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O controle de constitucionalidade dos atos políticos no sistema brasileiro

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23/04/2017 às 14:00
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5. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

De tudo que foi exposto, importante colacionar para melhor alicerçar a matéria, o entendimento do Supremo Tribunal Federal quanto ao controle de constitucionalidade dos atos políticos. Nos seus julgados é possível perceber uma certa flutuação entre a possibilidade completa do controle de constitucionalidade desses, a analise da determinação de características de natureza formal ou ainda uma possível adequação do ato contestado a um critério de justeza, pelo uso da proporcionalidade.  

Em primeira análise, no ano de 2010, foi proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) uma Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 153), que buscava declarar que a anistia dada pela Lei 6.683/79 aos crimes políticos e conexos a este, não se estendia aos crimes comuns praticados pelos agentes do governo (leiam-se crimes de tortura) durante o período final da Ditadura Militar, assim como o fato de que a mesma lei violava preceitos fundamentais como o direito jusfundamental a informação (art. 5º, XXXIII, da CF/88), dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da CF/88), principio democrático e republicano (art. 1º, caput, da CF/88) e a insusceptibilidade de fiança, graça ou anistia aos crimes de tortura (art. 5º, XLIII, da CF/88).

A anistia (art. 48, VII, da CF/88) depende de um ato normativo e é para crimes políticos, consubstanciando, desta forma, em um ato primordialmente de natureza política. No julgamento da lide o Supremo decidiu, por maioria, pela constitucionalidade da Lei, enquanto dialogo de negociação da sociedade, indeferindo os argumentos de descumprimentos das normas fundamentais em questão. Para o Tribunal, o perdão concedido pelo Executivo e o Legislativo aos crimes políticos cometidos naquela época de exceção, foi emanada por um ajustamento de ambos os poderes, na avaliação de critérios de conveniência e oportunidade do ato. Desta maneira, a analise do ato político criado (a própria Lei de Anistia) saiu do encalço da observação pelo Judiciário, decidindo que a Corte daria o crivo apenas sobre uma possível ilegalidade do mesmo. Nesse ponto, vislumbrou-se que tais ilegalidades possivelmente cometidas na criação da Lei não existiu, dado o entendimento que os Poderes criadores a editaram nos moldes conformadores a Constituição. Assim, é possível notar a não analise do mérito do ato político, trazendo um precedente de não ingerência de um poder sobre o outro.

Na Extradição (EXT 1085) do italiano Cesare Battisti, o entendimento foi semelhante. Condenado à prisão perpetua pela Corte de Apelações de Milão por homicídio, o réu se refugiou no Brasil e o governo da Itália requereu ao STF sua extradição executória, com fundamento em Tratado firmado por ambos os países. A Corte entendeu que o decisum final da entrega do réu era de competência do Presidente da República, que por razões políticas e discricionárias optou por não extradita-lo. Para o Supremo, a decisão final da extradição e entrega do súdito ao país que requereu a medida, possui a feição de um ato político-administrativo, um verdadeiro ato soberano, devendo o Poder Judiciário se limitar, mais uma vez, a analisar a legalidade da questão.

No julgamento ficou assentado que pelo principio da separação de poderes, indica não competir àquele STF rever a decisão do mérito que tomou o Chefe do Executivo. A medida, desta forma, não é ato de nenhum poder do Estado, mas da República Federativa do Brasil, representada pelo Presidente da República, não cabendo ao Supremo adotar decisões políticas na esfera internacional. Assim, a corte analisando um ato político emanado pelo Poder Executivo, preferiu não adentrar no mérito da decisão, apenas averiguando suas possíveis ilegalidades, decidindo ao final conceder alvará de soltura ao condenado.

