3 COMPENSAÇÃO
Não há divergência na doutrina de que a compensação é uma forma de extinção de obrigações, quando duas pessoas são, ao mesmo tempo, credora e devedora uma da outra, permitindo-se a extinção das duas obrigações limitadas ao valor de cada uma.
Essa premissa encontra-se prevista no Código Civil Brasileiro, a partir do artigo 368, que diz:
Art. 368. Se duas pessoas forem ao mesmo tempo credor e devedor uma da outra, as duas obrigações extinguem-se, até onde se compensarem.
Segundo Maria Helena Diniz (2014. p 346), são três as espécies de compensação admitidas em nosso direito: a legal, convencional e a judicial.
Contudo, para melhor aproveitamento, limita-se a apreciação sob o aspecto legal, nos ramos do Direito Civil, Tributário e Previdenciário que, em última análise, é o que interessa no presente trabalho.
3.1 No Direito Civil
A compensação é um Instituto originário do Direito Civil, que tem por prisma a extinção de obrigações até o valor da quantia, entre pessoas que forem ao mesmo tempo credora e devedora uma da outra.
A compensação somente poder ocorrer quando tiver por objeto dívidas líquidas, certas e determinadas (GUILHERME, 2016. p 130) vencidas e de prestações fungíveis, artigo 369, CC. Se uma das dívidas for ilíquida só poderá ser compensada após sua liquidez ou por decisão do juiz – judicial. As partes ainda podem convencionar entre si – compensação convencional, hipótese que, segundo esse mesmo autor, afasta a compensação, constituindo-se num acordo entre as partes, artigo 375, CC. Revela nesse sentido significativa utilidade, segundo Melo (2012. p 385), pois evita a multiplicação de providências administrativas e demandas judiciais.
3.2 No Direito Tributário
Convergem a doutrina tributária pesquisada de que a compensação é como um encontro de contas (MACHADO. 2014. p 216); é outra forma de extinção das obrigações pelo encontro de contas (DIFINI. 2008. p 302); que só podem ser compensados entre tributos, contribuições e receitas da mesma espécie, dentre elas as contribuições de seguridade social, artigo 195[4], CF, do mesmo sujeito passivo no mesmo ente.
Nessa matéria o legislador estipulou, no Código Tributário Nacional, artigo 156, II, que a compensação extingue o crédito tributário; no artigo 170 e, como orienta de Melo (2012. p 386), que a lei pode nas condições e sob as garantias que estipular, autorizar a compensação de créditos tributários com créditos líquidos e certos, vencidos ou vincendos, do sujeito passivo contra a Fazenda Pública.
A autorização legal da respectiva pessoa jurídica de direito público é pressuposto que diferencia a compensação tributária da de natureza civil (DIFINI. 2008. p 302). Assim, as condições para a compensação de créditos tributários, com caráter geral, ficam a cargo da lei.
É solitário o entendimento do respeitável tributarista Machado (2013. p 217) nesse tema. O autor defende que o regramento da compensação pertence ao Direito Civil, sendo inerente às relações obrigacionais e sua disciplina situa-se adequadamente no Código Civil, não em leis tributárias. Sobre esse ponto diverge o STJ. Em decisão monocrática, afasta o Código Civil para questões de compensação tributária:
CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. TRIBUTOS SUJEITOS A LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. PRAZO PRESCRICIONAL. LC 118/2005.
INCONSTITUCIONALIDADE DA APLICAÇÃO RETROATIVA. COMPENSAÇÃO PARCIAL.
IMPUTAÇÃO. REGRAS CÓDIGO CIVIL. INAPLICABILIDADE.
[...]
3. A compensação tributária se rege por normas próprias, e não pelo Código Civil. Não havendo, na legislação tributária, disposição a respeito de imputação e quitação, em caso de compensação parcial, devem elas ser promovidas levando em conta a integralidade da dívida, sem o regime de preferência dos juros sobre o capital, específico para pagamentos parciais disciplinados no Código Civil.
[...]
(REsp 970.678/SC, Rel. Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02/12/2008, DJe 11/12/2008) (grifou-se)
O próprio legislador excluiu a possibilidade de aplicação de qualquer dispositivo do Código Civil à matéria de compensação tributária, determinando que esta continuasse regida pela legislação especial. O Enunciado nº 19 da Jornada de Direito Civil CEJ/STJ consolida esse entendimento, litteris:
Enunciado 19 – Art. 374: a matéria da compensação no que concerne às dívidas fiscais e parafiscais de Estados, do Distrito Federal e de Municípios não é regida pelo art. 374 do Código Civil.
