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A juridicidade e os parâmetros para aplicação do instituto norte-americano do cram down nas recuperações judiciais de empresas no Brasil

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03/05/2017 às 14:38
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3 PARÂMETROS PARA APLICAÇÃO DO CRAM DOWN

Chegando-se à conclusão de que o instituto do cram down é útil para o sistema de recuperação de empresas no Brasil, faz-se mister a construção de critérios aptos a conferir segurança jurídica aos operadores do direito. A falta de parâmetros retira qualquer segurança jurídica nessa temática, o que prejudica seriamente o ambiente de negócios no Brasil. Assim, tão importante quanto definir se deve ou não ser aplicado esse instituto é a busca por balizas que uniformizem o tratamento da matéria.

Nesse sentido, primeiro serão examinados pormenorizadamente os critérios dispostos pelo legislador no art. 58, § 1º, da Lei nº 11.101/2005. Em seguida, passar-se-á à análise das balizas sugeridas pela doutrina nacional. Por fim, os critérios esboçados pelos Tribunais serão objeto de estudo.

3.1 critérios na lei nº 11.101/2005

O art. 58, § 1º, da Lei nº 11.101/2005 impôs uma série de requisitos cumulativos para permitir a aprovação alternativa do plano de recuperação judicial[15]. Nos termos da dicção do parágrafo primeiro, inicialmente, percebemos a referência à possibilidade e não obrigatoriedade de o juiz aprovar o plano de recuperação judicial. Em seguida, o referido dispositivo observa que o quórum alternativo deve ser alcançado na mesma assembléia, não abrindo margem para a designação de AGC com esse propósito. O artigo, então, exige que, de forma cumulativa, sejam atendidos os seguintes pressupostos: aprovação por credores que titularizem a maior parte dos créditos presentes, sem levar em consideração a divisão por classes; aprovação de duas classes das três (trabalhistas, com garantia real, demais credores), ou por uma, na hipótese de haver apenas duas; e voto favorável de mais de um terço de credores na classe que rejeitou o plano. Por fim, o § 2º do mesmo art. 58 dispõe que a recuperação judicial alternativa apenas poderá ser concedida caso não preveja tratamento diferenciado para os credores da classe que rejeitou o plano. Esses requisitos merecem alguma atenção, se não, vejamos.

A primeira questão que se levanta remete à apreciação jurisdicional, uma vez que o dispositivo supracitado dispõe que “poderá” o juiz conceder a recuperação judicial. Esta prerrogativa, contudo, longe de outorgar um poder para valoração própria do magistrado, a rigor, quer apenas destacar o dever do magistrado de realizar um controle de legalidade. Tratar-se-ia, portanto, da necessidade de verificação do atendimento dos pressupostos estabelecidos pelo legislador para a concessão da recuperação judicial, tese corroborada nos Enunciados nº 44 (“A homologação de plano de recuperação judicial aprovado pelos credores está sujeita ao controle judicial de legalidade”) e 46 (“Não compete ao juiz deixar de conceder a recuperação judicial ou de homologar a extrajudicial com fundamento na análise econômico-financeira do plano de recuperação aprovado pelos credores”) da I Jornada de Direito Comercial do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal. Dentro desse mesmo papel, compete ao juiz desconsiderar votos emitidos com abuso de direito, conforme Enunciado nº 45 da mesma Jornada (“O magistrado pode desconsiderar o voto de credores ou a manifestação de vontade do devedor, em razão de abuso de direito”)[16].

O dispositivo sob comento alude ainda à necessidade de uma assembléia única para a deliberação da recuperação judicial. Na realidade, pode haver mais uma sessão, contudo, por força dos princípios da celeridade e da economia processuais, a AGC deve ser única para essa finalidade e apenas serão considerados presentes os credores que assinaram a lista por ocasião da instalação da assembléia. Esse entendimento foi consagrado no Enunciado nº 53 da referida Jornada de Direito Comercial (“A assembléia geral de credores para deliberar sobre o plano de recuperação judicial é una, podendo ser realizada em uma ou mais sessões, das quais participarão ou serão considerados presentes apenas os credores que firmaram a lista de presença encerrada na sessão em que instalada a assembléia geral”)[17].