Já na demanda autuada sob a forma de Petição (PET 3388) o caminho traçado foi um pouco diferente. Trata sob questão de claro ato político de demarcação de terras indígenas (arts. 67 e 231, CF/88), o famoso caso Raposa Serra do Sol. O ato contestado nesta Corte era a portaria 534/2005, posteriormente homologada por Decreto Presidencial (art. 84, IV, CF/88), ao qual dispunha sobre a demarcação administrativa da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, onde o polo ativo alegava ser ato viciado, que ofendia aos princípios da razoabilidade, proporcionalidade, segurança jurídica e devido processo legal.

No julgamento da lide, o STF sentenciou que os pedidos eram parcialmente procedentes. Declarou a constitucionalidade da demarcação continua do terreno indígena, analisou os procedimentos formais do ato e  estabeleceu dezoito parâmetros condicionantes para o procedimento e usufruto da terra pela comunidade. Apesar de uma decisão alguns anos depois, em embargos aclaratórios, inferindo que o caso não possuía efeitos vinculativos, ou seja, sem capacidade erga omnes e sem estender a outros litígios que envolvam terras indígenas, diferentemente dos leading cases anteriormente citados, a Corte Constitucional adentrou de certa forma no mérito do ato, pois além de analisar os pressupostos formais do mesmo, sua legalidade e conformidade com a Constituição, ditou novos parâmetros a medida, agora com um certo teor de proporcionalidade no decisum.

Isto posto, é possível perceber que o entendimento da Corte Maior brasileira paira muitas vezes sob o não enfrentamento da discricionariedade do ato político, sob o fundamento da separação dos poderes. Além do entendimento pacificado do exame apenas sob o aspecto da legalidade do ato contestado. Por outro lado, conforme o último caso esposado, em razão da importância e magnitude da questão, a Corte reajustou o ato político emanado, por razões de equilíbrio as consequências àqueles de alguma forma irão sofrer com o deslinde da decisão, ratificando, assim, o entendimento outrora levantado, que o mérito do ato político pode ser revisto em sede de controle de constitucionalidade pelo Tribunal, para reforma-lo em consonância ao principio da necessidade, adequação ou proporcionalidade.


6. CONCLUSÕES

Diante de todo o exposto é fácil perceber que  assim como os atos políticos a Justiça Constitucional, ao solucionar casos desse amplexo, terá sempre uma feição política.[50] O tema em análise possui várias nuances que o deixam de certa forma emaranhado a outras questões, que sempre vão precisar de uma análise e estudo mais profundos, para o seu completo entendimento. Nunca se quis aqui esgotar o tema de alguma maneira, mas com a pesquisa foi possível levantar algumas teses conclusivas, pelo qual tais conclusões nos faz refletir a respeito da temática, senão vejamos.

a) há uma certa dificuldade em caracterizar o ato político, principalmente por sua elasticidade, porém sua característica fundamental é que este se compõe de atos subjetivos emanados pela autoridade pública, ou seja, atos que visam a gerencia da vida estatal, assim não são atos administrativos propriamente ditos, apesar de possuírem a mesma titularidade;

b) o ato político pode ser emanado pelos três poderes, seja ele o Executivo, Judiciário ou Legislativo;

c) os atos políticos são discricionários por excelência, dessa forma são criados enquanto a conveniência e oportunidade da autoridade que o criou, sempre com motivação, mas nem por isso se deve confundi-lo com ato arbitrário;

d) o ato político é criado em obediência irrestrita a Constituição, dessa forma, segue seus parâmetros, inclusive no que tange a proteção e eficácia máxima de direitos fundamentais. Todos os poderes devem ter a obrigação de fiscalização destes, seja no momento da criação até quando o ato já esteja em plena utilização no âmbito social;

e) a teoria da separação dos poderes, elevado a categoria de principio equilibrador, vem a ser utilizado como justificador do controle de atos de um Poder sobre outro, além de limitador desses atos para que não sejam inseridos no meio jurídico com inconstitucionalidades e com desrespeito a normas jusfundamentais;

