O presidente da República, Michel Temer, indicou o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, para a vaga existente no STF em decorrência do falecimento de Teori Zavascki.
Esta indicação de Alexandre de Moraes pelo presidente é mais um capítulo do que já vivenciamos há algum tempo. Apenas para citar casos recentes, Dias Toffoli foi nomeado por Lula quando era advogado-geral da União e Gilmar Mendes, quando ocupava referido cargo, foi levado ao STF por Fernando Henrique Cardoso. A ex-presidente Dilma resistiu à tentação de conduzir seu então ministro da Justiça José Eduardo Cardozo à suprema corte. Mas e se ela tivesse agido como os seus antecessores ou o seu sucessor?
O problema reside exatamente aqui. Não importa de qual presidente estejamos a falar. No Brasil, a seleção de um ministro para o STF depende quase exclusivamente da vontade pessoal do chefe do Executivo federal, não havendo praticamente nenhuma baliza a limitar esta escolha.
A nossa Constituição Federal em seu artigo 101 estabelece três requisitos para um cidadão ser ministro do STF, quais sejam, ter mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade, possuir notável saber jurídico e reputação ilibada. Seguindo-se literalmente o texto constitucional, é possível alçar à mais elevada corte do País uma pessoa que nem sequer é bacharel em Direito.
O único controle previsto sobre a escolha do presidente compete ao Senado Federal, responsável por aprovar o nome indicado ao STF. Nosso modelo de escolha é inspirado pela Constituição dos Estados Unidos (EUA) que, em seu artigo II, seção 2, estabelece ser atribuição do presidente a nomeação de juízes para a suprema corte após aprovação do Senado. Contudo, o que aparentemente funciona naquele país, ao que tudo indica, não está apresentando bons resultados no Brasil.
Um dado já aponta para uma sensível diferença. Desde 1789, quando foi estabelecida a Suprema Corte dos Estados Unidos, foram submetidas ao Senado estado-unidense 162 nomeações ao tribunal, sendo 124 confirmadas pelo órgão legislativo[1]. No Brasil, como sabemos, nosso Senado Federal comporta-se como mero figurante neste processo de seleção, basicamente chancelando as escolhas presidenciais.
Além da atuação prática do legislativo dos dois países ser distinta, outro diferencial neste processo é o comportamento do presidente. Nos EUA o chefe de Estado normalmente indica um jurista que seja ideologicamente alinhado às suas convicções pessoais. Todavia, isso não quer dizer que a escolha recai sobre indivíduo que tenha laços políticos com o partido ou com o governo do presidente, nem que seja amigo ou pertença ao seu círculo íntimo de contatos. Busca-se, pois, um necessário distanciamento.
No Brasil, várias nomeações recentes mostram, de modo inequívoco, que o critério prevalente para a escolha de um ministro do STF tem sido o político-partidário. Temos assistido a diversos casos em que o selecionado tem atuação política e partidária ativa, integra o governo da autoridade nomeante ou possui com ela vínculo relacional estreito. Falta, pois, “sentido de Estado” nas nomeações presidenciais brasileiras.
A recente indigitação de Alexandre de Moraes ao STF não é, portanto, novidade nesse panorama, mas talvez seja o maior expoente dos últimos tempos desta discricionariedade quase desregrada que se tornou a nomeação de um ministro à nossa suprema corte.
Essa conjugação resultante da atuação meramente simbólica do Senado brasileiro aliada a escolhas presidenciais fortemente marcadas por interesses pessoais e/ou partidários, faz com que tenhamos uma suprema corte de viés mais politizado e fragmentado.
Com o STF composto por membros menos neutros e mais sectários, por vezes assistimos às manifestações (processuais ou não) dos ministros e verificamos que suas figuras assemelham-se menos a de magistrados de carreira e mais a dos políticos. E, quando o perfil de juízes da mais alta corte do País é mais próximo a de membros do Congresso Nacional ou do Governo Federal, tem-se reais possibilidades de estarmos a pôr em risco a própria separação dos “poderes” do Estado, à medida que o comando do Judiciário será exercido por alguém que integrou ou possui estreita proximidade com o Legislativo ou Executivo.
Por isso é importante termos maior controle no processo de seleção de ministros do STF. Há ao menos dois requisitos que devem estar presentes em qualquer magistrado: extraordinário conhecimento teórico e imparcialidade. Para poder decidir causas, o juiz precisa ter capacidade técnica elevada sem manter grau de intimidade mais acentuado em relação àqueles que serão julgados por si.
Não é comum vermos indicações ao STF serem questionadas pelo primeiro requisito (por falta de qualificação do indicado). No entanto, invariavelmente, assistimos repetidas escolhas que esbarram no segundo critério. No caso mais recente, a “sabatina informal” a qual se submeteu Alexandre de Moraes, durante a madrugada, na chalana Champagne, uma espécie de casa flutuante do senador Wilder Morais, ilustra bem a falta de formalidade que é inadmissível entre julgador e futuros réus ou interessados[2].