Por isso, para os tribunais, compete ao legislador traçar regras para disciplinar a aplicabilidade da compensação entre débitos e créditos tributários.
Contudo, é somente na Constituição Federal de 1988 que a chamada compensação financeira passou a ser prevista pela primeira vez (HARADA. 2014. p 60), para assegurar aos entes públicos a participação financeira na nos resultados da exploração mineral. No capítulo dedicado Seguridade Social previu a Contagem Recíproca e a Compensação Financeira entre regimes. Antes disto o uso do termo era desconhecido pelas constituições passadas para estas finalidades.
3.3 No Direito Previdenciário
A Compensação Financeira entre regimes previdenciários surge na intimidade da Contagem Recíproca do tempo de contribuição, de acordo com a leitura conjunta do §9º do artigo 40 e do § 9º do artigo 201, CF/88:
Art. 40. [...]
§ 9º – O tempo de contribuição federal, estadual ou municipal será contado para efeito de aposentadoria e o tempo de serviço correspondente para efeito de disponibilidade. (grifou-se)
Art. 201. [...]
§ 9º – Para efeito de aposentadoria, é assegurada a contagem recíproca do tempo de contribuição na administração pública e na atividade privada, rural e urbana, hipótese em que os diversos regimes de previdência social se compensarão financeiramente, segundo critérios estabelecidos em lei. (grifou-se)
Em que pese a leitura da primeira parte do § 9º, do artigo 201, CF 88 conter, em seu próprio texto, o necessário para que a norma da contagem recíproca possa ser aplicada na prática independente de norma integrativa infraconstitucional segundo o pensamento de Lenza (2010, p 177 e 180), a segunda parte, a respeito da compensação financeira entre os regimes previdenciários diversos, situa-se junto às normas que não tem o condão de produzir todos os seus efeitos, precisando sim de uma lei integrativa infraconstitucional, a edição de lei federal que contemple os critérios a serem utilizados na realização da referida compensação.
Foi somente com a vigência da Lei 9.796, a partir de 05 de maio de 1999, atualmente regulamentada pelo Decreto 3.112/99, que o RGPS e os RPPSs puderam efetivamente se compensar reciprocamente, tempo e contribuições, para fins de aposentadoria dos seus segurados, apesar da Constituição Federal prever, desde sua edição original em 1988, a compensação financeira entre diferentes regimes previdenciários, interiorizado na norma da Contagem Recíproca.
A sua operacionalização ocorre no interior da Administração Pública, entre os entes públicos envolvidos, por meio de procedimentos operacionais dispostos na Portaria MPAS 6.209/99, contemporaneamente em processo eletrônico (DAL BIANCO; OLIVEIRA; LIMA; CECHIN. 2009. p 19), com a troca de arquivos digitalizados com o INSS.
4 A COMPENSAÇÃO FINANCEIRA NA CONTAGEM RECÍPROCA
A Compensação Financeira entre regimes é fonte de custeio previdenciário, em decorrência da previsão constitucional da contagem recíproca. Segundo Silva (2003. p 114), “[...] é um mecanismo que objetiva distribuir o ônus do pagamento do benefício entre cada um dos regimes previdenciários, cujo tempo de filiação foi considerado na concessão do referido benefício.”
No plano infraconstitucional, a Compensação Financeira é legalmente recepcionada junto da Contagem Recíproca de tempo de serviço, já previstas na redação original do artigo 94 da Lei de Planos de Benefícios da Previdência Social – Lei 8.213/91. A Emenda Constitucional 20/98 não as descaracterizaram mantendo a Contagem Recíproca junto com a Compensação Financeira, in verbis:
Art. 94. Para efeito dos benefícios previstos no Regime Geral de Previdência Social ou no serviço público é assegurada a contagem recíproca do tempo de contribuição na atividade privada, rural e urbana, e do tempo de contribuição ou de serviço na administração pública, hipótese em que os diferentes sistemas de previdência social se compensarão financeiramente. (grifou-se)
A contagem recíproca é a “[...] expressão utilizada para definir a soma do tempo de serviço público ao de atividade privada, para a qual não pode ser dispensada a prova de contribuição [...]”, nas palavras da Ministra do STJ, Maria Thereza de Assis Moura, Ação Rescisória 3.629/RS.
