A Lei Maria da Penha foi criada em 2006 com intuito de coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, seguindo os termos da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher.
A referida Lei foi alvo de diversos exames para determinar a natureza da ação penal cabível aos casos de lesão corporal leve, tendo como o mais recente, a Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada pela Procuradoria-Geral da República (ADI 4424), na qual foi decidido que o Ministério Público pode iniciar a ação penal sem necessidade de representação da vítima. O objeto do julgamento era saber se a lesão leve praticada contra a mulher em ambiente doméstico enseja tratamento igualitário às lesões em geral, tendo como necessidade a representação. O artigo 16 dispõe sobre a retratação no âmbito da Lei, mas, para a maioria dos ministros do STF, essa possibilidade, nos casos de lesões corporais leves, acabava por esvaziar a proteção constitucional assegurada às mulheres.
As experiências de violência nas relações íntimas são “vastamente diferenciadas, tanto na forma, intensidade, frequência, quanto nos contextos, nos significados e nos impactos que produzem” (SOARES, 2012, p. 192). Assim, é necessário discutir o tema da proteção e da autonomia da mulher a partir desse julgado e de seus argumentos. Essa discussão configura-se de grande importância, haja vista que a violência de gênero é uma grave violação dos direitos humanos, pois se trata de conduta ofensiva realizada nas relações de afetividade hierarquizadas entre os sexos, que submete, subjuga e impede ao outro o livre exercício da cidadania. (NOTHAFT, 2012)
A Lei nº13.104/2015, popularmente chamada de Lei do Feminicídio, surgiu para tipificar o crime de homicídio doloso contra a mulher, por condição de sexo feminino, ou seja, quando for baseada no gênero, além de incluir o Feminicídio no rol dos crimes hediondos trazidos pela Lei 8.072/90, o que impede que o acusado seja solto mediante pagamento de fiança, a nova Lei também criou uma causa de aumento de pena (um terço até a metade) quando o feminicídio tenha sido praticado durante a gestação, nos três meses posteriores ao parto, contra pessoa menor de quatorze anos, contra pessoa maior de sessenta anos, contra pessoa deficiência, na presença de descendente da vítima e na presença de ascendente da vítima.
A proposta de elaboração de uma Lei Integral de combate à Violência Doméstica e Familiar começou a ser idealizada a partir dos esforços de um Consórcio formado por seis organizações não governamentais feministas, em julho de 2002. Este buscava incluir a violência doméstica como violação dos direitos humanos das mulheres, portanto, incompatível com a noção de delito de menor potencial ofensivo. A aceitação desse projeto ocorreu somente após a condenação do Estado brasileiro pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos no pleito de Maria da Penha Maia Fernandes, que teve seu caso enviado à Comissão após buscar, durante 15 anos, que o Judiciário brasileiro julgasse as duas tentativas de assassinato cometidas por seu companheiro, das quais sobreviveu paraplégica. (NOTHAFT, 2012)
Seguindo a linha de uma legislação voltada para o gênero, foi criada a Lei do Feminicídio, o que mostrou um grande avanço na luta contra a violência doméstica, trazendo mais rigor ao crime de homicídio contra a mulher, tipificando-o como qualificado. Para que seja configurado um Feminicídio não basta que a vítima apenas seja mulher, o crime deve ser praticado contra a mulher por “razões da condição do sexo feminino”, estas razões foram adicionadas ao art. 121 do Código Penal em seu § 2º-A, sendo elas: violência doméstica e familiar contra a mulher, menosprezo à condição de mulher e discriminação à condição de mulher. Como vimos, faz-se imprescindível a conduta motivada do agente pela discriminação ou menosprezo à condição de mulher.
Quando esta conduta não é motivada por esses sentimentos de desprezo, o crime de matar uma mulher torna-se apenas um “Femicídio”, o que fomenta uma confusão entre as duas nomenclaturas. No entanto, podemos concluir que o componente necessário para caracterizar o Feminicídio é a existência da violência baseada apenas no gênero e não apenas no sexo feminino. (BIANCHINI, 2015)
A qualificadora presente no crime supracitado não se refere apenas à questão do crime ser praticado contra a mulher em razão de seu sexo, mas à uma questão do gênero, sendo este considerado algo mais atinente ao papel que cada sexo exerce nos padrões sociais. O conceito de gênero, “entendido como construção social do masculino e do feminino e como categoria de análise das relações entre homens e mulheres” (SANTOS; IZUMIRO, 2005, p. 3), passou a ser utilizado para compreender as complexidades da queixa. Cria-se, isto posto, uma nova perspectiva no estudo das questões relativas às mulheres e uma nova terminologia para discutir o fenômeno da violência, qual seja, violência de gênero.
