Responsabilidade civil do Estado: da irresponsabilidade à responsabilidade objetiva

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Conheça mais sobre qual o contexto atual da responsabilidade civil do Estado, e como chegou-se até aqui, a partir da evolução normativa trazida pelas teorias que tentaram justificá-la, de todas as formas, ao longo da história.

INTRODUÇÃO

A responsabilidade civil do Estado pode ser definida, em síntese, como sendo a obrigação legal da Administração Pública ou Estado, como queiram, de reparar pecuniariamente os danos materiais ou morais causados a outrem havidos dentro do exercício de suas funções administrativas.

Veja-se a respeito que a reparação dos danos pode decorrer do dever de ressarcir ou de indenizar, valendo fazer a distinção que o ressarcimento advém do ato ilícito praticado pelo ente público; enquanto a indenização é devida mesmo diante da prática de um ato lícito resultante no prejuízo/dano ao interesse do particular.

A indenização decorrente de atividade licita do Poder Público pode ser verificada, por exemplo, nos casos de desapropriação, requisição e execução compulsória de medidas sanitárias, dentre outras.

Embora a prática de tais atos sejam lícitas e legais, poderá ocorrer durante a sua execução danos a terceiros, passíveis de acarretar diminuição dos seus bens jurídicos, de modo que, mesmo não havendo na origem deste ato prejuízo de qualquer ofensa ou desrespeito ao direito do terceiro, ainda assim existe a responsabilidade de cunho indenizatório previsto na lei ou contrato.

Isto porque o dever de ressarcir será sempre vinculado á prática de algum ato ilícito ou decorrente do inadimplemento das obrigações, em que, para a existência do dano, passível de reparação, imprescindível que se demonstre a violação de uma obrigação precedente (dano contratual) ou de uma norma jurídica (dano extracontratual).

Atualmente, a Constituição Federal dispõe expressamente no seu artigo 37, §6º, sobre a responsabilidade objetiva do Estado e sobre a responsabilidade subjetiva dos seus agentes públicos, pelo qual “A administração pública direta e indireta de qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também ao seguinte: as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadores de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurando o direito de regresso contra o responsável no caso de dolo ou culpa.”

Por certo, percebe-se que a responsabilidade civil do Estado mostra-se regulado pelos princípios constitucionais da igualdade e da legalidade, que estabelecem limites à atuação do Poder Público donde, uma vez ultrapassados, nasce o dever de ressarcir ou indenizar.

Com estas breves considerações iniciais aqui expostas, em que ateremos unicamente á responsabilidade civil do Estado pelo cometimento de ato ilícito, fundado, sobretudo, na mencionada disposição normativa constitucional, veremos que foi uma grande conquista a codificação do tema, já que no início, até se chegar á atual responsabilização, o Estado era absoluto, e, por decorrência, não sofria qualquer responsabilização pelos danos cometidos.

1 TEORIA PRIVATISTA E PUBLICISTAS DA RESPONSABILIDADE.

O estudo acerca da responsabilidade civil do Estado passa de um momento pelo conceito da irresponsabilidade civil até a responsabilidade com culpa, civilista, até se atingir a fase da responsabilidade pública.

No ensinamento do mestre MEIRELLES (2002, p. 617), a

responsabilidade civil da Administração é, pois, a que impõe à Fazenda Pública a obrigação de compor o dano causado a terceiros por agentes públicos, no desempenho de suas atribuições ou a pretexto de exercê-las. É distinta da responsabilidade contratual e da legal.

Mais precisamente, é entendimento pessoal de MEIRELLES (2002, p. 617) que:

Preferimos a designação responsabilidade civil da Administração Pública ao invés da tradicional responsabilidade civil do Estado, porque, em regra, essa responsabilidade surge de atos da Administração, e não de atos do Estado como entidade política. Os atos políticos, em principio, não geram responsabilidade civil, como veremos adiante. Mais próprio, portanto, é falar-se em responsabilidade da Administração Pública do que em responsabilidade do Estado, uma vez que é da atividade administrativa dos órgãos públicos, e não dos atos de governo, que emerge a obrigação de indenizar.

Num primeiro momento, o Estado não respondia a qualquer ato ativo ou omissivo ilegalmente praticado ou que se deixou de praticar, cuja teoria da irresponsabilidade, excluía por completo a responsabilidade estatal, consagrando a prática de que o Estado nunca erra. Sobre nenhum fundamento deveria responder civilmente o Estado pelos seus atos ou omissões, motivo pelo qual, por meio desta teoria, evidente que o Estado se eximia absolutamente do dever de reparar os danos causados aos particulares.

Trata-se de teoria típica dos Estados absolutistas, donde a autoridade e as ações do imperador eram tidas como a realização da vontade divina, sendo assim, o poder estatal era visto como pleno, revestido, pois, da natureza puramente divina, acarretando a total ausência do dever de ressarcir ou indenizar.

Nesse aspecto, sob o fundamento da soberania onde o ‘rei não erra’, tornava-se tornava impossível imputar o dever de indenizar a quem atua diretamente na defesa dos interesses de toda a sociedade.

Esta teoria fundamentava-se em três pilares, conforme entendimento doutrinário de YUSSEF CAHALI (2012, p.18)

1) na soberania do Estado, que por natureza irredutível, proíbe ou nega sua igualdade ao súdito, em qualquer nível de relação, a responsabilidade do soberano perante o súdito é impossível de ser reconhecida, pois envolveria uma contradição nos termos da equação; 2) segue-se, que representando o Estado soberano o direito organizado, não pode aquele parecer como violador desse mesmo direito; 3) daí, os atos contrários à lei praticados pelos funcionários jamais podem ser considerados atos do Estado, devendo ser atribuídos pessoalmente àqueles, como praticados nomine próprio.

Durante o tempo da sua vigência, a legitimidade da irresponsabilidade civil não é jamais posta em dúvida, já que, o Estado, por gerar o direito do súdito, também o tutela e, feito isto, não atenta contra a ordem jurídica, pois sendo ele próprio, o direito não haveria como praticar injustiças contra direito do particular.

No Brasil, a teoria da irresponsabilidade foi adotada durante a Constituição do Império de 1824 e Constituição Republicana de 1891. Destarte, mesmo quando da sua aplicabilidade no Brasil, o servidor ou funcionário público causador do dano era responsabilizado por sua prática, mas nunca o Estado.