Em sua obra, Martinez (2006) conceitua a contagem recíproca da seguinte forma:
A soma de períodos de trabalhos prestados sucessivamente na iniciativa privada e para órgãos públicos ou vice-versa, para fins de implementação dos requisitos dos benefícios concedíveis pelos diferentes regimes em que contemplados. (MARTINEZ. 2006. P 515)
A contagem recíproca é, pois, uma técnica de apuração destinada a somar o tempo de contribuição dos diferentes regimes previdenciários, de modo a permitir que o segurado aproveite de todo o seu tempo de trabalho normalmente para a obtenção da aposentadoria em apenas um regime. Está diretamente associada com a Compensação Financeira entre regimes, por isso colabora com o equilíbrio financeiro àquele concedente do benefício.
Da necessidade de estabelecer um padrão de equilíbrio financeiro entre regimes que terão de fazer a contagem recíproca do tempo de contribuição, emerge a Lei n.º 9.796/99.
Esta lei trata de dois assuntos de grande relevância para o sistema previdenciário brasileiro: a contagem recíproca do tempo de contribuição e a compensação financeira entre regimes, que há muito tempo aguardavam sua regulamentação. (BRIGUET; VICTORINO; HORVATH JÚNIOR. 2007. p 140)
Apesar da Lei 9.796/99 tê-la disciplinado, junto com a regulamentação do Decreto nº 3.112/99 e da Portaria MPAS nº 6.209/99, foi normalização antecessora da Instrução Normativa INSS/PRES nº 77/2015, atualmente no seu artigo 455, que a batizou de Compensação Previdenciária, firmou o seu conceito dizendo que é o acerto de contas entre o RGPS e os RPPS dos servidores públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, referente ao tempo de contribuição, utilizado na concessão de benefício nos termos da contagem recíproca.
As normas secundárias trouxeram não só os instrumentos de exequibilidade para a realização da Compensação Previdenciária na Contagem Recíproca, como também, em sua órbita, inseriram no arcabouço legislativo expressões e conceitos fundamentais para sua operacionalização, como se passa a detalhar, não sem antes posicioná-la quanto sua natureza jurídica.
4.1. Natureza Jurídica da Compensação Previdenciária
O instituto da compensação tem origem no direto privado, previsto no Direito Civil. Permeia o Direito Tributário. Passa a se afastar da competência destas por envolver exclusivamente, de um lado o Regime Geral de Previdência Social – o INSS e, de outro lado, um dos regimes próprios de previdência social da União, ou de um Estado, do Distrito Federal ou de algum Município – a Administração Pública direta e indireta, em assuntos de natureza previdenciária, cuja tutela encontra-se no artigo 201, § 9º, CF/88. Ao encontro da norma os artigos 1º e 8º-A da Lei 9.796/99 instruem:
Art. 1º A compensação financeira entre o Regime Geral de Previdência Social e os regimes próprios de previdência social dos servidores da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, na hipótese de contagem recíproca de tempos de contribuição, obedecerá às disposições desta Lei.
Art. 8º-A. A compensação financeira entre os regimes próprios de previdência social da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, na hipótese de contagem recíproca de tempos de contribuição, obedecerá, no que couber, às disposições desta Lei.
Importa destacar que a Administração Pública direta e indireta, de qualquer ente público, é regida a luz dos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, inscritos no caput do artigo 37 da CF/88.
Destes, o da legalidade é base para instruir, limitar e vincular as atividades administrativas e, segundo o ensinamento de Di Pietro (2013. P 65), “É aqui que melhor se enquadra aquela ideia de que, na relação administrativa, a vontade da Administração é a que decorre da lei”.
Em decorrência disto, a Administração Pública não pode, por simples ato administrativo, conceder direitos de qualquer espécie, criar vedações ou impor vedações aos administrados; para tanto ela depende de lei. (DI PIETRO, 2013. P 65)
Com isso, fica evidente que, além da atuação conforme a legalidade, significa igualmente, a observância dos princípios administrativos.
Dessa feita, a matéria da Compensação Previdenciária está adstrita ao princípio constitucional da legalidade, sujeita ao regramento da Lei do processo administrativo, a Lei 9.784/99.
