Anotações ao efeito preclusivo da coisa julgada inconstitucional

04/03/2017 às 00:30

Resumo:


  • A coisa julgada é um instituto jurídico que garante a imutabilidade de uma decisão judicial, promovendo a segurança jurídica e prevenindo a rediscussão de matérias já decididas.

  • A preclusão é um efeito da coisa julgada que impede a reanálise de questões já decididas, e pode se manifestar de formas distintas, como a preclusão temporal, lógica e consumativa.

  • Em situações de coisa julgada inconstitucional, surge o debate sobre a possibilidade de sua relativização ou desconstituição, especialmente quando a decisão se baseia em normas posteriormente declaradas inconstitucionais.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Saiba um pouco mais sobre os efeitos preclusivos da coisa julgada inconstitucional e a possibilidade de relativização desta, mediante os instrumentos adequados.

1.INTRODUÇÃO

O instituto da coisa julgada, prescrito na Constituição Federal de 1988, no seu artigo 5º, inciso XXXVI, atrela-se incontestemente à segurança jurídica. Na perspectiva do Processo Civil, encontra-se disciplinada nos artigos 502 a 508 do Novel Código de Processo Civil.

Em âmbitos doutrinário e jurisprudencial, copiosos são os impasses que gravitam em torno da operacionalização e desdobramentos do referido instituto. Dentre estes, impende destacar a controvérsia que envolve os efeitos preclusivos da coisa julgada.

Partindo da premissa que a preclusão pode ser analisada em dois momentos distintos, o presente ensaio tem bojo na análise dos reflexos posteriores ao momento endoprocessual de sua formação. Por outro lado, pretende-se inquirir os efeitos preclusivos, em especial, da coisa julgada inconstitucional.


 2. DA PRECLUSÃO: DEFINIÇÃO, ALCANCE E NATUREZA JURÍDICA

O principal efeito da formação da coisa julgada é a preclusão. No entanto, a compreensão dos efeitos preclusivos da coisa julgada precede um breve intróito sobre a noção de preclusão que, inclusive, é de difícil percepção.

Giuseppe Chiovenda[2], insigne jurista italiano, com alicerce na obra do Alemão Oskar Von Bulow[3], foi responsável pela sistematização do instituto da preclusão. A concepção de preclusão está genericamente ligada à perda do direito de suscitar novas matérias com fito na obtenção de uma pretensão submetida a apreciação jurisdicional.

Sobre a preclusão leciona Fredie Didier[4]:

“Frise-se: a preclusão não serve somente à ordem, à segurança e à duração razoável do processo. Não se resume à condição de mera mola impulsionadora do processo. A preclusão em, igualmente, fundamentos ético-políticos, na medida em que busca preservar a boa fé e a lealdade no itinerário processual. A preclusão é técnica, pois, a serviço do direito fundamental a segurança jurídica, do direito à efetividade (como impulsionadora do processo) e da proteção à boa-fé. É importante essa observação: como técnica que é, a preclusão deve ser pensada e aplicada em função dos valores a que busca proteger.”

Neste esteio, a preclusão subjetivamente aponta para a perda de uma faculdade processual com natureza objetiva, indicando a impossibilidade de retorno ou da prática de um ato processual fulminado pelo transcurso do tempo.

Consoante o pensamento de Chiovenda, a preclusão divide-se em: temporal, lógica e consumativa. Tendo-se preclusão temporal, pela supressão do direito processual em decorrência da perda do decurso de prazo para o seu exercício.

Já a preclusão lógica é perda do poder processual em razão da prática de ato incompatível com seu exercício. Enquanto que a perda do poder processual, em razão de seu prévio exercício, é chamada de preclusão consumativa. Significando que se o ato pretendido já foi praticado, é vedado sua alteração ou repetição. 


3. ASPECTOS DA COISA JULGADA: CONCEITO, ESPÉCIES E DELINEAMENTOS

A coisa julgada que possui conotação de garantia fundamental ao direito fundamental à segurança, na sua acepção jurídica, e, infraconsitucionalmente, recebe tratamento de gala por parte do Direito Processual. Contudo, as melhoras definições do instituto, serão encontradas na doutrina.