Nesse sentido, muito se questionava sua aplicabilidade no tocante á violação dos direitos, pois não fazia sentido que o Estado constituído para tutelar o direito o violasse de maneira impune, em nítido contra-senso.

Nesta época os doutrinadores repudiavam a adoção desta teoria, que aos poucos foi perdendo sua força pelas injustiças praticadas sob o prisma da legalidade, bem assim da própria evolução social a que o Estado sempre primou por observar.

Houve, por assim ser, frente inúmeras necessidades, o interesse pela responsabilização do Estado, o que, de início, ocorreu com a chamada ‘teoria da Responsabilidade com culpa ou teoria civilista da culpa’.

Esta teoria adveio diante da rejeição à teoria da irresponsabilidade do Estado, pela qual passou a ser admitida a aplicação de normas do direito civil, de caráter privado.

Veja-se que nesta fase, houve a imposição da responsabilidade pelos ‘atos de gestão’ editados pelo Estado, equiparando-se a situação jurídica do Estado a dos particulares, para então, estabelecer a obrigação de indenizar.

Entretanto, esta teoria excluía a possibilidade da obrigação indenizatória decorrente de atos praticados pelo Império, ou seja, os nominados ‘atos do império’.

O Estado, agindo dentro da sua soberania, na qualidade de poder supremo, seus atos praticados dentro dessa qualidade ficariam incólumes de qualquer julgamento e mesmo quando causadores de danos não estavam passíveis de gerar direito á reparação.

Para a teoria civilista um dos principais pressupostos caracterizadores do dever indenizatório funda-se na culpa do agente que, ao agir com dolo ou com culpa em sentido restrito, nas modalidades da imprudência, imperícia ou negligência, provoca o evento danoso passível de reparação indenizatória.

Todavia, ao praticar os chamados ‘atos de gestão’, o Estado equipara-se ao particular, podendo a sua prática resultar na sua responsabilidade civil, assim equiparado, conforme adverte YUSSEF CAHALI (2012, p. 20)

nas mesmas condições de uma empresa privada, pelos atos dos seus representantes ou prepostos lesivos ao direito de terceiros, distinguia-se, então, conforme tivesse havido ou não culpa do funcionário: havendo culpa, a indenização seria devida; sem culpa, não haveria ressarcimento do dano.

Em que pese referida distinção, donde pelos ‘atos de império’ inexistia qualquer possibilidade de reparação e nos ‘atos de gestão’ possibilidade haveria de reparação a depender da demonstração por parte da vitima da culpabilidade do agente público na ocorrência do evento danoso, na prática tornou-se quase que impossível referida distinção, não sendo possível precisar quais dos atos pertenciam a cada uma destas categorias, sendo, assim, considerado o sistema inadequado.

Tornou-se, a bem da verdade, impossível a averiguação da culpa civil, como fator gerador de direito a obtenção de reparação por prática de danos causados ao administrado.

De toda sorte, a reparação civil dependia exclusivamente da comprovação da culpa do funcionário causador do dano, tal qual adotado pelo anterior Código Civil em seu o art. 15.

À míngua de satisfativa resolução, assim como ocorrido nas teorias anteriores, esta também perdeu sua aplicabilidade, cedendo, então, lugar as teorias publicistas, mais flexíveis do ponto de vista crítico, estabelecendo de forma mais segura e justa a distribuição da responsabilidade civil.

Nesta última fase da evolução histórica do instituto, a grande mudança está na responsabilidade estatal ser desenvolvida dentro do direito público, enquanto nas duas fases anteriores a questão se desenvolveu unicamente no campo do direito privado.

Cabe aqui a lúcida observação trazida por CRETELLA JUNIOR (1968, p. 51):

Motivos de ordem prática anatematizavam a manutenção da irresponsabilidade pública, pelo crescer contínuo dos danos produzidos pela administração, aumentando com o desenvolvimento de seu campo r a potencia de seus meios, elevando, pois, a reparação à categoria de verdadeira necessidade social. A reparabilidade pelos danos causados passou a ser um dogma, que integrou, em ininterrupto progresso, a canônica civil da responsabilidade, imantada na direção dos administrados.

Ainda, para o mesmo autor (1968, p. 50),

se, pela teoria da irresponsabilidade, em hipótese alguma a administração estava obrigada à indenização patrimonial ao causar dano ao administrado, se pela teoria dos atos de gestão, se exigia a prática de ato desta espécie e culpa do funcionário, a terceira colocação, fixada no terreno 'civilista', acanhada embora, representa grande progresso, num sentido mais liberal, dispensando a tipificação restrita e mal delineada do ato jure gestionis, para ressaltar o outro elemento – culpa -, fulcro da responsabilização estatal.

As teorias publicistas são classificadas em três grupos, quais sejam, teoria da culpa administrativa, teoria do risco administrativo e teoria do risco integral.

A teoria da culpa administrativa, também conhecida como ‘teoria da culpa anônima do serviço’, tem como premissa a responsabilização do Estado quando os serviços por ele executados não fossem prestados ou se prestados estivessem revestidos de irregularidades e defeitos.

Nessa teoria, para a existência da reparação, somente bastava provar a ausência do serviço que deveria ser executado pelo Poder Público, falha na conclusão ou defeitos na sua prestação, gerando daí, o dever de reparar o dano. Por tal razão, recebeu também a denominação de ‘teoria da culpa anônima do serviço’.

Por necessário tencionou pela aplicabilidade desta primeira teoria publicista em contraposição à teoria privatista de concepção civilista, obtemperando por um conceito mais amplo da culpa, que até compreenderia a “previsibilidade, possibilidade que o funcionário público teria de antever o dano e fazer o possível para evitá-lo”, consoante escólio de José Cretella Junior (1968, p. 280)

Com maior arrimo novamente é a lição de CRETELLA JUNIOR (1968, p. 281):

A culpa e o risco formam as bases essenciais da responsabilidade da administração pública pelo dano decorrente do fato de seus agentes, ou do fato das coisas a seu serviço. A culpa abrange, porém, a maior extensão desse setor das relações jurídicas da administração. Na verdade, a culpa supõe que o agente tenha ou deva ter conhecimento pleno de todos os fatores e circunstâncias capazes de determinar os efeitos e resultado do ato.

Seguidamente, para o mesmo autor (1968, p. 281-282),

a noção de responsabilidade, baseada na culpa, prende-se a leis morais. A culpa revela-nos os limites de cogência das leis morai sobre a conduta humana, no curso desse progresso. Vencida a natureza, o homem há de ser plenamente responsável pelo uso que fizer das forças e dos bens naturais.