O seu realce processual expõe a outra parte de sua natureza além da previdenciária, tangente ao Tributário, em face a sua inclinação do tributo chamado Contribuição Social, simultaneamente vinculada às normas do ambiente jurídico do Direito Administrativo.
A tutela judicial para processar e julgar ações e eventuais recursos onde forem interessadas a entidade autárquica ou empresa pública federal de autoras, rés, assistentes ou oponentes, é os juízes federais, como está definido no artigo 109, I, CF/88.
4.2 Regime de Origem
O conteúdo do texto do inciso I, artigo 2º, da Lei 9.796/99, sustenta que o Regime de Origem é aquele no qual o segurado exerceu tempo de atividade, sujeita a contagem recíproca e com contribuição no âmbito desse mesmo regime, como preleciona, in verbis.
Art. 2º Para os efeitos desta Lei, considera-se:
I - regime de origem: o regime previdenciário ao qual o segurado ou servidor público esteve vinculado sem que dele receba aposentadoria ou tenha gerado pensão para seus dependentes;
O Regime de Origem é o regime previdenciário ao qual o segurado ou servidor público esteve vinculado sem que dele receba aposentadoria ou tenha gerado pensão para seus dependentes, segundo o artigo 2º, III, Portaria MPAS nº 6.209/99; pode ser tanto o RGPS como um Regime Próprio. A esse respeito o TRF4 tem se pronunciado:
EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. MÉDICO. AGENTES BIOLÓGICOS. TEMPO ESPECIAL EM REGIME PRÓPRIO DE PREVIDÊNCIA. INCOMPETÊNCIA. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. CONCESSÃO. 1 – O INSS não detém legitimidade para figurar como réu em causa que envolva pedido de enquadramento de atividade especial exercida com vínculo a regime próprio de previdência social. Para a contagem recíproca, é imprescindível que o reconhecimento do exercício de atividade especial afete o regime de origem (RPPS), que tem o dever de realizar a compensação financeira ao regime instituidor (RGPS), levando-se em conta o que estabelece a Lei 9.796/99. [...] (TRF4, EINF 2007.71.00.046688-7, Terceira Seção, Relator Celso Kipper, D.E. 07/11/2011). (TRF4 5003530-74.2012.404.7010, SEXTA TURMA, Relatora LUCIANE MERLIN CLÈVE KRAVETZ, juntado aos autos em 24/05/2013) (grifou-se)
EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. CONTAGEM RECÍPROCA. CARGO EM COMISSÃO. RESTABELECIMENTO RMI APOSENTADORIA POR IDADE. CUMPRIMENTO IMEDIATO DO ACÓRDÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS MORATÓRIOS A PARTIR DA LEI 11.960/2009. ADI 4.357 E 4.425. EFEITOS. [...] 2. Comprovado que a parte autora exerceu cargo em comissão na Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, com base em certidão de tempo de serviço expedida pelo órgão de origem e cópias dos contra-cheques que revelam o desconto de contribuição previdenciária ao IPERGS, é devida a contagem recíproca do tempo de serviço, cabendo ao INSS buscar a compensação financeira pelo regime de origem [...]. (TRF4, APELREEX 5010163-86.2012.404.7112, SEXTA TURMA, Relator EZIO TEIXEIRA, juntado aos autos em 19/12/2013) (grifou-se)
Por isto o Regime de Origem é o devedor financeiro da Compensação Previdenciária; é o responsável pela emissão da Certidão de Tempo de Contribuição, “[...] que visa o controle e a inibição de utilização em duplicidade de um mesmo período de tempo de contribuição [...]” (GUIMARÃES, 2012. p 3), para fins de contagem recíproca, a ser reconhecida no Regime Instituidor.
4.3 Regime Instituidor
A lei denominou de Regime Instituidor aquele que concede e mantém o pagamento da aposentadoria ou pensão dela decorrente ao segurado, servidor público ou dependentes, incluindo a contagem do tempo contribuído para o Regime de Origem, na forma da contagem recíproca, de tempo de contribuição certificado por meio de Certidão de Tempo de Contribuição – CTC.
Art. 2o Para os efeitos desta Lei, considera-se:
[...]
II – regime instituidor: o regime previdenciário responsável pela concessão e pagamento de benefício de aposentadoria ou pensão dela decorrente a segurado ou servidor público ou a seus dependentes com cômputo de tempo de contribuição no âmbito do regime de origem.