Coisa julgada pode ser definida como o estado de imutabilidade de um provimento jurisdicional, materializado em sentença (em sentido amplo), formando-se, gradativamente com o esgotamento dos recursos cabíveis e em absoluto com o exaurimento de todas as vias recursais, fazendo um processo transitar em julgado definitivamente.

Na dicção de Barbosa Moreira:

“Impossível pretender, na problemática da coisa julgada, uma convergência de orientações, se não há sequer unanimidade de vistas quanto à delimitação conceptual do objeto perseguido. Como esperar que se harmonizem as vozes, antes de ter-se a certeza de que todas se referem a uma única e definida realidade?”[5]

Não distante, assinala o dileto Fredie Didier[6], que os conceitos doutrinários atribuídos à coisa julgada, reverberam seus núcleos, basicamente, sob as seguintes acepções: (i) a coisa julgada como efeito da decisão; (ii) a coisa julgada como uma qualidade dos efeitos da decisão e; (iii) a coisa julgada como uma situação jurídica do conteúdo da decisão.

Com âmago estritamente na relação de efeito declaratório da sentença, seria a decisão seria imutável, assim, nada apaga a declaração do magistrado. Deste entendimento compartilham grandes expoentes da doutrina processualista, nomeadamente Pontes de Miranda, Araken de Assis e Olívio Batista.

Outra possibilidade, é conceber em sentido amplo, coisa julgada como a qualidade dos efeitos da decisão. Portanto, seriam imutáveis os efeitos que acobertam a decisão. Concepção que possui como expoentes, Enrico Túlio Liebmam, seguido, Cândido Rangel Dinamarco, Ada Pellegrini e outros.

Por fim, ao debruçar-se no conceito de coisa julgada com fundamento de uma situação jurídica do conteúdo da decisão. Impende sobrelevar que, a coisa julgada consistiria na imutabilidade do conteúdo da decisão, que é composto pela norma jurídica concreta, conforme preceituam nomes como Machado Guimarães, Fredie Didier e Barbosa Moreira.

Diante da problemática com referência à noção geral de coisa julgada, o melhor conceito, é, justamente, aquele que contempla aspectos elementares do instituto e não implícitos.

Nestas linhas, calha destacar o preciso conceito segundo Celso Ribeiro Bastos[7], que entende por coisa julgada, a decisão do juiz de recebimento ou de rejeição da demanda da qual não caiba mais recurso. É a decisão judicial transitada em julgado.

Neste arrimo, resta claro que a noção generalista do instituto não é suficiente para fazer compreensível sua sistemática, indubitável o fato, de que, se apresenta em mais de um espécime.

Ao olhar a coisa julgada sob a ótica endoprocessual, isto é, de dentro do processo, contemplaremos seus efeitos formais.

No magistério de Fredie Didier Jr[8]:

“A coisa julgada formal é imutabilidade da decisão judicial dentro do processo em que foi proferida, porquanto não possa ser mais impugnada por recurso – seja pelo esgotamento das vias recursais, seja pelo decurso do prazo do recurso cabível. Trata-se de fenômeno endoprocessual, decorrente da irrecorribilidade da decisão judicial. Revela-se, em verdade, como uma espécie de preclusão, (...) constituindo-se na perda do poder de impugnar a decisão judicial no processo em que foi proferida. Seria a preclusão máxima dentro de um processo judicial. Também chamada de ‘trânsito em julgado”.

Deste modo, a coisa julgada, em primeiro momento, assume efeito formal ainda no ambiente endoprocessual. Contudo, com o esgotamento das vias ordinárias e extraordinária de recursos, a coisa julgada passa a replicar seus efeitos materiais, de ordem preclusiva no ambiente extraprocessual. Portanto, estaremos diante da coisa julgada material, que é a imutabilidade de sentença transitada em julgada definitivamente.

Segundo Fredie Didier, a coisa julgada material, caracterizara-se pela indiscutibilidade da decisão judicial no processo em que foi produzida qualquer outra imutabilidade que se opera dentro ou fora do processo[9].