Não se pode negar que mesmo diante de tal evolução, também não se mostrava adequada e completamente coesa a atribuição ao Estado da responsabilidade subjetiva, já que, havia ainda certa confusão entre a ocasionada 'falha no serviço' com a responsabilidade individual do agente público.

Para dirimir a dúvida, chegou-se a cogitar que a falta individual seria apenas uma das modalidades a ensejar a responsabilidade do Estado, mas não a condição fundamental para sua caracterização.

Isto porque, a responsabilização subjetiva nada mais seria que a obrigação em indenizar alguém por um procedimento culposo ou doloso causador de prejuízo e dano, pouco importando de quem partiu o ato infringente.

Corroborando outra não é a posição de BANDEIRA DE MELLO (2014, p. 1021):

Em face dos princípios publicísticos não é necessária a identificação de uma culpa individual para deflagrar-se a responsabilidade do Estado. Esta noção civilista é ultrapassada pela ideia denominada de faute du serviçe entre os franceses. Ocorre a culpa do serviço ou 'falta de serviço' quando este não funciona, devendo funcionar, funciona mal ou funciona atrasado. Esta é a tríplice modalidade pela qual se apresenta e nela se traduz um elo entre a responsabilidade tradicional do Direito Civil e a responsabilidade objetiva.

Para o festejado autor, conclusivamente (2014, p. 1021),

a ausência do serviço devido ao seu defeituoso funcionamento, inclusive por demora, basta para configurar a responsabilidade do Estado pelos danos daí decorrentes em agravo dos administrados. Portanto, a culpa individual passa a ser apenas uma das modalidades que ensancham responsabilização do Estado.

Em termos evolutivo, que não se mostrou apropriado referida responsabilização, houve readequação para a hipótese de responsabilização de ordem objetiva do Estado, de cunho eminentemente público, afastando-se da proximidade até então presente com a responsabilidade subjetiva.

Destarte, muito embora seja objeto de capítulo específico, colaciona-se na oportunidade, singelos aspectos da teoria do risco administrativo e risco integral.

A teoria do risco administrativo ou teoria da responsabilidade objetiva adotada por nossa Constituição Federal, vista com evolução das teorias publicistas, consagra-se na atuação do Poder Público ante a probabilidade da ocorrência do dano pelo denominado ‘risco potencial’.

De se considerar nessa teoria que o Estado pode causar prejuízos aos particulares, estando, pois, obrigados a repará-los caso assim ocorram, o que até então não era admitido.

O ponto de maior relevância na aplicação desta teoria reside na culpa objetiva do Estado que não precisa ser provada pela vítima para fazer jus ao recebimento da verba indenizatória.

Destarte, para a existência do dever indenizatório do Estado mister a comprovação simultânea de dois elementos, sem os quais se torna impossível caracterizar o evento como danoso passível de reparação pecuniária.

O primeiro elemento diz respeito à existência do dano propriamente dito quando da execução de algum serviço pelo Poder Público e o segundo elemento trata-se do nexo causal, por meio do qual se faz necessário a demonstração que a conduta lesiva decorreu da atuação do Poder Público.

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A responsabilidade objetiva ou risco administrativo prevista no artigo 37, §6º da Constituição Federal atribui a prova da culpa somente quando o Estado pretender obter o ressarcimento do valor indenizatório pago á vítima, na hipótese de seus agentes terem provocado o dano de forma intencional ou agindo com imprudência, imperícia ou negligência, hipótese esta de cabimento da correspondente ação de regresso.

Nesse sentido, a regra da aplicabilidade desta teoria é que o Poder Público responde objetivamente perante o particular, enquanto o seu agente causador do dano responde de forma subjetiva perante o Estado, desde que este demonstre que sua conduta foi praticada com dolo ou culpa.

De igual maneira, mas com ampliação da responsabilização do Estado, pela ‘teoria do risco integral’ o Estado sempre deveria responder civilmente pelos danos causados a terceiro, independentemente da comprovação do dolo ou culpa, não sendo relevante para a apuração da responsabilização a culpa exclusiva do particular.

Nestes casos sequer haveria a incidência das eximentes ou excludentes da responsabilidade civil, o que de certo modo acabaria por ensejar certo abuso de direito, já que nem tudo pode gerar integral reparação sem a correspondente comprovação.

Ante tais imposições, diga-se até mesmo extremadas, merece destacar que esta teoria não foi amplamente aceita pela legislação brasileira, conforme oportunamente analisado.

2 TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO

Após a evolução das teorias que orientam a responsabilidade civil do Estado, ou, como queiram, da Administração Pública, chega-se ao ápice estrutural da responsabilização com a denominada “Teoria do Risco Administrativo”.

Conforme estatui o texto constitucional em seu art. 37, §6˚, todas as pessoas jurídicas de direito público assim como as de direito privado que prestem serviços reconhecidos como públicos, responderão pelos danos praticados por seus agentes em face de terceiros, conduta esta positiva ou omissiva, como oportunamente se verá.

Eis, pois, substrato normativo a amparar a sustentada teoria do risco administrativo cuja responsabilização, sobressaltando a até então responsabilidade subjetiva, passa a ser de ordem objetiva, em que, “prima facie”, não exige demonstração de dolo ou culpa para sua caracterização.

Como pontuado por YUSSEF CAHALI (2012, p. 30),

rigorosamente a responsabilidade objetiva tende a se bastar com o simples nexo de causalidade material, eliminada a perquirição de qualquer elemento psíquico ou volitivo; a aceitação incondicionada da teoria da responsabilidade objetiva, bastando-se com a identificação do vinculo etiológico – atividade do Estado, como causa e dano sofrido pelo particular, como conseqüência - , eliminaria a priori o exame de qualquer coeficiente de culpa na conduta do funcionário, ou de culpa anônima decorrente de falha da máquina administrativa, investindo a culpa de presunção absoluta, júris et de jure, portanto invencível e sem possibilidade de qualquer contraprova; nem mesmo a teoria do risco criado, do risco-proveito, seria com ela compatível, na medida em que simplesmente tornaria relativa aquela presunção de culpa, fazendo-a presumida júris tantum, para simplesmente liberar o lesado da produção da respectiva prova, com a transferência para o Estado da prova de fatos excludentes da responsabilidade.