Como regime de previdência instituidor da aposentadoria, se torna o credor das contribuições vertidas ao regime de origem a título de Compensação Previdenciária.
4.4. Certidão do Tempo de Contribuição – CTC
Segundo a doutrina de Meirelles (1990, p 171), Certidões são Atos Enunciativos, em que a Administração se limita a certificar ou atestar uma situação existente sem qualquer manifestação de vontade do Poder Público. É de emissão gratuita e direito fundamental do elenco do artigo 5º, CF/88, inciso XXXIV, alínea “b”.
Nessa esteira, e a fim de regulamentar funcionamento dos regimes próprios de previdência social, após a vigência da Lei 9.717/98, emergiram as normas secundárias, os Decretos nº 3.112/99 e Portaria MPS nº 154/2008, com vistas à escorreita expedição da Certidão de Tempo de Contribuição.
A CTC é o documento hábil para viabilizar a contagem recíproca de tempo de contribuição, cabendo ao regime de origem fornecê-la por solicitação do segurado, cujo recibo em uma das vias implica sua concordância quanto ao tempo certificado. A instrução do procedimento de averbação compete ao regime previdenciário de atual vinculação do segurado. Portanto, em regra, a averbação de tempo é uma operação voluntária e de iniciativa do interessado. (NOTA TÉCNICA Nº 12/2015/CGNAL/DRPSP/SPPS/MPS)
Por isso o tempo de contribuição, os vínculos laborais e as bases de contribuição do segurado fundada nos seus assentos funcionais, emitido pelo RPPS ou órgão de origem, são quesitos cumulativos a serem inscritos nesse documento. A CTC não permite a compensação de tempo e contribuição entre regimes básicos e complementares (CAMPOS. 2014. p 311).
A Portaria 154/2008 inova a ordem jurídica em ofensa ao princípio basilar da legalidade (CAMPOS. 2014. P 312). Veda, em seu artigo 12, a emissão de CTC para servidor ativo, salvo a ocupação lícita de cargos efetivos no mesmo ente federativo, caso em que só poderá ser expedida a certidão relativamente ao tempo de contribuição em relação àquele em que houver a cessação do vínculo ativo pela exoneração ou demissão.
Apesar da ofensa a legalidade por parte da Portaria 154/2008, é pacífico o entendimento do TJ RS no sentido de que “[...] a relação entre a Administração Pública e seus servidores é específica, pautada por regras próprias baseadas no vínculo institucional e no poder discricionário, devendo o interesse público prevalecer [...]” (Agravo de Instrumento Nº 70041441817, Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rogério Gesta Leal, Julgado em 28/04/2011).
Em decisão recente confirma descaber a emissão de Certidão de Tempo de Contribuição de servidor ativo vinculado ao Regime Próprio de Previdência.
AGRAVO DE INSTRUMENTO. SERVIDOR PÚBLICO. MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DO HORTÊNCIO. CERTIDÃO DE TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO PARA FINS DE APOSENTADORIA JUNTO AO INSS. IMPOSSIBILIDADE. PORTARIA MPS 154/2008. PRECEDENTES. Descabe a emissão de certidão de tempo de contribuição de servidor ativo vinculado ao Regime Próprio de Previdência, com vistas à aposentadoria junto ao INSS. Portaria MPS nº 154/2008. Precedentes TJRS. Agravo de instrumento desprovido. (Agravo de Instrumento Nº 70058473604, Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eduardo Delgado, Julgado em 26/11/2015)
O STJ, porém considera antijurídico, ao ente público instituidor, a não aceitação da averbação do tempo de contribuição inscrita em CTC emitida entes da vigência da referida portaria. Em decisão monocrática, o Ministro do STJ, Herman Benjamin negou seguimento ao Agravo em Recurso Especial nº 229.038 – MG, asseverando que a data de emissão da certidão “[...] não desnatura a higidez do documento, somente sendo relevante essa circunstância se o recorrente tivesse apontado falsidade do documento ou da declaração nele contida [...].”
