A importância da formação da culpa no tocante ao garantismo penal: presunção de não culpabilidade e cumprimento antecipado da pena

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A finalidade do artigo é trazer uma visão crítica quanto ao cumprimento antecipado de pena estabelecido pelo julgamento do HC nº 126.292, trazendo os aspectos jurídicos desta modalidade de pena e sua aplicação na lei penal pátria.

Resumo

          O objetivo deste estudo é, principalmente, trazer esclarecimentos acerca da formação da culpa quanto aos direitos garantidos ao cidadão pela Constituição Federal, com fulcro na legislação penal pátria e a polêmica sobre o cumprimento antecipado da pena consolidada através de jurisprudência do Supremo Tribunal Federal em sede de julgamento do habeas corpus nº 126.292, bem como a presunção de não culpabilidade e a sua aplicação no processo penal vigente.

Palavras chave: Pena; Constituição; Princípios; Culpabilidade; Garantismo; Penal;

           Abstract

           The purpose of this study is mainly to clarify the formation of guilt regarding the rights guaranteed to the citizen by the Federal Constitution, with a focus on domestic criminal law and the controversy about the anticipated fulfillment of the consolidated sentence through the jurisprudence of the Federal Supreme Court in the Judgment of the habeas corpus number 126.292, as well as the presumption of non-culpability and its application in the current criminal procedure law.

Introdução

Antes de adentrar no cerne da questão, é de extrema importância explicar como funciona o garantismo penal, teoria desenvolvida pelo ilustríssimo Professor Luigi Ferrajoli, que é adotada hodiernamente por muitos outros doutrinadores.

A base da teoria do garantismo penal é a proteção a liberdade do cidadão, que está presente em todo o texto da Constituição Federal de 1988, também conhecida como constituição cidadã, mas em especial em seu art. 5º que trata das garantias fundamentais de cada individuo.

Diante disto e tendo em vista que esta teoria está presente em nossa legislação, têm-se o conceito cristalino de garantismo penal, nas palavras do próprio Luigi Ferrajoli:

“Garantismo” designa um modelo normativo de direito: precisamente, no que diz respeito ao direito penal, o modelo de “estrita legalidade” SG, próprio do Estado de direito, que sob o plano epistemológico se caracteriza como um sistema cognitivo ou de poder mínimo, sob o plano político se caracteriza como uma técnica de tutela idônea a minimizar a violência e maximizar a liberdade e, sob o plano jurídico, como um sistema de vínculos impostos à função punitiva do Estado em garantia dos direitos dos cidadãos. É consequentemente, “garantista” todo sistema penal que se conforma normativamente com tal modelo e que o satisfaz efetivamente. (FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do garantismo penal. 2010, p. 785-786)

Um exemplo da presença do garantismo na legislação brasileira é o princípio do devido processo legal, exposto no art. 5º, inciso LIV, da Constituição Federal de 1988, que indica que ninguém deverá ter condenação transitada em julgado sem que antes tenha ocorrido o devido processo legal.

É neste ponto em que se encontra a polêmica do cumprimento antecipado de pena decidido pelo Supremo Tribunal Federal e este é o tema que será levado como escopo deste artigo.

Desenvolvimento

         No ano de 2016, o Supremo Tribunal Federal em sede de julgamento do habeas corpus supracitado, entendeu que, após decisão de segundo grau que ratifica a sentença condenatória, o réu poderá ser recolhido para realizar o cumprimento provisório da pena aplicada enquanto aguarda a declaração de trânsito em julgado.

Em resumo, a decisão teve grande apoio popular por ter lastro no sentimento de impunidade que vigora atualmente no país, conforme votos proferidos pelos Ministros da Corte Suprema, a base para esta nova posição do STF é o combate à morosidade da justiça, bem como o prestígio aos magistrados de primeiro grau, vide a ementa do julgado in verbis:

Ementa: CONSTITUCIONAL. HABEAS CORPUS. PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA (CF, ART. 5º, LVII). SENTENÇA PENAL CONDENATÓRIA CONFIRMADA POR TRIBUNAL DE SEGUNDO GRAU DE JURISDIÇÃO. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. POSSIBILIDADE. 1. A execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII da Constituição Federal. 2. Habeas corpus denegado.

