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A importância do voto impresso como validador de uma eleição eletrônica

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18/08/2004 às 00:00
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          Resumo

          Em 1996, introduziu-se, e desde lá se vêm aperfeiçoando, o instituto do Voto Eletrônico no Brasil. No elenco das graves críticas, de toda natureza e ordem, sofridas por aquele processo, uma delas emerge de forma unânime, senão como a mais preocupante, pelo menos como a de mais difícil defesa, quanto à necessidade e mérito, pelos técnicos responsáveis do Tribunal Superior Eleitoral (TSE): a ausência da impressão do voto para efeito de validação do modelo adotado, ou mesmo posterior recontagem, caso necessário.

          Isso porque, infelizmente, longe de ser um detalhe, talvez até mesmo uma consideração menor dos projetistas daquele modelo, na verdade a ausência da possibilidade de auditoria do resultado da eleição e da própria mecânica utilizada pela falta da impressão de qualquer documento da vontade individual ali depositada, não só foi cuidadosamente pensada e executada pelos técnicos do TSE, como, à revelia dos partidos políticos, balizou a própria criação daquele projeto.

          Ou será outro o espírito do § 1º do Art. 10. da Resolução 19.877/97 do TSE, que textualmente diz: "Em hipótese alguma será permitida a realização de auditoria dos programas e do conteúdo dos disquetes por entidade alheia ao funcionamento da Justiça Eleitoral."?

          Porque tanto sigilo em um programa, grosso modo, simples como acumular e totalizar votos públicos?

          Restringir o acesso externo ao sistema é um absurdo do ponto de vista lógico, visto que as únicas partes que poderiam ter algum sigilo seriam as que porventura contivessem algum código sigiloso, o que soa impensável em um sistema de serviço público civil. Mesmo em um sistema fechado, apenas as senhas relacionadas à criptografia (codificação de forma a impedir a leitura desautorizada) teriam que ser preservadas, o que também não faz sentido em um sistema como o eleitoral, onde os dados são impressos e tornados públicos imediatamente após o encerramento do período de votação.

          Este trabalho pretende, assim, de forma breve e simplificada, ser uma compilação da história da Urna Eletrônica Brasileira à luz de tão pouco divulgada característica, e, ao mesmo tempo, um convite à reflexão sobre o quão crível pode ser a divulgação dos resultados de uma máquina baseada no princípio do obscurantismo e da infalibilidade técnica e moral de seus responsáveis.


          1. Introdução

          Poucos foram os que ousaram posicionar-se contra a Urna Eletrônica Brasileira de Votação, especialmente em seus primórdios, em 1996. Ainda assim, eleitores brasileiros como a Advogada Rejane Madalena Lüthemaier, de Porto Alegre, RS, que enviou representação à Procuradoria Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul; o Analista de Sistemas Francisco Boér de Americana, SP, que entrou com processo junto ao TRE/SP; o Engenheiro Benjamin Azevedo, do Rio de Janeiro, RJ, que criou uma página na Internet, referência bibliográfica [AZE96]; e os membros de uma lista de debate que viria a se tornar o Fórum do Voto Eletrônico na Internet [FVE97] já se manifestavam, criticando erros conceituais de segurança no projeto do Sistema Eleitoral Informatizado. Foram expressões individuais, independentes e sem articulação entre si.

          Em 98, outros processos foram abertos junto a Justiça Eleitoral, antes mesmo da eleição, como o do Engenheiro Amílcar Brunazo Filho (processo 89/98 do 273º Cartório Eleitoral de Santos, SP), e o do Administrador Evandro de Oliveira (processo 012-98 no TRE/MG), apenas para ficar nestes, os quais recusaram-se a votar por entenderem que a máquina a eles oferecida pela Justiça Eleitoral, para este fim, não atendia ao princípio da garantia do sigilo do voto. Tomaram esta atitude extrema na expectativa de despertar a atenção dos juizes para a insegurança do processo – no qual o número do eleitor era digitado na mesma máquina de votar, abrindo a oportunidade para a identificação dos votos -, e assim contribuir com a melhoria da segurança do sistema recém-criado. Não é preciso muito esforço para imaginar como foram ridicularizados, em especial pelos próprios Juizes Eleitorais, os quais, em sentenças, chamaram-nos explicitamente de "burros e incompetentes", obrigando-os ao pagamento de multas, pela recusa de votar, de até 10 (DEZ) vezes o valor previsto na Lei, chegando a colocar, em sentença, que isso seria uma boa lição. Isso quando não rotulavam estes "maus cidadãos" de agitadores, interessados apenas em tumultuar o processo eleitoral.