Por isso a CTC, emitido a pedido do ex-servidor ou do servidor inativo, é o documento comprovador do tempo de contribuição para levar do Regime de Origem para o Instituidor. Visa o controle e a inibição de utilização em duplicidade de um mesmo período de tempo, bem como a garantia de que a CTC apresentada para fins de contagem recíproca será reconhecida pelo regime de origem para fins de pagamento da respectiva compensação financeira, de acordo com os artigos 7º, V, e 10, IV, Decreto nº 3.112/99.
4.5 Benefícios Compensáveis
As normas disciplinadoras, o Decreto 3.112/99, a Portaria nº 6.209/99 e a Instrução Normativa INSS/PRES nº 77/2015 limitam a aplicação da compensação previdenciária, somente para os benefícios de aposentadoria: a) por invalidez quando não decorrente de acidente de trabalho, moléstia profissional, doença grave, contagiosa ou incurável, especificada em lei; b) por idade; c) por tempo de serviço e contribuição e; d) as pensões aos dependentes decorrentes das destas mesmas aposentadorias.
A Constituição Federal, em seu artigo 84, inciso IV, releva ao Presidente da República a competência privativa da expedição de normas secundárias para a fiel execução das fontes primárias do direito através de decretos e regulamentos subordinados (LENZA. 2010). Pelo que se verifica na leitura dos artigos 4º e 2º, I e II, da lei federal em comento, não há qualquer ressalva que autorize o chefe do executivo federal para limitar a compensação dos valores nos benefícios de aposentadoria por invalidez e pensão dela decorrente. “Não existe explicação para essa exclusão: ela é um verdadeiro confisco.” (COSTA. 2015. p 305). Ainda segundo esse autor, os artigos 20, 21 e 151, da Lei 8.213/91 pretendem justificar esta segregação.
Em verdade, porém, a remissão ao disposto na lei dos Planos de Benefícios da Previdência Social, em nada contribui para explicar tal contorno estabelecido por aqueles decretos e regulamentos. Da leitura atenta da Lei no 9.796/99, não se verifica em qualquer momento a exclusão da aposentadoria por invalidez quando não decorrente de acidente de trabalho, moléstia profissional, doença grave, contagiosa ou incurável, especificada em lei, e a pensão dela decorrente, para efeito de compensação.
Aos demais benefícios como salário família, salário maternidade, auxílio doença, auxílio reclusão e a pensão por morte de segurado ativo, a lei não faz nenhuma referência. Por falta de previsão legislativa a Compensação Previdenciária deve ficar restrito àqueles benefícios descritos.
4.5.1 Compensação Previdenciária da Atividade Rural
O direito à averbação do tempo de serviço em atividade rural pelo RGPS, não se confunde com contagem deste pela pessoa jurídica ao qual se encontra vinculado o servidor público. A comprovação do recolhimento das contribuições previdenciárias relativas ao tempo de serviço rural somente se faz necessária para efeito da contagem desse tempo de serviço pelo RPPS encarregada de pagar o benefício ao servidor público. A lei admite, para efeito de compensação o tempo de atividade rural desde que cumpridos os requisitos para tal reconhecimento (BRIGUET; VICTORINO; HORVATH JÚNIOR. 2007. p 141). Para isso o tempo de serviço rural “só será contado mediante indenização da contribuição correspondente ao período respectivo”, com os acréscimos moratórios previstos no inciso IV, artigo 94, Lei 8.213/91.
Diferentemente do que ocorre em relação ao trabalhador urbano, a aposentadoria de servidor público no regime jurídico próprio de previdência, que pretende a contagem recíproca do tempo de contribuição na administração pública e na atividade privada, rural ou urbana, faz-se imprescindível a prova do recolhimento das contribuições pertinentes ao tempo em que exercida a atividade privada. O tempo de serviço rural, sem contribuições à previdência social, anteriormente a 05.04.1991 – durante a vigência do artigo 145, Lei n.º 8.213/91, não serve para contagem recíproca.
É pacífico esse entendimento, nos termos da jurisprudência firmada pelo Superior Tribunal de Justiça:
ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. DECISÃO QUE SE FIRMA EM JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE. VIOLAÇÃO DO ART. 557 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE. AGRAVO REGIMENTAL.
PRESERVAÇÃO. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC. INEXISTÊNCIA. DEVIDO ENFRENTAMENTO DAS QUESTÕES RECURSAIS. APOSENTADORIA. TEMPO DE SERVIÇO RURAL. CONTAGEM RECÍPROCA. RECOLHIMENTO DAS CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. NECESSIDADE. [...]