Ora, nenhum cidadão deve ser avesso à política, muito menos um ministro do STF. Todavia, um magistrado que lá esteja não pode ostentar relação mais profunda com o mundo político, pois será chamado a julgar, constantemente, ações nas quais interesses daquele meio estarão em jogo.
Ouvimos, com frequência, a afirmação de que um indivíduo após vestir a toga despe-se de sua vida anterior e, instantaneamente, passa a agir com neutralidade. Ainda que tal assertiva possa ser verdadeira, mais do que realmente neutro, um ministro do STF precisa “parecer imparcial” a fim de que suas decisões não sejam apenas impostas coercitivamente, mas sejam verdadeiramente aceitas pelo corpo social, sem desconfianças de qualquer espécie.
Devendo ser revisto o modelo de indicação para o Supremo Tribunal Federal no Brasil, várias fórmulas podem ser analisadas e consideradas. No entanto, é preciso passarmos a este debate. Uma possibilidade seria a adoção de uma dupla limitação na forma de escolha.
A primeira restrição refere-se à “carreira de origem” dos futuros ministros. Será adequada a possibilidade de termos uma suprema corte em que a maioria dos integrantes nunca exerceu a magistratura? Quando se é juiz de carreira o profissional é moldado para comportar-se de modo imparcial. Ao contrário, em outros segmentos, sobretudo em relação àqueles que atuam em âmbito político, age-se com parcialidade e mudar essa percepção de uma hora para outra, por exemplo, aos cinquenta anos, não é nada fácil.
Assim, uma reforma no processo de escolha para a composição do STF poderia ser feita passando a repartir as vagas no tribunal do seguinte modo: seis cadeiras para juízes de carreira (mais da metade do colegiado), duas destinadas a membros do MP e outras duas a integrantes da advocacia. A última cadeira seria reservada, de modo alternado, a membros do MP e a advogados.
A segunda limitação poderia dar-se com a adoção de listas (tríplice ou sêxtupla) feitas por órgãos e entidades do meio jurídico que representam cada uma das “categorias” referidas. Finalizada a lista, ela seria encaminhada ao presidente para que ele escolhesse um dos nomes, sendo a indicação submetida à aprovação do Senado Federal.
Outros condicionamentos poderiam ser cogitados como, por exemplo, a adoção de um período de quarentena alargado para que juristas com atuação no Legislativo ou Executivo pudessem ser nomeados à suprema corte.
Evidentemente, o modelo proposto não é perfeito e talvez não seja o melhor. Entretanto, a fórmula atual, extremamente aberta, não vem sendo empregada com a parcimônia que dela se exige. Especialmente em tempos de “Lava Jato”, não é agradável a sensação de que réus e investigados tenham o poder de escolher, com ampla liberdade e pouca moderação, quem vai julgá-los no mais elevado tribunal do Brasil.
Voltando à questão inicial, e se a ex-presidente Dilma tivesse seguido o roteiro de seus antecessores e de seu sucessor, indicando o então ministro da Justiça José Eduardo Cardozo ao STF ao invés de Teori Zavascki? Caso ela agisse como fez Michel Temer, hoje não haveria uma vaga para Alexandre de Moraes. Esse é o ponto: não podemos apenas torcer para que os presidentes tenham o comedimento que Dilma apresentou. Precisamos de um sistema que contenha mecanismos que tornem a forma de escolha dos membros do STF mais insuspeita, no sentido de haver a percepção de que o fator preponderante a determinar uma nomeação à suprema corte não está intrinsicamente arraigado a interesses políticos e partidários.
O próprio Alexandre de Moraes, segundo noticiado[3], afirmou, em sua tese de doutoramento, que deveria ser “vedado (para o cargo de ministro do STF) o acesso daqueles que estiverem no exercício ou tiveram exercido cargo de confiança no Poder Executivo, mandatos eletivos, ou o cargo de procurador-geral da República, durante o mandato do presidente da República em exercício no momento da escolha, de maneira a evitar-se demonstração de gratidão política ou compromissos que comprometam a independência de nossa Corte Constitucional”.
Enfim, em um cenário “aberrante” no qual o próprio indicado ao STF mostra-se frontalmente contrário aos critérios de sua nomeação, pouco espaço sobra para defendê-la.
Notas
[1] https://www.senate.gov/pagelayout/reference/nominations/Nominations.htm
[2] http://politica.estadao.com.br/noticias/geral,senadores-fazem-sabatina-informal-com-alexandre-de-moraes-em-barco,70001660287
[3] https://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/agencia-estado/2017/02/06/tese-de-moraes-impediria-sua-nomeacao-ao-stf.htm