Ademais, deve haver a aprovação por credores que titularizem a maior parte dos créditos presentes na assembleia, independentemente de classes. Esse critério afasta o modelo brasileiro do instituto do cram down norte-americano, uma vez que não há se falar nesse caso em derrubada do veto dos credores, uma vez que o plano precisa da aprovação dos detentores da maioria dos créditos. Esse requisito, indubitavelmente, obstaculizará uma grande quantidade de concessão de recuperações, razão pela qual sua manutenção deve ser objeto de discussão dentro de um sistema pautado pelo princípio da preservação de empresas.

Outro requisito alude à aprovação por duas classes de credores, ou por uma no caso de apenas haver duas classes. Essa prerrogativa pode dar azo a situações em que apenas um credor será capaz de impedir a recuperação. Não é raro que um determinado banco titularize boa parte dos créditos com garantia real e dos quirografários. A instituição financeira, portanto, poderá ao seu alvedrio, votar contra o plano de recuperação judicial, independentemente das condições estipuladas e essa negativa levará à rejeição da recuperação. A inflexibilidade da exigência, em determinadas situações, poderá prejudicar a manutenção da empresa, principalmente se o banco for o único credor real, o que inviabilizará o atendimento do próximo requisito.

Deveras, na classe que rejeitou o plano deve haver a aprovação por mais de 1/3 dos credores, além de não estabelecer tratamento diferenciado entre eles. Tutelam-se, desse modo, os credores que rejeitaram o plano. De todo modo, a doutrina já construiu o entendimento que impõe o tratamento igualitário para os credores com interesse homogêneo, nos termos do Enunciado nº 57 da I Jornada de Direito Comercial do CJF (“O plano de recuperação judicial deve prever tratamento igualitário para os membros da mesma classe de credores que possuam interesses homogêneos, sejam estes delineados em função da natureza do crédito, da importância do crédito ou de outro critério de similitude justificado pelo proponente do plano e homologado pelo magistrado”)[18].

Interessante observar que o direito brasileiro não impõe qualquer regra com relação à ordem de pagamento como o fair and equitable do direito norte-americano. Essa ausência de norma expõe classes privilegiadas na falência, como os trabalhadores, a injustiças. A proteção do direito brasileiro se restringe às relações horizontais, ou seja, entre credores da mesma classe. Outra questão digna de registro concerne à heterogeneidade da terceira classe de credores (credores quirografários, com privilégio especial, com privilégio geral e subordinados). A rejeição por parte dessa classe trará à baila a dificuldade de se definir se haveria ou não um tratamento diferenciado.

3.2 balizas doutrinárias

Os requisitos inseridos pelo legislador no art. 58, § 1º, da Lei nº 11.101/2005 para aplicação do que parte da doutrina chama de cram down brasileiro, entretanto, representam limites substanciais para a recuperação de muitas empresas. Assim, a doutrina e os Tribunais mantêm aberta a celeuma em torno da possibilidade de utilização de parâmetros mais flexíveis para a concessão da recuperação judicial. Importante, então, a análise acerca dos posicionamentos que dividem os especialistas do tema no país.

André Fernandes Estevez, ainda que em uma análise concernente ao supracitado art. 58, § 1º da Lei nº 11.101/05, em relação ao qual confere interpretação que remete ao juiz a análise de mérito do plano, traz critérios interessantes para a análise jurisdicional da possibilidade de derrubada do veto dos credores à recuperação judicial. Noticia que o Ótimo de Pareto é aplicado nos Estados Unidos e na Alemanha como restrição ao crivo judicial na matéria, bem como que no Brasil instrumentalizaria a constatação do abuso de direito. Essa máxima se refere à situação em que, tomando-se um grupo de pessoas, todos melhoram sua posição, não havendo perda na situação individual. De outro lado, referido autor indica o princípio de Kaldor-Hicks como parâmetro a balizar a concessão da recuperação por parte do juiz, a despeito do veto dos credores ao plano. Por este princípio, admite-se que alguns credores sofram prejuízo, desde que haja um saldo positivo, ponderando-se os benefícios e malefícios[19].

A seu turno, Renata Weingrill Lancellotti, malgrado reconheça a necessidade de aperfeiçoamento da Lei de Recuperação e Falências, aprova a interpretação que realça os princípios da função social e da preservação da empresa. Destaca ainda a existência de decisões judiciais que, a despeito, da falta de previsão expressa, vêm aplicando a legislação de modo a evitar soluções individualistas. Ademais, critica a lei brasileira por haver incorporado o instituto norte-americano do cram down, impondo restrições à avaliação jurisdicional, que passou a depender de um quórum alternativo[20].