Forçoso, assim, que para a teoria do risco administrativo, a obrigação embrionária de indenizar emerge do só ato ilícito causado a terceiros pela Administração Pública e pessoas jurídicas de direito privado que prestem serviços públicos, não se exigindo, porém, o cometimento de qualquer falta do serviço ou culpa de seus agentes, como condição própria da então vigente responsabilização subjetiva – teoria publicista.

Nesse sentir, a responsabilização pelo risco administrativo decorre do fato de que as atividades públicas desenvolvidas geram um risco efetivo ou iminente ao particular, assim consistente na aparente possibilidade de lhes acarretar danos, fato este a ensejar compensação pelo ônus atribuído.

Correto dizer que a responsabilidade possui como objetivo funcional compensar o desequilíbrio verificado, como expressão da solidariedade social a permitir a partilha dos encargos transpostos ao particular.

A respeito, com clareza leciona YUSSEF CAHALI (2012, p. 33):

A concepção publicista da responsabilidade civil do Estado – em cujo êxito tanto se empenharam os administrativistas - , ao consagrar a responsabilidade objetiva do ente estatal, degenera, desenganadamente e sem paliativos, na adoção da teoria do risco, risco criado pelas atividades normais ou anormais da Administração; mostra-se, assim, incompatível com a concepção da faute du service, com a culpa anônima da Administração, como causa da responsabilidade civil do Estado, no que esta nada mais é que uma transposição e adaptação, no âmbito do direito público, de uma concepção privatística por excelência. Em outros termos, a responsabilidade implica a assunção de responsabilidade pelo risco criado pelas atividades impostas ao órgão público; ao nível da responsabilidade objetiva – e, consequentemente, da teoria do risco criado pela atividade administrativa -, descarta-se qualquer indagação em torno da falha do serviço ou culpa anônima da Administração (...). No plano da responsabilidade objetiva, o dano sofrido pelo administrado tem com causa o fato objetivo da atividade (comissiva ou omissiva) administrativa, regular ou irregular, incomponível, assim, com qualquer concepção de culpa administrativa, culpa anônima do serviço, falha ou irregularidade no funcionamento deste.

Toda esta responsabilização estatal veio a reconhecer e a conferir, após tempos de evolução, a obrigação do Estado na distribuição do ônus, como instrumento de igualdade social, próprio do Estado Democrático de Direito, em que o Estado também possui suas falhas e estaria sujeita a repreensão normativa e reparação indenizatória a terceiros que não concorreram para o ilícito e que, de alguma forma, foram lesados.

Não se admite aqui a então impossibilidade de responsabilização ou a possibilidade mitigada pela responsabilidade subjetiva, sendo mister apenas a demonstração da conduta, do dano e do nexo de causalidade ensejador do resultado lesivo.

Como bem observado por BANDEIRA DE MELLO (2014, p. 1017),

Segundo entendemos, a idéia de responsabilidade do Estado é uma conseqüência lógica inevitável da noção de Estado de Direito. A trabalhar-se com categorias puramente racionais, dedutivas, a responsabilidade estatal é simples corolário da submissão do Poder Público ao Direito. Deveras, a partir do instante em que se reconheceu que todas as pessoas, sejam elas de Direito privado, sejam de Direito Público, encontram-se, por igual, assujeitadas à ordenação jurídica, ter-se-ia que aceitar, a bem da coerência lógica, o dever de uma e outras – sem distinção – responderem pelos comportamentos violadores do direito alheio em que incorressem. Ademais, como o Estado acolhe, outrossim, o princípio da igualdade de todos perante a lei, forçosamente haver-se-á de aceitar que é injurídico o comportamento estatal que agrave desigualdade a alguém, ao exercer atividades no interesse de todos, sem ressarcir ao lesado.

Com o reconhecimento e efetiva aplicabilidade da responsabilidade objetiva estatal, inúmeros foram as ações ajuizadas tencionadas à reparação material e moral do dano causado, razão porque, houve a necessidade de melhor aparelhamento e otimização dos serviços públicos pelo Estado e pessoas jurídicas que assim desempenham tais atividades.

Houve melhor distribuição do papel estatal na atividade dos particulares, a despeito da sobreposição derivada da supremacia do interesse público sobre o particular, mas que encontra, todavia, limites do próprio direito individualizado do particular.

Embora os problemas existentes, nunca se viu tanta atuação estatal racional e cordata aos direitos do particular. A toda conduta infringente cabível a responsabilização, e a forma como admita esta responsabilização tornou o desempenho da atividade pública algo mais eficiente, funcional, transparente e democrático.

A termitente aplicação da teoria do risco criou de per si a obrigação de que os serviços públicos sejam prestados de modo a realmente atender aos interesses do particular e à finalidade pela qual foi lançada. Não mais se afere na prática tamanhas ilegalidades como antes vista em que a responsabilização estava a depender da comprovação da culpa.

A própria maturidade social e a construção evolucionista do Direito Administrativo exigiu a readequação do interesse público (primário e secundário), para além do antiquário interesse de determinadas pessoas ou grupos de pessoas. Hoje se verifica a busca pela satisfação máxima do serviço público, vale dizer, não se permite mais ignorar o serviço público como autêntico objetivo de política pública voltado ao desenvolvimento social.

Mais ainda, atrelado a esta responsabilização, grande parte dos serviços públicos prestados constitui relação se consumo, submissa ás normatizações de regência do Código de Defesa e Proteção do Consumidor, que assim faz referência expressa em seu art. 20:

Os órgãos públicos, por si ou por suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos

Quis a legislação consumerista, de norma cogente e ordem pública, expressamente detalhar a responsabilidade dos “órgãos públicos” de que os serviços devem atingir o máximo de eficiência e efetividade possível em favor do consumidor.

Como corolário do descumprimento do exposto, arrima o parágrafo único deste mesmo artigo que assim ocorrendo “serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados”, cuja ineficiência na prestação do serviço a que se refere o disposto no art. 14 do CDC ensejará a responsabilização “independentemente da existência de culpa pela reparação dos danos causados”.

Assim, quebrou-se o estigma da irresponsabilidade ou responsabilidade mitigada para se admitir que toda conduta praticada e lesiva a direito de outrem, passa a estar submetida ao crivo da reparabilidade.

Por oportuno, após igual discussão jurídica, vem se admitindo que simetricamente á conduta ativa, na omissão despropositada também incide a hipótese de responsabilização objetiva pela teoria do risco administrativo.

