Reforma sindical: o princípio da plena liberdade sindical diante da reforma das leis trabalhistas

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10/03/2017 às 16:57
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A reforma do sistema sindical brasileiro é um requisito prévio e urgente da vindoura reforma trabalhista, pois seria a única forma de conferir força aos sindicatos, antes que estes recebam o poder de negociar importantes direitos trabalhistas.

1. Introdução

O turbulento processo de impeachment sofrido pela ex-presidente Dilma Rousseff no ano de 2016 foi um momento muito marcante para a sociedade brasileira. Diante de um cenário de extrema crise econômica vivenciada pelo Brasil e por diversos países do mundo, o sucessor ao cargo e atual presidente Michel Temer afirmou que seu legado é “colocar o país nos trilhos”, estando disposto a adotar medidas impopulares.

O presidente recém empossado deixou claro, já em seus primeiros discursos, que estariam em seu plano de governo as reformas trabalhista e da previdência. Desde então, as discussões em torno da reforma trabalhista estão cada vez mais acaloradas por juristas e difundidas na mídia, e, consequentemente, vem causando arrepios e gerando insegurança a toda população. Afinal, haverá uma flexibilização ou uma desregulamentação das leis trabalhistas?

Ao final do ano de 2016, o governo divulgou uma minuta da medida provisória que seria a ferramenta utilizada para promover a reforma trabalhista. Esta minuta trouxe um pacote de mudanças nas leis trabalhistas, e podemos considerar este texto como um firme ponto de partida da vindoura reforma trabalhista. Diante de tantas controvérsias e polêmicas que o referido tema traz, podemos estabelecer um consenso: a reforma trabalhista, em sua essência, e se efetivada, dará mais funções e prerrogativas aos sindicatos na negociação. Esta intenção, à primeira vista, é totalmente bem-vinda. Contudo, ao mesmo tempo, faz-se necessária a seguinte indagação: o sistema sindical brasileiro está preparado e evoluído o suficiente para receber maiores poderes?

 A esta altura, as discussões acerca do princípio da plena liberdade sindical, estampado na Convenção nº 87 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), sem espaço, porém, até o momento, no ordenamento jurídico brasileiro, devem retomar suas forças.

O princípio da plena liberdade sindical visa conferir ao trabalhador o direito de fundar e filiar-se ao sindicato de sua escolha, sem qualquer limitação, promovendo pluralidade e concorrência entre sindicatos, resultando em maior proteção aos trabalhadores daquela categoria. No Brasil, prevalece o princípio da unicidade sindical, que é um limitador da atuação da classe trabalhadora, imposto pelo estado.

O presente estudo pretende verificar a verdadeira essência da vindoura reforma trabalhista, perpassando pelos seus principais pontos, e, por fim, propor a reforma sindical, como medida que deve andar ao lado da reforma trabalhista e não pode ser esquecida, sob pena de tornar ineficazes todas as alterações que a reforma trabalhista pretende promover, ou até mesmo causar graves danos a toda sociedade, principalmente à classe operária.


2. A reforma das leis trabalhistas

2.1 Definição

A CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) foi criada pelo decreto-lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943. É chamada de “consolidação” pois foi sancionada pelo então presidente Getúlio Vargas, unificando toda a legislação trabalhista existente no Brasil, durante o período do Estado Novo. Muitos juristas afirmam que a CLT foi inspirada na Carta del Lavoro do governo de Mussolini na Itália, de 1927.

Grande parte das leis que regem as relações trabalhistas e sindicais no Brasil, apesar de terem sofrido alterações ao longo do tempo, foram criadas para regular relações de uma sociedade que não existe mais. Com o avanço da ciência e da tecnologia, a sociedade evoluiu, e é preciso que as leis a acompanhem.

A reforma trabalhista seria um conjunto de alterações nas diversas leis relacionadas, principalmente na CLT, com o objetivo “modernizá-las”, readaptando, de forma abrangente e profunda, tais dispositivos legais, a toda sociedade, em todos os seus setores.