Eduardo Secchi Munhoz adverte para a necessidade de superação da dicotomia entre a soberania do juiz e a soberania dos credores, por meio de uma solução capaz de equilibrar todos esses interesses e viabilizando a manutenção das empresas viáveis. Outrossim, identifica que, a despeito de a Lei nº 11.101/2005 haver traçado objetivos claros nos arts. 47 e 75, deixou uma lacuna no que tange aos procedimentos necessários para persegui-los. Por fim, observa que, da forma como se encontra a Lei de Recuperação e Falências, poderá haver o privilégio de um interesse puramente individualista em detrimento do interesse público da manutenção de empresas viáveis[21].

Assim, propõe a construção doutrinária de princípios balizadores da atuação do Estado-juiz na recuperação de empresas. Nesse sentido, traz à baila o debate acerca da utilização criteriosa dos princípios do direito norte-americano do best-interest-of-creditors (caracterizado pela impossibilidade de que um credor receba menos do que receberia no processo falimentar), unfair discrimation (consubstanciado no tratamento semelhante e proporcional a ser concedido a credores da mesma classe) e fair and equitable (uma das hipóteses de aplicação é o pagamento de uma classe com créditos com prioridade inferior apenas ser autorizado após o pagamento de uma privilegiada), tudo no intuito de conciliar os interesses do devedor, dos trabalhadores e dos credores. Além disso, aponta para a necessidade urgente de um aperfeiçoamento da legislação recuperacional com o desiderato de permitir que atinja satisfatoriamente seus objetivos, enunciados no art. 47[22].

Marlon Tomazette adota o mesmo entendimento no sentido de que o cram down pode ser aplicado no Brasil, desde que não ocorra injusta discriminação de credores, o plano atenda ao melhor interesse dos credores e seja justo. Ressalta, nesse sentido, que a legislação norte-americana concede margem de discricionariedade mais ampla para o magistrado, por meio de requisitos subjetivos como boa-fé do devedor, viabilidade do plano, perspectiva de sucesso, tratamento justo e equitativo entre os credores, entre outros[23]. 

Carolina Soares João Batista, Paulo Fernando Campana Filho, Renata Yumi Miyazaki e Sheila Christina Neder Cerezatti, após traçarem um panorama do tema nos direitos norte-americano (Bankruptcy Code), alemão (Insolvenzordnung) e português (Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas), observam que a Lei nº 11.101/2005 impôs no art. 58 quóruns para aprovação da recuperação judicial (requisito inexistente em outros ordenamentos), deixando, contudo, de se utilizar de critérios consagrados na legislação alienígena. Ademais, ressaltam que o art. 58 não confere poderes ao magistrado para avaliar os vetos dos credores[24].

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Dessarte, concluem a pesquisa no sentido de que a legislação nacional possui sérias deficiências que devem ser sanadas por meio de uma interpretação construtiva que aplica o cram down nos moldes americanos, isto é, permitindo-se a atuação jurisdicional para aprovar o plano rejeitado pelos credores, desde que seja aprovado por uma classe e não haja unfair discrimination entre titulares de crédito de mesma natureza, bem como que o plano seja fair and equitable, isto é, respeite a ordem de classificação dos créditos, seguindo as prioridades de pagamento[25].

Ricardo Negrão sustenta a possibilidade de o magistrado aprovar um plano rejeitado majoritariamente pelos credores, contudo adverte da necessidade de realização de ponderação de alguns fatores, como interesse de credores, função social e estímulo à atividade empresarial. Nesse sentido, aponta critérios objetivos, tais como confiança dos credores no plano (verificando as razões das objeções e o resultado da assembleia), verossimilhança dos fatos narrados pelos credores, natureza do objeto social, inserção na cadeia produtiva etc[26].

De outro lado, Frederico Augusto Monte Simionato sustenta enfaticamente que, na sistemática da Lei nº 11.101/2005, o magistrado não possui poderes para aprovar um plano reprovado pelos credores, sob pena de subverter o texto legal. Defende a tese de que a assembleia geral de credores é soberana, não restando ao juiz qualquer margem de discricionaridade para conceder a recuperação caso aquela delibere em sentido negativo. Referido autor argumenta, outrossim, que não há qualquer possibilidade de aplicação do cram down em virtude da disciplina imposta pela atual Lei de Falências e Recuperação de Empresas no Brasil. Enfatiza a natureza contratualista da recuperação no Brasil e critica a interpretação que vislumbra a possibilidade daquele instituto, já que contrária ao espírito da lei[27].

