A noção de que no Estado há um núcleo duro a demandar pessoal com qualificação de alto nível foi determinante para o fortalecimento das carreiras de estado. Isto porque, ainda que não haja identificação plena entre núcleo estratégico e alto escalão, o aumento do quantitativo de burocratas de carreira no núcleo estratégico, que detêm expertise, torna-os candidatos naturais, ou concorrentes, aos cargos em comissão. Essa já era a pretensão do MARE:
A participação de servidores efetivos nos cargos de direção e assessoramento deverá crescer nos próximos anos, na medida em que a administração pública se beneficie do recrutamento contínuo de novos quadros qualificados, inclusive reduzindo a dependência da administração indireta, autárquica e fundacional, da requisição de quadros das empresas estatais para a composição de equipes nos Ministérios e Secretarias. (BRASIL. Ministério da Administração e Reforma do Estado, 1998).
Nesses termos, a preocupação implícita da Reforma era criar uma burocracia responsiva ao governante. Assim, ao contrário das várias propostas de organização da burocracia feitas desde a década de trinta do século passado, que previam carreiras tradicionais, com ascensão linear e gradativo controle dos cargos diretivos pelos burocratas estatais, propôs-se uma burocracia permeável, cujo mérito não repousava apenas na aprovação no concurso de ingresso, mas dependia do desempenho ao longo da vida funcional. Deste modo, desenhou-se um modelo de burocracia meritocrática compatível com a flexibilidade de nomeação que sempre caracterizou a administração brasileira.
Parte importante desta concepção foi o conceito de Núcleo Estratégico do Estado, entendido como o “o setor que define as leis e as políticas públicas, e cobra seu cumprimento. No Poder Executivo, corresponde ao Presidente da República, aos ministros e seus auxiliares e assessores diretos, responsáveis pelo planejamento e formulação de políticas públicas.” No Núcleo Estratégico, previu-se a existência de carreiras e de um regime que assegurasse a estabilidade de forma mais flexível. Estas carreiras deveriam desempenhar atribuições “voltadas para as atividades exclusivas de Estado relacionadas com a formulação, controle e avaliação de políticas públicas e com a realização de atividades que pressupõem o poder de Estado.” (BRASIL. Ministério da Administração e Reforma do Estado, 1997, págs. 12,18 e 24).
Desta feita, a ideia de que o núcleo estratégico demandaria carreiras específicas transforma uma discussão genérica, sobre a necessidade de alcançar um padrão de burocracia weberiano na Administração como um todo, em uma demanda focalizada. O fortalecimento do núcleo estratégico do Estado seria realizado por meio da organização dos seus quadros de pessoal, da reorganização e criação de carreiras, da melhoria das condições de remuneração e progressão e da renovação do quadro de servidores e de sua capacitação. (BRASIL. Ministério da Administração e Reforma do Estado, 1998, p. 35).
Para além da política de recursos humanos, verifica-se que, em relação ao Ciclo de Gestão, o discurso de valorização da administração como área estratégica, a possibilidade de auto-regulamentação da carreira e a inserção privilegiada no núcleo do Poder Executivo também facilitaram o processo de consolidação dessa burocracia. Em alguns casos, o Órgão Gestor utiliza suas competências para fortalecer a carreira; em outros, ainda há uma indefinição sobre como exercer estas atribuições. Apesar dessas diferenças, a possibilidade de estes servidores interferirem nos rumos de sua carreira torna vívido o debate sobre o tema e pode facilitar a aprovação de regras que lhes sejam de interesse.
Um exemplo de Órgão Gestor bem estruturado é a Secretaria do Tesouro Nacional-STN, responsável pela carreira de Analista de Finanças e Controle. Desde 1995, um grupo de servidores que atua na Coordenação-Geral de Desenvolvimento Institucional – CODIN/STN, tendo como referência a experiência de empresas privadas, vêm adotando uma série de medidas para melhorar o clima da organização e integrar o fortalecimento da carreira ao planejamento estratégico da instituição. Verificou-se que há políticas de capacitação, de mobilidade interna e de divisão do concurso em áreas de especialização, todas regulamentadas em portarias e divulgadas na intranet da instituição.
Conclusão:
Um dos resultados mais visíveis dessa política foi a transformação para subsídio da remuneração das carreiras do Ciclo de Gestão. O subsídio é a remuneração em parcela única, sem gratificações adicionais e outras verbas, e foi inicialmente previsto para os detentores de mandato político e para os Ministros de Estado com o objetivo de tornar mais transparente a fixação dos seus vencimentos.
Ressalte-se, contudo, que a presente política de recursos humanos não privilegia as carreiras do núcleo estratégico ou do Ciclo de Gestão. As medidas referentes à remuneração e aos concursos se estendem a todas as categorias, indistintamente, inclusive àquelas de nível médio, como demonstram os percentuais de ingresso por nível de escolaridade.
Estudos feitos sobre a carreira indicam que o preparo profissional de seus membros tem assegurado a ocupação destes cargos (PETRUCCI, 1995). Os especialistas em políticas públicas e gestão governamental - EPPGG estão espalhados nos diversos Ministérios e em entidades da Administração Indireta. Alguns órgãos concentram maior número de membros: na Presidência são 99, no MPOG são 126 e no Ministério da Fazenda são 72 EPPGG. No Ministério da Educação são 48 gestores, da Justiça são 57, da Saúde, 35 e de Minas e Energia, 45.
Em vista disto, cabe, ainda, mencionar que o fortalecimento das carreiras de estado e sua crescente presença nos cargos comissionados não vêm sendo acompanhados por medidas relacionadas ao desempenho dos servidores. Deve-se, portanto, atentar para que, em nome da profissionalização, não se promova no longo prazo um fechamento da burocracia, o que também traz consequências danosas.
Dessa forma, em lugar das tentativas de vincular os cargos em comissão a estrutura das carreiras, parece mais profícuo inserir mecanismos de seleção para estes cargos. Esta medida compatibiliza a liberdade de nomeação e exoneração, característica do presidencialismo de coalizão, com a fixação de critérios mínimos para a ocupação dos cargos.
Referências:
BARBOSA, L. M. Meritocracia à brasileira: o que é desempenho no Brasil? Revista do Serviço Público. Brasília: ENAP, ano 47, n. 3, p. 58-102, dez. 1996.
BRASIL. Ministério da Administração e Reforma do Estado. A nova política de recursos humanos. Cadernos de Reforma do Estado. n. 1, Brasília, 1997.
BRESSER-PEREIRA, L. C. A reforma do Estado dos Anos 90: lógica e mecanismos de controle. Cadernos MARE da Reforma do Estado. Brasília, 1997.
CHEIBUB, Z. B.; MESQUITA, W. A. B. Os especialistas em políticas públicas e gestão governamental: avaliação de sua contribuição para políticas públicas e trajetória profissional. Texto para discussão, n. 43. Brasília: ENAP, 2003.
COSTA, V. M. F. O loteamento de cargos públicos no Presidencialismo de Coalizão: reflexões sobre o caso brasileiro. IN: Cadernos FESPSP: Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Crise de Governo e Reformas Institucionais. São Paulo: Editora de Sociologia e Política, 2006.
SANTOS, M. H. de C.; PINHEIRO, M. L. de M.; MACHADO, É. M. Profissionalização dos quadros superiores da administração pública: o caso dos Especialistas em Políticas Publicas e Gestão Governamental. Revista do Serviço Publico. Brasília: ENAP, v. 45, n. 2, p. 91-112, jul.-ago. 1994.