2.2 Flexibilização x desregulamentação

A sociedade brasileira, durante toda sua história, sofreu, em consequência da desigualdade social, dolorosos traumas sociológicos que geraram elevada instabilidade social. Desta forma, o debate sobre uma reforma trabalhista é naturalmente permeado pelo medo da supressão de direitos, arduamente conquistados por meio das lutas das classes operárias, o que, de fato, seria um retrocesso social. Entre os assuntos mais comentados na mídia, estavam a eventual supressão do décimo terceiro salário, o aumento da jornada de trabalho para sessenta horas semanais, dentre outras barbaridades.

De fato, perder direitos trabalhistas conquistados ao longo de décadas seria um enorme retrocesso para a sociedade em geral e somente beneficiaria os empresários. Ao mesmo tempo, diante do atual cenário de crise econômica, a sociedade não pode se contentar, “de braços cruzados” “à espera de um milagre”, enquanto o desemprego atinge cada vez mais e mais pessoas. Assim, alguns aspectos da legislação podem ser modernizados e adequados à realidade, para melhor satisfazerem os interesses de ambas as partes. Concluindo: desregulamentar é diferente de flexibilizar, e tais institutos não devem ser confundidos.

Na desregulamentação, há uma supressão da normatização do Estado, deixando livre às partes (empregado e empregador) que negociem as regras que melhor atendam seus interesses.

Amauri Mascaro Nascimento leciona que a desregulamentação é a:

"política legislativa de redução da interferência da lei nas relações coletivas de trabalho, para que se desenvolvam segundo o princípio da liberdade sindical e a ausência de leis do Estado que dificultem o exercício dessa liberdade, o que permite maior desenvoltura do movimento sindical e das representações de trabalhadores, para que, por meio de ações coletivas, possam pleitear novas normas e condições de trabalho em direto entendimento com as representações empresariais ou com os empregadores (NASCIMENTO, 2004, p. 156)."

Em suma, ao promover a desregulamentação, o Estado não mais intervém nas relações de trabalho, pois a lei deixa de existir, passando as partes a ditarem as suas próprias regras, por meio de negociação, coletiva ou individual.

A desregulamentação deve ser totalmente repudiada e desencorajada tanto pelos trabalhadores (que serão suas principais vítimas), quanto pela mídia e os operadores do direito, para que não seja promovida pela vindoura reforma trabalhista. Porém, mudanças nas leis, com o objetivo de adequar alguns de seus aspectos à atualidade, tornando-as menos rígidas e mais flexíveis, principalmente em momentos de crise, já foram realizadas por diversos países, inclusive da Europa, tendo sido colhidos bons frutos.

Assim, a flexibilização das leis trabalhistas tem por objetivo dar às partes envolvidas (empregador e empregado) o poder de estabelecerem algumas regras de suas relações, diretamente (por meio do contrato de trabalho) ou representados pelos sindicados de suas respectivas categorias (por meio dos acordos e convenções coletivas), diminuindo, mas não exaurindo, a intervenção do Estado e adaptando tais relações às peculiaridades regionais e conjunturais (em casos de crises econômicas, por exemplo), na forma que melhor atenda aos interesses de cada um.

O já citado autor Amauri Mascaro de Nascimento conceitua a flexibilização das leis trabalhistas como sendo “o afastamento da rigidez de algumas leis para permitir, diante de situações que o exijam, maior dispositividade das partes para alterar ou reduzir os seus comandos” (NASCIMENTO, 2003, p. 27).

Na prática, a reforma trabalhista pode ter um viés desregulamentador, devendo portanto ser desencorajada (quando suprime direitos já consolidados, como o décimo terceiro salário, o aumento da jornada de trabalho, etc.), ou um viés flexibilizador, que geraria benefícios a toda a sociedade, ao proporcionar um cenário economicamente viável para criação de novos empregos (quando flexibiliza regras, sem alterar essência dos direitos conquistados, como por exemplo o parcelamento das férias anuais e o parcelamento da PLR, etc.).

Logicamente, existirão regras situadas na linha tênue entre os institutos da flexibilização e da desregulamentação, e teremos bons argumentos para os dois lados. Para isto, apenas um debate aberto e profundo entre os defensores das ideias antagônicas trará um denominador comum. Como previu Aristóteles, a virtude está na justa medida, no equilíbrio entre o excesso e a falta. 