          Ressalte-se que a máquina de votar brasileira, chamada de Urna Eletrônica, é a única no mundo todo onde a identificação do eleitor e seu voto são colhidos no mesmo equipamento, e no mesmo ato, revelando que a compreensão do processo, pelos juizes eleitorais brasileiros, não é corroborada em nenhuma outra democracia estável em todo o planeta.

          Como será que devem se sentir esses Magistrados hoje, após o escândalo do Painel do Senado, situação idêntica, na qual o sigilo do voto fora quebrado exatamente por quem jurava, dias antes, ser a violação impossível, e que as suspeitas eram bobagens de pessoas sem conhecimentos técnicos do funcionamento do processo?

          Que sentimentos devem ter em relação aos técnicos do TSE, que o tempo todo lhes garantiam uma confiabilidade total no sistema, afiançando sempre que o sistema era 100% à prova de fraudes?

          Seremos surpreendidos, a qualquer momento, por uma "Regina Borges" do TSE, chorando e confessando que recebera "ordens superiores" para negar, até mesmo sob tortura, alguma fraude nas Urnas Eletrônicas?

          A simples existência deste Seminário do Voto Eletrônico no Senado Federal mostra como foi possível, a partir da hora em que a teoria virou prática e uma auditoria externa foi feita no Sistema de Votação Eletrônica do Senado, mostrar ao brasileiro menos letrado as possibilidades de fraude em relação ao seu voto.

          Infelizmente, alguns só acreditam na existência do muro depois que batem com a cabeça nele.

          Qual terá sido o prejuízo para o País em todos estes anos, se alguma das diversas hipóteses de fraude, deixadas em aberto pelo Projeto da Urna Eletrônica, houver realmente acontecido?

          De fato, com a comprovação das mais diversas possibilidades de manipulação, pelos responsáveis, do Painel Eletrônico do Senado, as atenções do País voltam-se, agora, para aquela que é sua versão para as massas, a Urna Eletrônica de Votação.


          2. Histórico

          Em 1996, ocorreu a primeira votação eletrônica, com o voto materializado sendo impresso e, simultaneamente, cópia virtual deste sendo processado em memória eletrônica, para facilitar a posterior totalização dos votos, dadas as suas características na rapidez de manipulação e transporte. A impressora estava embutida dentro da própria urna, e o voto materializado, real e impresso, era depositado automaticamente em um saco plástico, sendo, no entanto, impossível ao eleitor visualizar se aquela impressão correspondia perfeitamente ao que lhe era mostrado na tela do equipamento. A maioria dos eleitores, na verdade, sequer percebeu que havia uma impressora ali.

          Alguns processos foram intentados, alegando várias deficiências de segurança, mas imediatamente negados pela Justiça.

          Na eleição seguinte, em 1998, já não havia mais a impressão ou materialização do voto. Sob os mais variados "argumentos", os técnicos do TSE haviam conseguido o impossível: transformar a cópia em original, ou seja, a memória virtual e eletrônica passava a ser a única possibilidade de verificação do voto. Terminava, ali, a possibilidade da detecção de fraudes, intencionais ou não, pela completa ausência de mecanismos de controle externo do processo e de documentos válidos para auditoria, tanto de votação como de apuração. Mais processos foram barrados na Justiça, e a cópia eletrônica e virtual do voto impresso, por "filha única" do processo, passava a ser tratada por "o voto", apesar de nada em Lei definir que tal documento virtual, se é que podemos chamá-lo assim, teria o valor de um documento real.

          Finalmente, em 2000, dada a abrangência de sua utilização, ocorreu o inevitável. As urnas estavam, agora, não só nas capitais, mas sim em todo o País, em cada seção e cabine eleitoral. Nenhum produto físico da vontade do eleitor foi gerado: apenas uma breve musiquinha, alertando-o de que seu voto havia sido computado. Eleitores jurando que votaram em um candidato e viram a foto de outro; candidatos apelando de resultados incompatíveis com as pesquisas de véspera, e mesmo de situações absurdas como não ter tido sequer o seu voto na seção em que havia votado. Tudo em vão: os Tribunais negaram todas as apelações, e, à exceção de algumas poucas cidades nas quais ainda hoje correm processos, de resultados duvidosos até mesmo pela má-vontade com a qual são tocados, restou aos partidos, candidatos e cidadãos em geral o consolo da palavra dos técnicos do TSE, dos quais os Juizes fazem o papel do boneco de ventríloquo, de que a máquina é infalível e não cabem reclamações.