Cite-se a respeito posição assumida pelo e. Supremo Tribunal Federal:

Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Direito Administrativo. Omissão do Poder Público. Responsabilidade objetiva. Elementos da responsabilidade civil estatal demonstrados na origem. Reexame de fatos e provas. Impossibilidade. Precedentes. 1. A jurisprudência da Corte firmou-se no sentido de que as pessoas jurídicas de direito público respondem objetivamente pelos danos que causarem a terceiros, com fundamento no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, tanto por atos comissivos quanto por atos omissivos, desde que demonstrado o nexo causal entre o dano e a omissão do Poder Público. 2. Inadmissível, em recurso extraordinário, o reexame de fatos e provas dos autos. Incidência da Súmula nº 279/STF. 3. Agravo regimental não provido. (ARE 868610 AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Segunda Turma, julgado em 26/05/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-128 DIVULG 30-06-2015 PUBLIC 01-07-2015).

RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO PODER PÚBLICO – ELEMENTOS ESTRUTURAIS – PRESSUPOSTOS LEGITIMADORES DA INCIDÊNCIA DO ART. 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA – TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO – HOSPITAL PÚBLICO QUE INTEGRAVA, À ÉPOCA DO FATO GERADOR DO DEVER DE INDENIZAR, A ESTRUTURA DO MINISTÉRIO DA SAÚDE – RESPONSABILIDADE CIVIL DA PESSOA ESTATAL QUE DECORRE, NA ESPÉCIE, DA INFLIÇÃO DE DANOS CAUSADA A PACIENTE EM RAZÃO DE PRESTAÇÃO DEFICIENTE DE ATIVIDADE MÉDICO-HOSPITALAR DESENVOLVIDA EM HOSPITAL PÚBLICO – LESÃO ESFINCTERIANA OBSTÉTRICA GRAVE – FATO DANOSO PARA A OFENDIDA RESULTANTE DE EPISIOTOMIA REALIZADA DURANTE O PARTO – OMISSÃO DA EQUIPE DE PROFISSIONAIS DA SAÚDE, EM REFERIDO ESTABELECIMENTO HOSPITALAR, NO ACOMPANHAMENTO PÓS-CIRÚRGICO – DANOS MORAIS E MATERIAIS RECONHECIDOS – RESSARCIBILIDADE – DOUTRINA – JURISPRUDÊNCIA – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. (AI 852237 AgR, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 25/06/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-176 DIVULG 06-09-2013 PUBLIC 09-09-2013)

A par disso, inúmeras condutas podem ensejar a reparação objetiva do dano, mormente em face também de diversas atividades de interesse público desenvolvidos, como ainda da própria manifestação de vontade estatal pela edição de atos administrativos, ou mesmo por condutas inesperadas ensejadores de lesão á ordem jurídica.

Por conseguinte, está sujeito a reparação indenizatória desde atos clássicos como acidentes de trânsito, estacionamentos públicos, estabelecimento de ensino, atos administrativos danosos, protestos indevidos de títulos e documentos de dívida pública, exercício de atividades de risco, até questões mais aprofundadas envolvendo concessão e cassação de alvará, danos ecológicos e ambiental, desapropriação, intervenção administrativa, específico poder de polícia, funcionalismo público, ilegal privação da liberdade, dentre outros.

Para ilustrar o tema, pede-se vênia a apresentar algumas decisões prescritas por nossos Tribunais:


APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO ORDINÁRIA - ESTADO DE MINAS GERAIS - RESPONSABILIDADE OBJETIVA - ANULAÇÃO DE PROVA DE CONCURSO PÚBLICO - DANO MATERIAL - SENTENÇA MANTIDA. - A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito público, é objetiva - independente de prova de culpa, porque amparada na teoria do risco administrativo, prevista no art. 37, § 6º da Constituição Federal/1988.
- Tratando-se de responsabilidade objetiva, revela-se suficiente para o reconhecimento do dever de indenizar a comprovação da ocorrência do dano, da autoria e do nexo causal. - Presentes os pressupostos da responsabilidade civil, deve ser mantida a sentença que julgou parcialmente procedente o pedido inicial. (TJMG - Apelação Cível 1.0686.13.017063-8/001, Relator(a): Des.(a) Ana Paula Caixeta, 4ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 12/11/0015, publicação da súmula em 18/11/2015).

DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO – AÇÃO DE REPARAÇÃO – APELAÇÃO – OMISSÃO ATRIBUÍVEL AO ESTADO – RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA – CR, 37, § 6º - HOSPITAL DE SANTA MARIA – CRIANÇA – ÓBITO – NEXO DE CAUSALIDADE – AUSÊNCIA – RECURSO DESPROVIDO. 1. A norma inscrita no artigo 37, § 6º, da Constituição da República acrescida da teoria do risco administrativo contemplam a responsabilidade objetiva do Estado, hipótese que faz emergir da ação imputada ao agente público o dever estatal de indenizar a vítima pelas lesões a ela causadas mesmo quando inexistente a caracterização da culpa. 2. Ainda que a lesão decorra de conduta omissiva, a responsabilidade será atribuível ao Estado na modalidade objetiva, tendo em vista que, ao optar por "nada fazer", o agente responde como se algo tivesse feito, pois poderia ter evitado o resultado lesivo ou contribuído para minorá-lo, mas não o fez. Assim, embora já tenha adotado a modalidade subjetiva, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal evoluiu para reconhecer a incidência da responsabilidade objetiva estatal tanto nos casos de ação quanto nos de omissão imputável aos agentes públicos. 3. "A jurisprudência da Corte firmou-se no sentido de que as pessoas jurídicas de direito público respondem objetivamente pelos danos que causarem a terceiros, com fundamento no art. 37, § 6º, da Constituição Federal, tanto por atos comissivos quanto por atos omissivos, desde que demonstrado o nexo causal entre o dano e a omissão do Poder Público." (ARE 868.610 AgR, Relator: Ministro Dias Toffoli, DJe de 1º/07/15). 4. Quando não se vislumbra a caracterização de nexo de causalidade entre o óbito de criança internada em hospital da rede pública e a conduta imputada aos agentes públicos do Distrito Federal, seja comissiva, seja omissiva, não há que se falar em responsabilização do ente estatal. 5. Recurso desprovido.
(TJDF - Acórdão n. 906220, 20120111762147APC, Relator: LEILA ARLANCH, Revisor: GISLENE PINHEIRO, 2ª Turma Cível, Data de Julgamento: 04/11/2015, Publicado no DJE: 17/11/2015. Pág.: 163).