O que ocorre, por muitas vezes na praxe forense é o excesso na punição, ou seja, quando é forçada a classificação do crime como hediondo. O abuso acusatório acontece quando não se tem justa causa específica (provas mínimas sobre esse ponto) nem indícios sérios para ter a qualificadora do feminicídio e mesmo assim a parte quer fazer a denúncia para tal crime. Neste caso, a denúncia deve ser indeferida parcialmente pelo juiz, sendo aceita apenas quando forem feita as correções necessárias. (BIANCHINI, 2015)
Na doutrina, Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar alinham seu entendimento sobre a recusa da denúncia:
Acreditamos ser possível ao magistrado, sem se imiscuir nas atribuições do órgão acusador, rejeitar parcialmente a inicial acusatória. Nada impede que o juiz rejeite parcialmente a inicial para excluir um ou alguns imputados, quando não haja lastro probatório mínimo vinculando-os aos fatos. O mesmo raciocínio pode ser seguido na hipótese de pluralidade de infrações objeto de uma mesma denúncia, onde, em não havendo justa causa, algumas podem ser excluídas. O mesmo se diga quanto às qualificadoras ou causas de exasperação de pena. (TÁVORA; ALENCAR, 2011, p. 191)
O resultado alcançado foi o de concretização e aceitação das Leis 11.340/2006 e 13.104/2015 perante a sociedade. Elas, contudo, tiveram o apoio internacional para serem efetivadas e terem ganhado força no âmbito nacional. No entanto, não se deve lembrar dessas Leis apenas em datas comemorativas ou datas que são vinculadas à mulher. Espera-se que com o que decorrer dos anos essas Leis tão importantes sejam lembradas com mais freqüência e que seja mais eficaz quanto aos efeitos positivos esperados.
A Lei do Feminicídio ganhou muita força no âmbito social devido à Lei Maria da Penha, que há 10 anos trouxe diversas mudanças para a vida de mulheres que sempre viveram com medo e tinham receio de denunciar seu agressor. Atualmente, com as duas leis em vigor, violência e homicídios contra mulheres tem causado uma comoção social muito maior, buscando a diminuição desta por aqueles que praticavam os atos de agressão se sentiram acolhidos pela justiça.
CONCLUSÃO
O presente trabalho abordou a história e a importância da criação das Leis 11.340/2006 e 13.104/2015, aumentando o rigor das punições sobre crimes domésticos. Elas vieram em busca de uma melhor forma de
tratamento das mulheres, caracterizadas pelo gênero, visando não só um basta à violência física, mas também a psicológica, moral, sexual entre outras. Ao longo desses 10 anos houve muitas conquistas principalmente na conscientização das mulheres que sofrem abusos e que agora usufruem uma ferramenta para se defender, mas também com toda a sociedade para que façam a denúncia no número 180 e busquem a erradicação da violência e de homicídios, proporcionando às mulheres a esperança de um amanhã bem melhor. E para que não haja, também, um abuso na acusação do agressor, visto que, por muitas vezes o crime de Feminicídio é confundido com o Femicídio, este ultimo sendo apenas o homicídio de mulheres, não caracterizado com o menosprezo ou discriminação à condição de mulher. Apesar de que, todos esses crimes trazem grandes traumas para a vida daquelas que são agredidas, mas vale ressaltar que nem sempre tal crime pode ser caracterizado sem provas e poucos indícios.
REFERÊNCIAS
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CARAMIGO, Denis. Breves considerações acerca do novo tipo penal estabelecido pela Lei 13.014/2015. Disponível em: <http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/9217/Feminicidio>. Acesso em: 19 ago. 2016.
FERNANDES, Valéria Diez Scarance. Feminicídio: uma lei nescessária? Disponível em: <http://www.cartaforense.com.br/conteudo/artigos/feminicidio-uma-lei-necessaria/15183>. Acesso em: 20 ago. 2016.
GOMES, Luiz Flávio. Feminicídio: entenda as questões controvertidas da Lei 13.104/2015. Disponível em : <http://professorlfg.jusbrasil.com.br/artigos/173139525/feminicidio-entenda-as-questoes-controvertidas-da-lei-13104-2015>. Acesso em: 18 ago. 2016.
NOTHAFT, Raíssa Jeanine. A autonomia da mulher na lei Maria da Penha : uma análise da ação declaratória de inconstitucionalidade 4424 do supremo Tribunal Federal. Disponível em: <http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/67452> Acesso em: 20 ago. 2016
RAMALHO, José Ricardo. Feminicídio: Leis brasileiras não avançam no combate à violência contra a mulher. Jornal O Estado. Fortaleza, 11 ago. 2016. Caderno Direito & Justiça, p. 8.
SANTOS, Cecília MacDowell Santos. IZUMINO, Wânia Pasinato. Violência contra as Mulheres e Violência de Gênero: Notas sobre Estudos Feministas no Brasil. Revista Estudios Interdisciplinários de America Latina y El Caribe. Israel, vol.16, nº 1, 2005. Disponível em: <http://www.nevusp.org/downloads/down083.pdf> Acesso em: 21 ago. 2016
SILVA, Silva. Da Lei Maria da Penha à Lei do Feminicídio: há o que comemorar?. Disponível em: <https://feminagemblog.wordpress.com/2015/03/14/da-lei-maria-da-penha-a-lei-do-feminicidio-ha-o-que-comemorar/>. Acesso em: 18 ago. 2016.
SOARES, Bárbara Musumeci. A conflitualidade conjugal e o paradigma da violência contra a mulher. Dilemas: Revista de Estudos de Conflito e Controle Social. v. 5, nº 2, p. 191-210, 2012
TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito Processual Penal, 6ª Edição, Local: Salvador: Jus Podvm, 2011.