          3. As Premissas

          3.1 A Eliminação do Voto Materializado e da Conferência da Apuração

          Saudada, por conta de uma milionária campanha de publicidade do TSE, como marco da tecnologia brasileira, pioneira mundial em quebra de paradigmas e outras auto-homenagens de idênticos e discutíveis merecimentos, esta "maravilha" sofre, porém, de um vício de origem revelado por ninguém menos que o Dr. Paulo César Camarão, Secretário de Informática do Tribunal Superior Eleitoral e responsável pelo desenvolvimento do atual modelo de votação eletrônica.

          Ao arrepio dos Partidos Políticos, Candidatos, e mesmo do Povo, em entrevista à Revista TEMA, editada pelo SERVIÇO FEDERAL DE PROCESSAMENTO DE DADOS (SERPRO), referindo-se ao projeto da UE, como a Urna Eletrônica é carinhosamente tratada no TSE, o Dr. Camarão foi extraordinariamente sincero no tocante ao objetivo fundamental de que a mesma não poderia permitir qualquer hipótese de recontagem de votos, declarando textualmente que:

          "….Recontagens como ocorriam em eleições anteriores ao uso da urna eletrônica eram demoradas e incorriam em gastos adicionais, além de, muitas vezes, mudar o resultado do pleito. Além disso, a demora na divulgação dos resultados de uma eleição presidencial pode gerar prejuízos intangíveis, decorrentes de desaquecimento de atividades econômicas"

          Para, pouco à frente, complementar:

          "...acreditamos não haver metodologia similar em nenhum país". [CAM00]

          Sustenta Sua Senhoria que as vantagens são muitas, pois, em sendo rápida e irrecorrível, o resultado da apuração eletrônica não criaria incertezas passageiras, não abalando, assim, as bolsas, investimentos, etc., o que, em sua opinião, é vital para o País.

          Ou seja, a eliminação do voto materializado como validador da apuração não é um mero detalhe, ou conseqüência dos fatos: é, na verdade, o pilar central do Projeto da Urna Eletrônica Brasileira, ao redor do qual os técnicos do INPE e do TSE estruturaram toda uma complexa operação a fim de garantir, à força, sua vontade unilateral.

          Não titubeou o Dr. Camarão sequer em contrariar o que ele próprio escrevera a respeito em sua obra "O Voto Informatizado: Legitimidade Democrática" [CAM97], quem sabe seguindo a máxima "esqueçam o que escrevi", de uso cada vez mais comum nas esferas administrativas do País, de uns tempos para cá.

          Assim, para impedir a conferência da apuração, colocou-se em marcha uma seqüência de sutis mas seqüenciais ações. Primeiro, em 1996, deixaram a impressora como parte do conjunto, cumprindo sua função de imprimir o voto, porém embutida e escondida, sendo impossível a qualquer um ver se seu voto correspondia à cópia que era armazenada na memória eletrônica.

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          Na verdade, promoveram, já em 1996, a versão TSE do "apagão", fazendo com que os eleitores votassem "no escuro", sem poder enxergar o que estava sendo impresso a seu próprio comando...

          Depois, arrasando, nos Tribunais, com os poucos que se manifestaram oficialmente contra aquela arbitrariedade, pela imposição de multas de até 10 (DEZ) vezes o valor máximo previsto em Lei para alguns que se recusaram a votar sem poder ver seu voto, e animados com a falta de atenção dos Partidos Políticos em questionar aquela arbitrariedade, especialmente pela pequena quantidade de localidades nas quais o voto foi efetuado daquela maneira, ousaram retirar, já em 1998, a impressão do voto do processo, desta forma completando seu objetivo em apenas dois ciclos de eleições.

          Tiraram "do bolso do colete" várias "considerações": ninguém havia reclamado dos resultados nem querido ver os votos impressos; as impressoras quebravam muito; o software estava suficientemente testado para poder dispensar a cópia impressa...

          E aí se tornou claro o objetivo e os instrumentos que seriam usados para alcançá-lo.

          Primeiro, faz-se importante salientar que, ao contrário do que propagam seus responsáveis, foram várias as tentativas de impugnação dos resultados, sempre rejeitados pela Justiça Eleitoral (a mãe da Urna...) sob alegação de que o que se queria era apenas a perturbação da ordem, já que a Urna (sua filha...) era tecnicamente perfeita, etc..., limitando-se os juizes a rezar na cartilha colocada em suas mãos pelos técnicos daquele Poder.