Vale lembrar que, acima desta discussão, existem direitos que não podem ser flexibilizados.  Como já é sabido, no direito trabalhista, existem direitos de indisponibilidade absoluta e de indisponibilidade relativa.

Assim, podemos dizer que a problemática “flexibilização x desregulamentação” é o novo bradar de espadas do antigo embate entre as classes trabalhadoras e empresárias. Todavia, esta batalha tem desviado os olhos dos operadores de direito, que estão deixando de lado uma outra discussão ainda mais urgente e importante, que é a reforma sindical. Para finalmente adentrarmos ao tema da reforma sindical, antes temos que analisar a minuta da Medida Provisória que utilizada para a realização da reforma trabalhista.

2.3 Minuta da MP da Reforma Trabalhista

O governo pretendia realizar a reforma trabalhista por meio de medida provisória, tanto que publicou, em dezembro de 2016, a minuta da MP que seria editada. Contudo, o iminente risco de represálias, tanto da população, quanto do Congresso Nacional, fez com que o presidente Michel Temer recuasse. Assim, até o presente momento, não se sabe qual será a forma legal utilizada para a efetivação da reforma trabalhista. Porém, com a divulgação desta minuta, podemos ter uma noção um pouco mais concreta sobre que pontos a reforma pretende atingir.

Apesar de possuir apenas 9 artigos, a minuta da MP pretendia fazer mudanças bastante abrangentes, em diversos dispositivos legais. A primeira parte de seu texto (artigos 1º e 2º) versa sobre Programa de Seguro-Emprego (PSE) e Programa de Seguro-Desemprego, a qual não é objeto deste estudo.

O artigo 3º da minuta pretendia acrescentar novos artigos à CLT, sendo o Art. 611-A de maior importância para o presente estudo, pois conferiria força de lei às convenções e acordos coletivos quando dispusessem sobre os seguintes tópicos:

  1. flexibilização da jornada diária (limitada a 220 horas mensais);
  2. parcelamento da PLR (Participação nos Lucros e Resultados);
  3. horas in itinere;
  4. flexibilização do intervalo intrajornada (limitado a trinta minutos);
  5. a ultratividade da norma coletiva;
  6. ingresso no Programa de Seguro-Emprego (PSE);
  7. plano de cargos e salários, e;
  8. banco de horas.

O texto do novo artigo ainda viria acompanhado do seguinte parágrafo, que aqui faz-se necessária transcrição literal:

“Parágrafo único: O disposto em Convenção ou Acordo Coletivo de Trabalho só poderá ser revisto pela Justiça do Trabalho se contiver vício de forma, vício de vontade ou de consentimento, ou versar sobre direito indisponível.”

Ao interpretar os dispositivos acima citados, sem, contudo, analisar de forma analítica o mérito de cada tópico do art. 611-A, podemos desde já concluir que o objetivo basilar da reforma trabalhista é que alguns dos aspectos importantes da relação de emprego não mais seriam regulados conforme o que a lei determina, mas destutelados pelo Estado, passando a ser negociados entre o empregado (representado pelo sindicato dos trabalhadores) e o empregador (própria empresa ou representado pelo sindicato patronal). Como se não bastasse, o poder executivo (investido do poder de legislar por meio de MP), além de retirar do poder da lei tais institutos da relação empregatícia, pretendia, conferir o próprio poder de lei à norma coletiva quando tratassem destes assuntos, restringindo inclusive a atuação do poder judiciário, que somente poderia rever uma convenção ou acordo coletivo se revestida de vício.

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Agindo desta forma, o governo não está dando mais força aos sindicatos, mas apenas delegando mais funções. O sistema sindical não está sendo fortalecido com esta reforma trabalhista, pois continuará sendo a parte fraca da mesa de negociação. De forma análoga e metafórica, é como se um pai desse mais direito a um filho pequeno de poder discutir aspectos sobre sua relação entre pai e filho. Neste caso, o filho precisaria evoluir para ter maturidade suficiente para lidar com certas questões, e inclusive tomar decisões.

O propósito deste estudo é verificar que, diante de um estágio de evolução imaturo que o sistema sindical brasileiro se encontra, precisamos, antes de “colocar mais coisas nas mãos dos sindicatos”, encontrar mecanismos que os tornem mais fortes e eficazes perante a classe empresária.