4. A COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL

No Brasil, adotou-se o sistema hibrido para controle da constitucionalidade das leis e atos normativos. Assim, é possível declarar conclamar inconstitucional uma lei ou ato normativo, tanto por via incidental, onde qualquer juiz, em qualquer grau e âmbito de jurisdição, em processo onde a (in) constitucionalidade da lei ou ato normativo aplicável ao caso não é questão principal do litígio, podendo ser declarada a inconstitucionalidade da Lei ou ato normativo e afastada sua aplicação do caso concreto, bem como pela via concentrada, quando por intermédio de ações constitucionais, proclama-se decisão acerca da constitucionalidade das leis e atos normativos, em Tribunal unicamente competente.

Parte significativa da doutrina nacional já convergiu no entendimento de algumas hipóteses de coisa julgada inconstitucional, quais sejam: a) sentenças amparadas em normas inconstitucionais; b) sentenças que baseadas em interpretações incompatíveis com a Constituição; c) sentenças que violem diretamente normas constitucionais; d) sentenças que estabeleçam ou declarem uma situação diretamente incompatível com os valores fundamentais da ordem constitucional.

No que toca à sentença com lastro em norma inconstitucional, do magistério de Eduardo Talamini[10] se extraem valiosas lições:

“[...] Pode ocorrer de a sentença se basear em : (i) uma norma que já foi antes declarada inconstitucional em sede de controle concentrado (ou que já foi "suspensa" pelo Senado Federal, depois de reconhecida incidentalmente sua inconstitucionalidade pelo Supremo); (ii) uma norma que, posteriormente, vem a ser declarada inconstitucional no controle concentrado (ou vem a ser posteriormente retirada do ordenamento pelo Senado); (iii) uma norma cuja inconstitucionalidade, embora existente, não é averiguada em controle direto – seja porque ele não cabe, seja porque nenhum dos legitimados pleiteou-o – e, portanto, não é declarada (e tampouco a norma é retirada do ordenamento pelo Senado).[...]”

Nessa hipótese, a inconstitucionalidade atinge reflexamente a coisa julgada, vez que a norma utilizada para produção de sua ratio decidendi é inconstitucionalidade, declarada em ação de controle concentrado, antes, ao tempo ou a posteriore do pronunciamento judicial.

Sob outra perspectiva, também é inconstitucional a sentença que é concebida em interpretação não consoante à constituição.

Segundo Talamini[11]:

“[...] não se ofende a Constituição apenas quando se aplica uma lei cujo teor literal é francamente inconstitucional. A violação constitucional pode também advir da adoção de uma interpretação incompatível com a Constituição, em detrimento de outra afinada com os desígnios constitucionais. Há que se buscar sempre a interpretação conforme à Constituição.”

Por fim, são inconstitucionais sentenças que afrontem diretamente normas constitucionais ou cujo dispositivo viola diretamente normas constitucionais e que estabelecem ou declarem situações diretamente incompatíveis com os valores fundamentais da ordem constitucional.


5. O EFEITO PRECLUSIVO E A POSSÍBILIDADE DE RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL

Edificada as bases teóricas do tema proposto, passemos à análise dos efeitos preclusivos e a possibilidade de relativização da coisa julgada inconstitucional, em característico as sentenças que se amparam em normas inconstitucionais.

Frise que: após o trânsito em julgado de uma decisão, segundo Fredie Didier[12] todas as alegações e defesas que poderiam ter sido formuladas para o acolhimento ou rejeição do pedido reputam-se arguidas e repelidas; tornam-se irrelevantes todos os argumentos e provas que as partes tinham a alegar ou produzir em favor da sua tese.

Diferentemente da coisa julgada “comum”, isto é, sentenças transitadas definitivamente em julgado que não se fundam em norma declarada inconstitucional em sede de controle concentrado de constitucionalidade, em momento anterior ou posterior ao pronunciamento, a coisa julgada inconstitucional gera uma vigorosa altercação no que toca à sua eficácia preclusiva.

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Desta forma, se por um lado é indiscutível que na coisa julgada comum a eficácia preclusiva atinge pontualmente a causa de pedir elucidada em ambiência endoprocessual incipiente, não é razoável asseverar o mesmo no que concerne à coisa julgada inconstitucional, uma vez que essa é gerenciada pelo sistema austríaco de controle de constitucionalidade, encontrando barreiras em suas peculiaridades.