(HC 126292, Relator(a):  Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, julgado em 17/02/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-100 DIVULG 16-05-2016 PUBLIC 17-05-2016)

No entanto, este tipo de medida é contrária aos princípios constitucionais já citados, expandindo o direito de punir do Estado sem que o réu tenha o direito de passar por todas as fases da formação da culpa e dos recursos que lhes são garantidos.

Além disso, o cumprimento provisório de sentença não se equipara de forma alguma a prisão em flagrante, pois a finalidade da prisão em flagrante é garantir que o eventual exercício do direito de punir do Estado seja cumprido, enquanto o cumprimento de sentença tem a finalidade de cercear os direitos do apenado, sem que este tenha sido declarado condenado por sentença transitada em julgado.

Adentrando a temática do respeito ao devido processo legal neste caso prático, é preciso também abordar os aspectos do Principio da não culpabilidade e sua relação com a formação da culpa. Este princípio tem o papel indispensável de garantir que não ocorra ofensa contra as liberdades individuais decorrentes do direito de punir do estado.

Originado do Principio da não culpabilidade, têm-se o principio da presunção da inocência também prevista no Art. 5º, inciso LIV, da CF/88, que foi totalmente desrespeitado quando a Suprema Corte Brasileira publicou o julgamento do referido habeas corpus, ferindo as garantias fundamentais sem nenhum lastro jurídico e com base no clamor popular.

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Esta decisão afeta inclusive o período de formação da culpa no processo penal, que é em síntese o período em que o réu deverá ser julgado, ouvido e produzido as provas, este dispositivo está disposto na Constituição Federal no art. 5º, inciso LXVIII incluído pela Emenda Constitucional nº 45/2004, é o dispositivo in verbis:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

(Brasil, Constituição Federal de 1988)

Portanto, colocar a disposição o réu para o cumprimento antecipado de pena sem que este tenha usufruído do instituto da formação da culpa e dos princípios da ampla defesa e devido processo legal, por simples intuito de acelerar o procedimento, é uma medida flagrantemente inconstitucional e contrária aos direitos humanos e garantias fundamentais.

Considerações Finais

          O cumprimento provisório de sentença, levando em consideração os princípios citados e a legislação pátria é expressamente inconstitucional, pois viola os direitos e garantias fundamentais do individuo que sofre o processo penal, expandindo o direito de punir do estado sem respeitar o principio da ampla defesa e do devido processo legal.

Além deste fato acima exposto, a execução provisória da sentença abre espaço para a subjetividade do tempo da pena, pois de que forma ela vai ser calculada caso o réu passe a cumprir a pena antes do trânsito em julgado e esta seja homologada depois, se não há nenhuma legislação que trate deste tipo de cumprimento de pena.

O que ocorreu em verdade foi uma irreflexão do Supremo Tribunal Federal em querer aplicar celeridade nos processos penais e tentar cessar a morosidade da justiça, agindo em desrespeito com os cidadãos e a própria Constituição que é guardião.

          Referências Bibliográficas

PILONE, Caroline de Paula, Princípio da não-culpabilidade: aspectos  teóricos e práticos, 2013;

NOVELLI, Rodrigo Fernando, A teoria do garantismo penal e o principio da legalidade, 2014;

DA ROSA, Alexandre Morais, Para entender o Garantismo Penal de Ferrajoli, 2015;

http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28126292%2ENUME%2E+OU+126292%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/jukvr93, acesso em 09 de março  de 2017.

FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: Teoria do garantismo penal. 2010;

DEMERCIAN, Pedro e ASSAF, Jorge. Curso de Processo Penal, 9ª Edição, Rio de Janeiro, Forense, 2014.

Constituição Federal  de  1988;

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Mais informações

Este artigo foi elaborado durante o estudo da matéria Direito Penal IV, ministrado e coordenado pela orientadora Taiana Levine.

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