Alberto Camiña Moraes, na mesma linha, sustenta que a lei brasileira não confere qualquer poder para o magistrado derrubar o veto dos credores. Defende que o cram down brasileiro é fechado e legalista, cabendo ao juiz tão somente o papel de verificar o preenchimento dos pressupostos do art. 58 da Lei nº 11.101/2005[28].

3.3 requisitos esboçados nos tribunais brasileiros

No que tange à perspectiva jurisprudencial brasileira, constata-se que dois Tribunais já aplicaram expressamente o instituto do cram down: o Tribunal de Justiça de São Paulo e o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. No julgamento do agravo de instrumento interposto pelo Banco Bradesco no bojo da recuperação judicial da Accentum Manutenção e Serviços Ltda., percebe-se que as peculiaridades do caso foram determinantes para a aplicação do cram down. Com efeito, consignou o relator que o seu entendimento decorreu do fato de ter havido reduzida habilitação na classe dos credores quirografários, o que dificultou o atendimento da exigência do art. 58, III, referente à aprovação por mais de 1/3 na classe que reprovou o plano, autorizando a aprovação posterior à assembleia geral de credores. Interessante notar que o relator realizou ampla referência ao parecer do Ministério Público, da lavra de Alberto Camiña Moreira, opinando, entretanto, em sentido contrário[29].

Inclusive, da análise da jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo, percebe-se a criação de alguns critérios para autorizar a concessão judicial da recuperação independentemente do atendimento de todos os requisitos impostos pelo art. 58, § 1º, da LRF. Nesse sentido, aquela Corte de Justiça vem se manifestando no sentido de que quando há credor único em uma classe, a sua rejeição não impede a recuperação da empresa, como ocorreu na recuperação judicial da sociedade empresária Cloroetil Solventes Acéticos S/A. Entende-se que haveria abuso de direito da minoria[30].

Em outra oportunidade (recuperação judicial do Grupo Agrenco), entrementes, o TJSP anulou a decisão que aplicou o cram down (no sentido restrito da lei brasileira), mesmo tendo havido o atendimento de todos os requisitos, exigindo, para tanto, novo plano de viabilidade econômico-financeira. Opinou o relator deste caso no sentido de que a aplicação do cram down seria excepcional e restrito à hipótese de favorecer à generalidade dos credores, exigindo-se, outrossim, maior rigor na análise da viabilidade econômica do plano[31].

Recentemente, algumas decisões consagraram o entendimento adotado pelo Tribunal bandeirante. Na Recuperação Judicial da IRLOFIL Produtos Alimentícios Ltda, a 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do TJSP decidiu pela aplicação do instituto do cram down a despeito da rejeição pela maioria dos credores presentes. Com efeito, o plano foi aprovado na assembléia por 96,13% dos credores trabalhistas presentes (por cabeça, 169 compareceram, 147 aprovaram e 9 rejeitaram), contudo na classe dos quirografários apenas 38,98% dos credores presentes votaram favoravelmente (ainda que por cabeça dos 32 credores presente, 29 aprovaram e 3 rejeitaram). Isso porque a maior parte dos créditos quirografários era titularizada por apenas três credores, isto é, Banco do Brasil, Copercana e Banco Bradesco S/A possuíam 39,11% do total dos créditos quirografários e 61,02% dos presentes à assembleia[32].

A todas as luzes, não houve o preenchimento dos requisitos impostos por força do conteúdo do art. 58, § 1º, da Lei nº 11.101/2005. Deveras, não houve aprovação por parte da maioria dos créditos presentes à assembléia, independentemente de classes. Ainda assim, o Tribunal decidiu pela concessão da recuperação judicial, levando em consideração o princípio da preservação da empresa e o fato de a recuperação ter ficado na dependência do crivo de poucos credores. Ademais, dos três credores, apenas o Banco Bradesco apresentou de forma detalhada e escrita suas razões de oposição ao plano. Outrossim, a AGC aceitou retificação do plano que atendia parcialmente às alterações propostas pelo Bradesco. Por fim, foi evocado ainda o Enunciado nº 45 da I Jornada de Direito Comercial, que autoriza o magistrado a desconsiderar o voto de credores emitido com abuso de direito[33].   