          Acrescente-se, ainda, que a maioria dos eleitores nem percebeu que havia uma impressora dentro da urna, assim como não percebeu que a digitação de seu número de eleitor fora efetuada em um terminal ligado diretamente à maquina na qual depositou seu voto, permitindo, tecnicamente, que houvesse vinculação do voto ao eleitor.

          Depois, porque a impressora, ao contrário do que divulgam, NÃO FOI RETIRADA DO CONJUNTO. De fato, ela permanece lá até hoje, apenas mais camuflada, pois, ao mesmo tempo em que há de subsistir, a qualquer custo, o argumento de que ela é perfeitamente dispensável, faz-se imprescindível imprimir alguns papéis de controle, tais como a zerésima, o BU – Boletim de Urna - com os resultados finais, etc.

          Controles impressos os quais, quem sabe, os técnicos do TSE estejam também querendo eliminar futuramente - como sugeriu o Ministro Carlos Velloso em seu discurso de posse no TSE em 1995 -, colocando-os também na memória eletrônica e, aí sim, retirando realmente o sistema impressor do conjunto, até mesmo com o "argumento" de que, assim, o Brasil estaria ingressando, desde já, no Século 25...

          Este sim, o "apagão" definitivo!

          3.2 A Recusa do Eleitor

          Em Março de 1999, o Senador Roberto Requião deu entrada ao Projeto de Lei do Senado (PLS) 194/99, o qual prevê a impressão dos votos pela máquina de votar e sua posterior confirmação pelo eleitor, para que se tornasse possível a conferência da apuração eletrônica e a recontagem dos votos quando necessário.

          No debate público entre o Ministro Nelson Jobim e o Senador Roberto Requião, ocorrido no dia 01 de Junho de 2000, em reunião extraordinária da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal [CCJ00], o Ministro Jobim, falando pela presidência do TSE, centrou suas críticas ao PLS 194/99 no fato de que o voto impresso não poderia ser entregue nas mãos do eleitor, sob pena de se abrir oportunidade para a volta do "voto-de-cabresto", ou "voto-carreirinha", o qual havia sido eliminado pela adoção do modelo atual de UE.

          O Senador Requião acatou a crítica do Ministro Jobim e solicitou o retorno do PLS 194/99 à CCJ, para receber emendas. A emenda, declarando que o voto impresso seria depositado automaticamente na urna convencional, sem ser entregue nas mãos do eleitor, foi apresentada pelo Senador Romeu Tuma, relator do processo, em fevereiro de 2001.

          Dada esta nova condição, o Ministro Nelson Jobim alterou o seu discurso e, desde sua posse como presidente do TSE, em junho de 2001, vem divulgando à imprensa que a impressão do voto sugerida pelo PLS 194/99 não é adequada por que um eleitor mal intencionado poderia bloquear o processo de votação, simplesmente alegando que seu voto impresso não está correto, e que "desta forma não é possível conferir uma divergência do eleitor", já que o mesário não pode verificar se a alegação do eleitor procede sem violar o seu voto.

          Ora, este novo "argumento", agora apresentado para se recusar o voto materializado como meio de conferência da apuração eletrônica, é absolutamente sofístico!

          Na UE atual, o voto virtual é apresentado ao eleitor na tela do equipamento e o eleitor deve, então, digitar a tecla "CONFIRMA" ou a tecla "CANCELA". Se, neste momento, o eleitor alegar que o voto virtual apresentado na tela não está de acordo com o digitado, o mesário nada pode fazer para conferir se a alegação do eleitor é procedente ou não, e um eleitor mal intencionado pode, desta forma, igualmente bloquear o processo de votação.

          Na realidade, a possibilidade de um eleitor mal intencionado bloquear a votação decorre EXCLUSIVAMENTE da existência da tecla "CONFIRMA" no painel da UE. Não tem a menor importância se o voto a ser confirmado estiver desenhado na tela ou impresso num papel. Se um eleitor quiser bloquear a processo de votação, basta alegar repetidamente que o que lhe é apresentado, na tela ou no papel, não está correto.

          Desta forma, se vê que este novo "argumento", apresentado pelo presidente do TSE para justificar a não aceitação da impressão do voto, é vazio e improcedente, além de incorreto, o que leva a crer que está sendo apresentado apenas para se manter o Projeto fiel à idéia central de impedir a conferência da apuração a qualquer custo, conforme descrito no item 3.1 acima.