f) a separação de poderes é doutrina criada no seio do Estado Moderno Liberal. A evolução estatal passou por diversas fases, desde as com caracteres feudais até absolutistas;

g) John Locke e Montesquieu foram os autores que mais influenciaram a essa teoria tomar forma como se é conhecido hodiernamente;

h) separação de poderes está intrinsicamente interligada a direitos fundamentais, pois estes sem aquela são meras declarações de intenção, sem força obrigatória;

i) o controle de constitucionalidade dos atos políticos pode ser feito no âmbito interno, ou seja, dentro do poder que emanou o ato propriamente dito, sob a forma de desfazimento que se subdivide em revogação e anulação;

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j) a revogação não é um controle propriamente constitucional pois é utilizado com supedâneo na discricionariedade a autoridade, exceto quando o ato for criado com excesso ou desvio de poder, o que o torna inconstitucional e consequentemente nulo de pleno direito;

l) já anular propriamente é quando o próprio poder no exercício da auto-tutela pode declarar o ato inconstitucional e expurga-lo do meio jurídico, mas sempre levando em conta os direitos fundamentais da segurança jurídica e o direito adquirido de terceiro;

m) na fiscalização de constitucionalidade propriamente dita exercida pela Justiça Constitucional, havia entendimento outro que esta controle não poderia ser feito, pela questão da separação de poderes ou a analise da discricionariedade do ato, tendo como percussor a jurisprudência da common law;

n) mas essa percepção foi alterada com as ideias do neoconstitucionalismo em que agora se apregoa a inafastabilidade da jurisdição constitucional e a questão da máxima efetividade e proteção dos direitos fundamentais sob o manto da dignidade da pessoa humana, direitos estes elevados a normas substanciais, inerentes e essenciais do ordenamento Estatal;

o) no que tange aos direitos fundamentais, esses na sua acepção objetiva influenciam diretamente no controle de constitucionalidade dos atos políticos, pois servem como parâmetro de fiscalização, interligam todas as autoridades estatais para que façam tal controle e garantam sua perpetuidade, inclusive já na esfera processual e por fim servem como critério de criação e organização de estruturas em face de atos políticos como encargos de direitos de obrigação do Estado para com a sociedade (políticas públicas);

p) no caso deste último ponto, uma defesa de escassez material e financeira não serve de justificação absoluta para que não haja controle pelo Judiciário, inclusive por omissão, pois se deve garantir um mínimo de recursos para a feitura de tais execuções públicas;

q) no que toca ao mérito do ato político, é entendimento pacificado que o Judiciário não pode analisa-lo, a não ser sob o que diz respeito a sua legalidade, mas esse teor não é absoluto, pois agora se pode observar que se o ato não respeitar a questão da proporcionalidade, proíbe-se o excesso e se restaura o equilíbrio, através do controle judicial; inclusive pode o Judiciário adaptar o ato ao entendimento de que este seja racional, adequado e necessário, tudo sob fundamentos principiológicos constitucionais;

r) a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no Brasil é oscilante quanto ao controle de constitucionalidade dos atos políticos: tanto pode não analisar seu mérito, avalizado na separação de poderes, como pode observar critérios formais apenas de legalidade (no sentido do que ordena a Constitucional), ou inclusive pode vir a editar uma espécie de novo ato, agora sob o julgo da proporcionalidade, ditando-o novos parâmetros.

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Sobre o autor
Pedro Leo

Advogado, especialista em Direito Notarial e Registral, pós-graduando em Direito Processual Civil e Mestrando em Direito Constitucional pela Universidade de Lisboa.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LEO, Pedro. O controle de constitucionalidade dos atos políticos no sistema brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5044, 23 abr. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/55901. Acesso em: 19 abr. 2024.

Mais informações

Trata de relatório apresentado na disciplina de Justiça Constitucional do Mestrado de Direito Constitucional da Universidade de Lisboa, orientada pelo Sr. Dr. Professor Jorge Reis Novais.

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