Apelação Cível - Queda de árvore sobre veículo em via pública - Responsabilidade civil extracontratual do Estado - Teoria da responsabilidade objetiva na modalidade do risco administrativo - Inteligência do art. 37, §6º, da Constituição Federal - Danos materiais - Inocorrência de caso fortuito ou de força maior - Queda de árvore sobre veículo automotor - Danos materiais - Admissibilidade - Omissão da Municipalidade não elidida - Ausência de excludentes de responsabilidade - Sentença mantida. Recurso não provido. (TJSP – Apelação Cível 4001499-94.2013.8.26.0292 - Relator(a): Marrey Uint; Comarca: Jacareí; Órgão julgador: 3ª Câmara de Direito Público; Data do julgamento: 03/11/2015; Data de registro: 05/11/2015)

Respectiva responsabilização, entrementes, encontra exceção que mesmo que configurado o ilícito não ensancha a reparação objetiva a cargo do ente estatal ou da pessoa jurídica prestadora do serviço público, isto porque, ausente requisito essencial á sua configuração pela mencionada eximente.

Assim ocorre v.g. com o caso de comprovação de que inexistiu defeito na prestação do serviço público ou mesmo que o serviço não foi prestado, o que importa assinalar ausência de responsabilidade se o serviço público, em sentido contrário, foi prestado com efetiva eficácia e presteza.

Outra situação que pode ocorrer cinge-se à culpa de terceiros pelo cometimento do evento danoso do qual o Estado ou pessoas afins não concorreram na omissão pelo evento. Correspondente situação na prática esta a depender de prova testemunhal a definir a participação exclusiva do terceiro sem qualquer conluio ou mesmo propositada omissão de agente público ou de agente representante de pessoa jurídica prestadora do serviço público.

Também isento está de responsabilização nos casos de comprovado caso fortuito ou motivo de força maior que exceda a qualquer conduta lesiva por parte do Estado do qual não deu causa ou concorreu. Destarte, mostra-se de imprescindível importância a igual ausência de omissão a que teria contribuído ao evento e resultado lesivo, caso em que, se assim não se mostrar comprovado, poderá haver a responsabilização pelo ilícito.

Outra hipótese que possa vir a surgir destoa dos casos em que o dano se deu por culpa única e exclusiva da vítima, ou seja, quando o particular foi quem deu causa ao evento sem qualquer concorrência do Estado para tanto. Às vezes, não se tem com nítida lucidez que o particular tivesse exclusividade pelo ocasionado dano, razão porque, a meu ver, esta situação ensejaria a possibilidade de reparação do dano talvez com redução da quantia pela valoração da conduta do Estado que teve reduzida participação.

Por certo igualmente que não há responsabilização por atos praticados por pessoas jurídicas de direito privado não prestadoras de serviço público, observado que as empresas públicas e sociedades de economia mista podem exercer a exploração da atividade econômica.

Frente tais exceções cai como luva a advertência de Themistocles Cavalcanti em citação que o faz YUSSEF CAHALI (2012, p. 62):

A própria teoria objetiva precisa ser dosada, por uma justa distribuição dos encargos decorrentes da responsabilidade do Estado, e deve atingir até a própria vítima, cujos prejuízos devem ser reparados equitativamente, evitando-se o aproveitamento, o locupletamento indevido o excessivo, fonte de enriquecimento sobre a coletividade. À jurisprudência, aos tribunais cabe a tarefa de verificar o justo limite da reparação, levando também em conta a participação da vitima no fato danoso, fazendo também sobre ela recair, por meio de uma redução da indenização, a parte de responsabilidade que lhe deve ser atribuída. Nisto é que consiste o critério objetivo, na distribuição dos encargos, de acordo com a realidade dos fatos, e das circunstancias que os cercarem, a apreciação objetiva, real, da responsabilidade.

De tudo, ainda que reconhecido como marco a teoria do risco administrativo admissível à responsabilização objetiva, com ela também foi construído a admissibilidade de hipóteses que assim excluam a responsabilidade, não se tornando algo hígido e absoluto.

Aliás, regras jurídicas não podem ser hígidas o bastante a apequenar a finalidade prescrita pela norma e, mais ainda, criar embaraços à sua aplicação, a ponto de estar fadada ao desuso ou mesmo declaração de perda da eficácia jurídica.

Na mesma linha foi a posição assumida do Supremo Tribunal Federal, antes mesmo da atual Constituição Federal, tal qual referendando no RE 68.107, in verbis:

RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO CONTRA A UNIÃO FEDERAL. CULPA PARCIAL DA VÍTIMA. REDUÇÃO DA INDENIZAÇÃO. II. A RESPONSABILIDADE OBJETIVA, INSCULPIDA NO ART. 194 E SEU PARAGRAFO, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1946, CUJO TEXTO FOI REPETIDO PELAS CARTAS DE 1967 E 1969, ARTS. 105/107, RESPECTIVAMENTE, NÃO IMPORTA NO RECONHECIMENTO DO RISCO INTEGRAL, MAS TEMPERADO. III. INVOCADA PELA RE A CULPA DA VÍTIMA, E PROVADO QUE CONTRIBUIU PARA O DANO, AUTORIZA SEJA MITIGADO O VALOR DA REPARAÇÃO. PRECEDENTES. VOTO VENCIDO. RECURSO NÃO CONHECIDO. (RE 68107, Relator(a): Min. ADALÍCIO NOGUEIRA, Relator(a) p/ Acórdão: Min. THOMPSON FLORES, Segunda Turma, julgado em 04/05/1970, DJ 09-10-1970 PP-04766 EMENT VOL-00814-01 PP-00259 RTJ VOL-00055-01 PP-00050).

Nesse mister, eis o ponto crucial entre a confusão existente com a doutrinária corrente da “Teoria do Risco Integral”, onde, com proximidade á teoria do risco administrativo, não traria em seu bojo qualquer possibilidade de exclusão da responsabilidade objetiva estatal.

Tal como definido por YUSSEF CAHALI (2012, p. 37),

a distinção entre risco administrativo e risco integral não é ali estabelecida em função de uma distinção conceitual ou ontológica entre as duas modalidades pretendidas de risco, mas simplesmente em função das conseqüências irrogadas a uma ou outra modalidade: o risco administrativo é qualificado pelo seu efeito de permitir a contraprova de excludente de responsabilidade, efeito que se pretende seria inadmissível se qualificado como risco integral, sem que nada seja enunciado quanto à base ou natureza da distinção.