          3.3 O Princípio do Obscurantismo

          Além da impossibilidade de auditoria da apuração dos votos, outro fator diminui a credibilidade do nosso Sistema Eleitoral Informatizado: a falta de transparência do sistema.

          O Art. 66 da Lei Eleitoral 9.504/97 impõe a adoção do Princípio da Transparência como meio de dar garantias de segurança e confiabilidade ao Sistema Eleitoral Informatizado, ao declarar:

          ‘Lei 9.504/97, Art. 66. Os partidos e coligações poderão fiscalizar todas as fases do processo de votação e apuração das eleições, inclusive o preenchimento dos boletins de urna e o processamento eletrônico da totalização dos resultados, sendo-lhes garantido o conhecimento antecipado dos programas de computador a serem usados".

          No entanto, o TSE adotou o Princípio do Obscurantismo como técnica de segurança, como fica explícito pelo Art. 13 da Resolução 19.877/97 do próprio TSE:

          "Res. 19.877/97, Art. 13. O projeto da Urna Eletrônica é de propriedade da Justiça Eleitoral, assenta-se no sigilo de seu funcionamento, garantindo a segurança e a integridade dos resultados eleitorais".

          Assim, desrespeitando a Lei Eleitoral, O TSE impede os Partidos Políticos de conhecerem e analisarem integralmente os programas de computador utilizados na apuração e totalização dos votos. Esta política do TSE foi contestada em juízo, em setembro de 2000 – portanto, antes das eleições -, através do Mandado de Segurança nº 2914/2000, impetrado pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) junto ao TSE. Não havendo argumentos para contestar o pedido de transparência contido no mandado de segurança, o mérito deste simplesmente não foi analisado, depois de ter ficado por sete meses aguardando julgamento, tendo sido arquivado em abril de 2001 "por perda do objeto", visto as eleições já terem sido realizadas!

          Simplificadamente, o que ocorreu foi o seguinte:

          1) A Lei Eleitoral prevê que os partidos possam conhecer, antes das eleições, TODOS os programas utilizados na apuração e totalização dos votos.

          2) O TSE não apresentou todos os programas no prazo legal, descumprindo o estatuído em Lei.

          3) Um partido, o PDT, impugnou em juízo, dentro do prazo legal, a atitude do TSE

          4) O Presidente do TSE, como relator do processo, rejeitou a impugnação contra a não apresentação de todos os programas, alegando defesa do direito autoral dos seus fornecedores e riscos à Segurança Nacional.

          5) Ainda antes das eleições, dentro do prazo legal, o PDT entrou com um Mandado de Segurança com Pedido de Liminar, alegando que nem a Lei de Direitos Autorais nem o Decreto do Executivo Federal se sobrepunham à Lei Eleitoral, e solicitou o cumprimento desta pelo TSE.

          6) O Ministro do TSE, que julgou o Pedido de Liminar, reconheceu a não apresentação dos programas, mas rejeitou o pedido alegando que a não apresentação dos programas era para "não vulnerabilizar" o sistema. Restou o julgamento do mérito do Mandado de Segurança.

          7) Passou-se a eleição, a diplomação dos eleitos, a posse até que, sete meses depois da eleição, o Mandado de Segurança foi arquivado SEM JULGAMENTO DO MÉRITO, por "perda do objeto", visto a eleição já ter se passado!!!

          Desta forma, o TSE encontrou uma eficaz maneira de manter o Princípio do Obscurantismo adotado e nunca mais precisar cumprir a Lei Eleitoral: "engaveta" a impugnação até que a eleição passe e arquiva o processo por "perda do objeto".

          3.4 A Incorruptibilidade Presumida

          O Princípio do Obscurantismo, como política de segurança adotado pelo TSE para o Sistema Eleitoral Informatizado, baseia-se na incorruptibilidade presumida dos seus projetistas e operadores, ou seja, supondo-se que todos os responsáveis pelo sistema sejam sempre honestos, então a segurança do sistema estaria garantida, daí não ser necessário se conferir a apuração por meio do voto impresso.

          Felizmente, e especialmente à população leiga em informática, dois fatores imprevisíveis e sucessivos colocaram o corpo técnico responsável em situação de difícil manutenção de suas premissas de desnecessidade da impressão e inabalável pureza de propósito de seus integrantes.