A esse respeito, faz-se mister salientar que não há uniformidade jurisprudencial sobre o tema, o que gera flagrante insegurança jurídica. À guisa de ilustração, pode-se citar julgado do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios que negou o pleito de recuperação judicial da Montana Soluções Corporativas Ltda., em virtude da rejeição do único credor da classe com garantia real (no caso, o Banco Industrial e Comercial S/A). A recuperação judicial foi convolada em falência[34].

A seu turno, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul vem aplicando de maneira ampla o instituto do cram down. Deveras, nos autos da recuperação judicial movida por Brasfumo Indústria Brasileira de Fumos S/A, aquela Corte entendeu que a rejeição pelo Banco do Brasil (titular de ampla maioria dos créditos quirografários – 73,25%) não ensejaria a rejeição do plano pelo não atendimento do requisito de aprovação por 1/3 dos credores da classe que rejeitou o plano. Ademais, com o mesmo argumento, desconsiderou a falta de um segundo requisito, qual seja, a reprovação do plano pela maioria dos credores, independentemente de classe. Isso porque, a despeito da aprovação por expressiva quantidade de credores, alguns poucos se somaram ao Banco do Brasil e conseguiram a maioria (estavam presentes na Assembleia credores representando aproximadamente 100 milhões de reais e o Banco do Brasil titularizava mais de 45 milhões – quase 50%)[35].

Seguindo esse mesmo raciocínio, foi deferida pelo TJRS a recuperação judicial da AEROMOT – Indústria Mecânico Metalúrgica Ltda. e Aerospaço Serviços e Representações Ltda., malgrado o Banco do Brasil (credor com ampla maioria dos créditos com garantia real – o Banco do Brasil possuía R$ 1.024.752,64, ao passo que o outro único credor desta classe – Caixa RS Fomento Econômico S/A – possuía crédito de R$ 74.295,46) tenha rejeitado, o que impede o atendimento de um dos requisitos exigíveis cumulativamente pelo art. 58, § 1º da Lei nº 11.101/2005, qual seja, a aprovação por pelo menos 1/3 dos credores da classe que rejeitou o plano[36].

A partir da análise de algumas decisões que aplicaram o cram down, é possível a extração de alguns critérios amiúde utilizados. Em primeiro lugar, percebe-se que o voto do credor único em determinada classe vem sendo desconsiderado, mormente se levando em consideração a teoria do abuso de direito. Cite-se, nesse sentido, o Enunciado nº 45 do Conselho da Justiça Federal. Não obstante, a teoria do conflito de interesses não parece comportar interpretação tão ampla. Com efeito, não se pode considerar abusivo o comportamento do credor que age no intuito de receber os créditos que lhe são devidos. O fato de ser o credor único de determinada classe não lhe retira a prerrogativa de verificar se as condições propostas no plano atendem a seus interesses. Dessarte, malgrado seja extremamente importante, a teoria do abuso de direito não deve ser ampliada para além de situações que envolvam votação com finalidade distinta do recebimento de créditos, tais como benefício de concorrentes, vingança, entre outros[37].

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Sobre o autor
Gerardo Alves Lima Filho

Presidente do Sindicato dos Oficiais de Justiça do DF e Oficial de Justiça do TJDFT. Bacharel em Direito pela UFBA, Especialista em Direito pela ESMA/DF e Mestre em Direito pelo UniCEUB. Foi diretor e gestor de diversas entidades representativas de servidores públicos, exerceu o cargo de Policial Rodoviário Federal e foi professor de diversas faculdades de Direito de Direito Empresarial, Civil, Processual Civil e Prática Civil. Publicou inúmeros artigos em sites e revistas jurídicas especializadas. Possui experiência em Direito Administrativo, Previdenciário, Constitucional, Empresarial, Tributário, Civil, Processo Civil, Trabalho, Processo do Trabalho, Penal e Processual Penal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA FILHO, Gerardo Alves. A juridicidade e os parâmetros para aplicação do instituto norte-americano do cram down nas recuperações judiciais de empresas no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 22, n. 5054, 3 mai. 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/56279. Acesso em: 25 abr. 2024.

Mais informações

Artigo elaborado quando cursei a disciplina Direito do Consumidor com o Professor Leonardo Bessa no Mestrado do UniCEUB.

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