Ainda assim, muitos doutrinadores seguiam em se posicionar quanto ao uso divergente apenas de terminologias ao tema, donde o fundo das teorias seria de igual resultante, em que pese a orientação normativa advinda do texto constitucional a que bem se reporta MEIRELLES (2002, p. 622):

O exame desse dispositivo revela que o constituinte estabeleceu para todas as entidades estatais e seus desmembramentos administrativos a obrigação de indenizar o dano causado a terceiros por seus servidores, independentemente da prova de culpa no cometimento da lesão. Firmou, assim, o princípio objetivo da responsabilidade sem culpa pela atuação lesiva dos agentes públicos e seus delegados.

Para o mesmo autor (MEIRELLES, 2002, p. 620), expressamente foi atendido pela norma constitucional a teoria do risco administrativo, espancando de eficácia a teoria do risco integral:

A teoria do risco integral é a modalidade extremada da doutrina do risco administrativo, abandonada na prática, por conduzir ao abuso e á iniqüidade social. Por essa fórmula radical, a Administração ficaria obrigada a indenizar todo e qualquer dano suportado por terceiros, ainda que resultante de culpa ou dolo da vítima. Daí porque foi acoimada de “brutal” pelas graves conseqüências que haveria de produzir se aplicada na sua inteireza.

No mesmo sentido a jurisprudência veio a expressamente difundir a existência destas duas teorias, assinalando a adesão da teoria do risco administrativo pela norma constitucional atual, consoante mesma posição já adotada anteriormente à vigência da atual Constituição Federal de 1988, in verbis:

RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO PODER PÚBLICO – ELEMENTOS ESTRUTURAIS – PRESSUPOSTOS LEGITIMADORES DA INCIDÊNCIA DO ART. 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA – TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO – MORTE DE INOCENTE CAUSADA POR DISPARO EFETUADO COM ARMA DE FOGO PERTENCENTE À POLÍCIA MILITAR DO ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL E MANEJADA POR INTEGRANTE DESSA CORPORAÇÃO – DANOS MORAIS E MATERIAIS – RESSARCIBILIDADE – DOUTRINA – JURISPRUDÊNCIA – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. - Os elementos que compõem a estrutura e delineiam o perfil da responsabilidade civil objetiva do Poder Público compreendem (a) a alteridade do dano, (b) a causalidade material entre o “eventus damni” e o comportamento positivo (ação) ou negativo (omissão) do agente público, (c) a oficialidade da atividade causal e lesiva imputável a agente do Poder Público que tenha, nessa específica condição, incidido em conduta comissiva ou omissiva, independentemente da licitude, ou não, do comportamento funcional e (d) a ausência de causa excludente da responsabilidade estatal. Precedentes. A ação ou a omissão do Poder Público, quando lesiva aos direitos de qualquer pessoa, induz à responsabilidade civil objetiva do Estado, desde que presentes os pressupostos primários que lhe determinam a obrigação de indenizar os prejuízos que os seus agentes, nessa condição, hajam causado a terceiros. Doutrina. Precedentes. - Configuração de todos os pressupostos primários determinadores do reconhecimento da responsabilidade civil objetiva do Poder Público, o que faz emergir o dever de indenização pelo dano moral e/ou patrimonial sofrido. (STF - RE 603626 AgR-segundo, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 15/05/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-113 DIVULG 11-06-2012 PUBLIC 12-06-2012)

Agravo regimental em agravo de instrumento. 2. Morte de preso no interior de estabelecimento prisional. 3. Indenização por danos morais e materiais. Cabimento. 4. Responsabilidade objetiva do Estado. Art. 37, § 6º, da Constituição Federal. Teoria do risco administrativo. Missão do Estado de zelar pela integridade física do preso. 5. Pensão fixada. Hipótese excepcional em que se permite a vinculação ao salário mínimo. Precedentes. 6. Agravo regimental a que se nega provimento. (STF - AI 577908 AgR, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 30/09/2008, DJe-222 DIVULG 20-11-2008 PUBLIC 21-11-2008 EMENT VOL-02342-18 PP-03696)

Responsabilidade civil. Permissionária de serviço de transporte público. - Entre as pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público a que alude o § 6º do artigo 37 da Constituição Federal se incluem as permissionárias de serviço públicos. - Pela teoria do risco administrativo, a responsabilidade objetiva permite que a pessoa jurídica de direito público ou de direito privado demonstre a culpa da vítima, a fim de excluir a indenização, ou de diminuí-la. No caso, O acórdão recorrido declara inexistente essa prova. Aplicação da súmula 279. Recurso extraordinário não conhecido. (STF - RE 206711, Relator(a): Min. MOREIRA ALVES, Primeira Turma, julgado em 26/03/1999, DJ 25-06-1999 PP-00029 EMENT VOL-01956-05 PP-00998)

Parece-nos que melhor acolhida não há acerca da responsabilidade civil objetiva do Estado pela teoria do risco administrativo, conforme pode-se inferir seja pela posição doutrinária, seja pela apresentada posição jurisprudencial.

Não obstante se pretender aludir como simples divergência terminológica correspondentes teorias, certo é que um pouco se distancia a teoria do risco administrativo pela possibilidade de exclusão da responsabilidade, talvez decorrendo daí a confirmação da tese pela comunidade jurídica, do qual nos filiamos.

Não se afaste ainda a possibilidade conferida de ajuizamento de ação de regresso em face do agente causador do dano, mostrando-se, uma vez mais, a preocupação jurídica em partilhar a responsabilidade e não se ver alijada por ela.

Mister que o agente tenha agido na qualidade de agente público e não necessariamente no exercício de suas funções, conforme decidido pelo STF no RE 160.401 em que “(...) O que deve ficar assentado é que o preceito inscrito no art. 37, § 6º, da C.F., não exige que o agente público tenha agido no exercício de suas funções, mas na qualidade de agente público (...)”. (Relator: Min. CARLOS VELLOSO, Segunda Turma, julgado em 20/04/1999, DJ 04-06-1999 PP-00017 EMENT VOL-01953-01 PP-00158)

Com isto está a responsabilidade civil a exigir do Estado e pessoas jurídicas prestadoras de serviço público a otimização de todo o exercício da atividade administrativo, que, assim faltante, poderá dar margem à responsabilização de ordem objetiva pela expressão da teoria do risco administrativo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Grande foi o salto dado com a evolução da responsabilidade civil do Estado, que partiu da então irresponsabilidade pelos atos ilícitos cometidos, até a responsabilidade subjetiva – civilista, com a teoria privatista, passando para a atual responsabilidade objetiva pela teoria do risco administrativo.