Nos artigos seguintes, a minuta da MP altera artigos da CLT, no intuito de aumentar as sanções aos empregadores que descumprirem leis trabalhistas (como por exemplo, aumento da multa em caso da empresa mantiver empregado sem assinar a carteira de trabalho, de 1 salário mínimo, que atualmente é de R$ 937,00, para R$ 6.000,00), o que sem sombra de dúvidas são mudanças bem-vindas. O artigo 7º altera artigos da Lei do Trabalho Temporário (nº 6.019 de 1974), aumentando de 90 para 120 dias o limite do prazo de contratação de trabalhadores temporários, dentre outras, e o artigo 8º altera as regras de jornada em regime parcial previstas na CLT, e não são foco deste estudo.

Assim, podemos concluir que se o texto da referida minuta for aprovado em sua totalidade, a reforma trabalhista objetiva flexibilizar e modernizar algumas regras trabalhistas ultrapassadas, adequando-as à nossa atual realidade social. Este objetivo porém não é totalmente alcançado, pois a reforma em alguns momentos simplesmente desregulamenta direitos conquistados ao longo de décadas.

Entretanto, apesar da polêmica polarização “flexibilização x desregulamentação”, a minuta da MP sequer tocou no princípio da plena liberdade sindical, na pluralidade do sistema sindical, no fim das contribuições compulsórias, dentre outros mecanismos de efetivo fortalecimento dos sindicatos. Ao nosso ver, a adoção do princípio da plena liberdade sindical, aqui chamada de “reforma sindical”, com a consequente recepção da Convenção nº 87 da OIT, é medida mais urgente do que a reforma trabalhista em si, e merece mais atenção dos operadores do direito e da sociedade.


3. A plena liberdade sindical

3.1. O Princípio da Plena Liberdade Sindical x Princípio da Unicidade Sindical

Na contramão dos princípios e sistemas adotados pelos países mais desenvolvidos, a Constituição Brasileira limitou liberdade sindical ao impor o princípio da unicidade sindical, que proíbe a criação de mais de uma organização sindical referente a uma mesma categoria, dentro de um município. Podemos afirmar que a unicidade sindical possui viés autoritário, sendo uma extensão do próprio estado na negociação entre o empregador e a classe operária (fenômeno este conhecido como “peleguismo”), pois impede a pluralidade de sindicatos. O Princípio da Unicidade Sindical obsta a concorrência entre sindicatos. Sem concorrência, não há representatividade, pois se um empregado não concorda com as determinações do sindicato representativo de sua categoria, nada pode fazer além de acatar e abaixar a cabeça.

Maurício Godinho Delgado, um dos maiores doutrinadores de direito do trabalho na atualidade, o princípio da unicidade sindical possui um conceito mais abrangente, correspondendo à:

"previsão normativa obrigatória de existência de um único sindicato representativo dos correspondentes obreiros, seja por empresa, seja por profissão, seja por categoria profissional. Trata-se da definição legal imperativa do tipo de sindicato passível de organização na sociedade, vedando-se a existência de entidades sindicais correspondentes ou de outros tipos sindicais. É, em síntese, o sistema de sindicato único, com monopólio da representação sindical dos sujeitos trabalhistas (DELGADO, 2016, p. 1475)."

Já o princípio da plena liberdade sindical compreende no direito do trabalhador em fundar e filiar-se ao sindicato de sua escolha, sindicato este que deverá ter liberdade de funcionamento, autonomia e independência, atuando judicialmente em favor dos trabalhadores e representando de forma efetiva seus sindicalizados.

O citado autor foi mais uma vez brilhante ao falar sobre o instituto da plena liberdade sindical, frisando que este sistema “não sustenta que a lei deva impor a pluralidade, apenas que não cabe à lei regular a estruturação e organização internas aos sindicatos, cabendo a estes eleger, sozinhos, a melhor forma de se instituírem”.

No Brasil, apesar de existir inúmeros sindicatos fortes e atuantes em prol dos interesses de suas categorias, a grande maioria dos sindicatos brasileiros não passam de organizações meramente formais e destituídas de força, que na realidade não cumprem seu papel essencial, que é a defesa e proteção dos trabalhadores representados. Como o viés político no âmbito sindical é muito intenso, na prática, a falta de concorrência entre os sindicatos ainda cria um cenário confortável para atos corruptos entre o dirigente sindical e o empresário.