          Primeiro, a eleição presidencial norte-americana, a qual, por vários fatores, precisou de várias recontagens para se chegar a um veredicto definitivo, algo impossível com a nossa mirabolante idéia de "eleição sem papel". Na eleição americana os votos foram contados e recontados – automática e manualmente - enquanto um dos candidatos questionou, de forma fundamentada, o resultado. Somente depois do candidato Gore reconhecer a derrota, o resultado foi proclamado.

          Segundo, a descoberta da fraude envolvendo o Painel de Votação no Senado, na qual misturam-se toda uma série de características absolutamente idênticas ao Projeto da Urna Eletrônica, em especial a demonstração explicita de que sistemas de votação informatizados e inauditáveis têm sua confiabilidade dependente exclusivamente da disciplina moral dos seus responsáveis.

          Concorre, ainda mais, para comprometer a idéia de confiabilidade implícita dos órgãos públicos, a situação do Federal Bureau of Investigation (FBI) americano, o qual está bastante encrencado com seu Projeto Carnivore, um programa com este codinome que, colocado em provedores da Internet, intercepta e analisa todas as mensagens de e-mails por ali trafegadas. O problema é que ninguém pôde ter acesso a seu código, o que fez com que várias Instituições de Proteção aos Direitos do Cidadão ingressassem na Justiça contra seu uso. O FBI até acenou com a possibilidade de submeter o sistema a uma análise independente, mas as regras para realizar tal revisão receberam duras críticas, a ponto de Instituições renomadas como Harvard University, MIT, Purdue University, Dartmouth University e University of California se recusarem a revisar o sistema, por não concordar em ceder às restrições técnicas impostas pelo FBI para a análise.

          "Não se trata da geração de um relatório independente", chegou a dizer Jeffrey Schiller, gerente de redes do MIT, ao USA Today, referindo-se às regras impostas pelo Departamento de Justiça dos EUA para realização do estudo do Carnivore, entre elas a de que os pesquisadores deveriam examinar apenas as questões que o governo queria que fossem avaliadas.

          Os pesquisadores evidentemente discordaram dessas imposições, e alegaram que uma investigação aberta para todos os especialistas iria resolver eventuais erros e melhorar o sistema. Com a recusa em massa, o exame foi então levado a cabo pela pouco creditada Universidade de Illinois, cuja revisão é tida como "comprada" pelo governo americano.

          "Esse estudo é uma espécie de raio-X confuso do Carnivore, e estará obsoleto em dois meses, quando o FBI soltar a próxima versão do sistema", alfinetou Barry Steinhardt, diretor da American Civil Liberties Union (ACLU). A crise gerada é grave a ponto de o sistema ter sido rebatizado, pelo FBI, para DCS 1000, para tentar diminuir as críticas começando pelo nome agressivo. [IDG00]

          Serão as semelhanças de obstacularização de auditoria, com as do Projeto da Urna Eletrônica de Votação, mera coincidência? Estaremos depositando nossos votos na boca de um Carnívoro eleitoral? Novamente, a pergunta que não quer calar...

          Já há algum tempo, por medo de invasões de seus sistemas, as empresas investiram maciçamente em segurança externa, com a aquisição de dispositivos como firewalls e similares, apenas para descobrir que, na prática, o maior problema de segurança é interno. A própria VOGON INTERNATIONAL, a mais conhecida empresa de auditoria de segurança e recuperação de informações do mundo, reporta, em sua renomada publicação "The Enemy Within", que o ataque não só parte de dentro da própria Organização, como é executado, via de regra, por altos executivos, ou, como são mais comumente conhecidos, os "criminosos do colarinho branco" [VOG00]. Em seu "site" na Internet (www.vogon.co.uk), a empresa reforça: "You may think you know your colleagues but take a second look... It is currently estimated that over 70 per cent of computer crime originates from within the affected organisation, but could you spot the signs that something was going on?" A quebra de sigilo do Painel do Senado, perpetrado justamente pela funcionária responsável por sua integridade, apenas ajudou a reforçar tais estatísticas.

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Sobre o autor
Cláudio Andrade Rêgo

perito judicial em Informática

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RÊGO, Cláudio Andrade. A importância do voto impresso como validador de uma eleição eletrônica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 9, n. 407, 18 ago. 2004. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/5596. Acesso em: 21 nov. 2024.

Mais informações

Texto elaborado voluntariamente para o Seminário do Voto Eletrônico, promovido pela Subcomissão do Voto Eletrônico da Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal, em junho de 2001.

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