4. Nos termos da jurisprudência pacífica do STJ, o cômputo, para fins de aposentadoria estatutária, do tempo de atividade rural anterior à Lei n. 8.213/1991, somente é possível se houver a comprovação do recolhimento das contribuições previdenciárias referentes a tal período ou à respectiva indenização. [...]
(AgRg no REsp 1511130/SC, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 25/08/2015, DJe 02/09/2015)
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL. APOSENTADORIA. TEMPO DE SERVIÇO RURAL. CONTAGEM RECÍPROCA. RECOLHIMENTO DAS CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. NECESSIDADE. SÚMULA 83/STJ. [...]
2. A jurisprudência do STJ firmou a compreensão de que o cômputo, para fins de aposentadoria estatutária, do tempo de atividade rural anterior à Lei 8.213/1991, somente é possível se houver o recolhimento das contribuições previdenciárias referentes a tal período. [...]
(AgRg no AREsp 361.609/RS, Rel. Ministro OLINDO MENEZES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO), PRIMEIRA TURMA, julgado em 15/12/2015, DJe 02/02/2016)
PREVIDENCIÁRIO E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. AVERBAÇÃO, PARA FINS DE APOSENTADORIA ESTATUTÁRIA, DE PERÍODO DE ATIVIDADE RURAL. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DO RECOLHIMENTO DAS CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS.
1. É firme o entendimento do Superior Tribunal de Justiça de que o cômputo, para fins de aposentadoria estatutária, do tempo de atividade rural anterior à Lei n. 8.213/1991, somente é possível se houver o recolhimento das contribuições previdenciárias referentes a tal período. [...]
(AgRg no REsp 855.857/RS, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 18/08/2011, DJe 05/09/2011)
Os tribunais e a lei convergem: é inviável a compensação financeira na contagem recíproca de tempo em atividade rural, sem que o correspondente valor a ser vertido ao regime de origem seja indenizado pelo beneficiário, para fins de obtenção de aposentadoria em regime instituidor. A esse respeito, o STJ torna a ser firme no entendimento da aplicação de juros e multas sobre essas parcelas:
AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. ART. 45, § 4º DA LEI 8.212/91. CONTRIBUIÇÕES NÃO-RECOLHIDAS. COBRANÇA DE MULTA E JUROS DE MORA. IMPOSSIBILIDADE. PERÍODO ANTERIOR À EDIÇÃO DA MP N.º 1.523/96, QUE INTRODUZIU O § 4º AO REFERIDO ARTIGO.
1. Pacificou-se nesta Corte entendimento de que a cobrança de juros de mora e multa prevista no § 4º do art. 45 da Lei 8.212/91 não é exigível caso o período em que é devido o recolhimento das contribuições previdenciárias for anterior ao advento da MP n.º 1.523/96, que introduziu o § 4º àquele dispositivo legal, que, anteriormente, não previa a cobrança de multa e juros de mora.
[...]
(AgRg no REsp 545.541/RS, 6ª Turma, Rel.ª Min.ª MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, DJe de 16/03/2009.)
PREVIDENCIÁRIO. CONTAGEM RECÍPROCA. ART. 45, § 4º, DA LEI N. 8.212/1991. INDENIZAÇÃO DE PERÍODO ANTERIOR À EDIÇÃO DA MEDIDA PROVISÓRIA n. 1.523/1996. JUROS E MULTA INCABÍVEIS.
1. A respeito da cobrança das contribuições não pagas em época própria, para fins de contagem recíproca, dispõe a Lei de Custeio (8.212/1991), em seu artigo 45, § 3º, que a base de incidência será a remuneração sobre a qual incidem as contribuições para o regime específico de previdência social a que estiver filiado o interessado.
[...]
4. Nessa senda, a jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que a exigência de juros e multa somente tem lugar quando o período a ser indenizado é posterior à edição da Medida Provisória n. 1.523/1996.
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(AgRg no REsp 945.264/PR, 5ª Turma, Rel. Min. JORGE MUSSI, DJe de 28/10/2008.)
Sendo assim, a jurisprudência dominante no STJ é no sentido de que inexiste imposição de multa e juros moratórios na indenização de tempo de serviço prestado em tempo anterior à Medida Provisória nº 1.523/1996, posteriormente convertida na Lei nº 9.528/1997.