Disso decorre a própria evolução do instituto como ainda das regras d direito público e primordialmente do próprio Estado, que passa de Estado absolutista, onde o “rei não erra” ao atual Estado social e democrático de direito.

Com tal fator, em especial pela regra constitucional expressamente polida, ganha o particular maior proteção pelos atos praticados pela Administração Pública, com a maior extensão possível, como ainda pelos serviços prestados pelas pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos.

Tamanha foi a evolução jurídica, que mesmo até posições antes defendidas, como a hipótese da responsabilidade subjetiva nos casos de omissão estatal, foi oportunamente superada para se reconhecer a responsabilidade objetiva, trazendo com isso maior conforto ao particular frente ao poderio estatal.

Após dilação das teorias explicativas da responsabilidade civil do Estado, com muita clareza mostrou-se bem apresentada a reparabilidade pelo risco administrativo, donde se infere o pressuposto de que a atividade pública possa acarretar danos ao particular.

Como se nota, cabível a sujeição de todos à ordem jurídica estabelecida, não sendo diferente o exercício da atividade estatal, o que implica assentir que a lesão a bens jurídicos impõe como decorrência a obrigação de reparar o dano.

Com preciso acerto ainda, sem que se leve ao aspecto absoluto, tem-se presente causas que, ainda que ensejadoras de dano, não se mostram suficientes á reparação, posto que ocorrido sem a necessária causa e efetivo nexo por parte do Estado ou das pessoas jurídicas prestadoras de serviços públicos.

Reporta-se, assim, ás causas excludentes ou eximentes da responsabilidade civil, por onde diferencia-se da mencionada teoria do risco integral, em que a responsabilização sempre será aplicada, mesmo que, v.g. comprovado a hipótese de culpa exclusiva da vítima.

Tem-se, assim, bem distribuída atualmente a responsabilidade em casos que tais, algo que deve ser felicitado e que, como adrede assinalado, acaba por frenar a atuação irresponsável e irrestrita do Estado.

Inúmeros são os casos em que a comunidade jurídica reconheceu e ampliou a responsabilização pelo ilícito, assegurando, porém, o exercício do direito de regresso ao agente público causador do dano.

Com estes singelos dizeres, o presente trabalho apenas objetivou expressar a evolução jurídica porque passou a responsabilidade civil ao Estado, a se confirmar na atualidade a responsabilidade objetiva pela teoria do risco administrativo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


 

BRASIL. Constituição Federal da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília – DF, 5 out. 1988.

BRASIL. Lei n˚. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília – DF, 11 set. 1990.

BANDEIRA DE MELLO, C. A. Curso de Direito Administrativo. 31ªed., Malheiros Editores: São Paulo, 2014.

CAHALI, Y. S. Responsabilidade Civil do Estado. 4ªed., Editora Revista dos Tribunais: São Paulo, 2012.

CRETELLA JUNIOR, J. Tratado de Direito Administrativo. vol. VIII. ed. Forense: São Paulo, 1968.

MEIRELLES, H. L. Direito Administrativo Brasileiro. 27ª ed., Malheiros Editores: São Paulo, 2002.

STF - ARE 868610 AgR.

STF - AI 852237 AgR.

STF - RE 68107.

STF - RE 603626 AgR.

STF - AI 577908 AgR.

STF - RE 206711.

STF - RE 160.401.

TJDF - Acórdão n. 906220, 20120111762147APC.

TJMG - Apelação Cível 1.0686.13.017063-8/001.

TJSP – Apelação Cível 4001499-94.2013.8.26.0292.

1 Bacharel em Direito pela Universidade Paulista – UNIP – Ribeirão Preto/SP. Pós-graduado, especialista em Direito Administrativo e em Direito Educacional. Ex-Advogado. Servidor Público vinculado à Unidade Jurisdicional do Juizado Especial da Comarca de Guaxupé/MG. Professor de Direito do Centro Universitário da Fundação Educacional Guaxupé – UNIFEG. Aprovado no concurso para Notário e Registrador promovido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais - TJMG. Autor e co-autor de inúmeros artigos jurídicos publicados em revistas especializadas. Autor e co-autor de obras jurídicas, dentre as quais, “Sinopse de Direito Internacional”, “Sinopse do Estatuto da Criança e do Adolescente”, “Sinopse de Direito do Consumidor”, “Curso Preparatório para o Exame de Ordem – Prova Objetiva e Parte Teórica”, “Direito para Concursos Públicos”, “Direito & Internet: Contrato Eletrônico e Responsabilidade Civil na Web – Jurisprudência Selecionada e Legislação Internacional Correlata”, “Marco Civil da Internet” e “Lei dos Juizados Especiais Anotada e Interpretada – Cível, Criminal e Fazenda Pública”.

2 Assessora Jurídica da Unidade Jurisdicional do Juizado Especial da Comarca de Guaxupé/MG. Especialista em Direito Administrativo. Autora e co-autora de artigos e obras jurídicas.

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Sobre os autores
Adriano Roberto Vancim

Bacharel em Direito pela Universidade Paulista – UNIP – Ribeirão Preto/SP. Pós-graduado, especialista em Direito Administrativo e em Direito Educacional. Ex-Advogado. Servidor Público vinculado à Unidade Jurisdicional do Juizado Especial da Comarca de Guaxupé/MG. Aprovado no concurso para Notário e Registrador promovido pelo Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais - TJMG. Autor e co-autor de inúmeros artigos jurídicos publicados em revistas especializadas. Autor e co-autor de obras jurídicas, dentre as quais, “Sinopse de Direito Internacional”, “Sinopse do Estatuto da Criança e do Adolescente”, “Sinopse de Direito do Consumidor”, “Curso Preparatório para o Exame de Ordem – Prova Objetiva e Parte Teórica”, “Direito para Concursos Públicos”, “Direito & Internet: Contrato Eletrônico e Responsabilidade Civil na Web – Jurisprudência Selecionada e Legislação Internacional Correlata”, “Marco Civil da Internet” e “Lei dos Juizados Especiais Anotada e Interpretada – Cível, Criminal e Fazenda Pública”.

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