A Constituição Federal de 1988, apesar de notadamente reconhecida como um marco democrático na história do direito brasileiro, pecou ao manter o princípio da unicidade sindical, fazendo prevalecer a intervenção do Estado nas relações entre patrão-trabalhador, e desprezando a plena liberdade sindical, existente há anos em outras nações, e estampado na Convenção nº 87 da OIT de 1948.

3.2. A Convenção nº 87 da OIT

O Brasil é um dos membros fundadores da OIT e participa da Conferência Internacional do Trabalho desde sua primeira reunião. Assim, é conhecido internacionalmente por ser uma nação ativa nos direitos dos trabalhadores. Em 2011, Cleopatra Doumbia-Henry, à época diretora do Departamento de Normas Internacionais do Trabalho da Organização das Nações Unidas, disse que o país possui uma “interação saudável com a Organização”, mas ao mesmo tempo ressaltou que o Brasil deveria ratificar outras convenções, como a 87, sobre liberdade sindical e proteção do direito de associação. A OIT também já manifestou seu inconformismo com a ausência da Convenção nº 87 no ordenamento jurídico brasileiro em outros relatórios, dizendo que sua não recepção “deixa uma grande proporção de empregadores e trabalhadores, no âmbito mundial, sem a proteção legal oferecida por estes instrumentos internacionais”.

Vários países do mundo, incluindo o Brasil, têm sido alvos constantes de críticas da OIT por não terem ratificado a chamada a Convenção sobre a Liberdade Sindical e à Proteção do Direito Sindical, 1948, de número 87. O Brasil, inclusive, participou da Sessão da Conferência Geral dos Membros da OIT de 1948, tendo se posicionado forma favorável à aprovação da Convenção nº 87. Contudo, o próprio poder executivo não ratificou o Decreto Legislativo 58/84, por haver incompatibilidades entre a ordem constitucional vigente à época e os preceitos da Convenção nº 87, como por exemplo a existência de contribuição compulsória e a unicidade sindical.

Após quatro décadas, sobreveio a Constituição Federal de 1998, notoriamente reconhecida como um marco da redemocratização no Brasil pós-ditadura (também apelidada de Constituição “Cidadã”). A nova Carta Magna tinha como objetivo maior garantir direitos sociais, econômicos, políticos e culturais que foram retirados durante o período ditatorial. Grandes avanços trazidos pela Constituição Federal de 1988 são notáveis em vários áreas do direito brasileiro, porém, não podemos concluir da mesma forma quando se trata do sistema sindical, que permaneceu o mesmo de décadas atrás, bradando o princípio da unicidade, por meio do seu artigo 8º, inciso II.

Em contrapartida, uma república que se auto intitula democrática não pode se esquivar do princípio da plena liberdade sindical, princípio este que afeta diretamente a vida da maioria de seu povo, pois confere poder à classe dos trabalhadores na incessante luta em busca de seus direitos. O princípio da unicidade vai de encontro às tradições democráticas, e deve ser urgentemente eliminado do ordenamento jurídico brasileiro.

Conforme a Convenção nº 87 da OIT, o princípio da plena liberdade sindical possui vários desdobramentos, dentre os quais, de forma resumida, destacamos:

  1. Plena liberdade de associação individual: É o direito que cada trabalhador possui de se filiar às organizações sindicais, contanto que concorde com os estatutos demais normas que regem tais organizações (art. 2º da Convenção 87);
  2. Auto regulação e autonomia sindical: As organizações sindicais terão o direito de elaborar seus próprios estatutos e regulamentos administrativos, e de se organizarem, elegendo de forma livre e independente seus representantes (art. 3º.1 da Convenção 87);
  3. Vedação da intervenção estatal e livre atuação dos organismos sindicais: As autoridades governamentais deverão abster-se de qualquer tipo de intervenção que venha a limitar a atuação e organização sindical, principalmente no que tange à aquisição de sua personalidade jurídica das organizações. As autoridades públicas também não podem promover atos administrativos que sujeitem tais organizações à dissolução ou à suspensão. (arts. 3º.2, 4º e 7º da Convenção 87);
  4. Plena liberdade de associação coletiva: Os sindicatos terão o direito de constituir federações e confederações, bem como o de filiar-se às mesmas, e estas, o direito de filiarem-se às organizações internacionais de trabalhadores e de empregadores (arts. 5º e 6º da Convenção da 87);

