado brasileiro, em razão do grau de dependência que a sociedade tem dele.

A corrupção que envolve a administração pública no Brasil é, hoje, um dos grandes obstáculos para o alcance de uma democracia verdadeiramente social. São bilhões de reais que escoam anualmente dos cofres públicos, ora para indivíduos e contas particulares, ora para financiar projetos de poder, envolvendo partidos e processos eleitorais nas esferas federais, estaduais e municipais. As práticas corruptivas ultrapassam a dimensão meramente econômica para abarcar também aspectos mais estritamente políticos.

Foi visto que, nos últimos anos, destacaram-se mudanças políticas, sociais e institucionais brasileiras que levaram a um necessário amadurecimento da cultura democrática e reforço das instituições públicas de combate à corrupção, como se observa na “Operação Lava Jato”, em que muitos empresários e políticos já encontram-se presos. Todavia, os agentes que atuam no combate à corrupção esbarram em diversos entraves para efetivar o processo de recuperação de recursos desviados, em casos de corrupção. Esses entraves são das mais diversas ordens, destacando-se, entre outras, as normativas, burocráticas e sociais.

Face ao exposto conclui-se pela necessidade de mecanismos de controle mais eficazes e maiores poderes às instituições responsáveis pela investigação, a fim de que as investigações não esbarrem em manobras políticas para proteger os infratores.


REFERÊNCIAS

CARNEIRO, Rafael Melo. Corrupção, políticas públicas e efeito simbólico: uma análise das políticas públicas anticorrupção no Brasil. Revista da AGU, Brasília-DF, ano XIII, n. 40, p. 239-260, abr./jun. 2014.

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DUARTE JR., Ricardo. As agências reguladoras e o procedimento normativo: uma discussão acerca da democracia participativa. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 913, p. 21-55, nov. 2011.

FERREIRA, Luciano Vaz; FORNASIER, Mateus de Oliveira. Agências anticorrupção e administração pública: uma perspectiva comparada entre o Brasil e outros países. Quaestio Iuris, Rio de Janeiro, v. 08, n. 3, p. 1583-1601, 2015.

GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade administrativa. 5. ed. Rio de Janeiro: Lúmen Juris, 2010.

GUIMARÃES, Juarez. Sociedade civil e corrupção: crítica à razão liberal. In: AVRITZER, Leonardo; FIGUEIRAS, Fernando (Org.). Corrupção e sistema político no Brasil. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011. p.83-98.

LEAL, Rogério Gesta; SCHNEIDER, Yuri. Os efeitos deletérios da corrupção em face dos direitos humanos e fundamentais. Revista da AJURIS, Porto Alegre, v. 41, n. 136, p. 415-435, dez. 2014.

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. Operação Lava Jato. 2016. Disponível em: <http://lavajato.mpf.mp.br/entenda-o-caso>. Acesso: 13 fev. 2017.

MOISÉS, José Álvaro. A corrupção afeta a qualidade da democracia?. Em Debate, Belo Horizonte, v.2, n.5, p.27-37, maio 2010.

NETO, Andrei.  Mãos ainda sujas: a semelhança entre Brasil e Itália. 2016. Disponível em: <http://qualidadedademocracia.com.br/maos-ainda-sujas-a-semelhanca-entre-brasil-e-italia/>. Acesso em: 13 fevereiro 2017.

TRANSPARÊNCIA INTERNACIONAL. Relatório. Corruption perceptions index. 2015. Disponível em: <http://www.transparency.org/news/feature/corruption_perceptions_index_ 2016>. Acesso em: 12 fev. 2017.


Nota

[1] NETO, Andrei.  Mãos ainda sujas: a semelhança entre Brasil e Itália. 2016. Disponível em: <http://qualidadedademocracia.com.br/maos-ainda-sujas-a-semelhanca-entre-brasil-e-italia/>. Acesso em: 13 fevereiro 2017.

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Sobre o autor
Diego Vinícios de Araújo Fagundes

Formado em Física, bacharelado, pela Universidade de Brasília (UnB). Licenciado pela Universidade Católica de Brasília (UCB). Pós-graduado (especialização) em ensino de Física, pelo Instituto Brasileiro de Ensino, Faculdade Cristo Rei de Cornélio Procópio. Agente de Polícia da PCDF.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FAGUNDES, Diego Vinícios Araújo. Desafios na aplicabilidade da lei penal na Operação Lava Jato. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5023, 2 abr. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/55881. Acesso em: 26 abr. 2024.

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