Ao longo deste mês, tem chamado a atenção a quantidade de notícias, artigos e entrevistas nos jornais a respeito do conflito e de uma variedade de formas de resolvê-lo. Incluem desde a tentativa do Supremo Tribunal Federal (STF) de promover a conciliação entre entes públicos para solucionar a crise financeira que assola o Estado do Rio de Janeiro, até as críticas feitas ao mesmo STF por determinar que o Estado indenize presos afetados pelas más condições dos presídios brasileiros, decisão essa considerada inócua por muitos.
No mesmo dia 9 de fevereiro, duas notícias exemplificavam como muitas vezes que o consenso pode ser preferível ao litígio, para ambas as partes. Um dos casos mencionados envolve partes privadas e, segundo a reportagem do Globo, já se estendia por 20 anos: a Universidade Candido Mendes, do Rio de Janeiro, foi condenada a pagar à Microsoft uma dívida que hoje monta mais de R$ 43 milhões. O imóvel penhorado, sede da Universidade no famoso bairro de Ipanema, teria ido a leilão duas vezes, sem interessados; mais uma tentativa seria feita naquela semana. Ou seja: passadas duas décadas e após uma enormidade de tempo e energia gastos – sem falar nos prováveis milhões em honorários advocatícios, periciais e custas processuais –, a Microsoft “ganhou mas não levou”. Segundo o Globo, assim, as partes teriam fechado um acordo pelo valor aproximado de R$ 6 milhões. Se a Candido Mendes pagar, o caso estará encerrado – por um valor expressivamente menor do que a condenação, mas que, pelo que se vê, as partes preferiram a deixar o caso se arrastar sabe-se lá por quantos anos mais.
O outro exemplo envolve entes públicos: como se sabe, o Estado do Rio de Janeiro, em situação de calamidade econômica, procura negociar a sua dívida com a União Federal, e o caso está nas mãos do STF. O relator do processo, Ministro Luiz Fux, tem insistido na conciliação das partes. Também segundo o Globo, ele reconhece que a questão não é exclusivamente jurídica e que aspectos econômicos são de igual importância, o que exige “uma análise interdisciplinar” que leve à harmonização dos direitos e interesses de todos os envolvidos. Segundo ele, a decisão deve ser orientada pelas partes, a quem cabe “dar o conteúdo dessa intermediação” conduzida pelo Judiciário. O Ministro reconhece, assim, que, embora pudesse proferir uma decisão com base na Constituição, já que o caso foi entregue ao STF, é uma situação para a qual compete antes às partes encontrar a melhor solução.
O conflito é natural ao ser humano e inevitável. Mais do que isso, segundo Ricardo Perez Nuckel, em entrevista concedida ao Globo no último dia 16 de fevereiro, ele não é um problema em si e, pelo contrário, é fonte de “energia e criação”. Evidentemente, pode ser mais ou menos nocivo sob o ponto de vista humano – as notícias que chamaram a atenção neste último mês referem-se não só a conflitos de natureza financeira e política, como também outros que envolvem saúde, crime, sofrimento, situações de vida e morte. Como, então, solucioná-los? Não pode haver uma única fórmula, na condenação aplicada pelo Poder Judiciário. As questões são inúmeras e complexas, mas é certo que, mesmo que se adote uma determinada solução – como o encarceramento ou a ordem para que se salde uma dívida –, outros problemas inevitavelmente surgirão – como o questionável direto de o Estado manter presos em condições desumanas ou simplesmente a falta de patrimônio para se saldar a dívida.
Em várias frentes, busca-se soluções mais adequadas. O litígio entre a Microsoft e a Candido Mendes não se resolveu com uma sentença judicial e, passadas duas décadas, as partes acabaram por buscar um acordo; a ordem do STF para que os presos sejam indenizados não resolverá a situação lamentável dos presídios, assim como a ordem para que os cidadãos tenham acesso a medicamentos gratuitos não assegura o fornecimento desses medicamentos. O Globo noticia, na edição de 18 de fevereiro, que, somente entre 2013 e 2014, mais de 24 mil cidadãos acionavam a União para obter esses remédios, sem contar as ações coletivas movidas pela Defensoria Pública da União para assegurar outros direitos semelhantes, já reconhecidos pelo Judiciário.
Nesse contexto, desenvolvem-se meios de solução de conflitos que buscam melhor atender a cada situação específica. São meios mais “formalizados”, digamos assim, como a arbitragem, a mediação e a conciliação, e outros mais “criativos”, que não se prendem a nenhum desses modelos.
Mesmo antes da nova legislação a respeito da mediação (a Lei de Mediação – Lei nº 13.140/2015 e o novo Código de Processo Civil), o Judiciário brasileiro, orientado pelo Conselho Nacional de Justiça (Resolução CNJ nº 125), já vinha há muito fazendo esforços para estimular a resolução dos conflitos pelas próprias partes, com o auxílio de mediadores e conciliadores. A arbitragem, por sua vez, regulada por lei desde 1996 (Lei nº 9.307/1996), já há muito se consagrou, aplicando-se a tipos e dimensões de conflitos específicos e se mostrando alternativa eficiente ao Judiciário.
Também nas comunidades e nas escolas, esforços vêm se desenvolvendo para criar uma cultura pacificadora e estimular os próprios envolvidos a solucionarem as suas questões, evitando tanto o desenvolvimento do conflito para níveis muitas vezes insuportáveis, quanto a sua judicialização. O mesmo jornal O Globo, na edição de 12 de fevereiro, chama a atenção para o trabalho que vem sendo desenvolvido em algumas comunidades cariocas pelas Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) e por lideranças culturais e esportivas. O trabalho envolve tanto cultura e esporte quanto a mediação de conflitos, auxiliando as crianças e jovens a verem alternativas ao conflito armado e permitindo à própria polícia atuar de forma construtiva nessas áreas.
Não existe, assim, uma resposta única para “a melhor forma de resolver o conflito”. Mas caminhamos para a busca de soluções pelos próprios envolvidos, frequentemente com o auxílio de terceiros como mediadores e conciliadores, que possam atendê-los melhor e de forma mais eficiente e produtiva. E isso tanto para questões de ordem pessoal quanto comercial ou empresarial, área que cada vez mais se desenvolve e conta com profissionais especializados. O Judiciário sempre estará lá, mas deve ser visto, se não como a última opção, ao menos como mais uma alternativa em meio a muitas outras.