Podemos constatar que, apesar de possuir poucos artigos, a Convenção nº 87, apesar de ter sido adotada pela OIT em 1948, traria conceitos “inovadores” para o ordenamento pátrio, pois não impõe e nem permite ao Estado impor regras à prática sindical, pelo contrário, a única regra é a total liberdade.

Como já sabido, o constituinte de 1988 não recepcionou a Convenção 87 da OIT, ao preferir, de forma totalitária, manter o controle nas relações de trabalho, ao manter a extensão braço do Estado por meio do princípio da unicidade sindical.

3.2. A PEC nº 29/2003

Em abril de 2003, foi apresentada a Proposta de Emenda Constitucional nº 29, de autoria dos deputados Vicentinho (PT/SP), Maurício Rands (PT/SP à época), e outros, que objetiva instituir a liberdade sindical, alterando a Constituição Federal. No mês seguinte ao sua criação, a PEC nº 29 de 2003 foi submetida à aprovação da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania da Câmara dos Deputados), onde permanece até os dias de hoje.

Em março de 2005, um de seus criadores, o Deputado Vicentinho solicitou a retirada da PEC nº 29 em plenário, sem apresentar nenhum fundamento, tendo sido indeferida, por falta de assinatura de pelo menos metade mais um dos seus subscritores.

A PEC nº 29 pretende mudar o texto dos vários incisos do artigo 8º da Constituição Federal de 1988, mas principalmente o inciso II, que atualmente veda a criação de mais de uma organização sindical, representante de uma única categoria (profissional ou patronal), na mesma base territorial, passando a vigorar a seguinte redação:

"II – organizações sindicais representativas de trabalhadores e empregadores podem se organizar a partir do local de trabalho e constituir federações, confederações e centrais sindicais e a elas se filiarem, e qualquer uma dessas organizações pode filiar-se a organizações internacionais de trabalhadores e empregadores."

Outro ponto que merece destaque na PEC nº 29 é a extinção da contribuição sindical compulsória, que seria feita de forma gradativa ao longo de quatro anos. A cobrança obrigatória de um valor para manutenção dos sindicatos vai de encontro ao princípio da plena liberdade sindical e aos demais preceitos propostos pela Convenção nº 87 da OIT, pois é o estado intervindo na atuação dos sindicatos, ao passo que estes devem se autorregular.

Ao longo de sua tramitação, PEC nº 29 teve cinco pareceres de diversos relatores da CCJ, todos favoráveis à sua admissibilidade. O último deles foi da Deputada Cristiane Brasil (PTB / RJ), em outubro de 2016, que destacou que:

"a unicidade sindical brasileira tem origem no regime fascista da Itália, tendo sido incorporado pelo ordenamento pátrio em momento histórico-político autocrático, sob os auspícios do Estado Novo de Getúlio Vargas.

Portanto, essa limitação não se compatibiliza com o atual regime democrático, bem como a própria Itália, fonte de inspiração de nosso modelo, é, atualmente, signatária da Convenção de nº. 87 da Organização Internacional do Trabalho, de 1948 (BRASIL, 2016)."

Diante do cenário de crise econômica e política que vivenciamos no Brasil, já aguardando ansiosa e receosamente a prometida reforma trabalhista, o parecer da Deputada Cristiane parece ter dado uma sobrevida à PEC nº 29.

Ora, se vamos realizar mudanças profundas na legislação trabalhista no intuito de permitir que os sindicatos possam negociar e regular vários direitos que antes eram regulados por lei, é de suma importância garantirmos, por meio de uma reforma sindical, que os sindicatos possuam plena liberdade de constituição e atuação, para que tenham força na mesa de negociação.