Como regra, são retroativos os efeitos da decisão que declara inconstitucional lei ou ato normativo. Consequentemente, a relação jurídica que ensejou na causa de pedir poderá totalmente desfigurada.

Embora o Supremo Tribunal Federal entenda que, em reverência ao ato jurídico perfeito, a declaração de inconstitucionalidade não atinge a coisa julgada[13], os efeitos preclusivos da coisa julgada inconstitucional são perspectivamente absolutos.

Denota-se que em perspectiva inaugural são sucumbidas novas causas de pedir, com lastro em leis ou atos normativos declaradamente inconstitucionais. Assumindo, então, conjuntura de absoluta a eficácia preclusiva que atinge a coisa julgada inconstitucional.

Por fim, cumpre notabilizar a possibilidade de relativização da coisa julgada inconstitucional e sua desconstituição em ambitude de ação rescisória, sem nenhuma limitação defronte à preclusão absoluta.


6. CONCLUSÃO

Dessarte, conclui-se que a eficácia preclusiva que atinge a coisa julgada inconstitucional é absoluta. Não sendo possível rediscutir, mesmo que com nova causa de pedir, matéria coberta pelo manto da coisa julgada.

A julgar pelos efeitos fáticos da declaração de inconstitucionalidade em ambitude de controle concentrado de inconstitucionalidade, que possuem o condão não só de cessar vigência do ato impugnado, mas também de retroativamente, em linhas gerais, alterar as relações jurídicas fundadas naquele, há, por consequência, intensa ingerência preclusiva à respectiva coisa julgada


Notas

[2] CHIOVENDA, Giuseppe. Cosa giudicata e preclusione. Saggi di diritto processuale civile.

[3] BÜLOW, Oskar Von. La Teoria das Excepciones Procesales y Pressupostos Procesales. Buenos Aires: EJEAN, 1964.

[4] DIDIER JUNIOR, Fredie Curso de Direito Processual Civil. Introdução ao Direito Processual Civil e Processo de Conhecimento. Vol. 1. 14ª ed. Ed. JusPodivm, 2012, p. 308.

[5] MOREIRA, José Carlos Barbosa. “Ainda e sempre a coisa julgada. Direito Processual Civil (ensaios e pareceres)”. Rio de Janeiro: Borsoi, 1971. P. 133.

[6] DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: direito probatório, decisão judicial, cumprimento e liquidação da sentença e coisa julgada. V. 2. Salvador: Jus Podium, 2008, p. 556.

[7] BASTOS, Celso Ribeiro.” Curso de Direito Constitucional.” 22. Ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 209.

[8] DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: direito probatório, decisão judicial, cumprimento e liquidação da sentença e coisa julgada. V. 2. Salvador: Jus Podium, 2008. p. 553-554.

[9] Fredie Didier Jr diz que a coisa julgada material é a indiscutibilidade da decisão judicial no processo em que foi produzida e em qualquer outro. Imutabilidade que se opera dentro e fora do processo. A decisão judicial (em seu dispositivo), cristaliza-se, tornando-se inalterável. Trata-se de fenômeno com endo/extraprocessual. (...) Para que determinada decisão judicial fique imune pela coisa julgada material, deverão estar presentes quatro pressupostos: a) há de ser uma decisão jurisdicional (a coisa julgada é característica exclusiva dessa espécie de ato estatal); b) o provimento há que versar sobre o mérito da causa; c) o mérito deve ter sido analisado em cognição exauriente; d) tenha havido a preclusão máxima (coisa julgada formal).

[10] TALAMINI, Eduardo. Coisa julgada e sua revisão. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 406.

[11] Idem.

[12] [12] DIDIER JR, Fredie. Curso de Direito Processual Civil: direito probatório, decisão judicial, cumprimento e liquidação da sentença e coisa julgada. V. 2. Salvador: Jus Podium, 2008.

[13] Entendimento firmado pela Repercussão Geral no Rex 730.462 / São Paulo.

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Sobre o autor
Odemilson Luz de Matos

Graduando em Direito pela Faculdade Jorge Amado, BA. Estagiário na Procuradoria Geral do Estado da Bahia - Procuradoria Judicial. Integrante de grupo de pesquisa cientifica. Monitor acadêmico da disciplina Direito Constitucional.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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