A mídia, porém, tem dado pouca importância (podemos até dizer que a mídia tem se silenciado) à reforma sindical. Para muitos juristas, a reforma sindical é o berço para todas as vindouras alterações na legislação trabalhista, e ponto chave para o desenvolvimento da relação empregador-trabalhador, com a conquista de novos direitos sociais.

3.3. Reforma sindical

Para promover a mudança do sistema sindical atual, é necessário alterar o texto constitucional. Por consequência, a aprovação de uma PEC exige quórum qualificado de três quintos dos votos, em dois turnos, tanto do Senado, quanto da Câmara Legislativa, além de passar pela Comissão de Constituição e Justiça de cada uma das casas.

Ao instituir, por meio de uma proposta de emenda constitucional, o Princípio da Plena Liberdade Sindical em nossa constituição, extirpando-se de vez o limitador instituto da unicidade sindical, teríamos, inegavelmente, inúmeros avanços. Passamos, aqui, a explicitar os principais:

  1. Extinção do monopólio sindical: Atualmente, com a unicidade sindical, somente é permitida a criação de um único sindicato representativo de uma mesma categoria, dentro de um mesmo município. Assim, se o trabalhador não concorda com as decisões de seu sindicato nada pode fazer. É o chamado “monopólio sindical”. Tal prática favorece a prática de atos corruptos entre o empregador e os dirigentes sindicais, fomentando o fenômeno do “peleguismo”, que é o sindicato sem atuação efetiva, que apenas cumpre as formalidades da lei, Com a plena liberdade sindical, este monopólio seria extinto.
  2. Possibilidade de pluralidade e concorrência entre sindicatos: O princípio da plena liberdade sindical não impõe a pluralidade entre os sindicatos, mas permite que ela aconteça, pois, não há qualquer tipo de regras limitadoras para a criação das associações sindicais. Este cenário de liberdade, na prática, favorece a criação de novos sindicatos sempre que o sindicato já existente não estiver cumprindo com sua função essencial, que é a defesa dos direitos dos trabalhadores. Desta forma, os trabalhadores estariam livres para escolher os sindicatos de suas preferências, o que coibiria ainda mais as práticas corruptas e forçaria os sindicatos a atuarem de maneira mais eficaz.
  3. Extinção da contribuição sindical: Com a plena liberdade sindical, o Estado não mais pode ter interferência na atuação dos sindicatos. Assim, quem melhor pode definir a forma de contribuição capaz de custear sua atuação, é o próprio sindicato. Mais uma vez, quem sai ganhando é o trabalhador, que poderia escolher o sindicato que possuir o melhor “custo-benefício”. Esta autonomia da fonte de custeio conferiria maior transparência e controle à gestão sindical.
  4. Maior poder na negociação: A extinção do monopólio sindical, a possibilidade de pluralidade e concorrência entre sindicatos e a maior transparência na sua fonte de custeio forçariam os sindicatos a atuarem de maneira mais eficaz na luta em prol dos direitos de suas classes. Este fortalecimento dos sindicatos consequentemente daria ainda mais poder de negociação perante a classe empregadora. Este certamente seria o principal avanço que a reforma sindical traria para a sociedade brasileira.

Em relação ao último item apontado acima, o Brasil se encontra numa situação de “agora ou nunca”. Como já analisado anteriormente, estamos em vias de receber uma reforma trabalhista, que trará profundas mudanças nas relações entre empregado e empregador. Porém, a reforma trabalhista, em sua essência, irá deixar inúmeros direitos que atualmente são protegidos por lei, a cargo da negociação entre sindicatos, que no Brasil são historicamente fracos. Caso a reforma trabalhista seja feita sem a reforma sindical, estaremos, na prática, retrocedendo ainda mais, ao flexibilizar ou desregulamentar direitos arduamente conquistado ao longo de décadas, e entregando-os de bandeja à classe patronal.

Assim, podemos dizer que o longo e tortuoso caminho enfrentado por uma PEC até sua aprovação, aliado ao impacto das profundas e inovadoras mudanças que a PEC da Liberdade Sindical traria no sistema sindical atual, confere à esta status e peso de reforma. Não há como negar a importância desta reforma para a sociedade brasileira, principalmente diante da vindoura reforma trabalhista, pois de fato, estamos quase 70 anos atrasados em relação a muitos países desenvolvidos   

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